Ano Primeiro

EM NOME DE DEUS, AMÉM,

COMEÇA A CRÓNICA

DELREI DOM PEDRO,

FILHO DELREI DOM ALFONSO,

DÉCIMO DESTE NOME EM CASTELA.

 ANO PRIMEIRO

1. COMO ELREI DOM ALFONSO FINOU NO ARRAIAL QUE TINHA SOBRE GIBRALTAR.

O mui alto Príncipe e mui nobre Cavaleiro Rei Alfonso Décimo (1) – que assim houve nome dos Reis que reinaram em Castela e em Leão – foi filho delRei Dom Ferrando que ganhou Gibraltar e Alcaudete, e neto delRei Dom Sancho que ganhou Tarifa, e bisneto delRei Dom Alfonso que, sendo Infante, ganhou o Reino de Múrcia, e trineto delRei Dom Ferrando que ganhou Sevilla, Córdoba e a Frontera. O qual Senhor Rei Dom Alfonso, de quem agora fala este livro, venceu em batalha a Abulhacen, que era Rei de Fez, de Marrocos, de Tunez, de Tremecen e de Sujulmeza (2), e ao Rei de Granada, que diziam Dom Iuzaf Abenhabit Abenazar, os quais Reis Mouros lhe tinham cercada a sua vila de Tarifa com mui grande poder de cavalaria – que eram quarenta mil a cavalo – e duzentos mil a pé. E foi esta batalha ante a vila de Tarifa a uma segunda-feira aos trinta dias de Outubro do ano do Nascimento de nosso Senhor Jesu-Christo de mil e trezentos e quarenta, e na Era de César mil e trezentos e setenta e oito, e desde a Criação do mundo, segundo a conta dos Hebreus (3), aos cinco mil e cem anos, e no ano dos Árabes (4) de setecentos e quarenta e dois.

Este Rei Dom Alfonso ganhou a Alcalá de Benzayde – que é agora chamada Alcalá a RealTeba, Priego, Olvera (5), Cañete, Aymonte, Pruna, Matrera, a Torre do Alhaqui, Carcabuey, Rute, Zambra, a Torre de Cartagena e Castellar, e cercou a cidade de Algezira e ganhou-a, e foi esta cidade de Algezira ganha com mui grande trabalho que elRei Dom Alfonso e todos os seus passaram no cerco da dita.

Outrossim em seu tempo – deste Rei Dom Alfonso – passou o mar o Infante Picazo, que chamavam Abomelic, filho delRei Abulhacen, com oito mil cavaleiros Mouros, e pelejou com eles Dom Gonzalo Martinez de Oviedo, Mestre de Alcántara, que era Capitão delRei na Andalucia, e alguns Cavaleiros de Castela, Vassalos delRei, que estavam com ele, e os concelhos, Ricos homens, Cavaleiros e Escudeiros de Sevilla, de Córdoba e das outras cidades e vilas da fronteira, e venceram os Cristãos e morreu aí o Infante Mouro e muita gente da sua. E foi esta peleja – do dito Mestre Dom Gonzalo Martinez com o Infante Picazo, filho del Rei Abulhacen – na terça-feira aos vinte dias de Outubro (6) do ano do Senhor de mil e trezentos e trinta e nove, e na Era de César de mil e trezentos e setenta e sete anos.

E houve muitas outras boas ditas, ele e os seus, em seu tempo, conforme que o achareis na Crónica que fala deste Rei Dom Alfonso.

E estando este Rei sobre o arraial de Algezira, vieram, por serviço de Deus e por nobreza de cavalaria, ao cerco de Algezira elRei Dom Carlos de Navarra e Dom Gaston, Conde de Fox e Senhor de Bearne, e ficaram ali (7). Outrossim veio aí o Duque de Alencastre, que foi Conde de Dervi, um grande Senhor e nobre Cavaleiro de armas que havia nome Dom Enrique, e então quando veio a Algezira era Conde de Dervi e depois foi Conde de Alencastre (8), e era da casa Real de Inglaterra. E vieram aí outros grandes Senhores de França, de Inglaterra, de Alemanha e de Aragão. E finou ali Dom Pedro de Castro, que diziam da Guerra, um grande Senhor da Galícia, Vassalo del Rei. E finou aí o Arcebispo de Santiago, que diziam Dom Martino (9), e muitos Ricos homens e Cavaleiros de Castela e de Leão. E esteve o dito Rei Dom Alfonso sobre Algezira, antes que a ganhasse, vinte meses, pois cercou-a no começo de Agosto e tomou-a ao segundo ano, em fins de Março, que eram vinte meses cumpridos. E ganhou-se a cidade de Algezira no ano do Senhor de mil e trezentos e quarenta e quatro, e na Era de César mil e trezentos e oitenta e dois, num sábado, véspera de Ramos, que puseram os seus pendões na cidade aos vinte e sete dias de Março e ao outro dia, domingo, entrou elRei na cidade.

Depois de todas estas batalhas e conquistas que o nobre Príncipe Rei Dom Alfonso fez, cercou a vila e castelo de Gibraltar no ano do Senhor de mil e trezentos e quarenta e nove, quando andava a Era de César, segundo o uso de Espanha, em mil e trezentos e oitenta e sete. E este lugar de Gibraltar é uma vila com castelo mui nobre, mui forte, mui notável e mui prezada entre os Cristãos e Mouros, e esse foi o primeiro lugar aonde Tarif Abencied (10), no tempo delRei Rodrigo, passou – ali pousando para não fazer dano a Algezira, que era do Conde Dom Illan, que foi o mau, por cujo conselho vinham os Mouros – e por isso tem este nome de Gibraltar, a que os Mouros chamam Gebeltarif, que quer dizer o monte ou serra de Tarif, pois cerca daquele monte pôs o seu arraial Tarif Abencied, e outros chamam-lhe Gebelfat, que quer dizer a serra da abertura, porque ali se começou a abrir a conquista que os Mouros fizeram em Espanha.

E tendo elRei Dom Alfonso tão afincados os Mouros, cercados na vila de Gibraltar, que eles estavam já para se lhe dar, pois não haviam acorro nenhum, que Abulhacen, Rei de Fez, havia guerra com o seu filho, Aboanen (11), em tal guisa que este lhe tinha tomado o reino de Fez e era grande a divisão entre os mouros, como quer que o dito Rei Abulhacen tinha muitas gentes suas nos seus lugares aquém do mar, os quais eram Ronda, Zahara, Gibraltar, Ximena, Marbella, Estepona (12) e outros, e outrossim elRei de Granada fazia mui grande guerra aos Cristãos, de todos estes lugares delRei de Benamarin e dos seus, estando assim o feito deste cerco de Gibraltar, foi vontade de Deus que recrescesse pestilência de mortandade mui grande no arraial delRei Dom Alfonso ao ano seguinte àquele em que pusera o seu cerco sobre Gibraltar. E esta foi a primeira e grande pestilência que é chamada a grande mortandade, como quer que dois anos antes disto fora já a pestilência nas partidas de França, de Inglaterra, de Itália e ainda em Castela, Leão, Estremadura e outras partidas.

E como quer que pelo Infante Dom Fernando, Marquês de Tortosa e Senhor de Albarrazin, seu sobrinho, filho delRei Dom Alfonso de Aragão e da Rainha Dona Leonor, sua irmã, e por Dom Juan Nuñez de Lara, Senhor de Vizcaya, e Dom Ferrando, Senhor de Villena, filho de Dom Juan (13) e neto do Infante Dom Manuel, e por Dom Juan Alfonso, Senhor de Alburquerque, e outros Condes, Mestres, grandes Senhores, Prelados e Cavaleiros que estavam com elRei no dito arraial de Gibraltar, lhe fosse dito e aconselhado que se partisse daquele cerco, porquanto haviam morrido e morriam a cada dia muitas companhas e ele estava em grande perigo da sua pessoa, sendo muitos dos seus Cavaleiros já mortos daquela pestilência, apesar de tudo isto nunca elRei se quis partir do dito arraial, dizendo aos Senhores e Cavaleiros que isto lhe aconselhavam que lhes rogava que não lhe dessem tal conselho, porque – pois que ele tinha já aquela vila e tão nobre fortaleza a ponto de se lhe render, e a cuidava de cobrar em pouco tempo, e a haviam ganho os Mouros, no seu tempo, e perdido os Cristãos – lhe seria grande vergonha por medo da morte de assim o deixar.

E esta era a maior mágoa que elRei Dom Alfonso no seu coração tinha, porque no seu tempo se perdera Gibraltar, havendo perdido este lugar um Cavaleiro que diziam Vasco Perez de Meyra, que o tinha por elRei, pela grande míngua que houvera de viandas, nomeadamente de pão. E como os Mouros souberam que não havia pão em Gibraltar cercaram a vila, e quando elRei Dom Alfonso, que estava em Castela, soube que era cercada foi para a acorrer, e quando aí chegou achou-a já entrada, e cercou-a e não a pôde tomar. E foi perdida Gibraltar no ano do Senhor de mil e trezentos e trinta e três, e na Era de César de mil e trezentos e setenta e um. E punham culpa a Vasco Perez de Meyra, que tinha a vila e o castelo de Gibraltar, porque os Mouros no tempo de tréguas que haviam com os Cristãos compravam o pão daquele lugar a mui grandes preços de ouro, pois o Alcaide, crendo que havia trégua e que se poderia abastecer quando quisesse, vendia-o, e os Mouros, quando sentiram que não havia pão no lugar, cercaram-no pela grande vontade que haviam de o cobrar, porque lhes era mui guerreiro e contrário, e tomaram-no.

E tornando agora à nossa intenção, apesar dos muitos conselhos e afincamentos que os ditos Senhores e Cavaleiros – segundo havemos dito – fizeram para que elRei Dom Alfonso saísse daquele arraial de Gibraltar, pela pestilência que ali havia, elRei nunca o quis fazer, e foi vontade de Deus que elRei adoeceu e houve um bubão, do qual finou na sexta-feira santa que dizem de indulgência (14), aos vinte e sete dias de Março do ano do Nascimento de nosso Senhor Jesu-Christo de mil e trezentos e cinquenta, que foi então ano de jubileu (15), e na era de César de mil e trezentos e oitenta e oito, ao cabo de dez anos que o dito Rei Dom Alfonso vencera os Reis de Benamarin e de Granada ante a vila de Tarifa, segundo dito havemos.

