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Os Balcãs em 1914

OS BALCÃS EM 1914

No ano em que teve início a Primeira Guerra Mundial, a geografia política dos Balcãs era diferente da atual. Ao longo de mais de cem anos e quatro importantes guerras – Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, Guerra Civil na Jugoslávia (1991-1995) e Guerra do Kosovo (1996-1999) – as fronteiras das entidades políticas em cada uma destas épocas alteraram-se. Além disso, nem todos os territórios do que hoje são os Estados Balcânicos se encontravam libertos. Enquanto o Império Otomano ficara reduzido, na Península Balcânica, a um pequeno território a norte dos estreitos e do Mar de Mármara que inclui a parte norte de Istambul, os territórios que hoje pertencem à Eslovénia, à Croácia, à Bósnia e Herzegovina e parte norte da Sérvia, estavam integrados no Império Austro-húngaro. O "link" seguinte [Balcãs em 1914] (*) conduz-nos a um mapa que mostra a divisão política dos Balcãs em 1914.

As entidades políticas então existentes eram a Sérvia, o Montenegro, a Albânia, a Grécia, a Roménia, a Bulgária, conjunto de territórios do Império Austro-húngaro (Eslovénia, Croácia, Bósnoa e Herzegovina) e a parte europeia do Império Otomano.

(*) Abrir num separador ou janela nova. Seleccionar com o botão direito do rato e escolher «Abrir link num novo separador» ou «Abrir link numa nova janela». Mantendo o novo separador ou a nova janela aberta permite ter sempre presente um mapa que abrange todos os territórios a seguir mencionados.
 

 Sérvia

O Reino da Sérvia era uma monarquia constitucional. O poder executivo assentava no rei que governava apoiado por um conselho de ministros e o poder legislativo pertencia à Assembleia Nacional (Skuptshina)eleita por todos os homens adultos que pagassem um imposto anual mínimo de 15 dinares. Os militares não tinham direito a voto. Em 1914, a Sérvia era governada pelo rei Pedro Karadordevitch, Pedro I da Sérvia (1844-1921) que reinou entre 11 de junho de 1903 e 16 de agosto de 1921. Um conflito interno sobre a administração dos territórios da Macedónia, adquiridos durante as Guerras Balcânicas, levou Pedro I a afastar-se do trono a 24 de junho de 1914. O seu filho Alexandre assumiu as funções de príncipe regente. Ao contrário do pai que teve uma educação liberal, Alexandre tinha sido educado na Rússia e, por isso, inclinava-se mais para um sistema autocrático. Nikola Pašić (1845-1926) era primeiro ministro da Sérvia desde 1912, mas já tinha assumido esse cargo várias vezes entre 1891 e 1911. 

O regime sérvio era, em questões internas, de carácter liberal e as instituições funcionavam relativamente bem. O mesmo não se pode dizer da sua política externa sempre vocacionada para o expansionismo territorial assente nas aspirações pan-eslavas, ou seja, numa ideologia com o objetivo de desenvolver a integridade e unidade dos povos de língua eslava, e nos movimentos nacionalistas sérvios que, para além da criação de um Estado independente ainda aspiravam a incluir nas suas fronteiras todos os Sérvios na região dos Balcãs o que, em termos territoriais se traduzia na criação da Grande Sérvia. Tratava-se de absorver os povos eslavos e respetivos territórios no Montenegro e Áustria-Hungria.

Os Sérvios formavam uma sociedade predominantemente rural. Os seus recursos minerais eram muito pobres e tinha uma indústria de pequena dimensão, quase toda concentrada em Belgrado e empregando apenas cerca de 10.000 pessoas. As exportações de bens alimentares e couros eram o principal motor da economia. Os principais destinos dessas exportações eram a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Turquia. As principais importações eram os combustíveis, armamentos e equipamentos militares. Todas as importações e exportações eram feitas por terra, utilizando a linha de caminho de ferro que atravessava a Sérvia e fazia parte do percurso do chamado Expresso Berlim-Bagdad, para norte, em direção a Viena ou Berlim, ou para sul, em direção a Constantinopla, ou utilizando o ramal que saía de Niš (Naisso, em Português) em direção a Salónica. As mercadorias podiam também ser transportadas através do Rio Danúbio, chegando ao Mediterrâneo através do Mar Negro e dos Estreitos do Bósforo e Dardanelos. As comunicações a nível interno estavam dificultadas pela má qualidade e escassez de infraestruturas e equipamento rodoviário, assim como pela própria morofologia do terreno, muito montanhoso.

A Sérvia tinha, em 1910, uma população de 2.912.000 habitantes [Mitchell, 1976, p. 23]. Em 1913 tinha um Produto Nacional Bruto (PNB) per capita de 284 US $ de 1960. Se compararmos com outras potências da região, só a Bulgária (263 US $) tinha um PNB inferior ao da Sérvia. O Império Austro-Húngaro tinha um PNB de 498 US $, a Grécia 322 US $, a Roménia 336 US $. A média europeia era de 534 US $ e a ajudar este valor estava o mais alto dos PNB per capita, do Reino Unido, com 965 US $, seguido de muito perto pela Suíça com 964 US $. Portugal tinha um PNB per capita de 292 US $ [Pugh, 1997, p. 26]. Estes dados mostram a importância relativa da Sérvia, no que respeita às suas capacidades económicas, mas também permitem dar algum enquadramento ao esforço relativo das despesas militares.

