Evolução dos Exércitos na Guerra Peninsular

Estiveram presentes na Guerra Peninsular quatro exércitos: francês, espanhol, britânico e português. A maior parte da componente operacional do exército português foi integrada na força expedicionária britânica sob o comando do Tenente-General Sir Arthur Wellesley (1769-1852) que, pelos seus feitos, receberia o título de Duque de Wellington. Este corpo de tropas britânicas e portuguesas ficou conhecido como Exército de Wellington.

Britânicos, Portugueses e Espanhóis enfrentaram os exércitos franceses. No seio destes exércitos encontravam-se forças de outras nações. A força expedicionária britânica, por exemplo, englobava um corpo de tropas alemãs designadas por King's German Legion e um corpo de tropas dos Chasseurs Britaniques, este último formado pelos émigrés1 . O exército de Soult, na Batalha de Albuera (16 de maio de 1811), utilizou a cavalaria polaca, o 1º Regimento de Lanceiros da Legião do Vístula, com um efetivo de 591 homens [OMAN, volume IV, 1911, p. 635]. Numerosas tropas de outras nacionalidades, incluindo espanhóis e portugueses (Chasseurs à Cheval), serviram nas unidades militares francesas na Península2. Tanto no caso francês como no caso britânico ou espanhol, estas tropas faziam parte integrante daqueles exércitos.

Mas é o conjunto de cada um dos exércitos que nos interessa analisar, em particular o Exército de Wellington. Deste último, daremos especial atenção à forma como foi feita a integração das forças portuguesas e britânicas. Na análise destas forças militares limitaremos a atenção sobre as unidades de manobra, as de infantaria e de cavalaria, muito em especial a primeira por ser a base de todos os exércitos. Um exame completo das forças presentes neste teatro de operações obrigaria a de forma mais pormenorizada destas duas armas, mas também da artilharia, do sistema logístico, dos trens de cerco, das comunicações, do serviço de saúde, da disciplina, da tática e da instrução e muitos outros aspetos que caracterizam um exército. Seria um trabalho volumoso que não é o objetivo destes apontamentos. O que se pretende é apenas proporcionar ao leitor algumas ideias base sobre os exércitos que estiveram presentes na Guerra Peninsular, em especial, como estavam organizados e, no caso dos Portugueses e Britânicos, mais tarde também dos Espanhóis, como interagiram.

1 OLIVER & PARTRIDGE, 1999, pp. 51-88.
2 OLIVER & PARTRIDGE, 2002, pp. 60-128.

 

A ORGANIZAÇÃO DOS EXÉRCITOS

A primeira questão que podemos levantar é saber até que ponto estes exércitos apresentam semelhanças uns com os outros, ou melhor, até que ponto a sua organização militar utiliza conceitos comuns. A força militar mais desenvolvida que esteve presente neste conflito, na Península Ibérica, era a força francesa. Por essa razão, ela constitui o melhor ponto de partida para analisar esta questão.

O EXÉRCITO FRANCÊS

A figura 1 mostra a organização de um exército francês, neste caso a do chamado Armée du Portugal (1810), sob o comando do Marechal André Massena (1758-1817). Antes de mais convém esclarecer o seguinte: a expressão "Exército", quando referimos o exército de Massena, não significa o ramo das forças armadas de um Estado, que atua em terra, mas uma unidade tática formada por dois ou mais Corpos de Exército. Este tipo de organização supõe a existência de um efetivo elevado. No dia 15 de setembro de 1810, L’Armée du Portugal tinha um efetivo de 65.050 homens, dos quais 2.475 eram oficiais. Tratava-se de um EXÉRCITO composto por três CORPOS DE EXÉRCITO (CE), Reserva de Cavalaria, Artilharia, trens (logística), engenheiros e estado-maior3.

3OMAN, volume III, pp. 540-543.

Figura 1

Os Corpos de Exército que compunham o exército de Massena eram o II CE, com o General Jean-Louis-Ébénézer Reynier (1771-1814) como comandante, o VI CE sob comando do Marechal Michel Ney (1769-1815) e o VIII CE sob comando do General Jean-Andoche Junot (1771-1813) que tinha comandado a força francesa invasora de Portugal em 1807. Tomemos o VI CE do Marechal Ney como exemplo: era formado por três DIVISÕES de infantaria, uma BRIGADA de cavalaria, artilharia, um corpo de engenheiros, trens e o estado-maior. Ao todo, este CE tinha, no dia 15 de setembro de 1810, um efetivo de 24.306 homens, dos quais 858 eram oficiais.

Ao referirmos as unidades Exército e Corpo de Exército, não especificamos um tipo de unidade militar (infantaria ou cavalaria). Tratam-se de unidades militares que contêm todos os elementos que podem ser encontrados numa força terrestre no campo de batalha da época: unidades de manobra (infantaria e cavalaria), unidades de apoio de fogos (artilharia), elementos de apoio de combate (corpo de engenheiros) e de apoio logístico (trens).

A unidade militar DIVISÃO surgiu em França por proposta do General Pierre-Joseph Bourcet (1700-1780). Tratava-se de organizar unidades militares com capacidade para cumprirem missões independentes. A vantagem destas unidades sobre o sistema anterior, um exército formado por um corpo de tropas rígido que se mantinha sempre concentrado, era a de poderem dispersar por forma a obterem dois resultados: do ponto de vista logístico facilitava o abastecimento das tropas no terreno e, do ponto de vista tático, obrigava o adversário a dispersar também as suas forças permitindo planear a rápida concentração das divisões, no momento e no local desejado, obtendo superioridade num ponto escolhido, antes que o inimigo conseguisse reagir e reagrupar as suas unidades. Esta vantagem significativa obrigava a um planeamento cuidadoso dos itinerários a utilizar, das missões a atribuir a cada divisão e do conhecimento dos movimentos do inimigo, isto é, à existência de um estado-maior com capacidade para planear operações complexas. A sua execução exigia bons comandantes, disciplina, movimentos rápidos.

O sistema divisionário foi posto em prática pelo Marechal de França Victor François, 2º Duque de Broglie (1718-1804). Cada divisão era formada por unidades de infantaria (manobra) e artilharia (apoio de fogos). Este tipo de organização, no entanto, não foi seguido por outros chefes militares franceses. Só em 1787, Jacques Antoine Hyppolite, Conde de Guibert (1743-1790), reconstruiu o sistema divisionário, mas, ao contrário do que acontecia anteriormente, as Divisões eram unidades permanentes e não apenas formadas para entrarem em campanha.

Os Corpos de Exército surgiram entre 1803 e 1805. Os exércitos que invadiram Portugal não estavam todos organizados em CE. O exército de Junot (24.918 homens), o 1º Corpo de Observação da Gironda, que invadiu Portugal em 1807, era formado por três divisões de infantaria e uma de cavalaria, além da artilharia, trens, estado-maior e outros elementos4. O exército sob o comando do Marechal Soult, que entrou em Portugal em 1809, estava igualmente organizado em divisões – quatro divisões de infantaria – a que se juntavam a cavalaria, a artilharia e o estado-maior, além de outros corpos de apoio de serviços e de combate, num total de 21.452 homens a 1 de fevereiro de 18095.

Já o exército de Massena, que invadiu Portugal em 1810, estava organizado em corpos de exército. Embora tivesse um efetivo semelhante aos dos seus antecessores, 24.306 homens, estes formavam sete divisões de infantaria, além das forças de cavalaria, artilharia e outros elementos. Massena entregou o comando do seu exército ao Marechal Auguste de Marmont (1774-1852), após a derrota sofrida na Batalha de Fuentes de Oñoro (3 a 5 de maio de 1811). Marmont foi, por isso, o comandante das forças francesas na Batalha de Salamanca (22 de julho de 1812). O seu exército, embora com um efetivo superior ao dos exércitos de Junot (1807), Soult (1809) ou Massena (1810), estava organizado em divisões tendo sido suprimido o escalão Corpo de Exército. Isto significava que as divisões estavam sob o comando direto de Marmont6. Na Batalha de Vitoria (21 de junho de 1813) estavam reunidos três exércitos franceses: L’Armée du Sud, L’Armée du Centre e L’Armée du Portugal, todos organizados em divisões7. No entanto, se examinarmos as forças em presença nas principais batalhas que os Franceses travaram na Europa, os exércitos napoleónicos estavam sempre organizados em Corpos de Exército. A decisão de suprimir o escalão Corpo de Exército foi limitada às forças na Península Ibérica.