E foi feito mui grande pranto pelo Rei Dom Alfonso por todos os seus, que tiveram mui grande sentimento da sua morte e com razão, porque é verdade que fora no seu tempo mui honrada por ele a Coroa de Castela, pois venceu aquela batalha de Tarifa, o que foi mui assinalada coisa, e outrossim ganhara as vilas de Algezira e Alcalá de Benzayde, que dizem agora Alcalá a Real, pela perda das quais os Mouros foram mui diminuídos e mui queixados, e ganhara outros muitos castelos, segundo dito é, e era mui grande guerreiro contra os Mouros e mui grande Cavaleiro. E foi este Rei Dom Alfonso não mui grande de corpo, mas de bom talhe e de boa força, e branco, e ruivo, e franco, e esforçado e venturoso nas guerras, e este foi o Décimo Rei Dom Alfonso que assim houve nome. E, neste ano que elRei Dom Alfonso finou, era Papa e Apostólico em Roma Clemente Sexto (16), que era Francês da terra de Limojes. E no Império de Roma era Imperador Carlos, filho del Rei de Boémia. E reinava em França Felipo, que fora Conde de Valois e herdou o Reino porquanto na linha dos Reis de França faltou o herdeiro varão, que não ficaram senão filhas, e coube o reino ao Rei Felipo, que era Conde de Valois, pelo parentesco. E reinava em Inglaterra elRei Eduarte, que foi mui venturoso Rei. E em Napol, a Rainha Dona Juana, mulher que foi delRei Andrea, irmão delRei de Hungria. E em Portugal, elRei Dom Alfonso, filho delRei Dom Doniz. E em Aragão, elRei Dom Pedro. E em Navarra, elRei Dom Carlos.

 

Nota 1. «Décimo»: todos os livros de mão que eu vi, originais, e o impresso na cidade de Sevilla no ano de mil e quatrocentos e noventa e cinco têm assim, e mesmo no impresso que tem nesta passagem «Onzeno» – porque há-de ter sido emendada por alguém que entendeu que não se podia consentir outra lição senão «Onzeno» – mais adiante está «Décimo», de maneira que, estando em conformidade em todos os livros «Décimo», parece ter sido dessa opinião o autor, que fosse o Décimo deste nome, contra o parecer daquele que escreveu a história do mesmo Rei Dom Alonso, que lhe chamou o Onzeno, e desta opinião são os demais. Ainda que, se assim é, D. Pedro Lopez de Ayala se fundou, ao que eu creio, numa mui patente razão ao chamar-lhe oDécimo, porque não só não devia de ter por Rei de Castela o Rei Dom Alonso de Aragão que casou com a Rainha Dona Urraca – filha delRei Dom Alonso que ganhou aos Mouros o Reino de Toledo, o qual, sem nenhuma contenda, foi o Sexto Rei deste nome – como também não consideraria o Rei Dom Alonso de Leão, marido da Rainha Dona Berenguela de Castela, pai delRei Dom Hernando que conquistou as Cidades de Córdoba e Sevilla. Quanto ao primeiro, todos são conformes com D. Pedro Lopez de Ayala, porque elRei Dom Alonso de Aragão não foi havido por marido legítimo da Rainha Dona Urraca e houve, entre eles, divórcio, sendo o matrimónio declarado incestuoso pelo Papa Pascual, e por esta causa houve grandes guerras nos Reinos de Galícia, Leão e Castela. E no segundo caso também parece que se podia arguir com farto fundamento, ao não considerar como Rei de Castela o Rei Dom Alonso de Leão, e que não reinou em Castela e Leão, como diz o autor, pois o Arcebispo Dom Rodrigo e o autor da História geral, que foram desse mesmo tempo, referem que, morto elRei Dom Enrique, irmão da Rainha Dona Berenguela, a Rainha logo renunciou ao Reino no Infante Dom Hernando, seu filho, e fê-lo alçar por Rei de Castela, nunca dando lugar a que elRei Dom Alonso, seu marido, o fosse, e por isso houve grande guerra com elRei de Leão, com o Conde Dom Alvar Nuñez de Lara e com o seu irmão, o Conde Dom Hernando, que seguiram a parte delRei de Leão, e nesta guerra foi preso o Conde Dom Alvaro e prevaleceu a parte da Rainha e delRei, seu filho, na sua empresa, e nunca estes autores lhe chamam Rei de Castela. Desta sorte, está bem dito que elRei Dom Alonso que ganhou a batalha de Tarifa foi o Décimo deste nome, e não se deve por capricho mudar a palavra que se conservou em tão diversos originais. Se bem que, por outra parte, os que chamam ao Rei Dom Alonso o Noveno se fundam no direito e justiça que ele tinha à sucessão no Reino de Castela como marido da Rainha Dona Berenguela, pois não podia ser dele despojado pela renúncia que a Rainha fez no Rei Dom Hernando, seu filho, e em seu prejuízo, se perseverasse no legítimo matrimónio que havia contraído com a Rainha, e assim se lê que, passada aquela contenda, o tiveram por legítimo Rei de Castela, como se mostra nas Cortes que foram celebradas em Burgos, ao primeiro dia do mês de Outubro da Era de mil e trezentos e cinquenta e três, pela Rainha Dona Maria, neta deste Rei Dom Alonso e avó do Rei Dom Alonso de quem se trata, e pelos Infantes Dom Juan e Dom Pedro, seus tutores na sua menor idade, onde parece que se faz menção delRei Dom Alonso de Leão como Rei de Castela, pois havia confirmado os privilégios aos Reinos de Castela, dizendo-se assim: «Outrossim vos outorgamos todos os vossos foros e franquezas e liberdades e bons usos e costumes e privilégios e cartas que haveis do Imperador, do bom Rei Dom Alfonso que venceu a batalha a batalha de Úbeda, do bom Rei Dom Alfonso que venceu a batalha de Mérida, do bom Rei Dom Hernando, seu filho, que ganhou Sevilla, e dos outros Reis que vieram depois deles». E parece ser claro que se fala dele como Rei de Castela, porque, caso se tratasse dos privilégios que tinha outorgado como Rei de Leão, não se deixaria de nomear elRei Dom Hernando, seu pai, que foi somente Rei de Leão e que os havia concedido aos do seu Reino, mormente que, mesmo que não houvesse reinado em Castela, era de razão colocar-se no número dos Reis do seu nome, como se põe elRei Dom Hernando, seu pai, no número dos Hernandos, ainda que não tivesse reinado senão em Leão. Conformemente a isto, o autor que compôs a Crónica do Rei Dom Alonso que foi eleito, em discórdia, Rei dos Romanos e era neto delRei Dom Alonso de Leão e da Rainha Dona Berenguela, chama-lhe o Décimo. Dom Alonso Garcia de Santa Maria, Bispo de Burgos, e Dom Rodrigo Sanchez, Bispo de Palencia, nas suas Histórias chamam-lhe também «Décimo», e ao Rei Dom Alonso, de quem nesta passagem trata Dom Pedro Lopez de Ayala, o Onzeno, ao qual Hernan Perez de Guzman igualmente chama «Onzeno». No mais recuado destes tempos, nomeavam-se e distinguiam-se os Reis que eram de um mesmo nome pelas conquistas e coisas notáveis que por eles tinham passado, assim como, nos Alonsos,o Católico, o Santo, o Magno, o que venceu a batalha de Úbeda, a de Mérida, ou a de Tarifa, e da mesma sorte nos Hernandos. Z.

Nota 2. Num original está Sujulmeza, tal como se acha num instrumento Arábico, também original, do ano de nosso Senhor de mil e trezentos e quarenta e sete, em que Abdalla se chama Rei de Fez, Marrocos, Sujulmeza e Mequinenza, e em outro instrumento nomeia-se a Vila de Susdeza Giolmesa, que é uma tão diferente designação, mas não deve ser sem fundamento, porque Bernardo Desclotautor mui antigo das coisas do Rei Dom Pedro de Aragão que passou à conquista do Reino da Sicília – chama-a terra de Giolmesa. Z. As impressas dizem Sigalmeza. E.

Nota 3. Em Espanha, no tempo dos Reis Godos, contava-se pelos anos do reinado de cada Rei ou pela Era de César, a qual até agora ninguém foi capaz de averiguar em que tempo se introduziu, ainda que esteja tão bem entendida a sua razão. Mas desde o tempo delRei Dom Alonso, filho delRei Dom Hernando que ganhou Sevilla, começou-se nas Histórias e coisas mui notáveis a contar por diversos contos de anos, seguindo-se nisso a Ptholomeo e aos Astrólogos, que nas suas tábuas foram mui curiosos e diligentes em contar diversas razões de tempos, que eles chamam Eras, comparando-as para reduzir uns tempos aos outros em maior conformidade quanto ao ano que queriam assinalar. E parece ter sido preferida em Espanha, desde o tempo delRei Dom Alonso, na conta dos anos da Criação, a que seguiram os Hebreus àquela que levou Eusébio, a quem seguiram Cassiodoro e São Isidoro, tendo por mais certa a conta que foi levada por Philon Hebreu e a da Escritura da Lei, que contavam da Criação do mundo ao Dilúvio mil e seiscentos e cinquenta e seis anos, contando Eusébio e os que o seguem dois mil e duzentos e quarenta e dois, em tamanha diversidade como esta. Os Hebreus contam desde a Criação do mundo até ao Nascimento do nosso Redentor Jesu-Christo três mil e setecentos e sessenta anos e mais quatro meses, e os Gregos, seguindo a tradução dos setenta Intérpretes, contam cinco mil e quinhentos anos, e esta conta seguiram os santos Padres da primitiva Igreja, se bem que Paulo Orósio e Beda contam cinco mil cento e noventa e nove, e São Isidoro cinco mil cento e noventa (Aqui Jerónimo Zurita erra em grau considerável no que toca a Beda, que calculou 3952 anos. Ver, nas Obras Completas de Beda, De Temporum Ratione, cap. 66 Nota do E. H.). Mas o autor desta História, segundo a conta dos Hebreus, conforma e reduz bem a sua Era, declarando que o ano do nosso Redentor de mil e trezentos e quarenta, no qual se venceu aquela tão famosa batalha de Tarifa, seria o ano cinco mil e cem da Criação do mundo, porque, dadas as somas que adiante se põem das Eras, vê-se claramente que ele segue aquela razão que refere dos anos Hebreus, como adiante é declarado por ele próprio no capítulo primeiro do Ano segundo delRei Dom Pedro, aonde se diz que houve da Criação do mundo até ao Nascimento do nosso Redentor os ditos três mil e setecentos e sessenta anos, e esta conta encontra-se nele constantemente, e é mesma que os Judeus de Espanha e as suas Aljamas seguiam nos seus contratos e instrumentos. Z.