O Exército Sérvio compreendia dois corpos distintos: o exército nacional (Narodna voyska) e um corpo territorial (Landsturm, na expressão alemã). O recrutamento era feito por conscrição e abrangia todos os homens com 21 anos de idade. O serviço nos primeiros 24 ou 18 meses (dependia da Arma) era feito nos regimentos, após o que se seguia o serviço de reserva, até aos 46 anos. O serviço no Landersturm era obrigatório para todos os homens válidos, dos 17 aos 21 e dos 46 aos 50 anos. Em tempo de paz, o total da força aproximava-se dos 29.000 homens. Após as Guerras dos Balcãs (1912-1913), este número cresceu devido à mobilização feita nos territórios conquistados. No período pré-guerra, estavam formadas cinco divisões de infantaria e uma divisão de cavalaria. Cada divisão de infantaria tinha duas brigadas de infantaria, cada uma com cerca de 6.000 homens, mais o pessoal dos esquadrões de cavalaria, do regimento de artilharia, das companhias de engenharia, comunicações e restantes tropas. Na sua máxima força, uma divisão de infantaria compreendia 19.430 homens (oficiais e praças) [Ellis & Cox, 2001, p. 238].

No final de julho de 1914, após a mobilização, estavam ao serviço cerca de 350.000 homens, organizados em quatro exércitos [Haythornthwaite, 1992, pp. 291-292]: Primeiro, Segundo e Terceiro Exércitos e Exército de Oeste. Os dois primeiros estavam completos, isto é, com um efetivo aproximado de 65.000 homens. Os dois últimos exércitos apenas dispunham de cerca de 50 % dos seus efetivos. Além destas forças, existiam unidades inependentes estacionadas ao longo das fronteiras e que somavam 45 batalhões de infantaria, 2 esquadrões de cavalaria e 28 baterias de artilharia [Haythornthwaite, 1992, p. 292]. As descrições contemporâneas descrevem a rusticidade e o valor dos soldados sérvios, a boa liderança entre os oficiais mais novos, mas também a falta de flexibilidade e de iniciativa do estado-maior. O comandante das forças sérvias era o Príncipe Alexandre (futuro Alexandre I da Jugoslávia), mas na prática o comando era exercito pelo seu Chefe do Estado Maior General, o Marechal-de-Campo Radomir Putnik.

O Marechal Putnik tinha sido Ministro da Guerra por duas vezes (26 January 1904 – 16 May 1905 e 17 April 1906 – 30 March 1908) e era a quarta vez que ocupava o cargo de Chefe do Estado-Maior General. Enquanto ocupou estes cargos procurou desenvolver os planos para a mobilização, o treino das tropas e a renovação dos equipamentos e armamentos. A principal espingarda do Exército era, desde 1893, a Mauser 7,65 mm. A artilharia tinha uma variedade grande de equipamentos mas, desde 1912, estavam a ser substituídas bocas de fogo mais antigas pelas modernas peças de 75 mm francesas. Também utilizavam algum material Krupp, parte dele capturado à Turquia, e material Schneider capturado à Bulgária. No entanto, não existiam equipamentos e armamentos suficientes para fazer frente a uma mobilização geral e as reservas de munições eram igualmente escassas. A Sérvia dispunha também de uma pequena força aérea.

Montenegro

O mais pequeno dos estados balcânicos, tinha uma superfície de quase 15.000 Km2 e uma população inferior a 500.000 habitantes. Trata-se de um território muito montanhoso que, em 1914, tinha difíceis acessos. Atravessar o Montenegro para chegar à costa no Mar Adrático implicava uma jornada difícil pois as infraestruturas rodoviárias eram escassas e dispunha de uma única linha de caminho de ferro. A economia era predominantemente agrícola e, atendendo à morfologia do terreno, de baixa produtividade. Cronicamente pobre, o Montenegro estava, em 1914, exausto pelo esforço nas Guerras Balcânicas.

O Montenegro nunca foi dominado pelo Império Otomano. Manteve-se um principado autónomo, mas essa autonomia foi disputada numa luta constante contra o invasor otomano. Só em 1799, o governo otomano reconheceu oficialmente a independência do Montenegro que, no entanto, teve de continuar a lutar contra os Otomanos. Esta persistência na luta pela independência foi possível porque contou com o apoio da Rússia desde 1715. Esse apoio manteve-se até à Primeira Guerra Mundial e traduzia-se na atribuição de subsídios especialmente para fins militares. Por outro lado, o Montenegro mantinha uma estreita ligação com a Sérvia.

Nicolau Mirkov Petrović-Njegoš (1841-1921), príncipe do Montenegro desde 1860, tornou-se rei em 1910 sendo conhecido como Nicolau I. Desde cedo, Nicolau I procurou modernizar o reino e, em outubro de 1906, foi estabelecido o primeiro parlamento montenegrino que veio substituir o antigo senado eletivo. Nicolau I tinha a ambição de criar uma "Grande Sérvia" sob liderança do Montenegro. No entanto, as suas ambições foram submergidas pelo crescente poder da Sérvia.

