O espaço da História

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11 - A Tríplice Entente

A Europa no Início do século XX

No início do século XX, as Grandes Potências Europeias alinhavam-se em dois sistemas de alianças e acordos. De um lado a Tríplice Aliança, formada em 1882, pela Alemanha, Áustria-Hungria e Itália; do outro lado, a Aliança Franco-Russa, estabelecida em 1892. O Reino Unido quebrou a sua política de “esplêndido isolamento” ao realizar uma aliança com o Japão, em 1902, enquanto na Europa, na aproximação à França, não foi além de um acordo, a Entente Cordiale, direccionado para a resolução de conflitos coloniais. A entente entre o Reino Unido e a França foi posta à prova durante a Primeira Crise de Marrocos (1905-1906), tornando-se mais sólida e dando origem a conversações entre os Estados-Maiores britânico e francês tendo em vista a eventualidade de uma guerra na Europa. Mesmo neste último caso, não existiu mais do que um acordo que a nada obrigava o Reino Unido. A Rússia, abalada pela derrota sofrida na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) e a braços com a Revolução de 1905, procurava criar condições para uma recuperação económica e militar. Assim, a França mantinha então uma “ligação forte” com a Rússia, sob a forma de aliança defensiva, e uma “ligação fraca” com o Reino Unido, sob a forma de entente.

O grande desenvolvimento industrial que então se verificava facilitou o estabelecimento das Potências europeias em quase toda a África e muitas regiões da Ásia. Tanto no Médio Oriente como no Extremo Oriente, as Potências europeias encontraram um campo propício aos seus investimentos, normalmente sustentados pela força militar. Entretanto, dois Estados não europeus, os Estados Unidos da América e o Japão, ganhavam relevo entre as Grandes Potências do mundo, com destaque para os EUA. As principais Grandes Potências eram ainda europeias, mas as relações internacionais, isto é, as interacções entre Estados - entidades inteiramente soberanas – ganharam uma dimensão verdadeiramente mundial. Esta nova amplitude das relações internacionais, que já vinha a ganhar forma ao longo do século XIX, exigia mais e melhores comunicações o que correspondeu ao aumento significativo da quantidade e da qualidade dos meios de comunicação e de transporte, recursos materiais e infra-estruturas que exigiam avultados recursos financeiros que o Governo russo obtinha nos mercados internacionais, especialmente em França.

Após a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), Bismarck construiu um sistema de alianças que permitiu manter a paz na Europa, favorável à sua política de desenvolvimento do recém-formado Império Alemão. Esta afirmação é verdadeira ao excluirmos os conflitos nos Balcãs, o que inclui a Guerra Russo-Turca de 1877-1878. A subida ao trono alemão de Guilherme II, em 1888, a saída de cena de Bismarck em 1890 e a sua substituição por governantes de qualidade muito inferior à daquele estadista, conduziram a transformações importantes na política alemã que, em termos de Negócios Estrangeiros, enveredou abertamente pela Weltpolitik (Política Mundial), que procurou aumentar a influência da Alemanha no cenário internacional e teve como consequência a criação de novos focos de tensão que, na Europa, tiveram o seu ponto alto nas crises de Marrocos (1905-1906 e 1911) ou a Anexação da Bósnia pela Áustria-Hungria em 1908.

A rivalidade anglo-russa

No quadro que acabámos de descrever, entre o Reino Unido e a Rússia existiam zonas de atrito: o Médio Oriente, por causa da Turquia e do controlo dos Estreitos do Bósforo e Dardanelos; a Ásia Central, porque os britânicos viam na expansão russa uma ameaça à Índia; o Extremo Oriente, porque o Império Chinês era, embora de forma diferente, objecto de cobiça para ambas as Potências, além de todas as outras acima mencionadas.

A rivalidade anglo-russa no Médio Oriente

O objectivo russo no Médio Oriente era materializado por Constantinopla. Dominar a capital do Império Otomano significava dominar os Estreitos do Bósforo e de Dardanelos, ou seja, dominar a passagem entre o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo e, desde Novembro de 1869, ter acesso fácil ao Canal de Suez. Este é um objectivo que os Russos perseguem pelo menos desde finais do século XVII [SILVESTRE DOS SANTOS, versão online, p. 4 do ficheiro pdf]. Com a Guerra Russo-Turca de 1768-1774, os Russos conquistaram o sul do Mar Negro e, em 1783, anexaram a Crimeia que, nove anos antes, com a ajuda dos Russos, tinha ganho a sua independência do Império Otomano. Estes factos aconteceram durante o reinado (1762-1796) de Catarina a Grande (1729-1796). Nesse mesmo ano começou a ser construída a base naval de Sebastopol onde os Russos sediaram a sua frota do Mar Negro. Os navios de guerra russos estavam agora a dois dias de Constantinopla.