4OMAN, Volume I, p. 612.
5OMAN, Volume II, p. 625.
6OMAN, Volume V, pp. 601-603.
7OMAN, Volume VI, pp. 754-756.

As Divisões estão organizadas em BRIGADAS. Cada Divisão possui um número variável de Brigadas. No exemplo que temos estado a seguir, o de L’Armée du Portugal (1810), as Divisões de Infantaria são formadas por duas Brigadas de Infantaria, com uma exceção, a 1ª Divisão do VIII CE, que era formada por três Brigadas de Infantaria. No caso do VI CE, a 2ª Divisão (General Mermet) era formada pela Brigada Bardet, com 3.601 homens, e a Brigada Labassée, com 4.015 homens (figura 1).

As Divisões de Cavalaria que existiam no exército de Massena eram duas (figura 2): a Divisão do General Ste. Croix, no VIII CE, e a Reserva de Cavalaria, sob comando do General Montbrun, isto é, uma divisão de cavalaria sob comando direto de Massena. A Divisão de Ste. Croix era formada por doze Esquadrões de Dragões, cada par pertencente a um de seis Regimentos de Dragões. É normal dizer-se, num caso destes, que a Divisão era formada por seis Regimentos de Dragões (1º, 2º, 4º, 9º, 14º e 26º). Ainda neste caso, podemos ver que as forças que compõem a Divisão não estão organizadas em Brigadas. Mas esta não é a situação normal. A situação mais comum era, como o caso da Reserva de Cavalaria do exército de Massena, uma Divisão de Cavalaria estar organizada em brigadas. Podemos observar na figura 2 que as brigadas da Reserva de Cavalaria eram muito diferentes no que respeita a efetivos. Esta situação, que também se passou na infantaria, devia-se ao facto de os Franceses terem necessidade de deixarem tropas para a retaguarda a fim de garantirem a sua linha de comunicações.

Figura 2
Na Infantaria, a unidade base de manobra era o BATALHÃO enquanto na cavalaria o seu equivalente era o ESQUADRÃO. As Brigadas de Infantaria são formadas por Batalhões de Infantaria. Podemos ter Batalhões de Infantaria de Linha e Batalhões de Infantaria Ligeira. Se examinarmos a composição do VI CE (Mareshal Ney), a sua 2ª Divisão de Infantaria (General Mermet) era formada pela Brigada Bardet e pela Brigada Labassée. Era norma designar as Brigadas pelo nome do seu comandante. A Brigada Bardet era formada por dois Batalhões de Infantaria Ligeira, pertencentes ao 25º Regimento de Infantaria Ligeira, e três Batalhões de Infantaria de Linha, pertencentes ao 27º Regimento de Infantaria de Linha (figura 3).

O que era normal no Exército Francês era os Batalhões de um Regimento serem colocados sob o mesmo comando de Brigada, mas poderiam surgir situações diferentes. No caso que estamos a tratar, o 6º Regimento era formado pelos 1º e 2º Batalhões e o 96º Regimento era formado pelos 1º, 2º e 3º Batalhões. As Brigadas de Infantaria eram formados por um número varável de batalhões, de linha ou ligeiros. No VIII CE, de Junot, a Brigada Taupin, da 1ª Divisão era formada por apenas três batalhões, dois de linha e um ligeiro, cada um de um regimento diferente, mas a Brigada Sarrut, da 1ª Divisão do II CE (General Reynier), era formada por oito Batalhões, quatro do 2º Regimento de Infantaria Ligeira e os outros quatro 36º Regimento de Infantaria de Linha. Outras Brigadas, como por exemplo a Brigada Simon da 3ª Divisão de Infantaria (General Loison) do VI CE (Mareshal ney), eram formadas não só por tropas regulares francesas, mas também por corpos militares de outra origem. Neste caso temos três Batalhões de Linha do 26º Regimento, a Légion du Midi (564 homens) que era um corpo de tropas do Piemonte e a Légion Hanovrienne (1.158 homens, dois Batalhões), um corpo de tropas de Hanôver. Estas tropas estrangeiras não eram casos únicos, já que no VIII CE se encontravam o Régiment Irlandais e o Régiment de Prusse.

Figura 3
Os Batalhões de Infantaria estavam divididos em Companhias, estas em Pelotões que, por sua vez, eram formados por duas Secções. Os Batalhões de Infantaria Ligeira eram formados, desde 1804 por oito Companhias (130 homens cada). A partir de 1808, os Batalhões de Infantaria de Linha tinham cada um quatro Companhias de Atiradores (Fusilier), uma Companhia de Granadeiros e uma Companhia de Voltigeurs. Pelos números que nos são fornecidos por Charles Oman, os quatro Batalhões de Infantaria de Linha do 36º Regimento tinham 1.994 homens além de 82 oficiais e os quatro Batalhões de Infantaria Ligeira do 2º Regimento tinham 2.281 homens além dos 77 oficiais. Estes números estão longe do que era suposto um Regimento possuir, isto é, cerca de 4.000 homens que formavam quatro Bataillons de guerre e um Bataillon de dépôt, este último destinado a preparar os Bataillons de guerre e e tratar dos assuntos administrativos do Regimento8 . As baixas e as dificuldades em recompletamentos, as reorganizações que por força das circunstâncias era necessário fazer, o número elevado de forças destacadas, faziam que os efetivos disponíveis raramente (provavelmente nunca) correspondessem aos respetivos quadros orgânicos.

 8McNAB, 2009, p. 52.

Os Exércitos franceses na Península Ibérica formavam a força mais completa em termos de estrutura orgânica. Os outros exércitos não diferem muito no conceito de organização, mas apresentam um total de forças substancialmente inferior. Esta superioridade numérica dos Franceses, no entanto, não esteve nitidamente presente nas numerosas batalhas que participaram. A razão de ser dessa discrepância entre a força existente e a força disponível resulta do facto de os Franceses terem de empenhar numerosos efetivos para a guarnição de fortificações, protegerem longas linhas de comunicações ou enfrentarem os numerosos grupos de guerrilheiros que não desperdiçavam a oportunidade de atacar uma pequena força que se deslocasse isolada. A maior parte das tropas francesas estava, desta forma, empenhada na ocupação da Espanha – durante algum tempo, de Portugal – e não a participar nas batalhas.

O EXÉRCITO ESPANHOL

A Espanha começou por ser aliada da França. Aliás, tropas espanholas faziam parte do conjunto de forças invasoras de Portugal em 1807. Em 1808, no entanto, os Espanhóis revoltaram-se contra o crescente domínio francês. Não estavam a ser tratados como uma nação aliada, mas antes como uma nação subjugada.

O Exército Espanhol tinha uma organização deficiente, embora tivesse adotado o modelo francês. Não dispunha de chefes competentes e estava desmoralizado. Enquanto Manuel de Godoy (1767-1851) governou a Espanha, o Exército Espanhol era constituído, em grande parte, à custa de estrangeiros. O objetivo era não retirar mão de obra ao campo e à indústria, por frágil que esta fosse. Ainda antes do início da Guerra Peninsular, após a sua demissão em 1798, foi tentada uma reorganização do Exército Espanhol no sentido de recorrer ao recrutamento nacional. Esta reorganização nunca foi realmente implementada e o estado de prontidão do exército foi muito fragilizado. Foi nesta situação que Godoy teve um papel determinante na chamada Guerra das Laranjas (1801), quando alguns oficiais superiores espanhóis se recusaram a comandar as tropas que iam invadir Portugal por considerarem que estas não se encontravam minimamente preparadas9.