Nota 4. Em Espanha também se teve em particular conta os anos do falso profeta Mahoma, e isto era feito pelos próprios Cristãos, devido ao comércio que tinham com os Mouros quer nos assentos de paz e de tréguas, quer nos outros contratos, e como são anos reduzidos ao movimento da lua, com maior dificuldade se podem conformar com os nossos, porque, deixando o decurso do sol, concertam o seu ano de doze meses lunares, que são trezentos e cinquenta e quatro dias, acrescentando algumas vezes – ao segundo ou terceiro ano – um dia intercalar. E com esta conta se conformariam mais os Hebreus em seus anos, se bem que tinham ordem mais certa de reduzi-los e igualá-los aos anos solares, acrescentando um mês, o que não fazem os Árabes, salvo por a interposição de um dia, e porque pelas suas doze lunações, além dos trezentos e cinquenta e quatro dias, têm mais oito horas e quarenta e oito minutos e outros momentos, é forçoso que em trinta anos lhes sobrem, ademais dos onze dias em cada um dos anos, diversos minutos, e assim em cada círculo lunar dão-lhe vinte minutos mais, como aparece nas tábuas de Arzachel dos seus anos Árabes, que depois se corrigiram mais precisamente pelas tábuas delRei Dom Alonso. Mas esta conta destes anos nunca vem a conformar-se com o Kalendário Romano, nem pode quadrar com o ano solar, que a excede por onze dias, salvo pela conta das epactas. Por esta razão bastará levar a escrita, na relação destes anos, emendada conforme o cálculo que declara o autor, como logo se dirá (É um cálculo em anos comuns, e não em anos árabes, que tem como ponto de partida o ano de 598. Nota do E. H.). Esta diversidade aparece nos seus próprios instrumentos com farta confusão, e num assento que se fez entre elRei Dom Pedro de Aragão e Abdalla, Rei de Fez e Marrocos, filho delRei Abenjucef, no próprio instrumento original Arábico se declara que foi aos vinte e cinco dias de Fevereiro do ano de nosso Senhor de mil e trezentos e quarenta quatro – que são quatro anos depois daquela batalha de Tarifa – setecentos e quarenta e sete da Era de Mahoma. Esta escritura ordenou-se na Vila velha de Tremecen a onze de Abril do ano da nossa Redenção de mil e trezentos e quarenta e sete, e vê-se a grande diversidade que resulta destes anos Árabes por terem diferente conta na sua Hégira, que é o primeiro ano da saída de Mahoma, de onde eles iniciam a sua Era, pois acha-se em memórias mui antigas que foi a quinta-feira, aos onze dias do mês de Julho na Era de César de seiscentos e sessenta, e segundo esta conta o primeiro ano dos Árabes viria a ser no ano da nossa Redenção de seiscentos e vinte e dois, ao passo que a conta que o autor leva neste livro se diferencia muito e, em outras memórias mais antigas, se lê que o primeiro ano da saída que fizeram os Árabes foi na Era de César de seiscentos e sessenta e quatro. A conta que neste livro se segue é a que se declara adiante no primeiro capítulo do Ano segundo delRei Dom Pedro quanto ao ano dos Árabes, que estima que o ano mil e trezentos e oitenta e nove da Era de César – e mil e trezentos e cinquenta e um do Nascimento do nosso Redentor – foi o ano setecentos e cinquenta e três dos Árabes, o qual conto se segue neste livro constantemente. Esta conta confirma-se no Ano quinto delRei Dom Juan, no capítulo quarto, pelo traslado da carta que ali se põe do Sultão de Babilónia, pois sendo a data do «dia vinte de Regeb o singelo, Era dos Árabes setecentos e oitenta e quatro», ao fim dela refere-se que concerta tal Era – tal como a outra data do capítulo antecedente, que se diz que foi aos vinte e nove dias de Setembro – ao ano do Senhor de mil e trezentos e oitenta e dois, o que unicamente quadra com a conta que o autor leva. Z.

Nota 5. Nas impressas, «e Olvera, e Alcaudete, e Ayamonte, e Utrera, e a Torre…». E.

Nota 6. Nas impressas, «vinte e oito». E.

Nota 7. Em alguns livros de mão está «ficaram», e não «finaram», como no impresso de Toledo, contra a verdade dos factos, porque o Conde de Fox saiu enfermo do arraial e foi morrer a Sevilla, e el Rei de Navarra morreu em Xerez, e assim não se pode dizer que finaram no arraial, mas sim que nele permaneceram por mais tempo que outros Senhores estrangeiros. Z.

Nota 8 (Toda este comentário, além de conter alguns pequenos equívocos, está no essencial errado. Quem confunde o pai e o filho é o próprio Zurita, e não os manuscritos da Crónica que ele supõe estarem aqui viciados. Nota do E. H.). Nos livros de mão está «Conde de Alencastre», se bem que em alguns está como no impresso, «e depois foi Duque de Alencastre», como parece que devia estar, pois que ao princípio se lhe chama Duque. Mas considerando que em todos os demais que eu vi está «e depois Conde de Alencastre», suspeito que esta passagem está viciada por culpa dos copistas e que aquele que veio ao cerco de Algecira não foi Enrico, Conde de Alencastre, que era por quem naquele tempo se governavam todas as coisas do estado e da guerra em Inglaterra, Guiana e Normandia, mas sim o seu filho, que também se chamou Enrico e que no ano de mil e trezentos e trinta e seis foi promovido por ElRei Eduardo à dignidade de Conde de Dervi, sendo seu pai Conde de Alencastre já há alguns anos, porque o autor da História delRei Dom Alonso, quando faz menção da vinda do Conde de Dervi ao cerco de Algecira, com o Conde de Sarisberia, que foi nomeado Conde juntamente com ele ainda eram mancebos, não lhe chama senão Conde de Dervi, e se fora seu pai chamar-lhe-ia Conde de Alencastre, que antes havia sido Conde de Dervi, o qual depois foi promovido à dignidade de Duque de Alencastrepelo mesmo Rei Eduardo, no ano de mil e trezentos e quarenta e oito, e era de quem se fazia mais conta nesse tempo no governo daqueles estados na paz e na guerra, de tal sorte que não parece verosímil que ele pudesse vir à empresa de Algecira, mas sim o Conde de Dervi, seu filho, e que quando o pai se chamou Duque de Alencastre se chamaria ele Conde de Alencastre, como o usavam os filhos primogénitos naquele Reino. Morreu em vida do pai, porque Enrico, Duque de Alencastre, ao tempo da sua morte não deixou senão uma filha, a qual se chamou Blanca e casou com Juan de Gante, filho deste Rei Eduardo, que por direito da sua mulher sucedeu no Ducado de Alencastre e foi aquele que depois pretendeu suceder nos Reinos de Castela e Leão, por a sua segunda mulher, a Infanta Dona Constanza, filha del Rei Dom Pedro. Se isto não foi erro do autor, ao tomar o pai pelo filho, mui facilmente se emendaria a passagem, dizendo: «Outrossim veio o filho do Duque de Alencastre, que foi Conde de Dervi, um grande Senhor e mui nobre Cavaleiro em armas que havia nome Dom Enrique, e então quando veio a Algecira era Conde de Dervi e depois foi conde de Alencastre». E da maneira que está a passagem nos livros de mão vê-se bem a contradição, pois por ela se diz que veio o Duque de Alencastre e que, depois, foi Conde de Alencastre. Z.

Nota 9. Nas impressas, «D. Nuño». E.

Nota 10. Nas impressas, «Abenzeyt». E.

Nota 11. Nas impressas, «Abuaven». Z.

Nota 12. «Estepona, Castellar, e outros castelos e lugares». P.

Nota 13. Era Dom Juan Manuel, como se vê no capítulo 12 deste ano. Z.

Nota 14. Na Abreviada está «que em Castela dizem de Indulgências». Z.

Nota 15. Muita razão teve o Autor ao declarar que foi ano de Jubileu por ser o primeiro que se reduziu, pelo Papa Clemente VI, a cinquenta anos, como, pelo Papa Bonifácio VIII, se havia instituído aos cem, imitando Clemente o ordenado pelo Testamento velho, que de sete em sete semanas de anos e passados os quarenta e nove se remitiam as dívidas e volviam todos à possessão dos seus bens e se confirmavam as liberdades e franquezas, e – como diz San Isidoro – em figuração disto a Igreja celebra a cada ano a festa da Quinquagésima passada a Ressurreição do nosso Redentor, recebendo depois a remissão das culpas e saindo da servidão do pecado com a vinda do Espírito Santo. Z.

Nota 16. Sabida a morte delRei Dom Alfonso por este Papa Clemente VI, dirigiu à Rainha Dona Maria um Breve em que, depois de fazer um insigne elogio do Rei defunto, lhe indicava os conselhos que devia dar ao novo Rei, seu filho. Veja-se no Apêndice de Instrumentos conforme se acha em Rainaldo, Anais, tomo 25, p. 497, ano 1350, n. 42. Cita ainda outro quase do mesmo teor dirigido ao Rei Dom Pedro. E.