O bom relacionamento entre a Rússia e o Reino Unido manteve-se até 1853, apesar dos avanços russos em direcção ao Afeganistão e à Índia causarem receio aos Britânicos. Estes preocupavam-se particularmente com a nova linha férrea russa, então parcialmente construída, que se estendia até às fronteiras do Afeganistão e da Pérsia e que, quando concluídas, tornariam possível a Rússia transportar rapidamente as suas forças, o que iria exigir esforços redobrados aos Britânicos. Em 1827, uma esquadra russa participou conjuntamente com as esquadras francesa e britânica na Batalha de Navarino (20 de Outubro) durante a Guerra da Independência da Grécia (1821-1829). Quando, em 1844, o czar Nicolau I visitou a rainha Vitória em Londres, houve conversações entre as duas Potências das quais resultou um acordo para ambas cooperarem perante o colapso do Império Otomano, que parecia iminente, ou no caso de este ser atacado por qualquer outra Potência. Entretanto ambas as Potências concordaram em tentar manter o Império Otomano e em discutir um acordo sobre as acções a tomar no caso de se tornar claro que não seria possível garantir a sua existência. Este foi um acordo puramente verbal e muito vago no que respeita às acções a tomar e ao seu timing [ANDERSON, 1978, pp. 111-112].

A visita de Nicolau I à Grã-Bretanha (1844) ocorreu entre 31 de Maio e 9 de Junho. Em Setembro, Karl Nesselrode, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, nascido em Lisboa, em 1780, foi a Londres e apresentou um memorando que continha os termos do acordo verbal entre os dois governos, mas para os Britânicos o acordo obtido em Junho não era mais que «a series of polite generalities rather than a basis for action.» George Hamilton-Gordon, 4º conde de Aberdeen, Secretary of State for Foreign Affairs, limitou-se a declarar que esperava que as ideias contidas no memorando continuassem presentes em futuras negociações sobre o Médio Oriente [ANDERSON, 1978, p. 112]. Desta forma, a ligação ao que fora acordado com Nicolau I apenas comprometia o Governo (1841-1846) de Sir Robert Peel (1788-1850). Os sucessores de Peel entenderam não estarem comprometidos com esse acordo.

A “questão dos Lugares Santos”, na Palestina, mostrou a fragilidade das relações entre a Rússia e o Reino Unido. Jerusalém, Nazaré e Belém encontravam-se integradas no Império Otomano. A guarda e manutenção dos Lugares Santos estava a cargo de monges católicos e ortodoxos e, no início do século XIX, os monges ortodoxos adquiriram uma posição preponderante nesta tarefa porque o número de peregrinos da Igreja Ortodoxa era muito superior ao da Igreja Católica e das diversas igrejas protestantes. Os governos russo e francês empenharam-se em apoiar estes peregrinos e os respectivos monges, mas gerou-se uma rivalidade entre Russos e Franceses sobre o controlo dos Lugares Santos. O Governo Otomano, cuja fraqueza não lhe permitia impor soluções, procurou equilibrar a situação, mas os Franceses exerceram pressão e enviaram um navio de guerra para Constantinopla. A Rússia exigiu assumir a responsabilidade por todos os Lugares Santos no Médio Oriente. Nicolau I enviou instruções ao representante russo junto do governo otomano: «se a Turquia não ceder, então o embaixador extraordinário deve ameaçar com a destruição de Constantinopla e a ocupação dos Dardanelos.» [SWEETMAN, 2001, p. 19]

Este despacho de Nicolau I mostra as verdadeiras intenções da Rússia, que pouco tinham a ver com os Lugares Santos, os monges ou os peregrinos. É certo que o Governo russo era pressionado para tratar essa questão, mas esta não podia justificar uma invasão da Turquia. O controlo dos Estreitos e o acesso da marinha de guerra russa ao Mediterrâneo eram a causa real desta atitude. Perante a ameaça à integridade do Império Otomano, a França e o Reino Unido apoiaram o Sultão que rejeitou as propostas russas. Os Russos avançaram com as suas tropas para a Moldávia e Valáquia (actual Roménia), então sob suserania turca. A 23 de Outubro de 1853, a Turquia declarou guerra à Rússia. Uma esquadra turca foi destruída em Sinope, a 30 de Novembro, pela frota russa do Mar Negro. A 3 de Janeiro de 1854, com autorização dos Turcos, as esquadras francesa e britânica atravessaram os estreitos e entraram no Mar Negro. Foram desencadeadas acções diplomáticas para obrigar os Russos abandonarem os territórios conquistados, mas sem resultado. A 10 de Abril, a França e o Reino Unido assinaram um tratado de aliança a que aderiu também a Turquia e, no dia seguinte, a Rússia declarou guerra à França e ao Reino Unido. Tinha início a Guerra da Crimeia que opôs a França, o Reino Unido e a Turquia contra a Rússia. A partir de Janeiro de 1855, ao Reino da Sardenha entrou na guerra ao lado das Potências aliadas.

