8 - A Guerra Russo-Japonesa
Entre 1905 e 1914, as Grandes Potências europeias envolveram-se em crises cada vez mais graves, entre a França e a Alemanha, com origem em questões coloniais, e entre a Áustria-Hungria e a Rússia, nascidas nos Balcãs [Duroselle, 1975, p. 148]. A primeira destas crises, a “Crise de Tânger” ou “Primeira Crise de Marrocos”, refere-se a um conjunto de acontecimentos que tiveram início em Março de 1905. Estes acontecimentos, localizados em Marrocos, não foram mais que o rastilho de uma crise essencialmente europeia e que foi condicionada por outros acontecimentos, por vezes longínquos, da Europa Ocidental ao Extremo Oriente. Foi o caso da guerra entre a Rússia e o Japão (1904-1905) que só não evoluiu para um conflito mais vasto, entre Potências europeias, porque existiam interesses a serem preservados.
A situação internacional
Desde o início de 1871, quando se deu a unificação da Alemanha, Bismarck tinha mantido a Europa em paz, excluindo as questões dos Balcãs. Com a sua saída da cena política, em 1890, a política externa alemã foi profundamente alterada. O Tratado de Resseguro (1887) entre a Alemanha e a Rússia não foi renovado no mesmo ano em que Bismarck abandonou o cargo de Chanceler e a Rússia estabeleceu uma aliança com a França (1892). Embora se tratasse de uma aliança defensiva, permitiu à França sair do isolamento em que tinha sido colocada em 1871 e causou apreensão à Alemanha porque passava a enfrentar a possibilidade de uma guerra em duas frentes e ao Reino Unido porque era justamente com a França e com a Rússia que os seus interesses ultramarinos mais colidiam, em África e na Ásia Central. Até 1892 existia um único sistema de alianças, a Tríplice Aliança. Após esta data, com a Aliança Franco-Russa, surgiu um novo sistema em oposição, sistema que viria a ser alargado com a Entente Cordiale em 1904.
Fora da Europa também se verificaram grandes mudanças, não só porque o domínio europeu continuou a estender-se em vários pontos do globo criando situações propiciadoras de um conflito entre as potências europeias, mas também porque os Estados Unidos da América e o Japão concorreram nessa expansão entrando no núcleo dos actores principais da cena mundial. No Extremo Oriente, à semelhança do que sucedia com o Império Otomano no Médio Oriente, o Império Chinês estava em franco declínio e era alvo de cobiça. O Reino Unido tomou a iniciativa, no que foi seguido por outras Potências, de obter concessões e estabelecimentos comerciais em Shangai e outras grandes cidades chinesas. Em breve, dois terços do comércio exterior da China era materializado por trocas com a Grã-Bretanha. Em 1900, o Reino Unido e a Alemanha concluíram um acordo pelo qual as duas Potências garantiam o princípio de “Porta Aberta” na China e a manutenção da integridade territorial do Império Chinês. [Lista dos ex-enclaves estrangeiros na China - https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_ex-enclaves_estrangeiros_na_China]
No Norte da China, A Rússia procurou assegurar um porto liberto do gelo de Inverno e que servisse de terminal à Linha Transiberiana que tinha começado a ser construída em 1891. A posição estratégica da Rússia no Nordeste da Ásia ficaria muito fortalecida com o acesso a um porto sem gelo. Vladivostoque era um bom porto com dois grandes inconvenientes: encontrava-se bloqueado pelo gelo durante três a quatro meses no ano e tinha saída para o Mar do Japão o que significava que podia ser facilmente controlado por uma potência adversária. Um porto mais a sul implicava controlar a Manchúria. No Sul da China, o Reino Unido tinha anexado a antiga Birmânia (hoje Myanmar) e a França tinha ocupado a Indochina, os territórios que hoje pertencem ao Vietnam, Laos e Camboja. Por outras palavras, a Rússia, a França e o Reino Unido dispunham de boas plataformas para invadirem a China. A Rússia era favorável à ocupação de vastas áreas da China e opunha-se à política comercial de Porta Aberta defendida pelo Reino Unido e pela Alemanha. O Japão via a Península da Coreia, então um Estado tributário da China, como uma plataforma a partir de onde poderia ser atacado pela Rússia, mas também uma testa de ponte para a aquisição de territórios no Continente asiático.
