Capítulo VIII - A luta entre patrícios e plebeus

AS CAUSAS DA LUTA.

 

Com a República, os patrícios assenhoreiam-se do poder. Acelera-se o processo, já iniciado na época dos reis, que vai transformar o patriciado, o “povo romano”, num privilegiado e fechado grupo de aristocratas.

 

Ao mesmo tempo, entre os plebeus, dá-se um processo de diferenciação social que não estava “constrangido”, como no caso dos patrícios, pelo sistema de laços familiares e de propriedade comum da terra. O sistema da propriedade individual, em vigor entre os plebeus, permitiu uma concentração de riqueza nas mãos de algumas famílias, que depressa se convertem numa poderosa elite.

A luta prolongou-se por mais de dois séculos. Se bem que as consignas da luta tenham variado para os diversos períodos, podem apontar-se três reivindicações fundamentais: a de igualdade de direitos políticos, a questão das dívidas e o direito de acesso ao ager publicus.

 

Se bem que fértil, o Lácio é, porém, uma pequena região. Estas duas condições hão-de ter levado a uma grande densidade da sua população relativa. O problema da terra deve ter aparecido bem cedo, e rapidamente se há-de ter tornado agudo. Assim não há razões para duvidar, como o fazem alguns historiadores, das notícias das fontes literárias que referem o endividamento dos plebeus desde as mais recuadas épocas da república.

 

O APARECIMENTO DOS TRIBUNOS DA PLEBE.

 

Segundo a tradição, o primeiro conflito ter-se-á dado em 494. A situação de endividamento tornou-se insuportável para os plebeus, que se sublevam, apesar de se estar em guerra com os volscos, équos e sabinos.

Os patrícios terão prometido melhorar a situação dos devedores, porém, após a expulsão do inimigo do território romano, “esquecem” os compromissos. Como resposta, os soldados plebeus retiram-se para o Monte Sacro, para lá do Aniene, a cerca de 5 km de Roma (Pisão, citado por Lívio (II, 32), diz que se retiraram para o Aventino). Ali acampam e permanecem alguns dias. Iniciam-se conversações e os patrícios são obrigados a fazer algumas concessões. Os plebeus elegeram, de entre os seus, os seus próprios “magistrados”, os tribunos da plebe. As suas pessoas seriam invioláveis. Teriam a função de defender os plebeus do arbítrio dos magistrados patrícios. É esta a tradição da secessio plebis in montem sacrum e da instituição dos tribunos da plebe.

 

Estes sucessos, atribuídos ao ano de 494, são muito semelhantes aos sucessos análogos de 449. É possível que esta “primeira secessão dos plebeus” seja uma projecção imaginária, no passado, da que veio a ocorrer em 449. É estranho que no acordo celebrado com os plebeus não se tivesse referido a questão das dívidas, quando a tradição afirma que foi essa a razão que desencadeou o movimento.

 

A partir de 471, as eleições dos tribunos da plebe fazem-se nas assembleias da plebe por tribo (lex Publilia, do tribuno da plebe Publílio Volerão). Desconhecemos como eram eleitos antes disso, dado que as fontes se contradizem. Também não é claro quantos eram de início. O próprio Lívio tem as suas dúvidas (II, 33): «Desse modo foram eleitos dois tribunos da plebe... escolheram e juntaram a si três dos seus companheiros...Alguns afirmam que no Monte Sacro foram nomeados apenas dois tribunos e que ali mesmo foi promulgada a lei da sua inviolabilidade».

Diodoro, cujas indicações cronológicas se revelam com frequência precisas, diz que em 471 foram eleitos quatro tribunos. Mas o seu texto não é claro (XI, 68, 8). Não se percebe se ele está a dizer que nesse ano foram eleitos os primeiros tribunos ou se está a afirmar que foi a primeira vez que se elegeram em número de quatro (sendo antes eleitos provavelmente dois).

Também se desconhece a data em que passaram a gozar de inviolabilidade. É possível que isso só tenha ocorrido quando o seu número passou a dez, em meados no século V.

 

Assim, o que se pode afirmar é que nos primeiros decénios do século V, em consequência de um movimento dos plebeus, surgiram os chamados tribunos da plebe, eleitos em concilia plebis tributa. De início seriam quatro, logo sendo o seu número elevado para dez.

Tampouco são claras as funções dos primeiros tribunos. Ao que parece, teriam o direito de ajuda (jus auxilii) a favor dos plebeus, contra os arbítrios dos magistrados patrícios. Logo adquirem outros direitos, entre os quais o da imunidade pessoal.

 

OS EDIS DA PLEBE.

 

Segundo a tradição, este cargo também foi criado no ano de 494. Os edis plebeus tinham por função a administração do templo de Ceres, Liber e Libera, as divindades agrícolas plebeias. No templo conservava-se o arquivo plebeu (este templo terá sido erigido em 493). Também estes funcionários eram eleitos em concilia plebis tributa.

 

CARÁCTER DA MAGISTRATURA PLEBEIA.

 

Na luta contra os patrícios, a camada mais rica da plebe, apoiando-se em vastos movimentos populares, foi criando uma organização estadual paralela, “plebeia”, que fazia face à organização política do populus romanus. Alguns historiadores chegam a utilizar a expressão de “um Estado dentro do Estado”. Em geral, os eleitos provinham da camada social dos plebeus ricos.

 

OUTROS MOVIMENTOS DE MASSAS NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO V.

 

A tradição menciona os sucessos que estiveram na base da lenda de Coriolano. Em 492 houve em Roma uma terrível carestia, e o Estado comprou cereais aos países vizinhos, distribuindo-os a baixo preço pelo povo.