Com recursos muito limitados, o Montenegro não podia ter um exército em termos convencionais. Habituados a lutar pela independência, os Montenegrinos consideravam-se guerreiros e, normalmente adavam armados com um revólver e tinham uma espingarda em casa. A partir de 1870, os Russos enviaram instrutores para modernizarem o exército. A Rússia forneceu também grande quantidade de armas e munições. Foi criado um quadro de oficiais e sargentos, mas não foi organizado um exército permanente. Existia uma milícia.

Cada homem montenegrino, apto para o serviço, entrava para a milícia. Os Muçulmanos eram dispensados desse serviço, mas pagavam uma taxa. O treino desta milíci durava doze dias. Os oficiais e sargentos que constituíam o quadro permanente tinham um treino de dois anos e alguns deles frequentavam escolas no estrangeiro. Estes oficiais e sargentos supervisavam o treino da milícia.

Quando mobilizada, a milícia devia formar 56 batalhões de infantaria organizados em 11 brigadas, cada uma com 4 a 6 batalhões, num total de 38.000 homens. Este serviço era prestado por todos os homens aptos com idade compreendida entre os 18 e os 62 anos. Em geral, estavam armados com a espingarda russa de 7,62 mm m/1891. Existia um pequeno conjunto de peças de artilharia, mas não existia cavalaria, nem o terreno permitia a sua utilização normal. O sistema de transportes era muito ineficaz. Não existiam uniformes suficientes para fardar todos os homens mobilizados. Por sugestão da Rússia, no início da guerra, o exército montenegrino recebeu um Chefe de Estado-Maior sérvio, o General Yankovich.

Balcãs em 1914a

Posição das potências em relação à guerra em 1914

 

Albânia

No dia 29 de julho de 1913, um ano antes do início da guerra, a Albânia foi reconhecida como um estado soberano e neutral. No entanto, a Albânia estava longe de ser um país unido. No início de 1914, existiam três governos instalados em diferentes partes do território. Por indicação das Grandes Potências, foi escolhido o príncipe renano Guilherme Frederico Henrique de Wied como Príncipe da Albânia. Esperava-se, assim, conseguir a unificação do território. No entanto, Guilherme I, que chegou à Albânia em março de 1914, não possuía as necessárias qualidades de liderança e rapidamente surgiu uma situação de grande instabilidade política.

O principal oponente do Príncipe era o Ministro da Guerra, Essad Pasha Toptani, um oficial do Exército Otomano que tinha representado a Albânia no parlamento otomano. Após as Guerras Balcânicas, Essad tinha estabelecido, no centro da Albânia a República da Albânia Central. O Príncipe Guilherme tinha o apoio da Áustria-Hungria e Essad era apoiado pela Sérvia e pela Itália. No sul, bandos de saqueadores gregos lançaram o pânico entre a população. Uma revolta liderada principalmente por Muçulmanos levou à fuga de Essad para Itália e do Príncipe Guilherme para a Alemanha em setembro de 1914. Essad restabeleceu o seu governo enquanto o norte do país era ocupado pela Sérvia e o sul pela Grécia. Com a invasão da Albânia pela Áustria-Hungria, Essad refugiou-se em Salónica.

Numa situação como a que acima está descrita, não é possível organizar e manter uma força armada permanente com carácter convencional nem estabelecer medidas de mobilização minimamente eficazes. Foram organizados grupos de guerrilhas pelos chefes militares e políticos que dominavam o centro da Albânia, mas não surgiu nenhum caso de liderança credível durante toda a guerra. A guerrilha, apesar disso, conseguiu impedir que outros poderes dominassem o território, como foi o caso dos Italianos até 1920 e da Jugoslávia ainda nesse ano.

Grécia

A Grécia era uma monarquia constitucional em que o poder legislativo estava dividido entre o Rei e a Câmara dos Deputados. Esta era eleita por sufrágio masculino e tinha um mandato de quatro anos. O poder executivo estava centrado no Rei que formava um governo com ministros da sua escolha, mas que respondia perante a Câmara dos Deputados. Os partidos políticos baseavam-se mais no patrocínio individual que em ideologias e esta situação provocava grande instabilidade política e mudanças frequentes de governo.

O Rei Constantino I da Grécia (1868 - 1923) tinha iniciado o seu reinado a 18 de março de 1913, após a morte do seu pai, Jorge I, nascido príncipe Guilherme de Schleswig-Holstein-Sonderburg-Glücksburg, assassinado em Salónica. Constantino tinha formação adquirida na Academia Militar de Berlim o que influenciou a sua admiração pelos alemães. Além disso, tinha casado com Sofia Doroteia Ulrica Alice, Princesa da Prússia, irmão de Guilherme II da Alemanha. Constantino era, portanto, cunhado do Kaiser alemão.

O primeiro-ministro do Governo grego era, desde 18 de outubro de 1910, Eleftherios Kyriakou Venizelos (1864 - 1936), líder do Partido Liberal. Venizelos promoveu a modernização das Forças Armadas Gregas com a ajuda das missões militares francesa e britânica. A sua relação com o Rei não foi fácil já que este não escondia as suas simpatias pela causa alemã enquanto Venizelos pretendia apoiar os Aliados.