 

2. COMO DEPOIS QUE ELREI DOM ALFONSO FINOU NO ARRAIAL DE GIBRALTAR TOMARAM POR REI A SEU FILHO, O INFANTE DOM PEDRO, E COMO LEVARAM O CORPO DELREI DOM ALFONSO A SEVILLA.

Logo que elRei Dom Alfonso finou no arraial de Gibraltar, segundo dito havemos, todos os Senhores e Cavaleiros que estavam com ele no dito arraial, e igualmente todos os dos Reinos de Castela e de Leão, depois que o souberam, tomaram por seu Rei e seu Senhor o Infante Dom Pedro, seu primeiro filho legítimo herdeiro – filho da Rainha Dona Maria, sua mulher, filha delRei Dom Alfonso de Portugal – o qual Infante Dom Pedro, quando elReiDom Alfonso, seu pai, finou, estava na cidade de Sevilla – e era então na idade de quinze anos e sete meses – e reinou aos vinte e sete dias de Março, o dia em que seu pai finou, e foi este Rei Dom Pedro o primeiro Rei que em Castela assim houve nome. E foi este primeiro ano que elRei Dom Pedro reinou o ano do Senhor de mil trezentos e cinquenta, e a Era de César de mil e trezentos e oitenta e oito.

E ordenaram os Senhores e Cavaleiros que estavam neste arraial de Gibraltar de levar o corpo delRei Dom Alfonso à cidade de Sevilla – onde estava o Infante Dom Pedro, seu filho primogénito, que então tomaram por Rei de Castela e de Leão e que já reinava – para o enterrar na capela dos Reis, onde jaziam outros Reis seus antecessores, como quer que ele se mandara enterrar na Igreja de Santa Maria de Córdoba, na capela onde jazia elRei Dom Ferrando, seu pai, e os senhores que levavam o seu corpo para Sevilla assim o tinham em vontade, porém queriam chegar com o corpo delRei a Sevilla e que ali se ordenasse o que fariam em diante, e, além disso, o caminho era por ali. E depois, passado tempo, assim foi levado a Córdoba o corpo delRei dom Alfonso, conforme adiante contaremos.

Outrossim ordenaram os Senhores – que ali eram – que o arraial estivesse sossegado e que não partisse dali ninguém enquanto ordenavam a sua partida, e que pusessem as suas guardas contra os Mouros, tanto contra os cercados que estavam na vila de Gibraltar como contra os Mouros do reino de Benamarin e de Granada que dos castelos fronteiros vinham a cada dia correr o arraial, e isso mesmo mandaram pôr bom recado na frota que estava no mar. E os Mouros que estavam na vila e castelo de Gibraltar, desde que souberam que elRei Dom Alfonso era morto, ordenaram entre si que não fosse ninguém ousado de fazer nenhum movimento contra os Cristãos nem de tornar à peleja, e estiveram quedos e diziam entre si que aquele dia morrera um nobre Rei e grande Príncipe do mundo, por o qual não somente os seus Cristãos eram honrados, pois ainda os Cavaleiros Mouros guerreiros, devido a ele, haviam ganhado grandes honras e eram prezados pelos seus Reis. E o dia em que os Cristãos partiram do seu arraial com o corpo delrei Dom Alfonso todos os Mouros da vila de Gibraltar saíram fora e estiveram mui quedos e não consentiram que nenhuns saíssem a pelejar, salvo que miravam como partiam dali os Cristãos (1).

 

Nota 1. Na Abreviada declara-se mais a cortesia de que usaram os Mouros e o sentimento que mostraram à morte delRei, sendo-lhes este tão inimigo. Diz assim: «Todos os Mouros de Gibraltar, que eram muitos, saíram da Vila e estiveram mui quedos e não consentiram que nenhum saísse a pelejar, e isto faziam eles para prestar honra ao corpo delRei, e não houve na partida nenhuma peleja entre eles e os Cristãos. À vista do arraial fizeram os Cavaleiros de Gibraltar honra e pranto por elRei, e encomendaram muito aos Senhores do arraial para o fazer». Z.

 

3. COMO, LEVANDO O CORPO DELREI DOM ALFONSO A SEVILLA, ENTROU DONA LEONOR DE GUZMAN EM MEDINA SIDÓNIA, QUE ERA SUA.

O infante Dom Ferrando, filho delRei de Aragão, Marquês de Tortosa e Senhor de Albarrazin, sobrinho do dito Rei Dom Alfonso, filho da Rainha de Aragão Dona Leonor, sua irmã, e Dom Juan Nuñez de Lara, Senhor de Vizcaya, e os filhos delRei Dom Alfonso e de Dona Leonor de Guzman que estavam no arraial (os quais eram Dom Enrique, Conde de Trastamara, e Dom Fadrique, Mestre de Santiago, seu irmão), e Dom Juan Alfonso, Senhor de Alburquerque, e Dom Ferrando, Senhor de Villena, e outros Senhores, Mestres, Ricos homens e Cavaleiros que então estavam no arraial, tomaram o corpo delRei e foram com ele para Sevilla, passando por Medina Sidónia (1), que é uma vila forte, no caminho por onde iam, e dera-a elRei Dom Alfonso a Dona Leonor de Guzman, de quem o dito Rei Dom Alfonso houvera filhos ao dito Conde Dom Enrique, a Dom Fadrique, Mestre de Santiago, a Dom Ferrando, Senhor de Ledesma, a Dom Tello, Senhor de Aguilar, que depois foi Senhor de Lara e de Vizcaya, a Dom Sancho, que foi mais tarde Conde de Alburquerque, a Dom Juan, a Dom Pedro e a Dona Juana, que casou com Dom Ferrando de Castro, e houvera primeiro elRei Dom Alfonso da dita Dona Leonor a Dom Pedro, Senhor de Aguilar, e a Dom Sancho o mudo, que morreram sendo meninos em vida delRei Dom Alfonso. E Dona Leonor, passando pela vila de Medina Sidónia, entrou nela.

E alguns diziam que com o mui grande receio e medo que havia delRei Dom Pedro, que novamente reinava, e da Rainha Dona Maria, mãe do dito Rei, se pusera naquela vila de Medina Sidónia, porquanto era sua e mui forte, mas os que sabiam a verdade diziam que foi por a seguinte maneira.

Dizem estes que Dom Alfonso Ferrandez Coronel, que era um grande Cavaleiro e tinha a dita vila de Medina – em vida delRei Dom Alfonso – por a dita Dona Leonor, naquele dia que com o corpo delRei por ali passavam disse a Dona Leonor, «Senhora, já sabeis como eu tenho de vós, por homenagem, esta vila de Medina, e peço-vos, por mercê, que a mandeis tomar e entregar a quem de vossa mercê for e me quiteis o preito e homenagem que por ela vos tenho feito, pois não é minha vontade de a ter mais daqui em diante». E dizem que isto fazia Dom Alfonso Ferrandez porque não queria ter cargo nem bando da dita Dona Leonor nem dos seus filhos, que havia já tratado as suas avenças com Dom Juan Alfonso de Alburquerque, segundo adiante diremos. E quando Dom Alfonso Ferrandez Coronel disse estas palavras a Dona Leonor de Guzman ela ficou mui turvada e pesou-lhe muito disto, pois entendeu que aqueles que primeiro a amavam servir e em quem tinha esforço a desamparavam, e respondeu-lhe assim, «Em verdade, compadre e amigo, em forte tempo me aprazastes a minha vila, que não sei agora quem por mim a queira ter». E Dom Alfonso Ferrandez respondeu que em todas as guisas lhe pedia, por mercê, que lhe quitasse o preito, pois ele não teria mais a vila de Medina por ela. E Dona Leonor entrou então na vila e quitou o preito a Dom Alfonso Ferrandez, e não achou quem a quisesse tomar nem lhe fazer homenagem por ela (2).

E os que a viram entrar assim na vila cuidaram que o fazia para nela se guardar com o esforço dos seus filhos e parentes que ali vinham naquele dia, para aí estar e defender-se, que a vila é mui forte. De modo que foi – por esta entrada da dita Dona Leonor em Medina – mui grande movimento entre os Senhores e Cavaleiros que levavam o corpo delRei, tendo que a entrada de Dona Leonor em Medina se fazia com outra intenção, porque Dona Leonor tinha delRei Dom Alfonso filhos já grandes e poderosos no Reino, e grandes parentes, dos quais estavam ali naquele dia Dom Pero Ponce de Leon, Senhor de Marchena, Dom Ferran Perez Ponce, Mestre de Alcántara e irmão do dito Dom Pero Ponce, Dom Juan Alfonso de Guzman, Senhor de Sant Lucar de Barrameda e de Bejer, Dom Alvar Perez de Guzman, Senhor de Olvera (3), Dom Enrique Enriquez e Ferran Enriquez, seu filho (4), e outros.

Dom Juan Alfonso, Senhor de Alburquerque, logo que viu Dona Leonor entrada na Vila de Medina, tratou com alguns dos que ali iam que seria bom que estivessem presos o Conde Dom Enrique e o Mestre de Santiago, Dom Fadrique, seus filhos, até que vissem o que fazia Dona Leonor. E tudo isto soube-o Dona Leonor e tomou por isso muito maior medo, no entanto, como logo trataram com ela e a asseguraram, saiu de Medina. E dizem que se fiou no dito seguro porque a segurou Dom Juan Nuñez de Lara, Senhor de Vizcaya. E Dom Juan Nuñez bem cuidou que o dito seguro lhe seria guardado, e, pelo que adiante aconteceu, pesou-lhe disso, que Dom Juan Nuñez queria e amava o bem e o proveito de Dona Leonor, pois tinha Dona Juana, sua filha, desposada com Dom Tello – filho delRei Dom Alfonso e da dita Dona Leonor – com a qual casou depois, segundo contaremos.

 

Nota 1. Na Abreviada diz-se que se chamava esta Vila Medina Sidónia das Abreheras. Z.