 9OLIVER & PARTRIDGE, 1999, p. 288.
McNAB, 2009, pp. 296-297; OLIVER & PARTRIDGE, 

No início da Guerra Peninsular, o Exército Espanhol tinha um efetivo de tropas regulares entre os 100.000 e os 130.000 homens (Os números variam muito de autor para autor) [OLIVER & PARTRIDGE, 100.000; McNAB, 130.000]. Estas forças estavam divididas em exércitos regionais, como por exemplo, o Exército da Estremadura ou o Exército da Catalunha. Em várias regiões existiam forças que eram consideradas de reserva, como era o caso do Exército de Granada [McNAB, 2009, 300]. Este tipo de divisão de forças não ajudou a organizar uma resistência eficaz. O seu Estado-Maior General era anormalmente grande, com 407 oficiais generais, muitos deles inaptos para as funções que tinham que desempenhar. Os soldados tinham o seu pagamento atrasado vários meses e viviam num estado tão lamentável que muitos eram obrigados a sobreviver na rua ou desempenhavam trabalhos diversos para sobreviver. Existiam também cerca de 30.000 mobilizados numa milícia que formava as guarnições dos portos e cidades espanholas. Grande parte das tropas regulares espanholas encontravam-se dispersas pela Espanha e pelas guarnições em África e nas Baleares [OLIVER & PARTRIDGE, 1999, 289].

As forças regulares espanholas, no início da Guerra Peninsular, eram consideradas das piores da Europa, mas foram melhorando constantemente ao longo do conflito. O seu treino era, na melhor das hipóteses, rudimentar. Os postos mais elevados eram ocupados por aristocratas ou grandes proprietários que não estavam minimamente vocacionados para a vida militar. O comando das unidades espanholas era, na generalidade dos casos, ineficaz. Não eram feitos os treinos necessários, os oficiais eram em número insuficiente e havia falta de equipamentos e de toda a espécie de abastecimentos. Na Cavalaria, apenas um terço das tropas dispunha de montadas. Apesar de todas estas deficiências, os Franceses encontraram tropas com qualidade, sob comando do Marquês de La Romana (1761-1811) e enviaram-nas para o Norte da Alemanha. No entanto, quando tomaram conhecimento do levantamento em Madrid (1808) contra os Franceses, revoltaram-se e conseguiram regressar a Espanha com o apoio da Royal Navy10.

Em 1808, foram criados muitos regimentos novos em Espanha. É difícil, ou mesmo impossível dizer quantos regimentos espanhóis existiram durante a Guerra Peninsular. Os Espanhóis sofreram inúmeras derrotas, muitos batalhões ou regimentos foram quase destruídos, mas mostraram sempre uma notável vontade e capacidade de se reorganizarem para continuarem a luta. Nessa reorganização, frequentemente desaparecia a anterior unidade e era criada uma nova e essa prática tornou muito difícil a identificação de todas as unidades mais pequenas, especialmente no escalão batalhão. Na década de 1790, existiam entre 47 a 57 regimentos de infantaria de linha e ligeira. Na verdade, a Espanha quase completamente ocupada pelos Franceses nunca se rendeu nem nunca deixou de oferecer resistência. Por fim, com uma cooperação mais estreita com os Britânicos, a partir de 1813, começaram a obter vitória11.

Quando, a seguir à revolta de 1808, foram criados mais regimentos, não existia uniformidade entre estas unidades e, em 1810, foi publicada legislação no sentido de resolver este problema. O Decreto de 1 de junho de 1810 estipulava que um Regimento de Infantaria de Linha deveria ter 2.554 homens distribuídos por três Batalhões e que cada Batalhão era formado por seis companhias, sendo uma de Granadeiros e outra de Cazadores (infantaria ligeira). Cada Batalhão de Infantaria Ligeira era formado por seis companhias. Encontramos nesta organização uma semelhança à do Exército Francês e não fazemos a mesma comparação no que respeita à Cavalaria porque, como já vimos, a cavalaria espanhola encontrava-se numa grande penúria12.

Para além das tropas de linha recrutadas em Espanha, em 1808 existiam nas fileiras do Exército Espanhol cerca de 15.000 soldados estrangeiros, em especial Suíços. Existia também a Milícia Provincial, uma reserva baseada no recrutamento obrigatório no meio rural que, em 1808, somavam cerca de 30.000 homens, e a Milícia Urbana, formada por 114 Companhias independentes, em 13 municípios, que só foi mobilizada a partir de 1812. As Milícias serviam como tropas auxiliares. Além destas tropas, das quais se destacaram algumas unidades, como por exemplo o Regimento Hibernia (regimento irlandês), os Voluntarios de la Victoria, o Batallõn Buenos Aires, os Cazadores de Barbastros ou a Legion Estremaña, existiam as GUERRILHAS13.

10McNAB, 2009, pp. 296-297; OLIVER & PARTRIDGE, 1999, p. 289.
11McNAB, 2009, p. 294; OLIVER & PATRIDGE, 1999, p. 289.
12McNAB, 2009, pp. 294-332.
13McNAB, 2009, pp. 311-317.

Bandos de patriotas atacavam grupos de Franceses isolados, utilizando as táticas próprias da guerrilha. Os grupos de guerrilheiros que se formaram por toda a Espanha não agiram de forma tão independente e sem organização como se possa pensar. Na realidade, a Junta Central de Espanha reconheceu o valor desses grupos e, a 28 de dezembro de 1808, publicou instruções sobre a sua composição e o apoio que a eles devia ser prestado. Foi estabelecida uma base de cerca de 50 elementos por cada partida, com a existência de um comandante e um segundo-comandante e três subalternos para os grupos apeados e dois para os grupos montados. Aplicar-se-ia a disciplina em vigor no Exército. Cada elemento teria de adquirir a sua própria arma e muitas eram capturadas aos franceses. A missão destes grupos era causar perturbações nas linhas de comunicações francesas, capturar o correio e, sempre que possível, armamento e munições, atacar pequenas guarnições e tropas isoladas. As Juntas locais rapidamente fizeram divulgar estas instruções14.

A atuação destas forças ajuda a compreender porque é que os Franceses, dispondo de um exército tão numeroso na Península Ibérica, raramente obtiveram uma nítida superioridade numérica nas batalhas que travaram com o Exército de Wellington. Estima-se que em 1810 existiriam 156 destes grupos de guerrilha. Cerca de 25.000 guerrilheiros estariam ativos no Norte de Espanha e obrigaram ao empenhamento de cerca de 50.000 Franceses. Wellington obteve serviços inestimáveis destes grupos de guerrilheiros. O desânimo causado pelas derrotas dos exércitos espanhóis foi de alguma forma compensado pelos sucessos das guerrilhas que mantiveram viva a esperança de obter a vitória da independência15.

14McNAB, 2009, p. 320.
15McNAB, 2009, pp. 320-329.


O EXÉRCITO PORTUGUÊS

Após a revolta contra a ocupação francesa de Portugal, em 1808, foram iniciadas ações no sentido de levantar um novo exército. A maior parte da força militar portuguesa tinha sido dissolvida e as unidades consideradas com algum valor foram enviadas para o exterior, constituindo a Legião Portuguesa sob o comando de D. Pedro José de Almeida Portugal, Marquês de Alorna (1759-1813). Era necessário fazer tudo de início, exceto a legislação que já existia, aquela que tinha sido preparada para a reforma do Exército Português em 1806. No entanto, assim como aconteceu com a implementação da reforma de 1806, as tentativas de reorganização das forças portuguesas em 1808 foram realizadas com grandes deficiências que deixaram claro que não existia um comando militar esclarecido e eficaz.

O corpo de oficiais do Exército Português era predominantemente aristocrático e oferecia uma grande resistência à entrada de elementos da classe média. As promoções baseavam-se frequentemente em patrocínio, não em mérito. Não existia um sistema de reforma e, por isso, os quadros estavam preenchidos por muitos oficiais que já não tinham idade para suportar o serviço ativo. A necessidade de ter comandantes que estivessem em condições físicas de comandar tropas no campo de batalha fazia que fossem promovidos oficiais mais novos, mas sem que, por isso, saíssem os mais idosos. Esta situação provocou um excesso de oficiais generais. Pelo contrário, as fileiras estavam longe de serem completamente preenchidas. A generalidade da população portuguesa não mostrava apetência pelo serviço militar. Este facto e as deficiências do próprio sistema de recrutamento provocaram sempre uma falta de homens para preencherem os lugares nos quadros orgânicos16.