Gneu Márcio Coriolano, patrício, propõe ao senado que se exija dos plebeus a renúncia aos tribunos, sob a ameaça de não lhes serem distribuídos cereais. O senado recusou a proposta. Porém, conhecendo o sucedido, os tribunos da plebe promovem o julgamento de Coriolano, que é condenado em contumácia.

Coriolano havia fugido para junto dos volscos. Mais tarde, marcha com estes contra Roma, conquistando várias cidades latinas, e chega até aos muros da cidade, onde devasta os campos dos plebeus.

As mulheres da nobreza romana, levando consigo a mãe, a esposa e os filhos de Coriolano, vão ao campo inimigo implorar-lhe que se retire, e ele anui aos seus rogos. Numa das versões da tradição, Coriolano é morto pelos volscos, por haver retirado.

 

Uma outra narrativa afirma que o cônsul de 486, Espúrio Cásio, foi quem elaborou o primeiro projecto de lei agrária. No projecto proporia a entrega aos plebeus, em parcelas, de metade da terra tomada aos hérnicos, com a outra metade a ser reservada para o ager publicus. Mas o segundo cônsul ter-se-á oposto. No termo do seu mandato, Cásio é acusado de haver procurado apropriar-se do poder, sendo condenado.

Cásio é uma personagem histórica, mas é pouco verosímil a “história” do seu projecto de lei agrária.

 

Em 460 o sabino Ápio Erdónio, com alguns milhares de desterrados e escravos, ocupa de noite o Capitólio. Para retomarem a colina e sufocar a revolta, os romanos tiveram de pedir o auxílio das milícias de Túsculo.

 

Em 456 o tribuno da plebe Icílio faz promulgar a lex Icilia, concedendo aos plebeus parcelas de terras no Aventino.

 

Em 455 a lei de Espúrio Tarpeio e de Aulo Atérnio (lex Aternia Tarpeia) terá limitado, ao que parece, o poder dos cônsules de darem sentença de penas para os crimes comuns.

 

AS LEIS DAS XII TÁBUAS.

 

Diz a tradição que, em 462, o tribuno Caio Terentilo Arsa propôs a criação de uma comissão de cinco pessoas para a elaboração de leis a limitar os poderes dos pretores, numa base de competência colegial (de imperio consulari). Mas os patrícios opuseram-se a isso intransigentemente, provocando durante vários anos uma encarniçada luta.

Gradualmente, no decorrer dessa luta, o primitivo projecto de limitação dos poderes dos cônsules deu lugar a um outro, muito mais vasto, o de definir com normas escritas o direito em geral. E terão decidido enviar à Grécia uma comissão de três pessoas, com o objectivo de ali estudarem a legislação grega, a de Sólon em particular. A comissão terá partido em 454 e regressado a Roma em 452 (Não é muito verosímil o envio de uma embaixada à Grécia em meados do século V. Quando muito, ela ter-se-á efectuado à Magna Grécia (Itália meridional e Sicília)).

Em 452 é eleito um colégio de dez membros (decênviros). Em 451 são-lhe conferidos plenos poderes, não se elegendo nesse ano nenhum outro magistrado. Não era possível apelar das decisões dos decênviros para a assembleia popular.

As decisões deste colégio tinham de ser tomadas por unanimidade. Assim, cada decênviro tinha o direito de protesto (jus intercessionis) contra a vontade dos demais. A autoridade dos decênviros era, pois, rigidamente colegial.

Entre os decênviros estavam as três pessoas enviadas à Grécia. E todos os decênviros seriam patrícios. Dirigia-os Ápio Cláudio.

Após um ano de trabalhos, o colégio havia preparado dez Tábuas de leis. Diz Lívio (III, 34) que foram expostas no forum, sendo depois aprovadas pelos comitia centuriata.

 

Em 450 são eleitos novos decênviros. As eleições foram dirigidas por Ápio Cláudio, que simpatizava abertamente com os plebeus. São eleitos patrícios e plebeus, em número igual (a crer nos nomes que a tradição refere). Dionísio (X, 58) diz que os plebeus teriam sido apenas três.

Ápio Cláudio volta a ser eleito. Os novos decênviros elaboraram outras duas Tábuas de leis. Nelas, entre outras coisas, reafirmava-se a proibição do matrimónio entre patrícios e plebeus.

As assembleias populares não foram convocadas para a aprovação das novas leis, com os decênviros a assumirem atitudes de tirania (Ápio Cláudio em especial), praticando violências, assassinatos e confiscações de propriedade em prejuízo dos plebeus.

Em 449, já o seu mandato havia expirado, os decênviros procuram manter-se no poder, o que provocou uma sublevação popular. Os plebeus ocuparam o Aventino e dali, com as suas esposas e filhos, partiram para o Monte Sacro (mons Sacer).

Segundo a tradição, dá-se então o assassinato do plebeu Lúcio Síccio e a morte da jovem plebeia Virgínia, que Ápio Cláudio cobiçava, às mãos do próprio pai.

Os decênviros são obrigados a deixar o poder, com o exército sublevado a formar um conselho de vinte tribunos militares (dez por legião), que conferem os plenos poderes a dois dos seus. Pouco depois, “normalizada” a situação, são eleitos dez tribunos da plebe e dois cônsules (Kovaliov , como sempre, diz: pretores). Ápio Cláudio é preso e morto no cárcere.

 

Todos estes “acontecimentos” narrados pela tradição estarão bem longe de ser verídicos. Mas sobre o que não há nenhuma dúvida, para a maioria dos historiadores, é quanto ao facto de terem sido então codificadas as leis, num ambiente de aguda luta social.