Nota 2. Na Abreviada declara-se mais que Dona Leonor entrou em Medina por conselho de Dom Juan Nuñez de Lara, e diz assim: «E não achou quem a quisesse tomar nem fazer-lhe homenagem por ela, e entrou na dita Vila para aí pôr quem a quisesse ter, do qual dizem que prouve a Dom Juan Nuñez de Lara, Senhor de Vizcaya e de Lara, que ali vinha, e ainda diziam que isto fora por seu conselho e que lhe prazia, e outros dizem que não. Mas não há dúvida que Dom Juan Nuñez queria a honra e o proveito de Dona Leonor, à uma porque tinha uma filha sua, que se dizia Dona Juana, desposada com Dom Tello, filho delRei Dom Alfonso e da dita Dona Leonor, e outrossim porque Dom Juan Alfonso, Senhor de Alburquerque, havia grande poder, ademais que o dito Dom Juan Nuñez, porquanto era parente da Rainha Dona Maria, mãe delRei Dom Pedro, fora até então Mordomo-mor do Infante Dom Pedro. Z.

Nota 3. As impressas dizem umas vezes «Dom Alvar Perez» e outras vezes «Dom Alonso Perez de Guzman». E.

Nota 4. «E Dom Ferrando Enriquez, filho de Dom Enrique Enriquez», como é declarado adiante. Na Abreviada diz-se que era da casa dos Reis e que morava em Sevilla. Foi neto do Infante Dom Enrique, Senador de Roma, e casou com a irmã de Dona Leonor de Guzman (Erro de Zurita. O pai, Enrique Enriquez, é que era neto daquele infante e cunhado de Leonor de Guzman. Nota do E. H.). E de Enrique Enriquez, seu pai, faz-se menção no ano oitavo da História delRei Dom Sancho. De Dom Alonso Enriquez e Dom Fernando Enriquez faz-se menção – na História delRei Dom Alonso – que estiveram no cerco de Algecira. Z.

 

4. COMO, PELA ENTRADA DE DONA LEONOR DE GUZMAN EM MEDINA, SEUS FILHOS E PARENTES SE PARTIRAM DELREI E SE FORAM PARA ALGEZIRA E OUTRAS PARTES.

Quando Dona Leonor de Guzman entrou na Vila de Medina para pôr nela recado, segundo dito é, fez-se grande rumor entre os Senhores que levavam o corpo delRei Dom Alfonso, receando-se dos filhos da dita Dona Leonor que ali estavam, os quais eram o Conde Dom Enrique e o Mestre de Santiago, Dom Fadrique, e outrossim dalguns dos seus parentes, tais como Dom Pero Ponce de Leon, Senhor de Marchena, Dom Ferrand Perez Ponce, Mestre de Alcántara e seu irmão, e Dom Alvar Perez de Guzman, pois souberam como Dom Juan Alfonso, Senhor de Alburquerque, tratava que fossem detidos, cuidando que Dona Leonor se pusera na vila de Medina com outra intenção. E depois que Dona Leonor saiu de Medina, alguns dos seus parentes falaram em comum e acordaram de se apartar delRei porque se fossem a Sevilla receavam de ser presos. E logo naquele dia depois que partiram de Medina o Conde Dom Enrique e o Mestre de Santiago, Dom Fadrique – filhos delRei Dom Alfonso e da dita Dona Leonor Perez de Guzman – Dom Pero Ponce de Leon, Dom Ferrand Perez Ponce, seu irmão, Dom Alvar Perez de Guzman e outros parentes de Dona Leonor tomaram o seu caminho para a vila e castelo de Moron, que é um castelo mui forte cerca da terra dos Mouros e é da Ordem de Alcántara, e tinha-o o dito Dom Ferrand Perez Ponce, Mestre de Alcántara, e desde que aí foram não sossegaram muito e acordaram que estariam melhor em Algezira, que a tinha Dom Pero Ponce. E assim o fizeram e tomaram logo o caminho para Algezira o Conde Dom Enrique, Dom Pero Ponce de Leon, Ferrand Enriquez, filho de Dom Enrique Enriquez, e outros Cavaleiros com eles, e o Mestre Dom Fadrique foi-se para a terra do Mestrado de Santiago e Dom Alvar Perez de Guzman foi-se para o seu lugar de Olvera. Assim se partiram todos estes Senhores, consoante dito é, e o Mestre de Alcántara Dom Ferrand Perez Ponce ficou no seu castelo de Moron.

 

5. COMO OS SENHORES LEVARAM O CORPO DEL REI DOM ALFONSO A SEVILLA, E COMO FOI ENTERRADO NA IGREJA MAIOR DE SEVILLA NA CAPELA DOS REIS.

O Infante Dom Ferrando, filho delRei de Aragão, Marquês de Tortosa e Senhor de Albarracin, sobrinho deste Rei Dom Alfonso e filho da Rainha de Aragão Dona Leonor, sua irmã, Dom Juan Nuñez de Lara, Senhor de Vizcaya, Dom Ferrando, Senhor de Villena, sobrinho de Dom Juan Nuñez, filho de sua irmã Dona Blanca, Dom Juan Alfonso de Alburquerque e os outros Senhores, Ricos homens e Cavaleiros que iam com o corpo delRei Dom Alfonso chegaram à cidade de Sevilla, e elRei Dom Pedro, que já reinava, a Rainha Dona Maria, sua mãe, mulher do dito Rei Dom Alfonso, e todos os outros que aí eram em Sevilla saíram um grande pedaço fora da cidade a receber o corpo delRei. E estiveram mui grande espaço até chegar com o corpo à cidade, e puseram-no na Igreja de Sancta Maria e ali foram feitos cumprimentos por ele, segundo pertenciam. E foi o corpo delRei enterrado na capela dos Reis da Igreja maior de Sancta Maria de Sevilla como em maneira de depósito, porquanto ele mandara enterrar-se na Igreja maior de Sancta Maria da cidade de Córdoba, na capela onde jaz elRei Dom Ferrando, seu pai, segundo dito havemos.

 

6. COMO FOI ORDENADO EM ALGUNS OFÍCIOS DA CASA DELREI E DO REINO.

Depois que o corpo delRei Dom Alfonso foi enterrado em Sevilla na capela dos Reis, segundo dito havemos, começaram os Senhores que aí estavam com elRei Dom Pedro a ordenar o que fariam dos ofícios da casa delRei e do Reino, e ordenaram assim: Dom Juan Nuñez de Lara era Alferes-mor delRei Dom Alfonso e ficou Alferes delRei Dom Pedro, seu filho; Dom Ferrando de Castro, filho de Dom Pedro da Guerra, que era pequeno de idade e estava na Galícia, ficou Mordomo-mor delRei, que assim o fora Dom Pedro, seu pai (1); o Adiantamento de Castela tinha-o Ferrand Perez Puertocarrero e, por rogo de Dom Juan Nuñez de Lara, Senhor de Vizcaya, deram-no a Garci Laso de la Vega; a Guarda-mor delRei Dom Alfonso havia-a Lope Diaz de Almazan e deram-na a Gutier Ferrandez de Toledo; a copa tinha-a Dom Alfonso Ferrandez Coronel e ficou com o seu ofício; a escudela havia-a primeiro Garci Laso e deram-na a Ferran Perez Puertocarrero, a quem haviam tirado o Adiantamento de Castela; a Câmara delRei deram-na a Pero Suarez de Toledo, que era primeiro Camareiro-mor delRei quando era Infante; a Repostaria tinha-a Pero Ferrandez de Guadalajara e deram-na a Pero Suarez de Toledo o moço; o Adiantamento da Fronteira tinha-o primeiro o Mestre Dom Fadrique e, por ele, Ferrand Enriquez, filho de Dom Enrique Enriquez, e deram-no ao Infante Dom Ferrando de Aragão, Marquês de Tortosa, primo delRei; e o Adiantamento do Reino de Múrcia tinha-o Dom Ferrando, Senhor de Villena, e ficou com ele, mas deu-se o caso que daí a poucos dias finou o dito Dom Ferrando e deram o Adiantamento a Dom Martin Gil, filho de Dom Juan Alfonso, Senhor de Alburquerque. E assim repartiram muitos outros ofícios, e uma parte deles ficavam naqueles que os tinham no tempo delRei Dom Alfonso e outra parte davam novamente a outros, conforme cada um tinha os seus ajudadores.

 

Nota 1. Assim está em todos os exemplares impressos e Manuscritos, e parece há algum equívoco em dizer que a Mordomia-mor foi dada a Dom Ferrando de Castro, pois Dom Johan Nuñez de Lara confirma em diplomas posteriores denominando-se Alferes-mor delRei e seu Mordomo-mor. Veja-se, no Apêndice, o diploma que cita Salazar em Casa de Lara, t. 3, p. 206, com data de 20 de Julho deste ano. É uma doação delRei a Martin Fernandez de Toledo, seu aio, a quem – com a mesma data – concedeu também a jurisdição do lugar de Orgaz por outro diploma que cita Zuñiga em Anais de Sevilla, ano 1350, p. 206. Comprova-se por estes instrumentos que a 20 de Julho já estava feita a repartição dos ofícios. E.

 

7. COMO ELREI ENVIOU SABER DE QUE MANEIRA ESTAVA ALGEZIRA, PORQUANTO O CONDE DOM ENRIQUE E DOM PERO PONCE FORAM PARA LÁ.

Segundo dito havemos, o Conde Dom Enrique, Dom Pero Ponce de Leon e outros parentes de Dona Leonor de Guzman estavam em Algezira, e Dom Ferrand Perez Ponce, Mestre de Alcántara, em Moron, e o Mestre Dom Fadrique em seu Mestrado, e Dom Alvar Perez de Guzman, Dom Juan Alfonso de Guzman e Dom Enrique Enriquez eram já na mercê del Rei.