No dia 4 de agosto de 1914, a Alemanha convidou a Grécia a juntar-se às Potências Centrais, mas Constantino I declinou o convite e Venizelos anunciou que considerava que o lugar da Grécia era junto dos Aliados, mas por considerações de ordem militar era impossível para a Grécia participar na guerra a menos que a Turquia viesse a envolver-se no conflito. Ambas as facções - pró-Alemanha e pró-Aliados - concordaram que a Grécia deveria permanecer neutral enquanto fosse incerta a posição assumida pela Bulgária e pela Turquia relativamente ao conflito. As condições em que se encontravam as Forças Armadas Gregas e as condições socioeconómicas também contribuíram para esta tomada de posição.

Não se conhece com precisão qual o número de habitantes da Grécia em 1914. Houve um censo em 1907 (2.632.000 habitantes) e outro em 1920 (5.017.000 habitantes) e deve-se ter em atenção que, entre estas datas, a Grécia expandiu-se para território antes ocupado pelo Império Otomano [Mitchell, 1975, pp. 21 e 26]. Apesar destas limitações, Martin Pugh estima que a população da Grécia em 1914 andaria à volta dos cinco milhões [Pugh, 1997, p. 264] e no Dictionary of the First World War são referidos 4.800.000 habitantes [Pope & Wheal, 1995, p. 210]. Em 1913, a Grécia tinha um Produto Nacional Bruto (PNB) per capita de 322 US $ de 1960 [Ver os dados indicados no texto referente à Sérvia]. Dos países balcânicos, só a Roménia apresentava um valor superior.

Na Grécia, desde 1904, o serviço militar era obrigatório a partir dos 21 anos de idade. Este serviço incluía catorze meses no ativo e um período de 18 anos na reserva e reserva territorial. Apesar de existir um sistema de serviço militar obrigatório, a conscrição não era universal. Devia existir uma força permanente com 10.000 homens. Os recrutas em excesso tinham seis meses de treino após o que passavam diretamente para a reserva.

As chefias militares estavam claramente do lado do rei. Quando surgiram conflitos entre o rei e o primeiro-ministro, entre as forças políticas pró-Alemanha e as forças pró-Aliados, o exército colocou-se ao lado do rei. Em 1916, houve uma ruptura entre o rei e o primeiro-ministro que partiu para o exílio. O governo grego provisório, formado em Salónica, pró-Aliados, teve de formar um exército para lutar ao lado dos Aliados. A maior parte dos voluntários tinham origem em Creta e outras ilhas gregas. Em 1917 formaram-se três divisões e mais oito em 1918.

Em 1914 estava previsto mobilizar os recursos humanos para formar cinco Corpos de Exército e uma Brigada Independente de Cavalaria. Em 1915, como precaução contra uma possível agressão da Bulgária, foram levantados três Corpos de Exército com um efetivo de aproximadamente 150.000 homens. A segurança interna da Grécia estava à responsabilidade de uma guarda nacional recrutada separadamente do exército.

A principal arma utilizada pelos soldados gregos era a antiga espingarda francesa Gras de 11 mm. A partir de 1907 começaram a ser distribuídas espingardas Mannlicher-Schoenauer de 6,5 mm. A cavalaria utilizava lanças. A artilharia de campanha utilizava algumas peças de 75 mm Schneider-Danglis (não mais de 36 baterias de campanha e 6 de montanha).

No início da guerra e apesar das tradições marítimas da Grécia, os principais navios de guerra estavam obsoletos. O serviço militar na Armada era de dois anos seguindo-se quatro anos na reserva. O plano apresentado em 1908 para reforma da Armada fora rejeitado. Este plano previa a substituição dos vasos de guerras mais antigos por forma a que a frota grega ficasse formada por submarinos e navios ligeiros, uma opção mais adequada ao tipo de missões que a muito recortada costa grega e numerosas ilhas exigiam.

Roménia

A Roménia era uma monarquia constitucional. Carol I da Roménia (Karl von Hohenzollern-Sigmaringen), de origem alemã, era primo do Kaiser Guilherme II da Alemanha e era rei desde a fundação do Reino da Roménia, em 1881. O sistema parlamentar da Roménia estava dividido em duas câmaras: o Senado e a Câmara dos Deputados. O poder executivo pertencia a um conselho de ministros, presidido pelo primeiro ministro que em 1914 era Ionel Brătianu, líder do Partido Nacional Liberal (PNL). A Constituição, de 1884, garantia completa liberdade de expressão e reunião.