A Guerra da Crimeia terminou com a derrota da Rússia que foi obrigada a aceitar os termos do armistício assinado em Paris a 28 de Fevereiro de 1856 e do Tratado de Paris de 30 de Março desse ano. Este tratado era composto por trinta e cinco artigos, uma Convenção relativa aos Estreitos do Bósforo e de Dardanelos e uma Convenção relativa «ao número e à força dos navios de guerra que as Potências costeiras manterão no Mar Negro». [ALBIN, 1912, pp. 168-183]. O artigo 10º do Tratado de Paris referia que as normas estabelecidas no Tratado de Londres de 13 de Julho de 1841 – sobre o encerramento dos Estreitos – eram revistas por comum acordo das Potências signatárias (do Tratado de Paris de 1856) e remetia o texto com as alterações adoptadas para uma Convenção em anexo, a Convention des Dètroits cujo artigo 1º estipulava o seguinte [ALBIN, 1912, p. 181]:

«ARTICLE PREMIER. – Sa Majesté le Sultan, d’une part, declare qu’il a la ferme résolution de maintenir, à l’avenir, le principe invariablement établi comme règle de son Empire, et en vertu duquel il a été de tout temps défendu aux bâtiments de guerre des Puissances étrangères d’entrer dans les détrits des Dardanelles et du Bosphore, et que, tant que la Porte se trouve en paix, Sa Majesté n’admettra aucun bâtiment de guerre étranger dans les dits détroits.

Et Leur Majestés l’Empereur des Français, l’Empereur d’Autriche, la reine du Royaume-Uni, de la Grande-Bretagne et d’Irlande, le Roi de Prusse, l’Empereur de toutes les Roussies et le Roi de Sardaigne, de l’autre part, s’engagent à respecter cette détermination du Sultan et à se conformer au principe ci-dessus énoncé.»

Para além das restrições ao trânsito de navios de guerra nos Estreitos, o Tratado de Paris estipulava no seu artigo 11º que o Mar Negro ficaria “neutralizado”, ou seja, eram impostas limitações severas à existência de meios navais de guerra naquele mar. A Convenção relativa ao Mar Negro, em anexo ao Tratado, definia os termos dessas restrições [ALBIN, 1912, p. 182]:

«ARTICLE PREMMIER. – Les Hautes Parties contractantes s’engagent mutuellment à n’avoir dans la mer Noire d’autres bâtiments de guerre que ceux dont le nombre, la force et les dimensions sont stipulés ci-après.

Art. 2. – Les Hautes Parties contractantes se réservent d’entretenir chacune, dans cette mer, six bâtiments à vapeur de cinquante mètres de longueur à la flottaison, d’un tonnage de huit cents tonneaux au maximum, et quatre bâtiments légers à vapeur ou à voile, dúne tonnage qui ne dépassera pas deux cents tonneaux chacun.»

O artigo 13º do Tratado de Paris, em complemento aos artigos acima mencionados estabelecia que «la mer Noir étant neutralisée, aux termes de l’article 11, le maintien ou l’établissement sur son litoral d’arsenaux militaires maritimes devient sans necessite, comme sans objet. Em conséquence, Sa Majesté l’Empereur de toutes les Russies et Sa Majesté Impériale le Sultan séngagent à n’élever et à ne conserver, sur ce litoral, aucun arsenal militaire maritime.» [ALBIN, 1912, p. 174]

A Rússia perdia desta forma a possibilidade de manter uma frota de guerra no Mar Negro. O objectivo do Reino Unido, o de impedir o acesso da marinha de guerra russa ao Mediterrâneo, ficava então reforçado porque o Tratado de 1856 acrescentava a neutralização do Mar Negro às restrições já existentes no Tratado de Londres de 1841. Após a abertura do Canal de Suez, em Novembro de 1869, estas disposições tiveram especial importância relativamente à protecção da rota da Índia já que a utilização daquela obra permitia à marinha britânica economizar 8.200 Km na viagem entre a Grã-Bretanha e a Índia. Já a frota russa do Báltico teria de atravessar os estreitos entre a Dinamarca e a Península da Escandinávia e de enfrentar a Royal Navy no Mar do Norte para chegar a outras regiões do Globo.

Após a Guerra da Crimeia, a Grã-Bretanha e a Rússia encontravam-se nitidamente em campos opostos no que respeita às questões do Médio Oriente que, na época, estava dominado pelo Império Otomano. Os Estreitos e, portanto, Constantinopla, continuavam na mira dos russos. «A fixação com a capital otomana foi […] uma constante no Império Russo, que a denominava de Tsargrado, a “cidade de César”, tanto por seu simbolismo como por sua importância em relação aos estreitos». [SOCHACZEWSKI, 2017-05-02]

O Tratado de Paris viria a ser denunciado pela Rússia em 1871. Com a atenção europeia concentrada na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), Alexander Gorchakov, o chanceler russo (27 Abril 1856 a 9 Abril 1882), com o apoio de Bismarck, o chanceler alemão (21 Março 1871 a 20 Março 1890), denunciou as disposições do Tratado de Paris que os Russos consideravam vexatórias por não lhes permitirem dispor de uma frota de guerra ou fortificações costeiras no Mar Negro. Os Britânicos protestaram e foi realizada uma conferência internacional em Londres, em Março de 1871, para tratar este tema. Os Russos, contudo, conseguiram manter a sua posição. Ficava revogado o princípio da neutralidade do Mar Negro [RIASANOVSKY, 1967, p. 428].