Os que estavam em Sevilla com elRei entendiam que se começava guerra porque tantos e tão grandes Senhores como estes, que tinham muitas e mui grandes fortalezas, se apartaram de elRei. E vendo elRei que a cidade de Algezira estava em grande perigo pela vizinhança dos Mouros que tinha tão perto – e ainda a guerra durava então, e temiam-se muito dos Senhores que nela se puseram, porquanto não estavam contentes com os que regiam o Reino – enviou a saber o estado da dita cidade e que remédio se poderia aí pôr, e enviou lá um seu Escudeiro que havia sido criado delRei Dom Alfonso, seu pai, que tinha a Torre de Cartagena que elRei Dom Alfonso ganhara quando ganhou Algezira. E aquele Escudeiro era homem que havia servido bem ao Rei Dom Alfonso na guerra, e diziam-no Lope de Cañizares.

E foi para Algezira e entrou lá desconhecido, e falou com alguns que amavam o serviço delRei sobre aquilo que elRei lhe mandou, e em que maneira elRei poderia ser seguro da dita cidade por causa da entrada daqueles Senhores. E eles disseram-lhe como aqueles Senhores ali estavam e se apoderavam mais da dita cidade a cada dia, mas que, se elRei lhes enviasse esforço e acorro de gentes por mar e por terra, eles tomariam a voz delRei e pensavam, com o esforço delRei, que os Senhores que ali entraram não ousariam porfiar em ficar na cidade. E Lope de Cañizares, desde que isto soube, quis-se tornar para elRei mas não podia passar as portas da cidade, pois todas estavam mui guardadas, mormente porquanto era dito àqueles Senhores que ele entrara na cidade, e fizeram muito por o haver, mas não puderam achá-lo porque alguns que amavam o serviço delRei o tinham escondido em suas casas. E alguns daqueles com quem falara Lope de Cañizares, de noite, puseram-no fora da vila pelo adarve, com cordas, e enviaram-no ao Rei a Sevilla.

E chegou lá e contou todo o estado de Algezira ao Rei, e disse-lhe que de todas as maneiras do mundo enviasse acorro, senão, que fosse certo que os Senhores que estavam em Algezira, para se apoderar do lugar, tinham acordado de expulsar muitos daqueles que amavam o seu serviço, ou de porventura matá-los. E mostrou ao Rei como trazia as mãos todas talhadas da corda com que o puseram fora da cidade pelo muro.

 

8. COMO ELREI MANDOU A GUTIER FERRANDEZ DE TOLEDO, SEU GARDA-MOR, QUE FOSSE A ALGEZIRA COM GALÉS, E COMO O CONDE DOM ENRIQUE E DOM PERO PONCE DEIXARAM A CIDADE E ENTROU NELA GUTIER FERRANDEZ DE TOLEDO.

ElRei Dom Pedro e os do seu conselho, desde que souberam daquele ardil e das novas que Lope de Cañizares contara de Algezira, e como os da cidade lhe enviavam dizer que lhes acorressem com companhas, senão que estavam em grande perigo, mandaram logo armar galés, e algumas delas ainda estavam armadas para a guerra com os Mouros, que não era cessada. E mandou elRei a Gutier Ferrandez de Toledo – que era um Cavaleiro mui bom e de grande esforço – que entrasse nas galés, deu-lhe muita gente de armas e enviou-o a Algezira.

Gutier Ferrandez partiu logo de Sevilla e fez como elRei lhe mandou. E chegou a Algezira uma grande manhã, e assim como chegou começaram as gentes de armas que vinham nas galés a sair a terra. E os vizinhos de Algezira, quando viram o esforço delRei, juntaram-se todos com os que saíram do mar e começaram a dar mui grandes vozes, chamando: «Castela, Castela, por el Rei Dom Pedro». E o Conde, Dom Pero Ponce e os que estavam consigo não puderam pelejar com os da cidade e com os das galés que então haviam chegado, pois eram muitos mais que eles, e abriram uma porta que tinham por si e saíram todos juntos, e assim desampararam a cidade e foram-se em seguida para Moron, onde estava Dom Ferrand Perez Ponce, Mestre de Alcántara, irmão de Dom Pero Ponce.

E Gutier Ferrandez, depois que o Conde Dom Enrique e Dom Pero Ponce partiram de Algezira, ficou senhor da cidade, e enviou logo um Escudeiro a Sevilla a fazer saber ao Rei como Algezira estava já por ele, e como o Conde e Dom Pero Ponce tinham deixado a cidade e eram partidos dali. E o Escudeiro de Gutier Ferrandez chegou a Sevilla num lenho e contou estas novas ao Rei, e a ele prouve-lhe muito com elas e mandou-o tornar logo para Algezira, e enviou então suas cartas ao dito Gutier Ferrandez a dizer que lhe tinha por serviço assinalado o que fizera e que lhe queria fazer mercê da tenência da dita cidade de Algezira, o que era então mui grande coisa. E Gutier Ferrandez disse-lhe que lho tinha em mercê, mas mais quis ir-se para ele e andar na sua corte.

 

9. COMO O CONDE DOM ENRIQUE E DOM PERO PONCE VIERAM PARA MARCHENA.

Nestes dias que se passaram assim estes feitos, elRei Dom Pedro adoeceu de guisa que cuidaram que morreria daquela doença, e houve na sua corte mui grandes bulícios sobre quem reinaria, segundo contaremos. E o Conde Dom Enrique e Dom Pero Ponce chegaram-se então mais junto de Sevilla, e foram para um lugar de Dom Pero Ponce que dizem Marchena. E, como aí chegaram, enviaram recado a Sevilla e fizeram lá vir Dom Ferrando, Senhor de Ledesma, irmão do Conde Dom Enrique, o qual era filho delRei Dom Alfonso e de Dona Leonor de Guzman mas criara-se com elRei Dom Pedro – quando ele era Infante – e desde que chegou a Marchena desposaram-no com uma filha de Dom Pero Ponce que diziam Dona Maria Ponce, mas não chegou a casar com ela, porque este Dom Ferrando daí a pouco tempo finou.

O Mestre de Alcántara Dom Ferrand Perez Ponce estava no seu castelo de Moron, que é da Ordem de Alcántara, e todos estes Senhores que assim andavam apartados delRei a cada dia tratavam com ele as suas preitesias para se virem à sua mercê. Como isso se fez, adiante o contaremos.

 

10. COMO DONA LEONOR DE GUZMAN FOI PRESA EM SEVILLA PUBLICAMENTE, E COMO O CONDE DOM ENRIQUE, SEU FILHO, E OS OUTROS SENHORES FORAM NA MERCÊ DELREI.

Agora tornaremos a contar do que aconteceu a Dona Leonor de Guzman desde que chegou a Sevilla.

Deveis saber que, depois que Dona Leonor entrou na sua vila de Medina Sidónia e dali saiu pela preitesia e seguro que lhe fizeram, e se partiram os seus filhos – o Conde e o Mestre de Santiago – e os outros seus parentes, segundo dito havemos, sempre foi tida como presa, mas depois que chegou a Sevilla foi mais declarada a sua prisão, pois puseram-na no cárcere delRei, no seu palácio, e ali a tinham bem guardada (1).

E como quer que Dona Leonor assim estava presa, os privados delRei disseram que era bom que elRei cobrasse os seus e que eles não se partissem dele. E diziam-no pelo Conde Dom Enrique, o Mestre Dom Fadrique, seu irmão, o Mestre de Alcántara Dom Ferrand Perez Ponce e Dom Pero Ponce, que estavam apartados e espantados delRei, e trataram com o Conde e com Dom Pero Ponce, que estavam em Marchena, e com o Mestre de Alcántara, que era em Moron, que se viessem à mercê del Rei, e assim o fizeram, que todos se vieram para Sevilla ao Rei, e assossegaram-se estes feitos segundo cumpria ao serviço delRei (2). E enviou elRei cartas suas ao Mestre de Santiago Dom Fadrique, seu irmão, o qual estava na terra do seu Mestrado, para que o esperasse em sua terra quando ele fosse a Castela e passasse por ali, e que então lhe livraria os seus feitos mui bem, e assim o fez, segundo adiante contaremos. Todavia elRei ordenou e mandou que, aos castelos da Ordem de Alcántara, os tivessem Cavaleiros da Ordem e lhe fizessem preito e menagem por eles, e que não os entregassem ao Mestre de Alcántara nem o acolhessem neles sem seu mandamento, e assim se fez.

 

Nota 1. Estava presa já antes de 16 de Julho, ao que parece de um instrumento que está no Bulário de Santiago, feito em Écija nesse dia, no qual se diz que Dom Alfonso Mendez, Mestre de Santiago, havia feito sacar de Uclés o selo do Cabido da Ordem e o trouxe consigo até que morreu no Arraial sobre Algecira. Tomou-o então Dona Leonor de Guzman, sua irmã, «com poder que havia delRei Dom Alfonso, que Deus perdoe», e teve-o à força até que morreu elRei, «e ela fosse embargada por mandado de nosso Senhor elRei Dom Pedro. A qual, sendo assim embargada, porventura receando que a afrontariam os Comendadores ante elRei…deu em guarda o selo a Lorencio Alfonso, seu criado, Escrivão do Mestre Dom Fadrique, seu filho». Os Comendadores acudiram ao Infante Dom Fernando de Aragão, Adiantado da Fronteira, para que ordenasse a Lorencio Alfonso que lhes desse o selo, e ele negou-se a executar a ordem, «porque Dona Leonor lhe mandara que o desse ao Mestre Dom Fadrique, seu filho, e não a nenhum outro». O Infante, encontrando-se em Écija, disse que queria ouvir sobre isto o Mestre, que também pousava no mesmo lugar, e mandou ao seu Alcaide, Arnalt de França, que fosse «ao Mestre, à sua pousada, pela honra da sua pessoa e estado, e que em seu lugar e como seu Alcaide o ouvisse». O Mestre disse que lhe prazia que se entregasse o selo aos Comendadores, e com efeito foi entregue. «Logo os ditos Freires, todos em concórdia, protestaram as cartas que se haviam selado com o dito selo em todo o tempo que a Ordem esteve desapoderada dele, e disseram que não ousaram protestar no tempo do Mestre Dom Alfonso Mendes pelo grande poder que tinha quer pelo seu estado, quer pelo favor que a sua irmã, Dona Leonor, havia com elRei, pois é certo que perderiam os seus estados, ou que os fizera matar…Mas que agora que era finado o dito Rei Dom Alfonso, a dita Dona Leonor estava presa e eles eram fora de medo, que contra-arrestavam as ditas cartas e protestavam ante o dito Alcaide». E.