No início da Primeira Guerra Mundial, Carol I era um forte apoiante das Potências Centrais. O PNL, fundado em 1875, de que Ionel Brătianu era líder, era apoiante dos Aliados. As forças mais conservadoras, ao lado de Carol I, defendiam uma posição de neutralidade. No início da guerra, embora o PNL defendesse o alinhamento ao lado dos Aliados, a Roménia declarou a sua neutralidade. A 28 de julho de 1914, Carol I informou a Áustria-Hungria que a questão da Transilvânia, onde viviam cerca de três milhões de Romenos, tornava impossível a Roménia colocar-se ao lado das Potências Centrais

A 10 de outubro de 1914, Caroli I morreu e sucedeu-lhe Fernando I, Príncipe Ferdinand Viktor Albert Meinrad of Hohenzollern-Sigmaringen, seu sobrinho. As ideias políticas de Fernando I aproximavam-se mais das do PNL e assim, o governo da Roménia iniciou conversações com os Aliados no sentido de participar na guerra tendo como garantia a aquisição dos territórios da Áustria-Hungria em que existisse uma maioria de população romena. Fernando I assumiu esta posição apesar de ser de origem alemã, primo do Kaiser Guilherme II da Alemanha, amigo pessoal do Imperador Francisco José da Áustria-Hungria e de ter dois irmãos a prestarem serviço no exército alemão. Fernado I era casado com a Princesa Maria, britânica, filha do Duque de Edinburgh e neta da Rainha Vitória.

A maior parte do comércio da Roménia encontrava-se nas mãos dos Alemães ou dos Áustro-Húngaros existindo um défice comercial com a Alemanha muito elevado. Do investimento estrangeiro feito na Roménia, o investimento alemão era nitidamente o mais elevado. Os interesses das Potências Centrais centravam-se essencialmente no petróleo e esta era uma razão forte para impedirem a Roménia de se juntarem aos Aliados. No entanto, foram os Aliados que conseguiram cativar a Roménia.

De acordo com a Lei do Exército de 1908, com as alterações introduzidas em 1910 e 1913, o serviço militar era obrigatório. Aos 21 anos, os conscritos selecionados por sorteio eram incorporados no exército regular onde prestavam serviço durante sete anos após o que passavam para a reserva onde se mantinham durante doze anos. Nesta situação, eram chamados duas vezes por ano, na Primavera e no Verão, a participarem em treinos. Após a situação de reserva, transitavam para a milícia onde serviam por seis anos. A milícia também incluía aqueles que não tinham sido selecionados para prestar serviço no exército regular. Em tempo de guerra, com idades compreendidas entre os 36 e os 46 anos, todos os que não estivessem a prestar serviço na milícia ou no exército regular, serviam no Gloata, organização dedicada ao serviço de guarnição.

Em 1912, ano em que foi realizado um recenseamento da população, a Roménia tinha 7.235.000 habitantes [Mitchell, 1975, p. 23] e, em 1913, as estatísticas apontam um Gross National Product (GNP) per capita de 336 US$ de 1960, superior à Bulgária, à Sérvia e à Grécia. Com estes recursos, tinha um exército permanente em tempo de paz com 97.000 homens e, para manter este exército gastava mais que qualquer dos países atrás mencionados (1913-1914, em milhões de £, Roménia 3, Bulgária 1,5 e Grécia 0,75 [Pugh, 1997, p. 264]. Em tempo de guerra estava previsto expandir o exército até aos 382.000 homens, incluindo as reservas. Quando a Roménia declarou guerra à Áustria-Hungria e à Alemanha, em 1916, estavam disponíveis 860.000 homens treinados.

No Exército da Roménia, a infantaria utilizava a espingarda Mannlicher 6,35 mm, modelo de 1893, de origem austríaca, e a metralhadora ligeira francesa Chauchat de 8 mm. A cavalaria utilizava a carabina Mannlicher 6,35 mm, modelo de 1893. A artilharia utilizava armas francesas na artilharia de posição e armas alemãs na artilharia de campanha (peças Krupp de 75 mm e obuses de 120 mm. A artilharia de montanha utilizava o canhão Armstrong de 63 mm, de origem britânica. A marinha da Roménia, dividida em duas frotas, do Danúbio e do Mar Negro, era muito pequena e de pouca relevância.

Bulgária

Apesar de se tratar de um país independente apenas há meia dúzia de anos (5 de outubro de 1908) e da derrota sofrida na Segunda Guerra Balcânica, a Bulgária era, em 1914, uma das mais poderosas potências dos Balcãs. A Bulgária era uma monarquia constitucional, tendo como rei Fernando I, de origem alemã (Ferdinand Maximilian Karl Leopold Maria of Saxe-Coburg and Gotha). Fernando I foi eleito Príncipe da Bulgária pela Assembleia Nacional (Sobranie), a 7 de julho de 1887, e foi rei a partir de 1908. Em abril de 1909, Fernando I intitulou-se Czar da Bulgária.

Em julho de 1913, Fernando I nomeou primeiro ministro Vasil Hristov Radoslavov, do Partido Nacionalista, que se manteve no cargo até meados de 1918. Com Fernando I e Radoslavov, a Bulgária afastou-se da Rússia e aproximou-se das Potências Centrais. Esta aproximação tornou-se mais evidente quando a Bulgária obteve um empréstimo (junho de 1914), vital para a sua economia, facultado pela Alemanha e Áustria-Hungria em detrimento das potências da Entente. Ao obter este empréstimo, a Bulgária entregou o controlo da sua indústria de carvão e de uma parte vital do caminho de ferro para o consórcio que proporcionou o empréstimo, causando grande manifestação de descontentamento na Sobranie.