No início do século XX, as Potências europeias controlavam a maior parte de África. A expansão colonial de Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica, Itália e Alemanha abarcou a quase totalidade de África sob a forma de colónias ou protectorados. A Etiópia e Marrocos mantinham a sua independência, mas enquanto o primeiro país o tinha conseguido derrotando os Italianos, o segundo estava cada vez mais dependente e manietado por aquelas Potências. No Médio Oriente, o Império otomano estava em declínio e a Rússia mantinha a ambição de controlar os Estreitos, situação impensável para o Reino Unido que estava disposto a tudo para garantir o controlo do Canal de Suez e a rota para a Índia. Na Ásia Central, o Reino Unido e a Rússia enfrentavam-se no conflito pela supremacia na região que ficou conhecido como “Grande Jogo”. A Europa estava em paz desde 1871, mas as Potências europeias defrontavam-se diplomatica e, por vezes, militarmente em África e na Ásia pela manutenção ou alargamento dos impérios que ocupavam cerca de um quarto da superfície terrestre do globo. A economia global tinha atingido os territórios mais longínquos. Este «foi provavelmente o período da história do mundo moderno na qual os governantes que chamavam a si próprios «imperadores» ou que como tal eram designados por diplomatas ocidentais, atingiu o seu número máximo.» [HOBSBAWM, 1990, p. 78]
A Aliança Anglo-Japonesa
A Aliança Anglo-Japonesa de 1902 foi firmada a 30 de Janeiro, em Londres. Assinaram o tratado, o secretário britânico para os Negócios Estrangeiros, Henry Petty-Fitzmaurice (1845-1927), quinto marquês de Lansdowne (Lorde Lansdowne), e o ministro residente japonês Hayashi Tadasu (1850-1913). O tratado foi renovado e actualizado duas vezes, em 1905 e 1911.
A aliança entre o Reino Unido e o Japão começou a ser estudada em 1895, após a Primeira Guerra Sino-Japonesa (25 Julho 1894 – 17 Abril 1895). Esta guerra foi uma consequência da rivalidade entre as duas Potências sobre a influência na Coreia, um Estado semi-independente vassalo do Império Chinês. A intervenção japonesa na Coreia resultou num conflito com o Império Chinês. As sucessivas vitórias do Japão, em terra e no mar, obrigaram a China a negociar a paz. A 17 de Abril de 1895 foi assinado o Tratado de Shimonoseki em que a China reconhecia a independência da Coreia, pagava uma avultada indeminização, abria vários portos à navegação e ao comércio japonês e cedia a Formosa (Taiwan), o Arquipélago dos Pescadores (Arquipélago de Penghu) e a Península de Liaotung ao Japão [DUPUY & DUPUY, 1986, pp. 864-866].
A vitória japonesa ficou a dever-se ao processo de industrialização e modernização adoptado nas décadas precedentes. As forças armadas tinham sido modernizadas com o apoio das missões militares europeias. A vitória japonesa permitiu ao Japão afirmar-se como a Potência dominante na Ásia, uma Grande Potência regional. A China, pelo contrário, confirmou o declínio da dinastia reinante (Qing), a corrupção da administração e a incompetência dos sucessivos governos. Este estado de fraqueza em que se encontrava o regime na China foi aproveitado pelas Potências ocidentais para ali obterem mais concessões. Tal situação acabou por desenvolver entre a população chinesa sentimentos xenófobos já que identificavam com os estrangeiros e com as importações muitas vezes impostas o crescente desemprego e pobreza. Surgiram várias revoltas e a mais famosa delas foi a Revolta dos Boxers (1899-1901) que obrigou à intervenção de forças expedicionárias europeias, norte-americana e japonesa a fim de socorrerem as delegações diplomáticas em Pequim.
A Península de Liaotung era estrategicamente importante para as Potências que detinham interesses na região, principalmente pelas suas condições portuárias. A cedência da Península de Liaotung ao Japão, nas condições do Tratado de Shimonoseki, não agradou, por isso, à Rússia que desejava adquirir um porto liberto dos condicionamentos do Inverno. A Alemanha, que também procurava estabelecer-se num porto na China, também se mostrou contrária às facilidades concedidas ao Japão. A França, aliada da Rússia, decidiu apoiar a sua aliada. Desta forma, «os assuntos do Extremo Oriente conduziram à formação de uma coligação na Ásia, formada por aquelas Potências europeias que se encontravam em lados opostos na Europa.» [BURY, 1968, p. 114] Em Março de 1897, a Rússia ocupou Porto Artur e transformou-o numa base naval. Em Dezembro de 1897, uma frota russa ancorou em Port Arthur e a Rússia conseguiu forçar o Governo chinês a aceitar a Convenção para o Arrendamento da Península de Liaotung, também conhecida como o Acordo de Pavlov. Esta convenção, assinada a 27 de Março de 1898, concedeu à Rússia a utilização de Port Arthur (Lüshun) como base naval e a ligação àquele porto por via férrea.