Nota 2. Parece que já antes de 28 de Junho estes Senhores tinham voltado ao serviço do Rei, pois com data desse dia, em Sevilla, restituiu a Dom Fadrique, Mestre de Santiago, e aos Cavaleiros da Ordem diversos lugares a ela pertencentes que elRei Dom Alfonso, seu pai, havia vendido a Dom Gil de Albornoz, Arcebispo de Toledo. E para que elRei, seu pai, não tivesse cargo dos dinheiros que recebeu, mandou a Pedro Fernandez, seu tesoureiro, que desse ao Arcebispo certas quantidades de maravedis (Bulário de Santiago, p. 315). Vendeu assim mesmo elRei Dom Alfonso o Castelo de Paracuellos ao Arcebispo Dom Gil por cento e vinte e quatro mil maravedis e, como ainda o retinha quando fez o seu testamento, deixou em legado ao Deão e ao Cabido de Toledo o próprio Castelo ou os cento e vinte e quatro mil maravedis, se elRei quisesse para si o Castelo, ou a Ordem recuperá-lo. Também fez ElRei Dom Pedro depois outras restituições de bens que havia tomado seu pai. Nas Cortes de Valladolid, a 8 de Outubro do ano seguinte, confirmou a Diego Gonzalez de Oviedo, filho do Mestre de Alcántara Dom Gonzalo Martinez, a doação que lhe tinha feito de alguns bens em recompensa de outros que lhe havia quitado elRei Dom Alfonso. «E eu vendo (diz) que o sobredito Rei, meu pai, fizera pecado em vos deserdar sem merecimento, e para que a sua alma não haja pena…» (Zuñiga, Anais, ps. 207 e 208). E.

 

11. COMO ELREI PÔS OS SEUS FRONTEIROS CONTRA OS MOUROS E COMO SE FEZ LOGO A TRÉGUA.

Outrossim, depois que elRei Dom Alfonso morreu, ainda ficou a guerra com os Mouros conforme era primeiro, e elRei Dom Pedro pôs os seus fronteiros contra a terra dos Mouros, entre os quais enviou o Infante Dom Ferrando, seu primo, Marquês de Tortosa e Senhor de Albarracin, filho delRei Dom Alfonso de Aragão e da Rainha Dona Leonor, irmã delRei Dom Alfonso de Castela, que era Adiantado-mor da Fronteira, à vila de Écija. Outrossim enviou a Écija (1) por fronteiro o Mestre de Santiago, seu irmão, e eram todos estes mil a cavalo, Cavaleiros e Escudeiros mui bons, dos vassalos delRei e dos destes Senhores, o Infante e o Mestre, que estavam com eles. E enviou ao Bispado de Jaen por fronteiros Dom Juan Núñez de Prado, Mestre de Calatrava, Dom Enrique Enriquez e Men Rodriguez de Biedma, caudilho do Bispado de Jaen, e pôs em Moron o Mestre de Alcántara e Dom Pero Ponce de Leon, e em Castro do Rio Dom Ferrando, Senhor de Villena, com os Cavaleiros de Córdoba, e em Xerez Dom Juan Alfonso de Guzman e Dom Alvar Perez de Guzman.

E assim partiu os seus fronteiros pelas outras partes da Andalucia conforme entendeu que cumpria ao seu serviço e defendimento da terra, e estiveram aí alguns dias, mas neste tempo não entraram os Mouros pela terra dos Cristãos nem eles pela terra dos Mouros de modo a que se fizesse coisa que de contar seja. E logo a poucos dias se trataram tréguas e cessou de então para cá a guerra com os Mouros, salvo um pouco de tempo que elRei Dom Pedro lhes fez guerra em ajuda delRei Mahomad contra elRei Vermelho, no qual tempo – apesar de que foi pequena, que não durou aquela guerra mais de dez meses – elRei Dom Pedro ganhou bastantes castelos de Mouros, segundo adiante se dirá, os quais depois se perderam todos, salvo um que dizem Benamexir, que pertence à Ordem de Santiago e é hoje dos Cristãos.

 

Nota 1. Veja-se a nota 1 do capítulo anterior. E.

 

12. COMO O CONDE DOM ENRIQUE VIU DONA LEONOR DE GUZMAN, SUA MÃE, EM SEVILLA, E COMO A SEU CONSELHO CASOU COM SUA ESPOSA DONA JUANA, E COMO DAÍ A POUCO TEMPO SE FOI DE SEVILLA O CONDE.

Depois que o Conde Dom Enrique, filho do dito Rei Dom Alfonso e de Dona Leonor de Guzman, e os outros Senhores foram na mercê delRei, segundo dito havemos, o Conde ia a cada dia ver Dona Leonor, sua mãe, aonde estava presa no cárcere delRei em Sevilla. E estava ali com ela Dona Juana, filha de Dom Juan Manuel, que era esposa do dito Conde Dom Enrique, e porquanto Dona Leonor soube, que lhe foi dito então, que Dom Ferrando, Senhor de Villena, irmão da dita Dona Juana, tratava de desfazer este casamento e que sua irmã se casasse com elRei Dom Pedro ou com o infante Dom Ferrando de Aragão, primo delRei, que ali estava, falou Dona Leonor de Guzman com o Conde, seu filho, dizendo-lhe que fizesse as suas bodas com a dita Dona Juana, sua esposa. E assim o fez o Conde e consumou com ela o matrimónio, escondidamente, no palácio onde a dita Dona Juana estava com Dona Leonor, sua mãe. E disto pesou muito ao Rei e à Rainha Dona Maria, sua mãe, e a Dom Juan Alfonso de Alburquerque e aos outros privados delRei quando o souberam. E por esta razão foi mais afincada a prisão de Dona Leonor e não deixavam que o Conde a visse, nem nenhum outro dos que eram da sua partida, e levaram-na então presa a Carmona, porém o casamento quedou feito e Dona Juana ficou por mulher do Conde, e dali em diante chamavam-na Condessa.

E poucos dias depois disto foi dito ao Conde Dom Enrique que o queria elRei prender, e fugiu de Sevilla para as Astúrias e foram com ele dois Cavaleiro seus, os quais eram Pero Carrillo e Men Rodriguez de Senabria, e levavam rostos de couro para que os não conhecessem no caminho, e assim passaram por todo o Reino até que chegaram às Astúrias.

 

13. DA DOENÇA QUE HOUVE ELREI DOM PEDRO NO ANO PRIMEIRO QUE REINOU, PELA QUAL CHEGOU A ESTAR EM PERIGO DE MORTE, E COMO TRATAVAM DE QUEM REINARIA.

Estando elRei Dom Pedro em Sevilla, neste dito ano que elRei Dom Alfonso, seu pai, finou, no mês de Agosto houve uma grande doença da qual cuidaram que não poderia escapar, pois chegou a estar a ponto de morrer, pelo que houve na Corte grande bulício e muitos conselhos entre todos os Senhores que estavam então em Sevilla sobre quem reinaria em Castela e em Leão, porquanto elRei Dom Pedro não havia filho nem irmão legítimo (1) herdeiro dos ditos Reinos.

E alguns tinham que o Infante Dom Ferrando – filho delRei de Aragão, Marquês de Tortosa, que era primo delRei e neto delRei Dom Ferrando de Castela, legítimo filho de sua filha Dona Leonor, Rainha de Aragão – devia reinar, porquanto sua mãe, a Rainha Dona Leonor, fora primagénita filha delRei Dom Ferrando e irmã delRei Dom Alfonso, e fora jurada nos Reinos de Castela e de Leão, conforme o costume de Espanha (2), antes que nascesse elRei Dom Alfonso, seu irmão, porquanto nascera ela primeiro. E diziam ainda os que isto sabiam que elRei Dom Alfonso, no seu testamento, assim o mandara, que se alguma coisa acontecesse a elRei Dom Pedro, seu filho, sem haver filhos herdeiros, que ao Reino o houvesse e herdasse o Infante Dom Ferrando de Aragão, seu sobrinho, filho de sua irmã. E ademais tratavam que casasse o dito Infante com a Rainha dona Maria, mulher que fora delRei Dom Alfonso e mãe del Rei Dom Pedro, e que para tal houvessem dispensação do Papa, e deste casamento tratavam – os que eram neste feito – para haver o Rei de Portugal em ajuda. E deste conselho eram Dom Juan Alfonso, Senhor de Alburquerque, e Dom Juan Nuñez de Prado, Mestre de Calatrava.

Muitos outros Senhores e Cavaleiros tinham que devia reinar Dom Juan Nuñez de Lara, Senhor de Vizcaya, que ali estava, pois diziam que vinha dos da linhagem de la Cerda, que era filho legítimo de Dom Ferrando de la Cerda, o qual foi irmão legítimo de Dom Alfonso de la Cerda e filho legítimo do Infante Dom Ferrando, herdeiro de Castela (3), e diziam, pois que descendia Dom Juan Nuñez da casa Real, por parte dos de la Cerda, em esta maneira que dito havemos, que devia reinar, e isto tratavam então Dom Alfonso Ferrandez Coronel, Garci Laso e outros Cavaleiros de Castela que tinham a partida de Dom Juan Nuñez, como quer que todos diziam que não podia ser que Dom Juan Nuñez houvesse a herança do Reino por parte dos de la Cerda, visto que Dom Alfonso de la Cerda tomara compensação por o Reino, sendo juízes disso os Reis Dom Donis de Portugal e Dom Jaymes de Aragão, e renunciara a todo direito, se o havia, aos Reinos de Castela e de Leão (4). Os que queriam ter a parte de Dom Juan Nuñez tratavam igualmente que ele casasse com a Rainha Dona Maria, mulher que foi delRei Dom Alfonso de Castela e filha que era delRei Dom Alfonso de Portugal, e que haveriam então em ajuda o dito Rei de Portugal, seu pai. E esta Rainha Dona Maria era neta delRei Dom Sancho de Castela, pois era filha da Rainha de Portugal Dona Beatriz, que fora filha daquele.