Após a Batalha do Vimeiro e a consequente expulsão das tropas francesas, mantiveram-se algumas tropas britânicas em Portugal. Wellington defendeu que a Inglaterra devia «levantar, organizar e pagar um exército em Portugal»17. Pelo Decreto de 7 de março de 1809, William Carr Beresford (1768-1856) foi nomeado marechal e Comandante-em-Chefe do Exército Português, assumindo este cargo a 15 do mesmo mês. Beresford encontrou uma situação caótica. Sob o seu comando e com o apoio de D. Miguel Pereira Forjaz, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, o Exército Português iria sofrer uma das mais importantes reformas. Na Ordem do Dia de 23 de março de 1809, Beresford anunciou a entrada de oficiais britânicos para o Exército Português. Foi introduzido o sistema de disciplina britânico, foi ministrada a instrução necessária para utilizar o sistema tático do Exército Britânico, foram importados do Reino Unido equipamentos, fardas e armas e foi criado o comissariado, à semelhança do sistema britânico.

O Exército Português foi reorganizado de acordo com a orgânica prevista no Decreto de 19 de maio de 1806, que preconizava a organização do Exército em três Divisões (Norte, Centro e Sul) que eram, na realidade, três divisões geográficas, entidades administrativas, mais do que unidades de combate. Cada Divisão era composta por oito Regimentos de Infantaria, organizados em quatro Brigadas, quatro Regimentos de Cavalaria e um de Artilharia. A Divisão do Sul tinha dois Regimentos de Artilharia. As alterações necessárias à orgânica das forças foram sendo introduzidas ao longo da Guerra Peninsular e podem ser acompanhadas pelas Ordens do Dia. Cada regimento de infantaria “produzia” dois batalhões de infantaria; um regimento de cavalaria tinha que aprontar quatro esquadrões; um regimento de artilharia tinha sete companhias de artilheiros, uma de bombeiros, uma de mineiros e uma de pontoneiros18:

1ª Divisão, Centro – províncias da Estremadura e Beira Baixa

  • 1ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 1 e 13
  • 2ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 4 e 16
  • 3ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 7 e 19
  • 4ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 10 e 22
  • Regimento de Cavalaria 1 (*)
  • Regimento de Cavalaria 4
  • Regimento de Cavalaria 7
  • Regimento de Cavalaria 10
  • Regimento de Artilharia 1
    (*) Os Regimentos de Cavalaria, ou melhor, os seus esquadrões, não estavam organizados em brigadas porque o procedimento normal era atribuir unidades de cavalaria às brigadas de Infantaria ou às Divisões que eventualmente viessem a ser organizadas.

2ª Divisão, Sul – províncias do Algarve, Alentejo e Beira Alta

  • 1ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 2 e 14
  • 2ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 5 e 17
  • 3ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 8 e 20
  • 4ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 11 e 23 (**)
  • Regimento de Cavalaria 2
  • Regimento de Cavalaria 5
  • Regimento de Cavalaria 8
  • Regimento de Cavalaria 11
  • Regimento de Artilharia 2
  • Regimento de Artilharia 3

(**) Os Regimentos de Infantaria 11 e 23 são os 1º e 2º Regimentos de Almeida que se situa na Beira Alta. Existia, portanto, uma brigada que se encontrava geograficamente isolada das restantes brigadas da mesma divisão. Como já dissemos, estas divisões tinham um carácter administrativo.

3ª Divisão, Norte – províncias de Trás-os-Montes e Entre-Douro-e-Minho

  • 1ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 3 e 15
  • 2ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 6 e 18
  • 3ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 9 e 21
  • 4ª Brigada de infantaria – Regimentos de Infantaria 12 e 24
  • Regimento de Cavalaria 3
  • Regimento de Cavalaria 6
  • Regimento de Cavalaria 9
  • Regimento de Cavalaria 12
  • Regimento de Artilharia 4

Além destas unidades de primeira linha, isto é, as que deveriam existir em permanência com capacidade para intervir no campo de batalha, existiam as Milícias e as Ordenanças, onde se fazia o recrutamento para a tropa de linha. Existiam ainda outros corpos dos quais se destaca a Legião de Tropas Ligeiras, corpo de elite que antes da invasão em 1807 esteve sob o comando do Marquês de Alorna. Ora, foi precisamente este chefe militar que comandou a legião Lusitana organizada por Junot e, mais tarde, fez parte do estado-maior de Massena durante a Terceira Invasão de Portugal. Com a reorganização do Exército Português retomada em 1808, as tropas ligeiras foram organizadas em Batalhões de Caçadores. Estamos, portanto, perante uma organização militar que utiliza conceitos idênticos aos dos restantes exércitos europeus.

16OLIVER & PATRIDGE, 1999, pp. 138-139.
17CENTENO, 2008, p. 138.
18CENTENO, 2008, p. 92.

 

O EXÉRCITO BRITÂNICO NA PENÍNSULA

No Exército Britânico, a Divisão como unidade tática permanente era recente. Apareceu pela primeira vez na expedição britânica a Copenhaga, de 16 de agosto a 5 de setembro de 1807, também conhecida como Segunda Batalha de Copenhaga. Durante a Guerra Peninsular, 1808-1814, a Força Expedicionária Britânica desembarcada em Portugal, que tomou parte na Batalha do Vimeiro, estava organizada em brigadas. A sua organização em divisões só veio a acontecer a 5 de setembro19, sob o comando de Sir John Moore (1761-1809), mas estas divisões tinham um carácter temporário. Cada Divisão era composta por duas ou três brigadas de infantaria, enquanto a cavalaria e a artilharia permaneciam sob comando direto de Sir John Moore que empenhava estes recursos da forma considerada mais conveniente, podendo atribuí-los, ou não a uma ou mais divisões. Podemos, assim, constatar que a organização das divisões britânicas era semelhante à das divisões francesas.

Se compararmos os diferentes exércitos, verificamos que existem diferenças por vezes significativas quanto aos efetivos que compõem os vários tipos de unidades. Os batalhões de infantaria britânicos eram formados por 8 companhias e, quando completos, atingiam cerca de 1.000 homens. Cada companhia tinha um capitão, dois oficiais subalternos, dois sargentos, três cabos, um tambor, um pífaro e 85 a 100 soldados atiradores. Já os batalhões de infantaria portugueses tinham cinco companhias, cada uma com um capitão, um tenente, dois alferes, seis sargentos, seis cabos, seis anspeçadas (um posto das praças até ao final do século XIX), dois tambores e 128 soldados atiradores. Assim cada batalhão de infantaria português tinha, se completo, um efetivo de 760 homens mais o comando do batalhão20. Estes dois exércitos, britânico e português, utilizavam os mesmos conceitos de organização embora com dimensões diferentes.

Tal como no Exército Português, embora em menor grau, os batalhões do Exército Britânico muito raramente estavam completos. Nas forças presentes no Buçaco, os batalhões que constituíam as brigadas britânicas tinham um efetivo que variava entre 368 (2º batalhão do 24º Regimento de Infantaria de linha, 2/24th Foot) e 1.055 (1º batalhão do 40º Regimento de Infantaria de Linha, 1/40th Foot). No caso português temos o exemplo dos dois batalhões do 4º Regimento de Infantaria (RI 4) que estavam presentes com um total de 1.164 homens e do 20º RI com 1.086, quando cada um dos regimentos devia ter cerca de 1.600 homens21.

19CENTENO, 2011, p. 29.
20McNAB, 2009, pp. 115-117 e 348-353.
21OMAN, 1908, pp. 544-547.

Como já referimos, a Força Expedicionária Britânica na Península Ibérica, à semelhança do Exército Francês, utilizava tropas de outras nacionalidades, nomeadamente a King’s German Legion, inicialmente um corpo de infantaria ligeira formado com base nos refugiados de Hanôver após a invasão do Eleitorado pelos Franceses, em maio de 1803. As expetativas de recrutamento ultrapassaram consideravelmente o previsto e, ao longo das Guerras Napoleónicas, a King’s German Legion organizou oito batalhões de infantaria de linha e dois batalhões de infantaria ligeira, dois esquadrões de Dragões, três esquadrões de Hussardos e dois esquadrões de Dragões Ligeiros. Para o apoio de fogos, dispunham de duas baterias (troops) de artilharia a cavalo e quatro baterias de artilharia de campanha (apeada) e um corpo de engenheiros. A king’s German Legion constituía um corpo de tropas de elevada qualidade. Na Península Ibérica estiveram presentes todos os batalhões - os 6º, 7º e 8º apenas limitaram-se à costa leste de Espanha em 1812 e 1813 - os esquadrões de Dragões e parte dos Hussardos. Também esteve na costa leste de Espanha, de 1812 a 1814, o chamado Dillon’s Regiment e o De Roll’s Regiment que englobavam várias tropas estrangeiras além de emigrados franceses. Entre 1811 e 1814, também estiveram presentes na Península os Chasseurs Britaniques, de origem francesa22.