Também é certo que as Leis das XII Tábuas foram compiladas todas na mesma época. Sendo, contudo, o produto de um longo processo de desenvolvimento histórico.

Foram-lhes feitos acrescentos depois do século V, mas o seu núcleo fundamental reflecte a época inicial da República e foi reduzido a escrito em meados desse século, o que se demonstra pelo arcaísmo da língua e das condições de vida que as leis revelam.

No essencial, as leis foram a transcrição do direito consuetudinário em vigor, com os legisladores a introduzirem algumas normas novas. As inovações por vezes contradizem o velho mos majorum (“o costume dos antepassados”).

Assim, o princípio da lei de Talião coexiste com o da multa. Tábua VIII, artigo II: «Aquele que cause mutilação no corpo de outra pessoa, e não sendo possível chegar a um acordo com o ofendido, será castigado com um dano igual ao que há causado». No artigo seguinte lê-se: «Aquele que com a mão ou um bastão quebre um osso a outra pessoa será condenado a pagar uma multa de 300 asses; se a pessoa agredida é um escravo, a multa será de 150 asses».

Os artigos IV e V da Tábua V mostram certas sobrevivências da propriedade da gens: «Os bens e a família dos que morram sem testamento e sem nenhum descendente directo passarão ao parente agnado [= pelo lado paterno] masculino mais próximo e, na falta de parentes, passarão aos membros da gens» (A família era composta por todos os descendentes e pelos escravos. Eram também consideradas parentes as pessoas que dependiam ou podiam vir a depender de um pater familias. Por exemplo, a esposa era parente dos irmãos do marido). Mas o artigo III da mesma tábua estipula a liberdade de testamento: «No referente aos bens e às tutelas proceder-se-á segundo o que estabeleça o testamento».

Há artigos referentes a actos de feitiçaria. Por exemplo, num fragmento do artigo VIII da Tábua VIII: «Aquele que maldiga a colheita... (desconhecemos qual o castigo aplicado)».

 

Como em todos os códigos antigos, também nas XII Tábuas se castigavam severamente os atentados à propriedade privada. Tábua VIII, artigo XII: «Se aquele que pratica um roubo nocturno é morto no local, a sua morte será considerada lícita». E diz Aulo Gélio (“Noites Áticas”, XI, 18, 8): «Os decênviros prescreveram que os homens livres capturados junto com a prova do delito fossem submetidos a um castigo corporal e entregues àquele que houvesse sofrido o dano. Os escravos deviam ser açoitados e atirados da rocha». Gaio diz que as Leis das 12 Tábuas «Prescreviam encarcerar, pôr a ferros e, depois da flagelação, castigar pelo fogo a quem quer que intencionalmente tivesse incendiado uma construção ou os depósitos do grão vizinhos das casas».

 

A Tábua III ocupava-se da legislação relativa às dívidas. Ao devedor, uma vez reconhecida a sua dívida perante o tribunal, eram concedidos 30 dias para pagar. Vencido este prazo, o credor «deitava mão» do devedor e levava-o até ao tribunal para a execução da sentença. Se o devedor não estava em condições de cumprir a sentença do juiz e se ninguém oferecia por ele garantias, o credor tinha o direito de levá-lo consigo e de o pôr a ferros, «de peso não inferior e, se o quiser, superior, a 15 libras».

Durante os 60 dias que permanecia em cárcere privado, o devedor, se o podia fazer, alimentava-se à sua conta. Caso contrário, o credor era obrigado a fornecer-lhe pelo menos uma libra de grão por dia.

Durante esses 60 dias, era levado por três vezes seguidas à praça pública, ante o pretor, em dias de mercado (nundinae), ali se apregoando a soma que devia. Se ninguém se fazia responsável por ele, após o terceiro pregão o devedor podia ser morto ou vendido como escravo além Tibre, ou seja, fora dos limites da cidade.

Como já se viu, no caso de serem vários os credores, artigo VI: «No terceiro nundinis, o devedor será cortado em pedaços. Se cortarem a mais ou a menos [do que a parte que lhes é devida, ou seja, em proporção ao crédito de cada um], tal não será considerado ilícito». Os antigos comentaristas das leis das XII Tábuas dizem que este artigo nunca foi aplicado...

Haja sido aplicada à letra ou não (dado o formalismo romano, é bem provável que o tenha sido), há que assinalar que a norma expressa contém uma outra, implícita, a de que a parte de cada credor no devedor, por exemplo, em caso da sua venda como escravo, será proporcional ao seu crédito. Portanto, se um dos credores se apoderasse de uma parte do produto da venda acima da proporção do seu crédito, fazia-o ilicitamente.

 

O direito das Leis das XII Tábuas é vincadamente patriarcal. O pai possuía um poder ilimitado sobre os filhos, ao ponto de os poder vender como escravos por três vezes (cada vez que o filho se libertava da escravidão recaía automaticamente debaixo da autoridade paterna; uma tal norma indicia a existência de escravatura “a prazo”, isto é, por apenas um determinado período de tempo, uma instituição comum a muitos povos nos tempos arcaicos). Com a terceira venda o pai perdia a patria potestas: «Se o pai vende por três vezes o filho, este já não ficará sujeito à autoridade paterna», diz o artigo II da Tábua IV.