No conflito entre a Rússia e a Turquia, em 1877-1878 (Ver o artigo «02 - O Acordo dos Três Imperadores»), o Reino Unido voltou a tomar posição em defesa da integridade da Turquia. Assinado o Tratado de San Stefano (1878), foram a Áustria-Hungria e a Grã-Bretanha que forçaram a Rússia a recuar e a participar no Congresso de Berlim que alterou muitas das disposições de San Stefano. Esta derrota diplomática da Rússia levou a opinião pública russa a reagir contra a Áustria-Hungria, Alemanha e Reino Unido. As relações entre o Reino Unido e a Turquia, no entanto, degradaram-se porque a Turquia não avançou com as reformas necessárias e acordadas com as Grandes Potências europeias. Entretanto, o líder do Partido Liberal, William Ewart Gladstone (1809-1898), que sucedeu ao Conservador Benjamim Disraeli (1804-1881) em 1880, aceitou a necessidade de manter o Império Otomano, mas apenas porque o seu colapso envolvia uma grande ameaça para a paz na Europa e porque se opunha a que a Rússia dominasse Constantinopla.

No dia 11 de Julho de 1878, dois dias antes de terminar o Congresso de Berlim, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Robert Gascoyne-Cecil, 3º marquês de Salisbúria (2 Abril 1878 a 28 Abril 1880), tinha declarado as obrigações do Reino Unido relativamente ao fecho dos Estreitos estavam limitadas a um acordo para respeitar a independência das decisões do Sultão sobre o assunto, embora essas decisões se devessem conformar com o espírito dos tratados em vigor. Isto significava que o Sultão podia autorizar uma frota britânica a passar através dos Estreitos para entrarem no Mar Negro. O representante russo, Pavel Andreyevich Shuvalov (1830-1908), fez saber que era entendimento do Governo russo que as obrigações resultantes da aplicação dos trados aplicavam-se a todas as Potências europeias, umas em relação às outras e não meramente ao Sultão. A declaração britânica não teve outro efeito imediato para além de acentuar o sentimento antibritânico na Rússia.

O ambiente de desconfiança entre os governos turco e britânico acentuou-se e a influência britânica no Império Otomano entrou inevitavelmente em declínio relativamente a outras Potências europeias. O Governo turco voltou-se abertamente para a Alemanha e para a Áustria-Hungria, com quem tentou uma aliança. A ideia foi afastada por ambas as Potências para não hostilizarem a Rússia, um dos elementos da, ainda existente, Liga dos Três Imperadores. No entanto, foram firmados alguns acordos e, em 1882, alguns oficiais alemães, sob a direcção do general von der Goltz, seguiram para Constantinopla com a missão de treinarem e desenvolverem o exército turco. Ao contrário dos Britânicos, os Alemães não mostraram interesse nas reformas políticas do Império Otomano [ANDERSON, 1978, pp. 224-225].

«A entrada da Rússia na Liga dos Três Imperadores foi em grande parte o produto do seu receio e antipatia pela Grã-Bretanha.» [ANDERSON, 1978, p. 225] Foi neste cenário que os Russos, tendo presente a declaração de Salisbury a 11 de Novembro de 1878, procuraram estabelecer um acordo com a Turquia para a defesa dos Estreitos. O acordo não foi realizado, mas nos anos seguintes as relações turco-russas melhoraram significativamente. O mesmo não aconteceu com as relações anglo-russas na região e o Império Russo continuou a sua expansão gradual na Ásia.

A rivalidade anglo-russa na Ásia Central e no Extremo Oriente

Entre 1223 e 1240, os principados russos não conseguiram unir-se para combaterem os Mongóis que, sob a liderança de Genghis Khan (c. 1162-1227), avançaram da Ásia Oriental em direcção à Europa. Durante cerca de 250 anos, os Russos sofreram o domínio mongol. Em todas as desvantagens desse domínio destrutivo, merece especial realce o isolamento a que a Rússia foi votada. Entretanto, o aumento da extensão do império mongol e a mudança de carácter dos seus líderes ditaram a sua queda e, à medida que o domínio mongol enfraquecia foram reatados os contactos com os reinos e impérios balcânicos. Esta aproximação, contudo, foi anulada pela conquista de Constantinopla pelos Turcos em 1453. De meados do século XIII a meados do século XV, Moscóvia (o Principado com capital em Moscovo) cresceu e chamou a si a supremacia sobre os restantes Estados eslavos da Rússia [KOCHAN, 1962, pp. 23-26].