Com o início da guerra, ambos os campos em confronto fizeram ofertas pelo apoio ou pela neutralidade da Bulgária. As ofertas consistiam especialmente em territórios que viriam a ser ganhos em caso de vitória. Os Aliados ofereceram território pertencente à Turquia e as Potências Centrais ofereceram os territórios da Macedónia em posse da Sérvia. A Bulgária, tal como a Sérvia, tinha uma posição geográfica que não lhe permitiria manter a situação de neutralidade se a Turquia entrasse na guerra, o que veio a acontecer, oficialmente, a 31 de outubro de 1914. Fernando I e Radoslavov esperaram para ver o rumo dos acontecimentos. Entre outros factores, a derrota dos Aliados em Gallipoli teve influência na decisão que ia ser tomada e, a 6 de setembro de 1915, a Bulgária assinou a Convenção de Pless com as Potências Centrais. A 5 de outubro, os diplomatas Aliados deixaram Sófia.

Com um exército poderoso, a Bulgária era chamada "a Prússia dos Balcãs". O que começou por ser uma milícia organizada pelos Russos, quando foi criado o Principado da Bulgária, transformou-se, numa constante evolução, num moderno exército permanente. Em 1914, o Exército da Bulgária estava organizado de acordo com a Lei do Exército de 1 de janeiro de 1904. Todos os cidadãos masculinos aptos eram inscritos nas listas de conscrição. Os Muçulmanos podiam pagar uma taxa para ficarem exentos do serviço militar obrigatório. Aos 21 anos iniciavam o serviço de dois anos no ativo e oito anos na reserva. Os que eram destinados à cavalaria e aos serviços técnicos cumpriam três anos no ativo e sete na reserva. Ficavam depois disponíveis para regressar ao serviço, se necessário, até aos 46 anos de idade.

Em tempo de paz, o Exército da Bulgária tinha um efetivo de 85.000 homens. Em caso de mobilização, estes efetivos podia crescer até aos 400.000 homens. A situação poderia, no entanto, obrigar a um esforço maior. No final da guerra, em 1918, a Bulgária tinha uma força de 877.000 homens [Haythorntwaite, 1992, p. 156], nos quais se contam os que prestavam serviço de guarnição. Ao contrário de quase todos os outros exércitos, a generalidade dos oficiais tinha origem nos estratos sociais mais baixos, o que facilitava a ligação com os homens que comandavam.

A principal arma ligeira em uso no Exército da Bulgária era a espingarda Mannlicher de 8 mm, modelos de 1888 e 1895, de origem austro-húngara. A metralhadora mais usada era a Maxim de 8 mm, uma metralhadora de origem britânica, mas que foi adotada em muitos exércitos (Ex: Alemanha, Rússia) com variantes desenvolvidas localmente. O material de artilharia tinha maioritariamente origem francesa, mas também utilizavam modelos alemães. Os Alemães forneceram um apoio considerável durante a guerra, tanto em armamento e equipamento, pessoal médico ou na construção de caminhos de ferro. A marinha era fraca e não veio a ter um papel ativo na guerra. Resumia-se às frotas do Danúbio e do Mar Negro.

A economia da Bulgária assentava maioritariamente na agricultura e era quase inteiramente dependente das importações de bens manufaturados, metais e outra matéria prima para a indústria. Até ao início da guerra, a Alemanha e a Áustria-Hungria forneciam cerca de 55% das importações. A Bulgária tinha, em 1913, um PNB per capita de 263 US $ de 1960. Inferior ao da Grécia, da Roménia ou da Sérvia [Pugh, 1997, p. 26]. No entanto, com uma população idêntica, gastava mais do que a Sérvia e o dobro da Grécia com as forças armadas. Na realidade, em 1914, tinha levantado uma força de 340.000 homens, ou seja, mais que os 315.000 daquelas duas potências juntas (195.000 + 120.000) [Pugh, 1997, p. 264]. Quase um quarto do orçamento búlgaro destinava-se a manter o exército.

Áustria-Hungria

A monarquia austro-húngara era, como o próprio nome indica, uma monarquia dual. O soberano, Francisco José I (1830-1916) era imperador da Áustria e rei da Hungria. Após a derrota da Áustria frente à Prússia, em 1866, os dois povos dominantes do Império, Alemães e Húngaros, estabeleceram um compromisso (Ausgleich) em 1867 que estabelecia a Áustria e a Hungria como estados autónomos sob um soberano comum. Cada um destes dois estados tinha o seu próprio parlamento que controlava os assuntos internos enquanto a política externa, a guerra e as finanças eram controladas por ministros comuns.

Este sistema que resolvia os problemas entre as duas nações dominantes estava, no entanto, em constante atrito com outras nações que existiam dentro dos territórios do Império Áustro-Húngaro. Num império em que eram oficialmente reconhecidas as línguas alemã, checa, croata, eslovaca, eslovena, húngara, italiana, polaca, romena, russa, sérvia e ucraniana, os conflitos relacionados com as nacionalidades eram, pode-se dizer, inevitáveis. Mais ligado aos Balcãs, o território da Hungria incluía Croatas, Sérvios, Eslovacos e Romenos e este conjunto representava 52% da população. A Bósnia-Herzegovina tinha sido anexada em 1908 e esse acto tinha contribuído para o desenvolvimento de um forte sentimento nacionalista entre os Sérvios, na Sérvia e na Áustria-Hungria.