 

A mulher não tinha direitos. Estava sujeita à autoridade do pai. Depois, passava a estar sob a tutela do marido. Quando o marido morria, passava à tutela de algum parente: do filho, do irmão do marido ou de outros. Gaio, “Instituições”, I, 144: «Os nossos antepassados consideravam necessário que as mulheres, ainda que maiores de idade, estivessem, por causa da sua ligeireza, sujeitas a tutela... salvo a excepção única das virgens vestais, às quais se reconhecia ser necessário deixar em liberdade. Isto foi assim estabelecido também pelas leis das XII Tábuas».

 

Foi mantida a norma da proibição do matrimónio entre patrícios e plebeus. Di-lo Cícero (De Republica, II, 36): «Depois que os decênviros haviam compilado dez tábuas de leis com grande justiça e ponderação, para o ano seguinte propuseram nomear novos decênviros...Estes últimos acrescentaram duas novas tábuas de leis nada justas...e a mais inumana foi a que proibia os matrimónios entre patrícios e plebeus». E dizem-no também Dionísio de Halicarnasso (X, 60) e Lívio (IV, 4).

Se aqui os plebeus sofreram uma derrota temporária, terão obtido, segundo todos os indícios, substanciais concessões noutros campos. Cícero, por mais de uma vez, afirma que as Leis das XII Tábuas impediam qualquer fuga à lei por parte dos mais poderosos. Além disso, passou a ser proibido pronunciar condenações à morte contra cidadãos romanos fora dos comitia centuriata.

Macróbio (Saturnais, I, 13, 21) refere ainda, de modo breve e não muito claro, uma reforma do calendário promovida pelos segundos decênviros: «Os decênviros, depois de terem junto duas novas tábuas de leis às dez precedentes, propuseram à assembleia popular um projecto de lei sobre o acrescento de um mês suplementar». Essa reforma pela assembleia popular do calendário, até aí inteiramente nas mãos dos sacerdotes patrícios, há-de ter beneficiado sobretudo os plebeus. Cícero explica-nos porquê (“Pro Murena”, 11): «Poucos nos tempos passados sabiam se era possível ou não intentar acção legal, já que o calendário não era divulgado. Os que se ocupavam deste estudo gozavam de grande autoridade e a eles era preciso recorrer para conhecer as datas, como entre os caldeus».

 

AS LEIS DE VALÉRIO E DE HORÁCIO.

 

Os cônsules de 449, Lúcio Valério e Marco Horácio, terão promovido três importantes leis (leges Valeriae Horatiae). As fontes apresentam diferentes versões sobre elas.

Na versão de Lívio (III, 55), a primeira lei prescrevia que as decisões tomadas pelos plebeus nos comícios tribais, os chamados plebiscitos (plebiscita), passavam a ser obrigatórias para todo o povo romano.

A segunda lei repunha o direito de apelo do cidadão condenado por magistrado à pena de morte ou à de castigo corporal, direito de apelo que teria sido abolido pelos decênviros. Segundo a tradição, o direito de apelo teria surgido em 509, com uma lei do cônsul P. Valério. É o que afirmam Lívio (II, 8) e Valério Máximo (IV, 1, 1). Esta segunda lei conteria ainda uma disposição que não permitia a eleição, daí em diante, de magistrados contra os quais não fosse possível apelar.

A terceira lei reafirmava a imunidade dos tribunos da plebe que, segundo Lívio, quase fora esquecida. A imunidade dos tribunos foi reposta, com a celebração de algumas cerimónias de carácter religioso e com a promulgação de uma prescrição, condenando à pena capital e à confiscação dos bens quem quer que houvesse ofendido um tribuno da plebe. E logo o tribuno Marco Duílio lhe terá acrescentado um artigo, que castigava com a pena de açoites e de morte «quem quer que houvesse procurado privar os plebeus dos seus magistrados ou tivesse eleito um magistrado contra o qual não fosse possível apelar».

 

É difícil discernir o que haverá de verídico no relato de Lívio. Em primeiro lugar, não se compreende que tenha sido necessário reafirmar o direito de apelo, quando esse direito já estava enunciado nas Leis das XII Tábuas. Tampouco é clara a questão da força de lei dos plebiscitos, pois que por duas vezes mais se tomarão disposições análogas (em 339 e em 237).

 

A LEI DE CANULEIO.

 

No ano de 445, o tribuno da plebe Caio Canuleio terá apresentado um projecto-lei (rogatio) para a legalização dos casamentos entre patrícios e plebeus.

Além disso, e pela primeira vez, os plebeus terão reivindicado o acesso aos cargos de Estado.

Os patrícios acabaram por ceder na questão dos matrimónios. Quanto à pretura (consulado), para a manterem o maior tempo possível nas suas mãos, obrigaram a plebe a um compromisso, com a criação de um novo cargo especial, o dos tribunos militares com poder consular (tribuni militum consulari potestate).

 

(Diz Kovaliov que o termo “tribunos militares com poder consular” não é o mais correcto, pois que supõe já a existência do termo “cônsul”, quando nesta época os altos magistrados ainda eram chamados “pretores”. Por isso a palavra “consularis”, aplicada aos tribunos militares, deveria ser traduzida pelo termo “colegial”. Já os decênviros tinham um poder colegial semelhante, que constituiria justamente a grande novidade do decênviro. Deste ponto de vista, o tribunado militar poderia ser considerado como uma forma de desenvolvimento ulterior do decemviri. O que Kovaliov não diz é que, mesmo que os dois mais altos magistrados ainda fossem designados pretores, nada impedia que já cumprissem as suas funções de modo “consular”, ou seja, consultando-se. A própria luta entre patrícios e plebeus há-de ter obrigado à necessidade de entendimento entre os dois pretores.