As forças britânicas na Península Ibérica tinham uma dimensão modesta, especialmente se comparada com as forças francesas. No entanto, Wellington foi constantemente pressionado para não colocar em risco o único verdadeiro exército de campanha britânico. O Exército Britânico dispunha de cento e sete regimentos de infantaria, para além tropas de origem estrangeira. Este conjunto, incluindo as tropas de outras origens, proporcionava 220 batalhões que eram formados por cerca de 150.000 combatentes, quase o triplo das forças britânicas presentes na Batalha de Vitoria (21 de junho de 1813), a batalha em que mais tropas britânicas participaram. É necessário ter em atenção que, na época que estamos a tratar, os Britânicos tinham forças empenhadas nas Índias Ocidentais (1803-1812), América do Norte (1810-1815), Índia (1803-1815), na Alemanha e Holanda (1813-1814), Walcheren, nos Países Baixos (1809), Gibraltar (1814-1815), Cadiz (1810-1811), Sicília (1807-1813), Madeira (1807-1810), Jamaica (1803-1815), Itália (1814), Cabo da Boa Esperança (1806-1815), Ilhas Maurícias (1810-1815) e algumas guarnições do Báltico e do Mediterrâneo. Esta grande dispersão de forças tornava a Força Expedicionária Britânica na Península Ibérica um corpo de tropas precioso23.

22OLIVER & PARTRIDGE, 1999, pp. 58-85.
23OLIVER & PARTRIDGE, 1999, pp. 59-85.
 


O EXÉRCITO DE WELLINGTON

Um dos factos mais notáveis na evolução dos exércitos na Guerra Peninsular, foi a crescente “interoperabilidade” entre as tropas portuguesas e britânicas. Esta expressão, utilizada pelo Major-general Rui Moura na “Apresentação” da obra de João Torres Centeno, O Exército Anglo-Português, 1808-1814, significa que dois exércitos de nações diferentes, isto é, origem, cultura e língua diferentes, com uma experiência e capacidades militares igualmente diferentes, conseguiram a integração das suas forças de forma tão intensa que constitui um corpo de tropas homogéneas, uma situação única na História Militar do Mundo Ocidental.

A situação em que se encontravam as forças portuguesas e a economia do Reino quando se iniciou a revolta contra o ocupante francês, em 1808, obrigou a procurar apoio externo para refazer o Exército Português. Este apoio, fornecido pelo Reino Unido, traduziu-se em recursos financeiros avultados, recursos materiais caros (fardas, equipamentos, armamentos) e recursos humanos numerosos. Entre estes, como já vimos, encontravam-se numerosos oficiais que contribuíram para a modernização do Exército Português. Estes oficiais ocuparam lugares nos quadros orgânicos das unidades militares portuguesas. Por exemplo, à medida que se reorganizavam os regimentos, o comando era entregue a um oficial britânico e nomeava-se um segundo comandante português ou o comando era entregue a um coronel português e era nomeado um segundo comandante britânico. Já nos escalões mais elevados, brigada e divisão, o lugar de comandante foi entregue, na generalidade dos casos, a oficiais britânicos. No Buçaco, apenas duas brigadas se encontravam sob comando de oficiais portugueses: A Brigada do Brigadeiro Agostinho Luís da Fonseca, que se encontrava na Divisão portuguesa sob comando do General Hamilton, e a Brigada de William Moundy Harvey que, por ausência deste, ficou sob comando interino do Coronel José Joaquim Champalimaud.

Existem três momentos de atuação das forças portuguesas e britânicas que nos ajudam a compreender a forma como a integração destas forças evoluiu: a Batalha do Vimeiro (21 de agosto de 1808), durante a Primeira Invasão Francesa, a marcha das forças portuguesas e britânicas para norte (7 a 12 de maio de 1809), durante a Segunda Invasão Francesa e a Batalha do Buçaco (27 de setembro de 1810), na Terceira Invasão Francesa.

A BATALHA DO VIMEIRO

As forças britânicas desembarcadas na foz do Mondego no início de agosto de 1808 eram constituídas fundamentalmente por infantaria. Esta arma tinha um efetivo de 16.312 homens e estava organizada em oito brigadas. A cavalaria compreendia apenas 240 homens e ainda estavam presentes mais 226 homens que guarneciam três baterias de artilharia. As brigadas de infantaria britânicas que estiveram presentes na Batalha do Vimeiro eram24:

  • 1ª Brigada, Rowland Hill, três batalhões, 2.658 homens;
  • 2ª Brigada, Ronald Ferguson, três batalhões, 2.449 homens;
  • 3ª Brigada, Miles Nightingale, dois batalhões, 1.520 homens;
  • 4ª Brigada, Barnard Bowes, dois batalhões, 1.813 homens;
  • 5ª Brigada, James Catlin Carufurd, dois batalhões, 1.832 homens;
  • 6ª Brigada, Henry Fane, três batalhões, um com apenas quatro companhias, 2.005 homens;
  • 7ª Brigada, Robert Anstruther, quatro batalhões, 2.703 homens;
  • 8ª Brigada, Wroth Palmer Acland, três batalhões estando um deles apenas com duas companhias, 1.332 homens.

Verifica-se uma grande disparidade entre as brigadas presentes porque nem todas as tropas britânicas tinham desembarcado na foz do Mondego. As posições ocupadas pelo General Arthur Wellesley no Vimeiro destinavam-se a proteger o desembarque de mais unidades. Mais tarde, algumas destas brigadas fizeram parte do exército sob comando de Sir John Moore e, tendo já desembarcado a totalidade das forças, tinham efetivos superiores aos que aqui estão indicados. Por exemplo, a 1ª Brigada, de Rowland Hill, em outubro de 1808, era constituída por quatro batalhões, com um total de 2.995 homens, mais um batalhão e mais 337 homens que no Vimeiro25. Aos reforços em pessoal é necessário, no entanto, descontar as baixas sofridas em campanha ou por doença.

Outra característica da força britânica era a de estar organizada em Brigadas enquanto a força francesa se encontrava organizada em três Divisões, cada uma constituída por duas brigadas de infantaria. No dia 15 de julho, as unidades francesas presentes no Vimeiro eram as seguintes26:

  • Divisão, Delaborde
  • Brigada Brennier, quatro batalhões, 4.531 homens;
  • Brigada Thomières, dois batalhões e duas companhias de um regimento suíço, 2.191 homens.
  • Divisão Loison
  • Brigada Solignac, três batalhões, 3.986 homens;
  • Brigada Charlot, dois batalhões, 1.997 homens.
  • Reserva de Granadeiros, sob o comando de Kellermann, formada por 4 batalhões, 2.100 homens.
  • Divisão de Cavalaria sob o comando de Margaron, 2.251 homens.
  • 23 bocas de fogo de artilharia.

Tendo em atenção a forma como estão organizadas as forças opositoras na Batalha do Vimeiro, vemos que Wellesley tem sob o seu comando direto nove unidades de manobra: oito brigadas de infantaria e um corpo de cavalaria. Já Junot, com uma força de dimensão idêntica, mas organizada em unidades de um escalão superior, a Divisão, tinha que exercer a sua ação de comando sobre quatro unidades de manobra: duas Divisões de Infantaria, a Reserva de Granadeiros e a Divisão de Cavalaria. Aumentando os efetivos e, provavelmente, o número de brigadas da força expedicionária britânica, seria absolutamente necessário adotar o sistema divisionário na organização da força.

24OMAN, Volume I, pp. 250-251.
25OMAN, Volume I, p. 646.
26OMAN, Volume I, p. 246.

figura 4

Figura 4 – Mapa da Batalha do Vimeiro.