A organização dos poderes executivo e legislativo era complexa. O executivo austríaco era composto por oito ministros, entre eles um ministro da defesa que administrava as forças militares austríacas. Os ministros formavam um conselho de ministros presidido por um primeiro-ministro. O poder legislativo residia no Reichsrat que compreendia uma câmara superior (Herrenhaus) cujos membros eram nomeados pelo Imperador e uma câmara baixa (Abgeordnetenhaus) eleita pelos cidadãos masculinos com 24 anos ou mais. A administração civil era assegurada pelos governadores das províncias e existiam dezassete parlamentos provinciais.

A Hungria detinha mais de metade do território do Império. Consistia na própria Hungria (Magyarország), o Principado da Transilvânia e a Província da Croácia-Eslavónia (ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Eslav%C3%B4nia). Estes territórios incluiam várias nacionalidades: Magyares, Romenos, Alemães, Eslovacos, Croatas, Sérvios e Ruténios. O Imperador, Rei da Hungria, presidia ao executivo, um gabinete com dez ministros que incluía um ministro da defesa para a administração das tropas hùngaras, e partilhava o poder legislativo com o parlamento. O parlamento (Országgyülés) tinha uma câmara alta (Förendiház) e uma câmara baixa (Képviselöház).

O Imperador Francisco José teve uma vida tocada pela tragédia. O seu irmão Maximiliano, Imperador do México, foi executado em 1867 por forças republicanas. Em 1889, o Príncipe Rudolfo, seu único filho, suicidou-se. Em 1898 a Imperatriz Isabel da Baviera, conhecida como Sissi, foi assassinada por um anarquista italiano. Em 1914, a 28 de junho, Francisco Fernando, sobrinho e herdeiro do trono austríaco, foi assassinado, juntamente com sua esposa Sofia, em Sarejevo. O autor dos disparos foi um estudante sérvio da Bósnia, Gavrilo Princip. Apesar da agitação provocada por diversos grupos nacionalistas e por irredentistas italianos, quando a guerra teve início, existia um apoio popular generalizado ao governo imperial.

A Áustria-Hungria, com 675.000 Km2, era, depois da Rússia, a maior unidade política da Europa. De acordo com o censo de 1910, habitavam aquele território 51.356.000 de habitantes. Destes, 28.572.000 encontravam-se na parte austríaca (Cisleitânia), 20.886.000 na parte da Hungria (Transleitânia) e 1.898.000 na Bósnia-Herzegovina [Mitchell, 1975, pp. 19-21]. O PNB da Áustria-Hungria, em 1913, era de 498 US$ de 1960 per capita [Pugh, 1997, p. 26], muito superior ao qualquer um dos seus vizinhos dos Balcãs, mas inferior à média europeia (534). As despesas militares em 1913-1914 foram de 22.000.000 £ [Pugh, 1975, p. 264], o que, em proporção com o PNB, representava um esforço superior apenas ao da Grécia, muito semelhante ao da Sérvia e inferior ao da  Bulgária.                                                                                   

O Exército da Áustria-Hungria era formado por três componentes. O Exército Imperial e Real (Kaiserlich und Königlich) era o exército comum do Império. Representava a unidade imperial e estava vocacionado para a defesa do Império. Na dependência direta do Imperador, tinha uma força de tempo de paz de cerca de 325.000 homens. Além desta força permanente, tanto a Áustria como a Hungria tinham as suas próprias forças vocacionadas para a defesa dos respetivos territórios. Tratava-se de forças mais modestas, as Landwehr, com 40.000 e 30.000 homens respetivamente. Qualquer destes exércitos era alimentado por um sistema de conscrição aplicado em todo o território do Império e neste sistema estava já incluída a Bósnia-Herzegovina. Tendo em atenção as condições financeiras da Áustria-Hungria e um complexo sistema de isenções do serviço militar, a Áustria-Hungria teve capacidade, em agosto de 1914, para manter uma força máxima de 2.250.000 homens, incluindo as formações de apoio (não combatentes). Com uma população mais pequena, a França dispunha de 4.000.000 de homens.

Os cartazes impressos em julho de 1914, com indicações para o recrutamento, foram publicados em 15 línguas atendendo à diversidade de nações existentes dentro do Império. A língua alemã era falada por quatro em cada cinco oficiais, mas apenas por 30 % dos homens nos postos mais baixos. Muitos comandantes tinham grandes dúvidas sobre a lealdade das tropas recrutadas entre as minorias étnicas. Em muitas unidades, as vozes de comando eram dadas em duas línguas de forma a que todos as compreendessem.

O comando do Exército encontrava-se sob controlo direto do Imperador mas, desde 1906, com a nomeação do Feldmarschalleutnant  Franz Conrad von Hötzendorf como Chefe do Estado Maior do Exército Austro-Húngaro, adquiriu muita independência e tornou-se poderosamente influente na política. Conrad defendia a solução de um ataque preventivo contra a Sérvia e contra a Itália, como solução para o problema das disputas territoriais.