Ivan III (1440-1505), ou Ivan o Grande, governou de 1462 a 1505 e apoderou-se dos principados vizinhos mais fracos. Com o reinado do seu neto Ivan, o Terrível (1533-1547 como príncipe de Moscóvia e 1547-1584 como czar da Rússia), os canatos (principados) mongóis de Kazan e Astrakhan foram dominados por Moscóvia. O domínio de Astrakhan conduziu à primeira guerra russo-turca, em 1569-1570. A partir de 1580, o comércio de peles começou a atrair os russos para a Sibéria e a expansão só terminou quando o Oceano Pacífico foi atingido, em 1671. Em 1742, os russos atravessaram o Estreito de Bering e iniciaram a exploração do Alasca. No seu apogeu o Império Russo incluía, além do território russo actual, a Lituânia, a Letónia, a Estónia, a Finlândia, a região do Cáucaso, a Ucrânia, a Bielorrússia, uma parte da Polónia, a Moldávia (Bessarábia) e vastos territórios na Ásia Central. A Crimeia, onde se deram os principais acontecimentos militares da guerra em 1853-1856 e hoje se encontra sob controverso domínio russo, foi conquistada em 1783, poucos anos depois de terem conseguido a sua independência do Império Otomano.

Neste processo de expansão, a Rússia conquistou posições na Ásia Central. O seu objectivo é alvo de controvérsia. Pretendiam os russos chegar à Índia ou obter uma saída para o Oceano Índico? O general Silvestre dos Santos (ver bibliografia) cita Peter Hopkirk em The Great Game – The struggle for empire in Central Asia: «O objectivo real da Rússia era, não a Índia, mas Constantinopla: para manter a Grã-Bretanha sossegada na Europa, devia mantê-la ocupada na Ásia.» [SILVESTRE DOS SANTOS, 2008, p. 4 do ficheiro em pdf; a referência no texto de Silvestre dos Santos contém uma gralha pois refere Peter Hopkins e não Peter Hopkirk]. O conjunto das acções desenvolvidas pela Rússia e pelo Reino Unido na Ásia Central, no âmbito da expansão russa e da defesa da Índia Britânica ficaram conhecidas como o “Grande Jogo”, um termo atribuído a Arthur Connolly (1807-1842), escritor, explorador e agente do serviço de informações britânico, e que ele utilizou para descrever o conflito entre Britânicos e Russos pela supremacia na Ásia Central ao longo do século XIX. O historiador britânico Malcolm Edward Yapp (1931-) explica-nos o significado daquela expressão [YAPP, 2001, p. 180, tradução do autor]:

«Tanto no uso popular como no uso académico o termo tem dois significados. O primeiro, com um sentido mais restrito, refere-se às alegadas actividades dos agentes secretos britânicos e russos na Ásia Central, agentes enviados para colherem informações de valor militar e político e talvez para lançar as fundações da influência política sobre os povos da região. No seu segundo e mais alargado sentido refere-se á rivalidade da Grã-Bretanha e da Rússia na Ásia Central e envolve a questão da defesa da Índia Britânica contra uma possível invasão vinda de Noroeste. A origem da utilização académica do termo numa Raleigh Lecture na British Academy, a 10 de Novembro de 1926, pelo professor H. W. C. Davis, intitulada “The Great game in Asia (1800-1844), que era uma descrição dos acontecimentos que conduziram à primeira Anglo-Afghan war (Primeira Guerra do Afeganistão) e sobre a própria guerra. […] Davis encontrou o termo “grande jogo” numa carta escrita no final de Julho de 1840 por um agente político britânico, Capitão Arthur Connolly, para o Major Henry Rawlinson […] agente político em Qandahar […]: “You’ve a great game, a noble game before you”.»

Podemos dizer que se gerou entre os Impérios Britânico e Russo uma “guerra fria” em que os dois grandes antagonistas não chegaram a confrontar-se no terreno, mas que procuraram utilizar outros actores para servirem os seus interesses. Foi neste âmbito que se deu a Primeira Guerra do Afeganistão (1839-1842), as guerras com o Império Sique (1845-1846 e 1848-1849), a Guerra Anglo-Persa (1856-1857) e a Segunda Guerra Anglo-Afegã (1878-1880). A política britânica que conduziu a estas guerras foi amplamente debatida no Reino Unido nos anos trinta do século XIX. Os Britânicos deviam decidir se iriam manter as fronteiras então existentes ou avançar na Ásia Central; se deviam formar estados tampão ou evitar qualquer acordo na região e contar apenas com o poder britânico; se deviam fazer um esforço militar na Ásia Central ou em alguma outra parte do mundo; se deviam opor-se à Rússia ou procurar um acordo com ela [YAPP, 2001, pp. 187-188].