Também nas forças francesas se verificam grandes disparidades de números em unidades do mesmo escalão. O efetivo das brigadas varia entre os 1.997 e os 4.531 homens, entre dois e quatro batalhões. Além das tropas de infantaria, estiveram presentes na batalha 2.251 homens de cavalaria e 700 de artilharia. Na relação entre as forças de manobra (infantaria e cavalaria) e o apoio de fogos (artilharia) podemos ainda constatar o seguinte, relativamente às forças britânicas e francesas presentes no Vimeiro, o seguinte:

  • o A infantaria britânica constituía 97,2 % dos efetivos presentes e a infantaria francesa constituía 81,2 % da força. Esta diferença deve-se ao facto de os Britânicos terem tido a preocupação de desembarcar o mais rapidamente possível as tropas de infantaria. De qualquer forma, a diferença mais significativa entre a infantaria britânica - e mais tarde a portuguesa - e a infantaria francesa, foi a tática. Muito baseada no poder de fogo, a infantaria britânica utilizava fundamentalmente os dispositivos em linha que permitiam tirar o máximo poder de fogo das suas armas. Pelo contrário, a infantaria francesa utilizava muito o seu poder de choque utilizando os dispositivos em coluna.

  • o A cavalaria britânica constituía 1,4 % da força e a cavalaria francesa ocupava 14,3 % dos efetivos presentes; uma diferença significativa, ainda mais quando a cavalaria francesa era considerada a melhor da Europa. Em qualquer dos exércitos na Península Ibérica, a percentagem de cavalaria era inferior à dos exércitos que atuavam na Europa Central e Rússia. Não só existiam menos cavalos na Península e menos condições para os alimentar, do que naquelas zonas da Europa onde a forragem era muito mais fácil de obter. A estas condicionantes geográficas deve-se acrescentar que as unidades de cavalaria necessitavam de três ou quatro anos de treino antes de serem empenhados no campo de batalha [MUIR, 1998, 105-113].

  • o A artilharia britânica dispunha de 18 bocas de fogo, isto é, uma proporção de 1,08 por cada 1.000 homens das unidades de manobra. Da parte dos Franceses, com 23 bocas de fogo, essa proporção era de 1,53 para cada 1.000. A proporção ideal, de acordo com a opinião do Marechal Marmont, um oficial general com origem na Artilharia, é de 4 bocas de fogo por cada 1.000 homens. Na Batalha de Borodino (7 de setembro de 1812), os Russos tinham mais de 5 bocas de fogo por 1.000 homens em combate. O Exército de Wellington (forças britânicas + forças portuguesas) foi sempre fraco em artilharia [MUIR, 1998, 29-34].

As tropas portuguesas que participaram na Batalha do Vimeiro, ao serem colocadas sob o comando de Wellesley, não alteraram nenhum dos conceitos acima descritos nem alteraram de forma significativa os números apresentados. O General Bernardim Freire de Andrade (1759-1809) concordou em ceder a Wellesley um reduzido corpo de tropas, sob o comando do Tenente-coronel Nicholas Trant (1769-1839), oficial britânico ao serviço no Exército Português. Na Batalha do Vimeiro, as tropas portuguesas eram:

  • Regimento de Infantaria 12 com 605 homens;
  • Regimento de Infantaria 21 com 605 homens;
  • Regimento de Infantaria 24 com 304 homens;
  • Caçadores do Porto com 569 homens;
  • Regimento de Cavalaria 6 com 104 homens;
  • Regimento de Cavalaria 11 com 50 homens;
  • Regimento de Cavalaria 12 com 104 homens;
  • Cavalaria da Polícia de Lisboa com 41 homens.

A cavalaria portuguesa foi colocada junto da cavalaria britânica, mas teve um mau comportamento na batalha e retirou deixando os seus camaradas britânicos frente ao inimigo. A infantaria constituiu um corpo de tropas que, sob o comando de Nicholas Trant, ficou na dependência do comandante da 5ª Brigada britânica, James Catlin Carufurd. Não chegou a entrar em combate.

Da Batalha do Vimeiro, para o tema que estamos a analisar, devemos reter dois pontos importantes para comparação com os momentos seguintes:

  • o A Força Expedicionária Britânica, da qual o General Wellesley foi o comandante durante a Batalha do Vimeiro, estava organizada em Brigadas, ou seja, em unidades militares dum escalão mais baixo que a força de Junot, que tinha um efetivo idêntico. Só com a chegada de mais efetivos e o comando do General Thomas Moore viria a ser adotado o sistema divisionário, com carácter temporário

  • o As forças portuguesas que atuaram no Combate da Roliça e na Batalha do Vimeiro encontravam-se sob o comando de Wellesley e, neste aspeto, estava cumprido o princípio da unidade de comando, isto é, mais do que a cooperação entre forças, a existência de um único comandante investido da autoridade necessária pois só dessa forma é possível aplicar decisivamente o potencial de combate disponível. No entanto, não tinha havido ainda tempo para integrar a pequena força portuguesa na Força Expedicionária Britânica nem estavam reunidas as condições políticas e militares para iniciar as ações que conduziriam à interoperabilidade dos exércitos português e britânico.


A MARCHA DE WELLESLEY PARA O PORTO (1809)

No dia 29 de março de 1809, as forças francesas sob o comando do Marechal Nicolas Jean de Dieu Soult (1769-1851) ocuparam a cidade do Porto. Ao contrário do que sucedera na Primeira Invasão Francesa, foi oferecida resistência ao invasor, mas os esforços para reorganizar o Exército Português mostraram a evidência da falta de comandantes militares com qualidades para tão difícil empresa. Por outro lado, a intervenção britânica em Espanha, em que Sir John Moore perdeu a vida na Batalha da Corunha (16 de janeiro de 1809) e em que ficou claro que os Espanhóis não estavam em condições de colaborar, mostrou que a Força Expedicionária Britânica, com cerca de 30.000 homens, só poderia ter sucesso se contasse com o apoio do Exército Português. Esta estratégia foi defendida por Wellesley que também indicou o nome de Beresford para comandar o Exército Português.

Beresford iniciou a reorganização do Exército em março de 1809 e, no início de maio, já uma parte importante das forças portuguesas estavam em condições de avançar para o Norte do País embora a sua experiência em combate fosse praticamente nula. A concentração das forças portuguesas e britânicas estava pronta a 5 de maio de 1809. Existiam três colunas com missões diferentes:

  • o Um primeiro corpo sob comando direto de Wellesley, que avançaria de Coimbra em direção ao Porto e tinha a missão de reconquistar a cidade aos Franceses;

  • o Um segundo corpo sob o comando de Beresford, que avançaria de Coimbra em direção a Peso da Régua, onde atravessaria o Douro e teria a missão de, juntamente com as forças do Brigadeiro Silveira que operavam em Trás-os-Montes e defendiam a linha do Tâmega, cortar o itinerário de retirada das tropas francesas;

  • o Um terceiro corpo, sob comando do Brigadeiro-general Mackenzie, com a missão de proteger o flanco leste.

Qualquer destas colunas era formada por forças britânicas e portuguesas. As forças que compunham estas colunas estavam organizadas em Brigadas, ou seja, os comandantes destas colunas exerciam o comando sobre as brigadas, no que respeitava à infantaria. A cavalaria estava organizada apenas em esquadrões nas colunas de Beresford e Mackenzie e formou uma brigada na coluna de Wellesley. O sistema divisionário só veio a ser adotado por Wellesley a partir de 18 de junho desse ano, após a retirada das tropas francesas. Resta saber como se fez a integração das forças britânicas e Portuguesas. Para o efeito vamos apenas analisar a coluna de Wellesley.

figura 5


Figura 5 – Mapa dos itinerários do Exército de Wellesley para o Porto

O Exército Português colocou sob o comando direto de Wellesley quatro batalhões de infantaria de linha, os 1º e 2º batalhões dos Regimentos de Infantaria 10 e 16 (1/RI 10, 2/RI 10, 1/RI 16 e 2/RI 16). Wellesley tinha sob o seu comando, além dos batalhões portugueses, sete brigadas de infantaria britânicas, nomeadamente a Brigade of Guards de H. Campbell, as brigadas de A. Campbell, Sontag, R. Stewart, Murray, Hill e Cameron. A brigada de Murrey era constituída por quatro batalhões de infantaria de linha da King’s German Legion. Os quatro batalhões de infantaria portugueses foram distribuídos da seguinte forma27:

  • 1º Batalhão do RI 10 foi incorporado na Brigada de A. Campbell;
  • 2º Batalhão do RI 10 foi incorporado na Brigada de Cameron;
  • 1º Batalhão do RI 16 foi incorporado na Brigada de R. Stewart;
  • 2º Batalhão do RI 16 foi incorporado na Brigada de Sontag.