E sobre estas coisas houve ali muitas contendas e porfias entre os Senhores que estavam então em Sevilla, mas elRei sarou e cessaram todas estas questões, como quer que por algumas maneiras que ali se tiveram se partiu Dom Juan Nuñez de Lara de Sevilla mal contente, e muitos outros Cavaleiros do Reino que haviam defentido a sua intenção – a do dito Dom Juan Nuñez – se partiram mal pagados delRei, e davam todos a entender que lhes não prazia porquanto Dom Juan Alfonso, Senhor de Alburquerque, que era natural do Reino de Portugal e outrossim não era amigo do dito Dom Juan Nuñez, governava sobre o Rei e o Reino.

 

Nota 1. Num livro de mão antigo está: «por quanto elRei Dom Pedro não havia filho herdeiro legítimo». Z.

Nota 2. Este costume é assinalado diversas vezes por este Autor ao tratar da sucessão do Reino de Navarra, e pondo de parte que elRei Dom Sancho o Maior sucedeu no Condado de Castela por razão da Rainha Dona Maior, sua mulher, irmã do Infante Dom Garcia, que foram filhos de Dom Sancho, Conde de Castela, e que o Reino de Leão recaiu em fêmea, sabemos que a Infanta Dona Urraca, filha delRei Dom Alonso que ganhou o Reino de Toledo aos Mouros, foi jurada por sucessora nos seus Reinos em vida delRei, seu pai. E este costume de serem juradas as filhas primogénitas dos Reis de Castela mostra-se com a Rainha Dona Berenguela, que foi jurada duas vezes em vida delRei Dom Alonso, seu pai, por legítima sucessora delRei de Castela, como é referido pelo Arcebispo Dom Rodrigo, no livro 8, capítulo 5, e pela História geral. Z.

Nota 3. Todos os livros de mão e impressos têm que Dom Fernando de la Cerda foi filho legítimo de Dom Alfonso de la Cerda, em lugar de irmão, e ainda adiante os mesmos livros de mão, no Ano segundo delRei Dom Pedro, capítulo 10, têm, uns, que foi filho de Dom Alfonso de la Cerda e, outros, de Dom Juan Alfonso de la Cerda, com erro mui vergonhoso numa coisa tão notória e sabida, o qual não se pode atribuir ao Autor mas sim aos escreventes, que puseram filho em lugar de irmão. E assim não é mister perder tempo em declarar que este Dom Juan Nuñez de Lara, Senhor de Vizcaya, foi filho de Dom Hernando, que era filho legítimo do Infante Dom Hernando e irmão segundo de Dom Alfonso, o que pretendeu suceder nos Reinos de Castela e Leão, como aparece em diversos lugares. Z.

Nota 4. Quem renunciou foi só Dom Alonso, e não Dom Hernando, seu irmão, e estimava-se que não lhe causava prejuízo a renúncia do irmão, pois tampouco prejudicava os descendentes deste, e assim disse elRei Dom Pedro de Aragão que Dom Juan, filho de Dom Luis, Conde de Telamon e Príncipe da Fortuna, que foi neto de Dom Alonso, tinha direito de sucessão no Reino de Castela, e este direito parecia ainda ser com mais justo título que o pretendido por Dom Juan Nuñez de Lara, por ser Dom Hernando, seu pai, menor que Dom Alonso. Z.

 

14. COMO DOM JUAN NUÑEZ DE LARA SE FOI A CASTELA E DO QUE ALI SE TRATOU, E COMO LOGO FINARAM, NESTE ANO, ELE E DOM FERRANDO, SENHOR DE VILLENA, SEU SOBRINHO, E DE OUTRAS COISAS QUE ACONTECERAM NESTE TEMPO.

Depois que elRei Dom Pedro ficou são da grande doença que houve, partiu de Sevilla Dom Juan Nuñez de Lara, Senhor de Vizcaya, e foi-se para Castela, e ia mal contente porquanto a Dom Juan Alfonso de Alburquerque, ao qual sempre tivera como contrário por razão das Behetrias de Castela, agora o via que detinha em seu poder a privança delRei e a governança do Reino (1).

E Dom Juan Nuñez, logo que chegou a Castela, tratou com alguns Cavaleiros e com alguns da cidade de Burgos tais maneiras que, se ele vivesse mais tempo, não se teria consentido que Dom Juan Alfonso se apoderasse tanto no regimento delRei e do Reino como conseguiu, e teria havido por isso grandes discórdias, pois todos os Cavaleiros de Castela, ou os mais poderosos, tinham com Dom Juan Nuñez nesta razão. Mas, a poucos dias que o dito Dom Juan Nuñez chegou a Castela, finou na cidade de Burgos, num domingo, aos vinte e oito dias de Novembro deste ano, e ali jaz enterrado no Mosteiro de Sant Pablo.

E neste mesmo ano finou na sua terra Dom Ferrando Manuel, Senhor de Villena (2), filho de Dom Juan Manuel e sobrinho do dito Dom Juan Nuñez, que sua mãe, Dona Blanca, era irmã deste Dom Juan Nuñez. E deixou o dito Dom Ferrando uma filha que disseram Dona Blanca, a qual houve de sua mulher, Dona Juana, que diziam Despina (3), filha do Infante de Aragão que diziam Dom Remon Berenguel, a qual Dona Blanca foi depois levada por mandado delRei Dom Pedro a Sevilla, e aí finou, segundo adiante diremos, e ficou toda a sua terra, que se dizia terra de Dom Juan e agora se chama o Marquesado, para elRei Dom Pedro, que não deixara nenhum outro herdeiro a dita Dona Blanca.

E no que ficou deste ano esteve elRei Dom Pedro em Sevilla, que ficara mui fraco da doença que houvera, e todos os feitos e livramentos do Reino e da casa delRei faziam-se por mandado de Dom Juan Alfonso de Alburquerque, e eram privados delRei, Pero Suarez de Toledo, seu Camareiro-mor, e Gutier Ferrandez, seu irmão, que era Guarda-mor delRei, e outros seus parentes. E pôs Dom Juan Alfonso por Tesoureiro delRei a Dom Simuel o Levi, que fora primeiro Almoxarife do dito Dom Juan Alfonso. E elRei não se ocupava de nenhuns livramentos e senão de andar à caça com falcões garceiros e altaneiros.

Outrossim este ano, enquanto durou a guerra com os Mouros, começou-se a levar a camarária do soldo, que são quarenta maravedis do milhar, o que nunca foi uso em Castela até então, e o que acontecia era que, se elRei tinha dinheiros na sua câmara e mandava dar a alguns em dinheiros contados, então o Camareiro levava quarenta maravedis do milhar, mas não do soldo que se livrava por alvarás nem que se havia acostumado até aqui (4).

 

Nota 1. A 21 de Setembro encontrava-se em Melgar de Fernan Mentalez, onde confirmou algumas Doações do seu pai intitulando-se Alferes delRei e seu Mordomo-mor. E.

Nota 2. Estava vivo a 8 de Agosto, data em que confirmou uma Doação de seu pai que editou Salazar, Provas da Casa de Lara, p. 651. E.

Nota 3. Há-de-se ler assim, tal como está num livro do Marquês Dom Iñigo Lopez de Mendoza, porque, não se declarando de onde era Despina, que é o mesmo que Senhora, parece que se tomava este nome por apelido de linhagem e não por dignidade, como o era, e ainda adiante, no Ano onceno delRei Dom Pedro, capítulo 23, se lhe chama Dona Juana Despina, como se fora apelido de linhagem. No Império Grego havia os Déspotos de Romania, de Morea e de Larta, e às mulheres dos Déspotos, ou que sucediam naqueles Estados, chamavam Despinas. O Infante Dom Ramon Berenguer, quinto filho delRei Dom Jayme o Segundo de Aragão, casou a primeira vez com Madama Blanca – filha do Príncipe de Taranto, filho delRei Carlos o Segundo de Sicília – que era sua prima coirmã. E por morte de Filipo, Déspoto de Romania, irmão da dita Dona Blanca, o qual finou sem deixar filhos – e havia sido casado com a Infanta Dona Violante, também sua prima, que era irmã do Infante Dom Ramon – sucedeu Dona Blanca, mulher do Infante Dom Ramon, no direito de sucessão do Despotado de Romania, e por isso Dona Juana, filha maior do Infante e de Dona Blanca, que casou com Dom Fernando, Senhor de Villena – filho de Dom Juan, filho do Infante Dom Manuel – se chamou Despina de Romania, como sucessora daquele Estado por não haver tido Dona Blanca filho varão. Teve esta Dona Juana outra irmã menor, chamada Dona Blanca, como a sua mãe, que casou com Ugo, Visconde de Cardona. Z.

Nota 4. Não faz menção o Cronista de uma batalha naval que os Vizcaynos ofereceram aos Ingleses no dia 28 de Agosto deste ano. Vejam-se, no Apêndice, as relações que dela fazem Walsingan, escritor Inglês, Mathéo Vilano (p. 44) e Meyero. E.

Tampouco faz menção, mais adiante, de um tratado de paz e comércio, concluído em Londres a 1 de Agosto de 1351, entre Eduardo III, Rei de Inglaterra, e os Deputados das Vilas marítimas do Reino de Castela e Condado de Vizcaya, que traz Rimer, tomo 5, p. 717, nem de outro tratado, igualmente de paz e comércio, entre os habitantes das Vilas marítimas de Castela e Vizcaya e os de Bayona, firmado na Igreja de Fuenterravia a 29 de Outubro de 1353 e confirmado por elRei Eduardo III, em Westminster, a 9 de Julho de 1354, que também traz Rimer no mesmo tomo, pág. 766. Vejam-se ambos no Apêndice. E.