O Reino Unido e o Japão mantinham boas relações diplomáticas e comerciais desde o século XVII. Apesar de alguns incidentes em que o Reino Unido fez prevalecer a sua força militar e naval, em 1854 as duas Potências assinaram o Tratado de Amizade Anglo-Japonês e, quatro anos mais tarde, o Tratado de Amizade e Comércio Anglo-Japonês. Em 1863 chegaram à Grã-Bretanha os primeiros alunos japoneses destinados a frequentarem as universidades britânicas e, em 1869, pela primeira vez, um príncipe europeu visitou o Japão. Este foi o caso da visita iniciada a 4 de Setembro pelo Príncipe Alfred, Duque de Edimburgo, filho da Rainha Vitória. Em 1873, começou a funcionar no Japão, em Tóquio, o Colégio Imperial de Engenharia, dirigido por docentes britânicos e com o objectivo de formar engenheiros japoneses em vários campos industriais e para se conseguir uma industrialização mais rápida e menos dependente dos técnicos estrangeiros. A 16 de Julho de 1894, foi assinado o Tratado de Comércio e Navegação Anglo-Japonês.
Os tratados, acordos ou convenções estabelecidas com o Reino Unido não foram, naturalmente, caso único da diplomacia nipónica. Os Estados Unidos da América, a Rússia, a França, a Áustria-Hungria, a Prússia, alguns países da América Latina, também estabeleceram tratados com o Japão. Portugal estabeleceu um Tratado de Amizade e Comércio com o Japão em 1861. A partir de 1872, na sequência das reformas adoptadas pelo Imperador Meiji (reinado de 3 de Fevereiro de 1867 a 30 de Julho de 1912), o Japão adoptou a organização e o serviço militar de acordo com o modelo alemão. Durante o reinado deste Imperador, foi estabelecido um sistema de educação semelhante ao da Europa, com escolaridade obrigatória. Milhares de estudantes foram enviados para escolas nos EUA e na Europa e mais de 3.000 professores europeus e norte-americanos foram para o Japão para ensinarem as ciências modernas, matemática, tecnologias e línguas estrangeiras [DOLEN & WORDEN, «PATTERNS OF DEVELOPMENT», in http://countrystudies.us/japan/98.htm] Para além do ensino, o Reino Unido teve um papel de destaque na construção da marinha de guerra japonesa.
O Reino Unido e a Alemanha tinham estabelecido o acordo sobre o regime de Porta Aberta na China (1900). Quando a Rússia invadiu a Manchúria em consequência da Rebelião dos Boxers (1899 - 1901) e com a finalidade de proteger a linha férrea para Port Arthur, o Reino Unido pediu à Alemanha para cooperar com a finalidade de impedir o avanço das tropas russas, mas Bülow respondeu que o acordo não se aplicava à Manchúria e que a Alemanha não tinha nenhum interesse naquele território. Na realidade, a Alemanha não desejava antagonizar a Rússia, com quem esperava poder vir a estabelecer uma aliança. O Reino Unido, por seu lado, desejava impedir o domínio russo na região a fim de manter a política de Porta Aberta que lhe permitiria mais facilmente exportar os produtos da sua indústria. Restava-lhe, assim, estreitar as relações com o Japão.