 

OS TRIBUNOS MILITARES COM PODER CONSULAR.

 

Competia-lhes o alto mando das legiões. O seu número oscilou, comummente, entre três e seis, consoante a dimensão que o exército foi assumindo com o correr do tempo. Eles substituíam, alternando entre si, os antigos pretores, eleitos exclusivamente entre os patrícios. Diversamente, os tribunos militares eram eleitos sem distinção de classes. No ano em que eram eleitos tribunos militares com poder consular, não eram eleitos os pretores. Era o senado quem decidia se, num dado ano, eram eleitos os pretores ou os tribunos militares.

 

O exame dos nomes dos tribunos militares mostra que já entre os três primeiros, eleitos em 444, havia um plebeu, L. Atílio. Mas era difícil aos plebeus serem eleitos para o novo cargo, pois que a eleição se fazia nos comitia centuriata, onde os patrícios detinham a maioria das centúrias.

 

Segundo Lívio, de 444 a 400, os pretores foram substituídos pelos tribunos militares por 23 vezes.

 

http://en.wikipedia.org/wiki/Consular_tribune (Nos “Topics” podem consultar-se várias listas com os nomes dos que ocuparam outras magistraturas, mas atenção que, apesar da qualidade da wikipedia, não há “bíblias” em História. Por exemplo, neste texto (que também não é nenhuma “bíblia”), dois parágrafos acima, lê-se: L. Atílio, e não T. Atilius como no texto inglês.)

 

OS CENSORES.

 

Em 443 os patrícios criam dois novos cargos, os censores, transferindo para eles a função de proceder ao censo, antes da competência dos pretores. Os censores eram eleitos entre os patrícios. Não conhecemos com precisão quais as tarefas de que terão sido incumbidos de início, mas depressa se converterão num dos mais importantes órgãos do Estado.

Além de procederem ao censo, tornar-se-ão os administradores dos bens do Estado, ganham competência para completar o corpo do senado e para destituir senadores, zelarão pelo respeito dos costumes, etc.

Também não se sabe qual a duração do seu mandato nos começos. Algum tempo mais tarde, serão eleitos a cada cinco anos, permanecendo em funções durante 18 meses.

O censo fazia-se de cinco em cinco anos, e a experiência veio a demonstrar que esse período de 18 meses era suficiente para o realizar. Assim (mais tarde, como já se disse), ao fim de ano e meio os censores cessavam as suas funções e Roma permanecia durante três anos e meio sem esses magistrados.

 

OS DITADORES.

 

Segundo alguns historiadores, foi nesta época que pela primeira vez surgiu em Roma o cargo de ditador. Lívio diz que a ditadura apareceu em 501 e Dionísio refere o ano de 498. Mas Lívio não se mostra muito seguro (II, 18): «não se sabe com precisão em que ano sucedeu isto...nem quem foi eleito ditador pela primeira vez».

 

Em algumas comunidades latinas, o cargo de ditador era a mais alta magistratura ordinária, análoga ao cargo de pretor. Com base nisto, há quem defenda a tese de que, nos inícios da república, os mais altos funcionários romanos também teriam sido chamados de “ditadores” (magister populi, no singular). Mas tal teoria entra em aberta contradição com tudo o que nos é transmitido pelas fontes. Todas as fontes afirmam que a ditadura era uma magistratura de carácter temporário e extraordinário. Só se recorria a ela quando o Estado era ameaçado por um perigo externo extremo ou por desordens internas.

Por norma, cabia ao senado a decisão de nomear o ditador, com um dos cônsules a presenciar o processo de nomeação.

O ditador, cuja denominação oficial era a de magister populi (“chefe do povo”), escolhia um ajudante, o magister equitum (“chefe da cavalaria”). Os seus poderes eram exercidos por um período máximo de 6 meses. Após esse tempo tinha de abandonar o cargo.

Durante o seu exercício, o ditador reunia os poderes militares e civis. Mas os outros funcionários permaneciam nos seus cargos, assegurando o normal trabalho de administração.

 

(Tese defendida por Kovaliov: a aparição da ditadura em Roma deverá estar relacionada com a instituição dos tribunos militares com poder consular. Antes a ditadura não seria necessária, já que o pretor sénior deteria um poder próprio, enquanto o outro pretor seria apenas o seu ajudante eleito. Com o aparecimento da forma colegial de poder, com os tribunos militares, cada um deles gozando de iguais poderes e direitos, poderá ter surgido, em certas circunstâncias, a necessidade de concentrar o poder supremo nas mãos de uma só pessoa. Terá sido então que, seguindo o exemplo tomado a outras comunidades latinas, em Roma se introduziu o cargo de ditador. Tal tese pode ser contrariada: porque os poderes dos dois pretores eleitos também já tenderiam para o equilíbrio, já agiriam de modo consularis, em circunstâncias de maior ameaça, já anteriormente a 444, o ano em que aparecem os tribuni militum consulari potestate, o senado teria por vezes concentrado o poder nas mãos de um magistrado não eleito, nomeando este por sua vez um “lugar-tenente”. Por outro lado, e independentemente da polémica “pretores de iguais poderes ou pretor sénior e pretor ajudante, a questão é que eles eram eleitos pelos comícios e, numa situação de crise, o senado podia estar interessado em “ver-se livre” deles, nomeando a pessoa que lhe oferecesse maiores garantias em tais circunstâncias. O que aqui se diz em contrário não invalida, no entanto, que a tese de Kovaliov seja digna de reflexão...contraria contrariis curantum, em tradução livre, “os contrários resolvem os contrários.)