Só três décadas mais tarde, quando a Rússia avançou no Turquestão, foi definita a estratégia utilizada até 1907: os britânicos iriam obter posições avançadas, colocando na Ásia Central agentes britânicos e indianos com a missão de produzirem informações, esforçando-se por estabelecerem estados tampão na Pérsia e Afeganistão, sem excluir a possibilidade de acordos com a Rússia [YAPP, 2001, p. 188]. Os britânicos consideraram que, para atingirem a Índia, os Russos necessitavam de utilizar uma ou mais rotas que permitisse o avanço dos corpos de forças com dimensão suficiente, que pudessem concentrar-se quando necessário e que permitissem estabelecer uma linha de comunicações eficaz para a sobrevivência dessas forças. Existiam duas rotas que permitiam que uma força russa de dimensão adequada atingisse a Índia [SILVESTRE DOS SANTOS, 2008, p. 5 do ficheiro pdf]:

  • A primeira rota partia de Orenburg, na Ásia Central Russa, nas margens do rio Ural, passava por Khiva, no actual Uzbequistão, e chegaria a Khiva, no norte do Afeganistão, após uma viagem que, nas estradas actuais, totaliza quase cerca de 2.900 Km. A partir de Balkh, a força invasora deveria seguir a rota para Cabul, a quase 450 Km de distância, e daí para Jalalabad, já próximo da fronteira com a Índia. O Passo Khyber seria a via pela qual atravessaria as montanhas na actual fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, chegar rapidamente a Pexauar e ao Rio Indo.
  • A segunda rota, mais para Ocidente, implicava a conquista de Herat no noroeste do Afeganistão. Daí seguiriam o percurso Kandahar e Quetta, mais a sul qua a primeira rota. A entrada no território do actual Paquistão seria feita pelo Desfiladeiro de Bolan.


Com ponto de partida em Orenburgo, a segunda rota é substancialmente mais curta, mas a primeira permitia melhor abastecimento de água e evitava confrontos com os Turcomenos que habitavam o actual Turquestão, o nordeste do Irão e noroeste do Afeganistão. Em qualquer dos casos seria necessário passar pelo Afeganistão e, por isso, os Britânicos desenvolveram o interesse em manterem o Afeganistão como um estado tampão, estratégia já iniciada na primeira metade do século XIX quando se deu a Primeira Guerra Anglo-Afegã, mas que não correu da melhor forma aos Britânicos. Aliás, a tradição da resistência afegã vinha de há muitos séculos: Alexandre, o Grande (356-323 a.C.) conquistou um império imenso que incluía o Império Persa, lançou incursões na Índia, mas, embora tenha atravessado o território, nunca conseguiu conquistar o Afeganistão (a Província Bactro-Sogdiana do Império Persa). Genghis Khan abandonou a empresa perante a resistência dos povos afegãos. Muito tempo depois, um oficial britânico afirmava que «se os afegãos, como nação, estiverem determinados a resistir aos invasores, as dificuldades tornar-se-iam intransponíveis» razão pela qual os Britânicos tinham todo o interesse em manter um Afeganistão unido, com capacidade de oferecer uma resistência apreciável aos invasores russos [SILVESTRE DOS SANTOS, 2008, pp. 4-5 do ficheiro pdf].

Ásia Central

No Usbequistão, em 1865, os Russos anexaram formalmente Tashkent, a actual capital daquele país; também anexaram Bukhara e Samarcanda, na parte oriental, em 1868, e Khiva, em 1870, junto à fronteira com o Turquemenistão. Tinham conseguido estabelecer uma base a partir da qual poderiam ameaçar a independência da Pérsia e do Afeganistão e, portanto, a Índia Britânica. Em 1878, a Rússia conseguiu colocar uma missão diplomática em Cabul, o que foi recusado aos Britânicos. A grande influência que a Rússia estava a ter no Afeganistão levou os Britânicos a agirem dando origem à Segunda Guerra Anglo-Afegã (1878-1880). No final, os Britânicos conseguiram afastar a influência russa e estabelecer um governo favorável e estável no Afeganistão.

A Rússia não deixou, no entanto, de avançar para sul. Em 1881, no Turquemenistão, conquistaram Geok-Tepe e, três anos depois, Merv. O Turquemenistão passou a constituir a província Transcaspiana da Rússia. Entretanto, os Russos tinham iniciado a construção de uma via férrea em direcção a Merv. Este facto causou grande preocupação aos britânicos porque esta infra-estrutura podia fazer chegar rapidamente tropas à fronteira com o Afeganistão. Nesta altura estava já em funcionamento a Joint Anglo-Russian Boundary Commission (Comissão conjunta anglo-russa para a fronteira afegã) que, com o trabalho desenvolvido em 1884, 1885 e 1886 permitiu obter um acordo sobre as fronteiras apesar dos numerosos incidentes verificados durante os trabalhos da comissão. Neste processo os Afegãos nunca foram chamados a intervir.

Todos estes passos foram dados pelos Britânicos para defenderem a Índia de uma provável invasão dos Russos. Mas «poucos de cada lado acreditavam que uma invasão russa fosse provável e na realidade todas as provas sobre a Rússia mostravam que não existia uma invasão planeada: ambos os lados acreditavam que o principal perigo vinha da insatisfação interna na Índia Britânica e que a abordagem da Rússia exacerbaria o perigo existente, forçaria a Grã-Bretanha a manter uma guarnição maior e tornaria a Índia não rentável para manter.» [YAPP, 2001, p. 188] Todas as expedições em direcção à fronteira da Índia teriam como objectivo, não a invasão da Índia, mas servirem de catalisadores de insurreições, forçando os Britânicos a aumentar os efectivos das suas guarnições, o que os obrigaria a reduzirem as forças disponíveis para enfrentarem a Rússia no Médio Oriente ou nos Balcãs.