O Reino Unido não se tinha juntado às Potências que exigiram a retirada do Japão da Península de Liaotung. Quando a Rússia conseguiu instalar-se em Porto Artur todas as outras Potências procuraram obter compensações na região o que fez aumentar a rivalidade entre elas. O relacionamento entre essas Potências tornou-se numa luta pelo estabelecimento das esferas de influência. Simultaneamente, o Japão começou a estudar a possibilidade de uma guerra contra a Rússia para impedir a continuação da sua expansão que era vista como uma ameaça aos interesses e à segurança nipónica. A expansão russa na China tornava-se, embora por razões diferentes, uma preocupação comum do Japão e do Reino Unido, tanto mais que à política de Porta Aberta defendida pelos Britânicos, a Rússia contrapunha com um sistema fechado e de privilégios. Este seria certamente o momento ideal para estabelecer uma aliança entre aquelas Potências, destinada a defender os seus interesses comuns. No entanto, o Reino Unido tinha relutância em abandonar o seu “esplêndido isolamento” e não desejava apoiar os Japoneses na Coreia ou colocar-se ao lado do Japão no caso de esta Potência se envolver numa guerra contra os Estado Unidos da América. As conversações tiveram início em Julho de 1901 e prolongaram-se até ao início do ano seguinte.
O Tratado de Aliança Anglo Japonês foi assinado em Londres, no dia 30 de Janeiro de 1902. O Tratado continha seis artigos [Texto do Tratado, em Inglês e Japonês, em https://www.jacar.go.jp/nichiro/uk-japan.htm]. No seu preâmbulo pode-se ler que ambas as Potências estavam «especialmente interessadas em manter a independência e a integridade territorial do Império da China e do Império da Coreia, e em garantir naqueles países oportunidades iguais para o comércio e indústria de todas as nações».
No artigo 1, o Reino Unido e o Japão declaram não ter «tendências agressivas» em qualquer daqueles dois impérios e que os interesses britânicos se localizavam principalmente na China enquanto o Japão, que também aí detinha interesses, estava especialmente interessado, em questões políticas, comerciais e industriais, na Coreia. Ambas as Potências admitiam apoiar-se mutuamente, na China ou na Coreia, se fosse necessário intervir para salvaguardar os respectivos interesses, para a protecção das vidas e propriedades dos seus súbditos, no caso de uma acção agressiva de outra Potência ou por distúrbios que ocorram naqueles territórios. O Artigo 2 partindo das situações descritas no artigo anterior – intervenção na China ou na Coreia – levantava a hipóteses de uma das partes se envolver numa guerra com uma terceira Potência e prescrevia que, neste caso, «a outra Alta Parte Contratante manterá uma estrita neutralidade e desenvolverá os seus esforços para impedir que outras Potências de intervirem nas hostilidades contra o seu aliado.» No caso da intervenção de uma terceira Potência, ambos os aliados agiriam em conjunto, a conduta da guerra será feita em comum assim como qualquer acordo de paz (Artigo 3). Os artigos 4 e 5 obrigam ambas as Potências a manterem o contacto e a agirem em comum. O Artigo 6 determinava que o Tratado entraria em vigor assim que assinado e que teria a duração de cinco anos e seria renovável por iguais períodos.
Esta aliança passou ao conhecimento público a 12 de Fevereiro de 1902. Cerca de um mês mais tarde, a 16 de Março, a França e a Rússia – aliadas desde 1892 – tornaram pública uma declaração conjunta aprovando os princípios da Aliança Anglo-Japonesa, mas reservando o direito de defenderem os seus interesses. Nos termos do Artigo 2 daquela aliança e no caso de um conflito entre a Rússia e o Japão, se a França decidisse agir em apoio da sua aliada, a Rússia, o Reino Unido ver-se-ia obrigado a abandonar a situação de neutralidade e a agir contra a França. Esta perspectiva foi suficiente para manter a França longe do conflito entre o Japão e a Rússia em 1904-1905. Por outro lado, a não intervenção da França ou de outra Potência manteve o Reino Unido numa situação de neutralidade relativamente àquele conflito.
A Guerra Russo-Japonesa
A Guerra Russo-Japonesa teve início a 8 de Fevereiro de 1904 e terminou a 5 de Setembro de 1905 e terminou com a derrota da Rússia. Esta guerra envolveu os teatros de operações da Manchúria, da Coreia e do Pacífico Norte. No início da guerra, o Japão era considerado um pequeno país, pouco conhecido no Ocidente, que tinha cometido a imprudência de desafiar a Rússia, uma das cinco Grandes Potências europeias. Depois da guerra, encontramos uma Rússia derrotada, humilhada, a braços com uma revolução interna, e um Japão vitorioso, embora com graves problemas financeiros causados pela guerra, uma Potência com grandes ambições imperialistas.