Não podemos falar ainda de interoperabilidade dos dois exércitos. Wellesley não formou uma brigada de infantaria com os batalhões portugueses. Preferiu distribuí-los pelas suas brigadas e, desta forma, experimentar a capacidade destas unidades para o combate. No entanto, nas forças sob comando de Beresford e Mackenzie não houve nem este início de integração. As forças britânicas e portuguesas mantiveram-se separadas sob dependência direta dos respetivos comandantes, Beresford ou Mackenzie.

Embora não tivesse sido adotado o sistema divisionário para organizar as forças, Wellesley deu ordens para que as brigadas de Richard Stewart e Murray atuarem juntas sob o comando do General Edward Paget, as brigadas de H. Campbell, A. Campbell e Sontag sob o comando do General Sherbrooke e as brigadas de Hill e Cameron sob o comando de Hill. A cavalaria ficava toda sob comando do General Cotton28. Estas disposições eram, na prática, próximas da organização em divisões. Quando Wellesley partiu para a Campanha de Talavera, no Verão de 1809, já o seu exército se encontrava organizado em divisões.

Apesar de não ter havido oportunidade de pôr à prova as forças portuguesas numa batalha, pois apenas participaram em recontros de menor intensidade com forças avançadas francesas, Wellesley decidiu avançar para um modelo de integração mais profundo. O tempo entretanto disponível serviu para Beresford continuar o seu trabalho de organização e treino das tropas portuguesas, criando melhores condições para serem empenhadas no campo de batalha.

27OMAN, Volume II, p. 320.
28OMAN, Volume II, p. 320.

A BATALHA DO BUÇACO (27 de setembro de 1810)

Na Batalha do Vimeiro, Wellesley contou com um efetivo de 18.878 homens, dos quais 2.100 eram portugueses; estes formaram um corpo de tropas que ficou na dependência do Major-general Catlin Craufurd e não chegaram a entrar em contato com o inimigo. Na marcha para o Porto (1809), a coluna de Wellesley era constituída por 18.300 homens e, destes, cerca de 2.400 eram portugueses. Esta não era a totalidade da força de Wellesley pois dispunha ainda de 5.800 homens com Beresford e 12.000 com Mackenzie. Quando, a 27 de setembro de 1810, o Exército do General Wellesley, Visconde Wellington desde 26 de agosto de 1809, defrontou o Exército de Massena na Batalha do Buçaco, os efetivos eram ainda maiores, em especial os efetivos portugueses: de um total de 52.272 homens, eram portugueses 25.429, mais de 48 % das tropas presentes.

Destes 52.272 homens, 45.541, perto de 87 %, eram de infantaria e formavam 23 brigadas. Destas, nove eram portuguesas, contando a Leal Legião Lusitana como uma brigada. Tinha forçosamente que haver uma evolução na organização deste exército. Não é minimamente aceitável que um comandante tenha de coordenar vinte e três unidades de manobra. Aliás, estamos apenas a referir a infantaria pois na Batalha do Buçaco, Wellington apenas dispunha de dois esquadrões do 4th Dragoons (4º Regimento de Dragões). Para além das unidades de manobra, é necessário coordenar também o emprego dos meios de apoio de fogos, a artilharia. O Exército de Wellington na Batalha do Buçaco estava já organizado em divisões29:

  • o 1ª Divisão, do General Spencer, formada por quatro brigadas britânicas;
  • o 2ª Divisão, do general Hill, formada por três brigadas britânicas e incorporando a Divisão Portuguesa do General Hamilton que era formada por duas brigadas portuguesas;
  • o 3ª Divisão, do General Picton, com duas brigadas britânicas e uma brigada portuguesa;
  • o 4ª Divisão, do Major-general Cole, com duas brigadas britânicas e uma brigada portuguesa;
  • o 5ª Divisão, do General Leith, com uma brigada britânica, uma brigada portuguesa que era formada por quatro batalhões de infantaria e um corpo de 580 homens das Milícias de Tomar, e a Leal Legião Lusitana com dois batalhões do RI 8, que formavam um corpo de tropas idêntico a uma brigada;
  • o Divisão Ligeira, do Brigadeiro-general Craufurd, com duas brigadas, cada uma formada por infantaria britânica e um batalhão de caçadores do Exército Português;
  • o Três Brigadas Independentes Portuguesas, cada uma formada por quatro batalhões de infantaria e um batalhão de caçadores.

figura 6


Figura 6 – Distribuição das divisões e brigadas independentes presentes na Batalha do Buçaco


Para além da organização das forças em divisões, devem ser salientados os seguintes aspetos da organização do Exército de Wellington:

  • A existência de brigadas independentes que permitam Wellington reforçar qualquer uma das divisões ou atribuir-lhes uma missão compatível com um escalão mais baixo que a divisão;
  • A integração de brigadas portuguesas nas divisões britânicas e já não de batalhões nas brigadas como aconteceu em 1809;
  • A existência de uma Divisão Portuguesa, a de Hamilton, apesar de esta grande unidade apenas ter atuado integrada na 2ª Divisão, do General Rowland Hill;
  • O aparecimento de uma Divisão de Infantaria Ligeira.
29OMAN, Volume III, pp. 544-547.


A DIVISÃO LIGEIRA DE CRAUFURD

A Divisão Ligeira do Exército de Wellington era, na Batalha do Buçaco, formada por duas brigadas de constituição idêntica30:

  • Brigada de Beckwith, constituída pelo 1/48th Foot (1º batalhão do 48º Regimento de Infantaria de Linha), quatro companhias do 1/95th Foot e o 3º Batalhão de Caçadores português, num total de 1.896 homens;
  • Brigada de Barclay, constituída pelo 1/52nd Foot, quatro companhias do 1/95th Foot e o 1º Batalhão de Caçadores português, num total de 1.891 homens.

Era, como podemos ver, uma divisão de infantaria e a expressão ligeira não tem a ver com o número de efetivos que era inferior ao das outras divisões, mas com o tipo de infantaria e as suas missões. As unidades de infantaria ligeira não surgiram com a Divisão Ligeira. No exército britânico, no final do século XVIII, foram criadas as Light Companies que tinham capacidade para se movimentarem mais rapidamente em terrenos difíceis, pois utilizavam as táticas de combate em ordem dispersa. Este tipo de atuação era o indicado para proteger flancos, constituir uma guarda avançada ou flagelar o inimigo antes de se dar o combate entre as formações em ordem cerrada, em linha ou em coluna.

As missões a serem desempenhadas por infantaria ligeira foram assumidas por algumas unidades de infantaria de linha, mas, em 1801, os Britânicos organizaram um Experimental Corps of Riflemen que, mais tarde viria a ser designado por 95th Rifles embora a sua designação oficial continuasse a ser 95th Foot. Esta designação de “Rifles” foi dada a este regimento porque utilizavam uma espingarda com cano estriado, conhecida como Baker’s rifle. Esta arma, muito robusta, tinha maior precisão que os mosquetes utilizados pelo resto da infantaria. Para além dos três batalhões do 95th Rifles, só o 5º Batalhão e uma companhia dos 6º e 7º batalhões do 60th Foot utilizavam esta arma. Os batalhões do 43rd e 52nd Foot utilizavam a arma comum da infantaria britânica, o mosquete conhecido como Brown Bess, mas tinham sido treinados nas táticas da infantaria ligeira.

30OMAN, Volume III, p. 546.

Em Portugal, as unidades de infantaria ligeira estavam já previstas na organização de 1806. Em 1796 tinham sido levantados corpos de tropas ligeiras sob o comando do Marquês de Alorna. Este corpo de tropas foi designado “Legião de Tropas Ligeiras”, por vezes chamada “Legião Experimental”, e era constituído por um batalhão de infantaria com oito companhias, três esquadrões de cavalaria, cada um com duas companhias, e uma bateria de artilharia a cavalo com quatro peças de seis libras. Ao todo, a Legião de Tropas Ligeiras tinha um efetivo de 1.339 homens. O treino deste corpo de tropas era baseado nos manuais de tática franceses31.