Império Otomano

O Império Otomano manteve na Europa - nos Balcãs - um território em que a distância até à fronteira mais distante de Constantinopla não atingia os 250 Km. Nesse território estava incluída a cidade de Adrianópolis (hoje Edirna) e a Península de Gallipoli. Constantinopla (hoje Istambul) era a capital desse grande império que se encontrava em nítida decadência. "O homem doente da Europa" foi uma expressão atribuída ao Czar Nicolau II da Rússia para designar o Império Otomano. Hoje, o Império desapareceu e ficou reduzido à Turquia. A capital foi transferida para Ankara, na Península da Anatólia, Ásia Menor.

Com exceção do período entre 1876 e 1878, em que uma constituição esteve em vigor, o Império Otomano foi sempre uma monarquia absoluta controlada por um sultão que, sendo califa (sucessor do Profeta) era também governante teocrático. Na sequência da Revolução dos Jovens Turcos (1908), o governo do Império era dominado pelos seus ativistas com especial realce para İsmail Enver, Mohamed Talaat e Ahmed Djemal.

Em 1914, o Império Otomano teria uma população de 25.000.000 de habitantes. Entre estes contavam-se cerca de 14.000.000 de Turcos e as minorias de Árabes, Sírios, Arménios, Curdos, Gregos e Circassianos (grupo étnico originário da região do norte do Cáucaso). Oficialmente não existia distinção racial e diferentes grupos religiosos encontravam no Império uma grande tolerância. Vários lugares governativos estavam preenchidos por elementos dessas minorias, mas pouco antes de 1914 surgiram movimentos nacionalistas e separatistas, especialmente na Síria, na Arábia e na Arménia.

Durante o período de governo dos Jovens Turcos, a Alemanha agiu por forma a aumentar a sua influência no Império Otomano. A Alemanha reconheceu a vantagem de ter um aliado que controlava o acesso da Rússia ao Mediterrâneo, constituía uma ameaça para o controlo britânico do Canal de Suez e que, pela religião, podia exercer influência sobre a Índia. A normalidade da vida na Turquia dependia do comércio com o Reino Unido que era o dobro do que mantinha com a Alemanha e Áustria-Hungria juntas. No entanto, eram as finanças alemãs que mantinham a Turquia assim como investimentos de grande importância. Era o caso da linha de caminho de ferro que ligava Constantinopla a Bagdad e cuja construção estava quase totalmente dependente dos Alemães.

Ao ser estabelecido o acordo - Triple Entente - entre a França, o Reino Unido e a Rússia, sendo esta última potência um inimigo tradicional do Império Otomano, aumentaram os receios da Turquia que procurou proteger-se com uma aliança com a Alemanha que, por seu lado, viu esta tendência como extremamente útil. Além das visitas que o próprio Kaiser Guilherme II fez à Turquia em 1889 e 1898, foi criada uma missão militar alemã, inicialmente dirigida pelo General Wilhelm Leopold Colmar von der Golz, para o desenvolvimento do Exército Turco, e muitos oficiais turcos receberam treino no Exército Alemão. Em 1913, a missão militar alemã passou a ser dirigida pelo General Otto Liman von Sanders. Dois dias antes do início da guerra, a Alemanha e a Turquia estabeleceram uma aliança militar. A missão militar britânica, que até aí tinha apoiado a força naval turca, retirou. Oficialmente a 31 de outubro, a Turquia entrou na guerra  ao lado das Potências Centrais. Para a Alemanha poder apoiar este aliado era necessário utilizar o caminho de ferro que ligava Hamburgo a Constantinopla - a famosa linha Berlim-Bagdad - e que passava pela Áustria-Hungria, Sérvia e Bulgária.

A população da Turquia era maioritariamente rural, a economia dependente de uma agricultura primitiva e virada para um mercado regional. As estradas eram poucas e o transporte motorizado era quase não-existente e o transporte de produtos era normalmente feito por carros puxados por bois. O caminho de ferro, com cerca de 6.000 Km, era fragmentado e estava quase todo em poder de empresas estrangeiras. Não existiam comunicações rádio e o sistema de telégrafo mal suportava o tráfego em tempo de paz. Falar para uma cidade europeia, só era possível de Constantinopla. A pouca indústria pesada que existia era estrangeira. A produção de munições do Estado otomano estava circunscrita a duas pequenas fábricas perto de Constantinopla.

Os recursos humanos estavam debilitados pelas duas Guerras Balcânicas, pela fraquíssima saúde pública que ainda se agravava mais nas cidades e por um sistema de conscrição caótico. A maior parte do peso do serviço militar era suportado pelos camponeses da Anatólia. Apesar de todas as deficiências descritas, a Turquia tinha disponíveis, em agosto de 1914, trinta e seis divisões organizadas em três exércitos, isto é, cerca de 230.000 homens. Desconhece-se qual o efetivo mobilizado após o início da guerra, mas sabe-se que em novembro de 1918 estavam ao serviço 930.000 homens e durante o conflito foram mobilizados 2.600.000 homens. O exército tinha armas antigas e falta de equipamentos. A marinha, para além do ataque aos portos russos em 29 de outubro de 1914, esteve confinada a uma atitude defensiva no Mar Negro e nos Estreitos pois as marinhas ocidentais estabeleceram o bloqueio dos Dardanelos.

 

BIBLIOGRAFIA

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