 

UMA ACALMIA TEMPORÁRIA NA LUTA ENTRE PATRÍCIOS E PLEBEUS.

 

Após as violentas tensões da primeira metade do século V, houve um longo período de calma social. Verificaram-se actos isolados de agitação popular como, por exemplo, os provocados em 439 pela morte do rico plebeu Espúrio Mélio, acusado de aspirar à ditadura. Mas foram episódios localizados e de pouca gravidade.

As duas longas guerras contra Veios, durante a segunda metade do século V e começos do IV, explicam a acalmia. Formou-se então uma frente única das duas classes contra o inimigo comum etrusco.

Segundo a tradição, foi nesta época que se introduziu o pagamento do pré aos soldados, o que terá ajudado a aliviar a situação das massas populares.

A guerra contra Veios, além de um enorme despojo, levou à conquista de 300.000 jugera de terras. Lívio (V, 30) diz que em 393 a terra de Veios foi distribuída entre os plebeus, à razão de sete jugera por pessoa. Diodoro (XIV, 102) fala de quatro jugera por pessoa em 390.

 

A CRISE DE 390.

 

Os galos incendeiam e saqueiam a cidade. A população dispersa-se pelas comarcas vizinhas. A destruição provocou uma aguda crise económica e um espantoso aumento do número de devedores.

Marco Mânlio Capitolino, «o primeiro entre os patrícios a fazer-se partidário do povo» (Lívio, VI, 11), no ano de 384 põe-se à cabeça do movimento dos devedores. O movimento toma tais dimensões que um ditador é nomeado, a pretexto da guerra contra os volscos, mas, de facto, para reprimir as desordens. Mânlio é preso. O povo ameaça destruir a prisão e o senado vê-se forçado a libertá-lo.

A revolta continuou a crescer e os patrícios, junto com a parte mais rica dos plebeus, decidem recorrer ao seu meio de luta preferido contra os chefes demasiadamente populares, acusando-o de aspirar à tirania. Mânlio é entregue ao tribunal e condenado à morte por decisão da assembleia popular ou, diz uma segunda versão, por sentença de uma comissão especial. Foi lançado da Rocha Tarpeia, o escarpado penhasco sudoeste do Capitólio, no ano de 384.

 

AS LEIS DE LICÍNIO E SÉXTIO.

 

No ano de 378 verificam-se novas sublevações de devedores. A luta atinge o auge no período que vai de 376 a 367. Todas as questões vêm à ordem do dia, a dos devedores, a questão agrária, a do acesso dos plebeus à alta magistratura.

 

Em 376 os tribunos da plebe Caio Licínio e Lúcio Séxtio apresentam três rogationis.

A primeira rogatio dispunha que os juros já pagos passavam a ser contados como amortização da soma emprestada. O restante das dívidas era dividido em fracções. De três em três anos uma dessas fracções seria paga. Uma tal medida, se aprovada, aboliria as obrigações visadas, as de longo prazo. Nestas obrigações o montante dos juros era equivalente ao capital, quando não era maior.

A segunda rogatio estabelecia uma restrição na ocupação de terras do Estado, limitando-a a 500 jugera (125 hectares). A versão de Apiano (“Guerras Civis”, I, 8) junta-lhe outras disposições relativas ao usufruto dos pastos do Estado: «Ninguém poderá levar para as pastagens mais de 100 cabeças de gado graúdo, nem mais de 400 cabeças de gado miúdo».

O terceiro projecto-lei previa a abolição do cargo de tribuno militar com poder consular. Em seu lugar eleger-se-iam, tal como no passado, apenas cônsules, porém um deles teria de ser plebeu.

 

Ter-se-á travado durante dez anos uma encarniçada luta, que levou inclusive à instauração da ditadura. Durante cinco anos, de 376 a 371, não se elegeram os magistrados normais. Mas, em todos aqueles anos, os plebeus terão sempre reeleito Licínio e Séxtio como tribunos da plebe.

 

Por fim, por volta de 367, a resistência dos patrícios foi vencida e as três leis são aprovadas. Em 366 Lúcio Séxtio torna-se o primeiro cônsul plebeu. Mas as funções judiciais são retiradas da esfera de competência dos cônsules, sendo transferidas para o pretor (de início um, depois dois pretores), eleito entre os patrícios. Ao lado dos edis plebeus, surgem os edis patrícios (aediles curules).

 

Entre os historiadores, há uma larga polémica sobre a realidade histórica destas leis e sobre os sucessos que a tradição lhes vincula. O número de 500 jugera para a occupatio é considerado impossível, dadas as pequenas dimensões do território romano de então.

No entanto o território de Veios fora conquistado há pouco e a lei agrária de Licínio e Séxtio é confirmada pelas melhores fontes. Numa ou noutra forma, encontramo-la referida em Catão, Varrão, Lívio, Plutarco, Apiano.

Essa norma fixada em 376 foi mais tarde confirmada pela legislação dos Gracos.

 

Quanto à terceira lei, a hipótese de I. V. Nietuschil propõe algumas modificações à versão corrente.

Lívio (VI, 35, 42) diz que os plebeus obtiveram um dos dois postos de cônsules já existentes, enquanto que a pretura judicial foi criada ex novo. Mas o cargo de cônsul não existiria antes. Apenas haveria dois pretores, um pretor sénior e o outro, que estava às suas ordens. De quando em quando os pretores eram substituídos pelos tribunos militares com poder colegial.