No dia 10 de Setembro de 1885 foi assinado em Londres o Delimitation Protocol Between Great Britain and Russia (Protocolo de Delimitação Entre a Grã-Bretanha e a Rússia) que definia a fronteira norte do Afeganistão. Até 1888 foram estabelecidos 19 protocolos adicionais a delimitarem certas zonas da fronteira em mais detalhe. A Rússia foi obrigada a abandonar parte do território conquistado no seu avanço para sul. A 12 de Novembro de 1893, foi assinado em Cabul um Acordo entre a Grã-Bretanha e o Afeganistão que reconfirmava o Acordo de 1873 e introduzia mais alguns dados relativos à delimitação das fronteiras. Através de uma troca de notas, a 11 de Março de 1895, a Rússia e a Grã-Bretanha estabeleceram um acordo em que definiam as esferas de influência britânica e russa a leste do lago Sari-Qul (Zorkul), o que envolvia também o Afeganistão, a Índia Britânica e a China. A 10 de Setembro de 1895, a fronteira entre o Afeganistão e o Império Russo ficou definida através de um novo conjunto de protocolos.

Na década de 1850, a expansão russa para o Oriente foi feita ao longo do Amur, rio que hoje materializa parte da fronteira entre a Rússia e a China. Em 1860, os Russos fundaram a cidade portuária de Vladivostok, na costa do Mar do Japão, perto da actual fronteira com a China e com a Coreia do Norte. A sua localização não favorecia os Russos por duas razões: porque o gelo de Inverno impedia a normal navegação dos navios que utilizavam o porto (temperatura média anual de 4.9ºC) e porque a saída para o Oceano Pacífico era facilmente controlada pelo Japão.

A Rússia tinha a ambição de aceder aos recursos e mercados do Extremo Oriente antes que as outras Grandes Potências o conseguissem e para isso necessitava de um transporte mais rápido. O caminho de ferro construído entre São Petersburgo e Vladivostok percorre cerca de 9.600 Km enquanto os navios que liguem estas duas cidades terão de percorrer à volta de 25.000 Km se transitarem pelo Canal de Suez ou 32.000 se seguirem a rota do Cabo. No início do século XX, um combóio demoraria entre quinze a vinte dias a percorrer aquela distância (hoje demora seis ou sete dias) enquanto um navio demoraria mais de um mês pela rota mais curta.

As Grandes Potências europeias estavam já empenhadas em obter a sua parte do decadente Império Manchu. Os Alemães foram os primeiros a solicitar uma base naval e uma estação de carvão na costa norte da China para poderem abastecer e fazer a manutenção da sua frota do Extremo Oriente. A Rússia obteve em 1895 a permissão para se instalar em Poto Arthur. O Reino Unido tinha, ao entrar no século XX, o território de Hong-Kong, desde 1841, e as concessões de Xiamen, desde 1852, Tianjin desde 1860, Hankou, Jiujing, Zhenjiung e Guangzhou, desde 1861, e o território arrendado em Weihaiwei, desde 1895 (ver o artigo «8 - A Guerra Russo-Japonesa». Na região, Bélgica, Itália, Portugal, França e Japão detinham igualmente, sob vários estatutos, territórios na China.

Em 1903-1904, o Reino Unido invadiu o Tibete. A questão que aqui se colocava era em muitos aspectos idêntica à do Afeganistão, ou seja, evitar que a Rússia exercesse aí a sua influência e conseguisse estabelecer uma base para invasão da Índia. Perante tal possibilidade (remota), o Governo britânico pretendeu transformar o Tibete em mais um estado tampão. O fracasso das negociações com o governo do Tibete levou à invasão em 1903 pelas forças da Índia Britânica. A retirada destas forças só foi realizada após a conclusão de um acordo em 1907, apesar de este território fazer parte do Império Chinês desde o século XVII.

A principal oposição entre a Rússia e o Reino Unido no Extremo Oriente resultava da diferente política económica e da forma como as Potências entendiam que podiam explorar os recursos chineses. Enquanto a Rússia pretendia apropriar-se de território onde tencionava manter o exclusivo das suas actividades, o Reino Unido defendia uma política de Porta Aberta que defendia que deveriam existir as mesmas condições comerciais das Grandes Potências na China. Em 1904-1905, durante a Guerra Russo-Japonesa, o Reino Unido, aliado do Japão, limitou a sua intervenção ao campo da diplomacia.

A Entente Anglo-Russa

Em 1907, a Rússia encontrava-se enfraquecida por causa da instabilidade interna que se agravou com a Revolução de 1905 e por causa do esforço canalizado pela guerra contra o Japão que acabou por terminar com uma derrota humilhante frente àquele "pequeno país". O Governo britânico continuava a preocupar-se com o programa naval alemão. A lei de 19 de Maio de 1906 tinha introduzido uma emenda à Lei Naval de 1900 e essa emenda previa a construção de um número de navios de guerra superior ao que tinha sido previsto no início do século. Os Britânicos lançaram o HMS Dreadnought, o navio mais avançado para a época, em 1906.