Na organização de 1806, a Legião manteve-se como uma unidade militar diferente de todas as outras, mas passou a existir uma companhia de infantaria ligeira em cada regimento de infantaria. Tal como a maior parte das unidades militares portuguesas, a Legião de Tropas Ligeiras foi dissolvida em 1807 por ordem de Junot. Muitos dos seus oficiais e soldados formaram a Legião Portuguesa que serviu nos exércitos de Napoleão. Em 1808, quando começou a ser reorganizado o Exército Português foi ordenada a criação de novas unidades de infantaria ligeira, os BATALHÕES DE CAÇADORES. A ordem para o levantamento dos primeiros seis batalhões de caçadores foi dada a 15 de dezembro de 1808. Cada batalhão de caçadores era formado por um estado-maior, quatro companhias de caçadores e uma companhia de atiradores, num total de 628 homens. Tal como acontecia com os Regimentos, cada batalhão de caçadores tinha o seu quartel numa vila ou cidade:

1º Batalhão de Caçadores – Castelo de Vide;
2º Batalhão de Caçadores – Moura;
3 º Batalhão de Caçadores – Vila Real;
4 º Batalhão de Caçadores – Viseu;
5 º Batalhão de Caçadores – Campo Maior;
6 º Batalhão de Caçadores – Porto.

Os “caçadores” foram treinados de acordo com os manuais de tática britânicos e, rapidamente, ganharam a reputação de tropas de elite. A 20 de abril de 1811, um decreto criou mais seis batalhões de caçadores. A Leal Legião Lusitana, formada em 1808 com patrocínio britânico, foi dissolvida e as suas tropas formaram três dos novos seis batalhões de caçadores:

7 º Batalhão de Caçadores – Guarda;
8 º Batalhão de Caçadores – Trancoso;
9 º Batalhão de Caçadores – Lamego.

Os outros três batalhões foram recrutados na região da Beira:

10 º Batalhão de Caçadores – Aveiro;
11 º Batalhão de Caçadores – Feira;
12 º Batalhão de Caçadores – Ponte de Lima.

Se avançarmos no tempo, para além dos momentos que nos serviram de referência, podemos ver na batalha de Salamanca (22 de julho de 1812) os 1º e 3º Batalhões de Caçadores incorporados na Divisão Ligeira e outros sete (2º, 4º, 5º, 7º, 8º, 9º e 12º) a fazerem parte da constituição das brigadas portuguesas, incluindo as brigadas independentes. Cada brigada portuguesa tinha, pois, além de quatro batalhões infantaria de linha, um batalhão de caçadores. As brigadas britânicas, por seu lado, para além dos batalhões de infantaria de linha, tinham pelo menos uma companhia de infantaria ligeira ou de tropas que receberam o treino deste tipo de infantaria. Mais tarde, por exemplo nas batalhas de Vitória (21 de junho de 1813) ou de Nivelle (10 de novembro de 1813), continuamos a encontrar o mesmo modelo de distribuição das forças32.

31McNAB, p. 353.
32OMAN, Volume V, pp. 595-599; Volume VI, pp. 751-752; Volume VII, pp. 537-539.

CONCLUSÃO

O Exército Francês sofreu diversas alterações, sobretudo na sua estrutura superior quando foi suprimido o escalão Corpo de Exército. As tropas portuguesas e espanholas que tinham sido incorporadas naquele exército, como foi o caso da Legião Portuguesa organizada por Junot, atuaram fora da Península.

Os diferentes exércitos espanhóis que foram levantados durante a Guerra Peninsular tiveram sempre um carácter muito próprio, com algumas honrosas exceções foram derrotados pelos franceses, mas os Espanhóis nunca desistiram de levantar novos exércitos e acabaram por colaborar de forma mais ativa com os britânicos a partir de 1813, embora nunca se tivesse verificado uma situação de integração de forças semelhante à interoperabilidade da força anglo-lusas.

A interoperabilidade desenvolvida entre as forças britânicas e portuguesas foi um caso único que merece ser profundamente estudada no nosso tempo, quando se pretende organizar forças multinacionais, no âmbito da União Europeia ou da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Recordando o percurso desta integração, desde as primeiras ações combinadas, em 1808, até ao final da Guerra Peninsular podemos identificar três estádios diferentes que correspondem aos acontecimentos acima descritos e se integram nas três invasões de Portugal:

  • o Numa primeira fase (1808, Batalha do Vimeiro), as forças portuguesas que atuaram juntamente com os Britânicos eram forças de fraco efetivo, com fortes deficiências em termos disciplina e preparação tática. Colocadas em posição mais afastada da linha da frente, sob controlo do comando de uma brigada britânica, mas sem estarem integradas nesta, não tiveram oportunidade de mostrar o seu grau de preparação para o combate. O mesmo não se passou com as forças de cavalaria, integradas na cavalaria britânica, que cederam perante o primeiro avanço da cavalaria francesa.

  • o Numa segunda fase (Segunda Invasão Francesa), o Exército Português encontrava-se já sob comando de Beresford. O pouco tempo disponível até ao empenhamento das unidades em operações permitiu que apenas algumas unidades estivessem devidamente enquadradas, equipadas e armadas para participarem no avanço até ao Porto. A integração decidida por Wellesley foi tímida – alguns batalhões foram integrados em brigadas britânicas – e limitada à coluna que se encontrava sob o seu comando direto.

  • o Numa terceira fase (Terceira Invasão Francesa), com a maior parte do Exército Português reorganizado, o exército de Wellington organizado em divisões formadas por brigadas britânicas e portuguesas, tinha sido conseguido um nível de integração mais elevado. O treino e as provas dadas no campo de batalha permitiram o desenvolvimento de um elevado grau de interoperabilidade que foi aperfeiçoado até ao final da Guerra Peninsular.

Examinando mais em pormenor os quatro exércitos presentes no teatro de operações ibérico - os sete volumes de A History of the Peninsular War, de Charles Oman, são muito bons para esse efeito - podemos encontrar numerosas características específicas de cada um, tanto no campo da tática como dos efetivos presentes, mas todos foram organizados segundo os mesmos conceitos. A evolução mais significativa que encontramos é a que referimos para o Exército de Wellington que foi considerado o mais eficaz corpo militar da época. Este facto deve-se também aos militares portugueses que serviram sob o seu comando e ganharam fama de excelentes combatentes, mas sem que possamos esquecer que, se tal foi possível, deve-se muito à influência britânica. Esta fez-se sentir pela ação organizadora e disciplinadora de Beresford, pela ação de comando de Wellington e dos seus oficiais no decorrer das operações, mas também, sem dúvida, pelo contacto entre tropas britânicas e portuguesas que as circunstâncias proporcionaram, especialmente no campo de batalha, quando a interdependência das forças mais se fez sentir.


BIBLIOGRAFIA

CENTENO, João Torres, O Exército Português na Guerra Peninsular, volume 1 - Do Rossilhão ao fim da Segunda Invasão Francesa, 1807 - 1810, © 2008, Editora Prefácio, Lisboa, 2008.

CENTENO, João Torres, O Exército Aliado Anglo-Português, 1808 - 1814, © 2011, Tribuna da História, Parede, 2011.

CHANDLER, David G., Dictionary of the Napoleonic Wars, © 1979, Macmillan Publishing, New York, 1979.

GATES, David, «The Transformation of the Army 1783-1815», in CHANDLER, David Geoffrey & BECKETT, Ian (editores), The Oxford History of the British Army, © 1994, Oxford University Press, Great Britain, 2003, ISBN 978-0-19-280311-5, pp. 132-160

McNAB, Chris (Editor), Armies of the Napoleonic Wars, © 2009, Osprey Publishing, United Kingdom, 2009.

MUIR, Rory, Tactics and the Experience of Battle in the Age of Napoleon, © 1998, Yale University Press, Great Britain, 2000.

MUIR, Rory & BURNHAM, Robert & MUIR, Howie & MCGUIGAN, Ron, Inside Wellington's Peninsular Army, 1808 - 1814, © 2006, Pen & Sword, England, 2014.

OMAN, Sir Charles Chadwick, A History of the Peninsular War, © 1902-1930, 7 volumes, Greenhill Books, London, 2004.

OLIVER, Michael & PARTRIDGE, Richard, Napoleonic Army Handbook, The British Army and her Allies, © 1999, Constable, Great Britain, 1999.

OLIVER, Michael & PARTRIDGE, Richard, Napoleonic Army Handbook, The French Army and her Allies, © 2002, Constable, Great Britain, 2002.