A rogatio de Licínio e Séxtio terá levado a acrescentar um terceiro pretor aos dois já existentes. Este terceiro pretor seria eleito apenas entre os plebeus e detinha uma autoridade equivalente à do pretor sénior patrício. Deste modo, ambos viriam a formar um poder colegiado e, por isso, terão passado a ser chamados “pretores-cônsules” ou, simplesmente, “cônsules”.

Para o pretor subordinado, ajudante do pretor sénior, foram transferidas as atribuições judiciais. Ele foi excluído do poder colegiado e manteve o seu antigo nome de “pretor”.

Neste quadro, o consulado teria sido a conclusão histórica do decemviri e do tribunado militar com poder consular.

 

(É uma hipótese; mas, como foi dito, nada impede que o consulado já se houvesse formado antes. Aliás, uma pergunta interessante pode fazer-se: porque é que os decênviros tinham poderes idênticos? Não seriam já influenciados pela existência de um consulado patrício e/ou de um tribunado plebeu? Aliás, o próprio Kovaliov diz: «o pretor subordinado...foi excluído do poder colegiado». Ora, se foi excluído, então participaria anteriormente dele. Esta contradição em Kovaliov é reveladora da dificuldade do problema.)

 

Contudo, depois de 366, encontramos anos em que ambos os cônsules são patrícios. Isso acontece por seis ou sete vezes entre os anos de 355 e 343. É só mais tarde que se verifica um dos cônsules ser sempre plebeu.

 

CONCESSÕES ULTERIORES DOS PATRÍCIOS.

 

Já em 366 foi determinado que patrícios e plebeus ocupassem, em anos alternados, os cargos de edis curules. Mais tarde estes edis passam a ser eleitos indiscriminadamente.

 

Em 356 é nomeado o primeiro ditador plebeu. Em 351, o primeiro censor. Em 337, o primeiro pretor.

 

Segundo Diakov, em 357, os plebeus conseguiram que a taxa máxima de usura fosse fixada em 10%.

 

Em 342, como resultado da agitação entre as tropas durante a chamada “guerra samnítica”, o tribuno da plebe L. Genúcio promove três plebiscitos. O primeiro proibia o empréstimo de dinheiro a juros. O segundo, a reeleição de uma pessoa para a mesma magistratura enquanto não houvessem decorrido dez anos sobre o termo do seu anterior mandato. O terceiro permitia que ambos os cônsules fossem eleitos entre os plebeus.

 

AS LEIS DE PUBLÍLIO FILÃO.

 

Em 339, Quinto Publílio Filão, então ditador, faz promulgar as três leges Publiliae Philonis. A primeira reafirmava a força de lei dos plebiscitos.

A segunda modificava o procedimento de aprovação pelo senado das decisões das assembleias populares (auctoritas patrum). Anteriormente, elas eram ratificadas pelo senado. Agora a aprovação do senado torna-se preventiva. O magistrado tinha de apresentar ante o senado o seu projecto-lei, para que fosse aprovado, e só depois disso o podia apresentar na assembleia. Uma vez aprovada nos comícios, a rogatio convertia-se de imediato em lex. Mais tarde, a aprovação preventiva da rogatio pelo senado foi reduzida a uma mera formalidade.

A terceira lei impunha que um dos censores fosse eleito entre os plebeus.

 

A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA POR DÍVIDAS.

 

A lei de Petélio e de Papírio (lex Poetelia Papiria), segundo Lívio, terá sido promulgada em 326. Varrão diz que deve ser referida ao ano de 313.

 

Lívio (VIII, 28): «...para os plebeus romanos este ano foi como o começo de uma nova era de liberdade, pois que se destruiu a escravidão originada por dívidas...os cônsules foram obrigados a propor ao povo que ninguém, à parte os verdadeiros criminosos, fosse encarcerado e acorrentado e que os credores se cobrassem sobre os bens e não sobre o corpo dos devedores. Deste modo, aqueles que haviam sido reduzidos por dívidas foram libertados, e foi proibido seguir daí em diante tal costume».

De Varrão há um fragmento, mal conservado, da sua “ A Língua latina” (VII, 105). Falando dessa lei, diz que não se podia reduzir à escravidão o devedor que houvesse declarado, sob juramento, não possuir outros bens e que tivesse cedido ao credor todos os seus haveres.

 

A REFORMA DE ÁPIO CLÁUDIO.

 

Ápio é eleito censor em 312. Pouco tempo depois cegou, por isso sendo chamado Caecus (“o cego”). Era sobrinho-neto do decênviro. Terá sido o primeiro censor a ocupar-se da revisão da lista dos senadores.

Essa função haveria sido atribuída aos censores no plebiscito promovido pelo tribuno Ovínio, alguns anos antes de 312.

Ápio incluiu na lista dos senadores até filhos de libertos, o que reflectia o peso crescente dos cidadãos ricos, representantes dos círculos comerciais e do artesanato. A oposição a tal “novidade” foi considerável e o colega censor de Ápio demitiu-se. Os cônsules de 311 não reconheceram a nova composição do senado, convocando-o segundo a velha lista. Mas Ápio, orgulhoso e obstinado, ter-se-ia mantido como único censor até à sua eleição para cônsul, em 308 (portanto, mais do que os 18 meses do cargo).

 

Já cônsul, terá então concedido a cada cidadão a liberdade de se inscrever na tribo que preferisse, registando aí os seus bens. Tal medida possibilitaria dividir a população da cidade por todas as tribos, debilitando desse modo o predomínio dos círculos agrários conservadores.

 

Alguns historiadores pensam que foi Ápio a introduzir nos censos o cálculo da riqueza móvel, devendo-se-lhe atribuir o cálculo da riqueza em “asses”. Mas esta tese é polémica.