O Japão já tinha mostrado o seu valor militar ao derrotar a China na Primeira Guerra Sino-Japonesa (1 de Agosto de 1894 a 17 de Abril de 1895). Após esta guerra, a China e a Rússia estabeleceram uma aliança que garantia ao czar o direito de lançar uma linha férrea através da Manchúria que ligasse Vladivostoque a Porto Artur e, por isso, controlar uma extensa faixa de território chinês. Em 1898, a Rússia instalou uma base militar naval em Porto Artur. Com a frota russa estacionada em Porto Artur e o seu (russo) exército a ocupar a península de Liaotung, os Japoneses tiveram a percepção de que seria uma questão de tempo até os Russos avançarem para ocuparem a Península da Coreia. Sendo assim, começaram a melhorar o seu exército e a sua marinha de guerra.
As forças navais japonesas eram superiores ao conjunto das forças navais russas disponíveis na região. O poder naval da Rússia no Extremo Oriente consistia em 7 velhos navios de guerra, 9 cruzadores, 25 contratorpedeiros e cerca de 30 outras embarcações de menor dimensão. Em Fevereiro de 1904, a frota principal encontrava-se em Porto Artur, dois cruzadores em Chemulpo (Inchon) na Coreia e outros quatro em Vladivostoque, imobilizados pelo gelo. A força naval japonesa consistia em 6 navios de guerra recentemente renovados, 8 cruzadores, 25 cruzadores ligeiros, 19 contratorpedeiros, 85 barcos torpedeiros e mais 16 embarcações de menor dimensão. A marinha japonesa tinha sido desenvolvida com o apoio de uma missão naval britânica e parte importante dos seus navios eram de origem britânica. O poder naval russo em 1900 (medido em tonelagem) era de 383.000 contra 187.000 do Japão [KENNEDY, 1989, p. 203], mas a Rússia tinha a sua marinha de guerra concentrada em quatro frotas: Frota do Báltico, Frota do Norte, Frota do Mar Negro e Frota do Pacífico.
Os efectivos disponíveis para o exército dependem da população sobre a qual é feito o recrutamento. Em 1900, a Rússia tinha cerca de 135.600.000 de habitantes e o Japão não mais que 43.800.000. Em 1904 estes números eram superiores, mas com uma proporção semelhante [KENNEDY, 1989, p. 199]. Apesar de terem uma população menos numerosa, os Japoneses podiam rapidamente colocar no terreno as suas forças terrestres com um efectivo de 280.000 homens e podiam enviar um reforço de 400.000 reservistas bem treinados. No início da guerra os Russos dispunham no Extremo Oriente 100 batalhões de infantaria, 30 baterias de artilharia e 75 esquadrões de cavalaria. Os Japoneses podiam empenhar de imediato 156 batalhões, 106 baterias e 54 esquadrões, sendo esta a arma em que se apresentavam mais fracos [JUKES, 2002, p. 20].
O problema dos Japoneses era transportar as suas forças entre o Arquipélago Nipónico e o Continente Asiático e assegurar uma testa de ponto suficientemente ampla e segura para permitir o desembarque das suas unidades militares e garantir as operações logísticas necessárias. Para tal seria necessário garantir a supremacia naval na região o que exigia iniciativa e surpresa, condições que o Japão garantiu lançando um ataque seguido de um bloqueio à esquadra russa fundeada em Porto Artur sem previamente ter declarado guerra à Rússia [A declaração de guerra é uma prática que se tornou obrigatória nos termos da Convenção (III) relativa à Abertura das Hostilidades, Haia, 18 de Outubro de 1907. A Convenção foi assinada pelo representante Japonês, mas apenas foi ratificada a 13 de Dezembro de 1911. Texto completo em https://ihl-databases.icrc.org/ihl/INTRO/190?OpenDocument ou http://avalon.law.yale.edu/20th_century/hague03.asp. Visto em 2019-05-16]. Os Russos tinham um problema diferente: a extensão da sua linha de comunicações. O transporte de pessoal e dos abastecimentos para o exército russo no Extremo Oriente era feito através de uma linha férrea, de via simples, com uma extensão de 8.850 Km entre Moscovo e Porto Artur. Os comboios tinham de esperar, em locais específicos da linha, pelos que transitavam em sentido oposto, o que tornava o trânsito lento e reduzia a capacidade de transporte desta infra-estrutura. Estas dificuldades faziam com que o efectivo das forças militares russas no Extremo Oriente não ultrapassasse os 140.000 homens e mesmo assim o seu abastecimento seria feito com limitações.
No dia 8 de Fevereiro de 1904, os Japoneses lançaram um ataque naval de surpresa sobre a frota fundeada em Porto Artur e teve início o bloqueio do porto que durou até ao dia 2 de Janeiro de 1905 quando a guarnição do porto se rendeu. Todas as tentativas feitas pelas tropas e marinha russas para romperem o bloqueio resultaram em fracasso. No segundo dia das hostilidades foram afundados dois navios russos ancorados no porto de Chemulpo (Inchon), na Coreia. Foi aí que desembarcaram as primeiras tropas japonesas (12ª Divisão de Infantaria). Os Russos retiraram da Coreia e sofreram sucessivas derrotas na Manchúria. A Batalha de Mukden (21 de Fevereiro a 10 de Março de 1905) foi a última batalha terrestre travada entre as forças das duas Potências. Os Russos foram obrigados a recuar para não verem cortada a sua linha de comunicações, mas fizeram-no em boa ordem. Nesta altura, cada um dos contendores tinha no terreno mais de 300.000 homens. A 27 de Maio de 1905 foi travada a Batalha Naval de Tsushima, uma vitória decisiva do Japão. Os Japoneses perderam três torpedeiros, mas afundaram 21 navios russos. As baixas japonesas foram de 117 mortos e 583 feridos, mas os Russos sofreram 4.380 mortos e viram capturados quase seis mil dos seus homens. Os Russos perderam nesta batalha parte da Frota do Báltico que tinha sido enviada para formar a Segunda Frota do Pacífico. O Japão, um pequeno país, pouco conhecido no Ocidente, tinha derrotado uma das cinco Grandes Potências europeias.
Com crescentes dificuldades em continuar a guerra devido à contestação interna, a Rússia aceitou participar numa conferência em Portsmouth, New Hampshire, a fim de negociar com o Japão os termos da paz, com mediação do Presidente dos EUA, Theodore Roosevelt (1858-1919). O Japão, com dificuldades financeiras devido ao esforço de guerra, concordou em participar na conferência que decorreu de 9 a 29 de Agosto de 1905. No dia 5 de Setembro foi assinado o Tratado de Paz de Portsmouth. Foi reconhecida a conquista da Coreia pelo Japão, que também ganhou o controlo da Península de Liaotung e de Porto Artur, da metade sul da ilha de Sacalina e da linha férrea no sul da Manchúria que conduzia a Porto Artur que teve de ser abandonada pela Rússia.
O Governo do Czar estava a aproximar-se do fim. A má gestão da guerra, tanto pelos governantes como pelos generais, o seu elevado custo em recursos humanos e financeiros, encorajou os movimentos radicais em Moscovo e São Petersburgo que começaram a defender uma revolução. A revolta de 1905, que o Governo russo suprimiu, lançou as bases da Revolução de 1917, também esta lançada contra uma guerra que estava a ser perdida. Do lado do Japão, a vitória foi recebida com alguma crítica pela opinião pública que acreditava que o Japão merecia mais compensações de guerra, mas também incentivou a que fosse utilizado o poder militar para, na Manchúria ou outras regiões, fosse garantido o acesso a matérias primas que a industrialização exigia e que não existiam no seu território.
Pela primeira vez na História Moderna, um país asiático derrotava uma Potência europeia. Em África, os Italianos tinham sofrido uma humilhante derrota frente às tropas da Etiópia, na Batalha de Adwa, a 1 de Março de 1896, mas os Etíopes tinham uma superioridade numérica de 5 para 1. Mas o mais importante desta guerra é que ela constituiu uma antevisão do iria acontecer na Primeira Guerra Mundial. As frentes de batalha eram extensas, as batalhas prolongaram-se por alguns dias e foram amplamente utilizadas trincheiras, metralhadoras, morteiros, granadas, minas terrestres e navais, arame farpado, tiro indirecto de artilharia, transmissões rádio e até actividades de uma verdadeira guerra electrónica. Em ambos os lados existiam observadores ocidentais que reportaram para os seus exércitos o que puderam observar. Segundo estes observadores, o soldado russo era corajoso e com elevado espírito de sacrifício, mas os seus oficiais mostraram-se incapazes de desempenharem as funções para que tinham sido nomeados. Sobre os militares japoneses referiram a sua excelente preparação e o seu sentido do dever que atingia o nível do fanatismo.
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Manuel F. V. G. Mourão