 

A liberdade de escolha da tribo estava em gritante contraste com o carácter agrário da comunidade romana e apenas se manteve até 304, ano em que os censores então eleitos voltaram a colocar os citadinos nas quatro tribos urbanas.

 

Também se atribuem a Ápio a estrada pavimentada que ia de Roma a Cápua, que se chamou Appia, e o aqueduto, com 15 km, que trazia água potável para Roma de uma nascente próxima do Aniene.

 

GNEU FLÁVIO.

 

É a primeira investida dos plebeus contra o monopólio patrício do calendário e do procedimento judicial.

Em 304, Gneu Flávio, filho de um liberto, havendo sido secretário de um magistrado (talvez do próprio Ápio Cláudio), é eleito edil e publica o calendário dos dies fasti et nefasti, bem como as fórmulas para apresentar queixas e para o procedimento judicial (legis actiones).

Lívio (IX, 46): «Flávio lutou encarniçadamente com o patriciado, que o desprezava pela sua baixa origem. Publicou as regras do procedimento civil, regras que os pontífices mantinham em segredo, e fez colocar no foro tábuas onde estavam escritos os dias dos juízos, para que todos pudessem saber quando lhes era possível solicitar legalmente um processo».

 

A LEI DOS IRMÃOS OGÚLNIO.

 

No ano de 300, sendo tribunos da plebe, propõem acrescentar, aos quatro áugures e aos quatro pontífices existentes, outros cinco áugures e quatro pontífices a eleger entre os plebeus.

Os patrícios opuseram-se, invocando razões de ordem religiosa, mas o povo reclamou a imediata reunião das tribos e a lei foi aprovada. Os eleitos eram membros da nova nobreza plebeia, que já então se começava a consolidar.

Diz Lívio sobre os patrícios (X, 6): «Por outra parte, a sua resistência não foi particularmente enérgica, posto que já estavam acostumados a sofrer derrotas em lutas desse tipo».

 

A RATIFICAÇÃO DO DIREITO DE APELO.

(A provocatio ad populum.)

 

Também nesse ano de 300, o cônsul Marco Valério promove uma lei que reafirmava, uma vez mais, o direito do cidadão a apelar ao povo quando o magistrado o tivesse condenado a um castigo corporal ou à pena capital.

Se as três leis análogas de 509, 449 e de 300 são verídicas, então estamos perante uma repetida afirmação de um importantíssimo direito do cidadão romano que, ao que parece, era constantemente posto em causa pelos altos magistrados.

 

A LEI DE HORTÊNSIO.

 

O mesmo se pode dizer dos plebiscitos (anos de 449, 339 e 287).

Em 287 estalam em Roma grandes movimentações populares. Quase nada se sabe sobre o que as provocou. Segundo alguns, tratar-se-ia uma vez mais da questão das dívidas, mas é mais provável que as causas tenham sido de natureza politica.

O povo ocupou a colina do Janículo, na margem direita do Tibre, e nomeou um ditador plebeu, Quinto Hortênsio, que acalmou os ânimos fazendo promulgar uma lei a reconhecer a força legal dos plebiscitos.

O facto de não ser mencionada qualquer medida de Hortênsio relativamente a dívidas faz supor que, provavelmente, não terá sido essa a causa da revolta. Ela deve ter sido provocada pelo desrespeito dos magistrados para com as decisões dos comícios tribais.

 

O TERMO DA LUTA ENTRE PATRÍCIOS E PLEBEUS.

 

Os sucessos de 287 foram a última manifestação importante da luta. A classe dirigente plebeia, que encabeçara todo o movimento da luta contra os patrícios, já obtivera nos começos do século III o acesso a todas as magistraturas, incluindo os cargos sacerdotais de maior importância política.

Simultaneamente a parte rica da plebe conseguira o acesso ao senado, dado que, a partir da segunda metade do século IV, se passa a completá-lo com aqueles que haviam ocupado cargos na alta magistratura (ao que parece, isso terá acontecido depois da lei de Ovínio).

 

O usufruto da terra estadual, um privilégio dos patrícios, passa também a ser concedido, no decurso do século IV, aos plebeus ricos.

 

Os plebeus, no seu conjunto, obtêm a igualdade jurídica de direitos políticos e civis, garantias constitucionais de inviolabilidade da pessoa, o direito a serem eleitos para todos os cargos estatais, a democratização das assembleias populares, a legalidade dos matrimónios entre plebeus e patrícios, etc.

 

O problema agrário foi perdendo relevância no decurso dos séculos V e IV. A conquista da Itália dá-se contemporaneamente à luta entre patrícios e plebeus. O Estado romano dispôs assim de grandes extensões de terra, e uma parte delas coube aos plebeus.

 

Também havia sido modificado o antigo direito das dívidas. A abolição da escravatura por dívidas teve um enorme significado, não apenas para a parte mais pobre da plebe, mas para toda a sociedade romana.

A importância da lei de Petélio e de Papírio é, em certa medida, análoga à da abolição da escravatura dos devedores em Atenas, que fora promovida por Sólon.

Tanto em Roma como em Atenas, essa abolição deu um novo rumo de desenvolvimento à sociedade da escravatura, bem diverso do que se verificou na sociedade oriental. A comunidade dos esclavagistas, a polis, foi reforçada na sua unidade interna. O antagonismo entre livres e escravos já não se coloca entre “cidadãos” da mesma polis, mas entre cidadãos e escravos estrangeiros.

 

O resultado principal desta luta social foi a liquidação da república oligárquica patrícia, uma sobrevivência da sociedade das gentes.