A rivalidade naval entre o Reino Unido e a Alemanha acentuou-se em 1906. A primeira Lei Naval alemã entrou em vigor em 1897 e definia um programa de expansão da marinha alemã, explicitando o número de navios de cada classe a serem construídos até 1904 e o tecto dos custos autorizados para esse programa. A Segunda Lei Naval, de 1900, estabeleceu objectivos de construção naval mais ambiciosos, aproximadamente o dobro do previsto na lei anterior. Em 1906, uma Terceira Lei Naval introduzia uma emenda à anterior, acrescentando ao efectivo planeado para a marinha de guerra alemã seis grandes cruzadores e quarenta e oito torpedeiros. Esta "corrida aos armamentos" por parte da Alemanha tinha a sua contraparte nos programas navais britânicos.

«A supremacia marítima da Alemanha deve ser reconhecida como incompatível com a existência do Império Britânico, e mesmo na eventualidade de esse Império desaparecer, a união do maior poder militar com o maior poder naval num Estado deve levar o mundo a unir-se pela libertação de tal pesadelo.» [ALBRECHT-CARRIÉ, 1958, p. 254] A geografia da Grã-Bretanha e a dispersão do seu Império davam um relevo especial à Royal Navy. A defesa do território britânico e do seu Império exigia uma marinha com capacidade de enfrentar as ameaças mais prováveis. Foi nesse sentido que, em 1889, o Parlamento britânico aprovou uma lei, a Naval Defense Act (31 de Maio), que adoptou o critério Two Power Standard para definir a dimensão da Royal Navy. Este conceito significava que a Royal Navy devia ser tão forte como as duas outras armadas mais fortes quando combinadas. Em 1889, essas duas armadas eram as da França e da Rússia.

O quadro seguinte [KENNEDY, 1989, p. 203] mostra a tonelagem em navios de guerra das Grandes Potências, entre 1880 e 1914.

 

1880

1890

1900

1910

1914

Reino Unido

650.000

679.000

1.065.000

2.174.000

2.714.000

França

271.000

319.000

499.000

725.000

900.000

Rússia

200.000

180.000

383.000

401.000

679.000

EUA

169.000

240.000

333.000

824.000

985.000

Itália

100.000

242.000

245.000

327.000

498.000

Alemanha

88.000

190.000

285.000

964.000

1.305.000

Áustria-Hungria

60.000

66.000

87.000

210.000

372.000

Japão

15.000

41.000

187.000

496.000

700.000

A Análise dos valores apresentados mostra-nos:

  • O extraordinário aumento da tonelagem disponível para o Reino Unido, a partir de 1890 (um ano após a aprovação do Naval Defense Act) e para a Alemanha, a partir de 1900 (a primeira Lei Naval alemã entrou em vigor em 1897).
  • A fraqueza do programa russo, mesmo quando se consideram as consequências da Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905.
  • A crescente potência naval dos EUA.
  • A manutenção do critério Two Power Standard pelo Reino Unido: França+Rússia em 1880; França+Itália em 1890; novamente França+Rússia em 1900; Alemanha+França em 1910, mas já com a Entente Cordiale e as conversações entre os estados maiores da França e Reino Unido a decorrerem.

Na segunda Conferência de Haia (15 de Junho a 18 de Outubro de 1907) a Alemanha continuou a opor-se a um acordo para o desarmamento. O Almirante Alfred Peter Friedrich von Tirpitz (1848-1930), Chfe do Estado-Maior Naval de 1892 e Secretário de Estado da Marinha a partir de Junho de 1897, defendia que a Alemanha devia possuir uma verdadeira frota de alto mar em vez de se limitar a ter uma força de defesa costeira. Foi neste sentido que surgiram as Leis Navais alemãs (1898, 1900, 1906). O conceito de Tirpitz não era o de construir uma frota superior à do Reino Unido. Esse seria um objectivo inatingível. O conceito se Tirpitz assentava o conceito conhecido como "teoria do risco" segundo o qual «a frota alemã deveria ser suficientemente poderosa para infligir danos graves à frota da Potência naval mais forte. A Potência naval mais forte não se aventuraria a atacar a poderosa frota alemã, uma vez que a sua própria frota ficaria tão enfraquecida no processo de destruir a marinha alemã que ficaria à mercê de outras Potências navais.» [WOODWARD, 1964, p. 24]

Quando Tirpitz enunciou a sua "teoria do risco", no final do século XIX, O Reino Unido estava de más relações com a França e a Rússia principalmente por causa da expansão imperial em África e na Ásia Central. A França e a Rússia eram aliadas desde 1892 e o Reino Unido não podia deixar de cumprir o rácio estabelecido pelo Two-Power Standard para poder enfrentar uma combinação do poder naval daquelas duas Potências ou de uma delas - a Rússia, certamente - com a Alemanha. Se o Reino Unido estabelecesse um acordo com a França e a Rússia, não haveria razão para supor que aquelas Potências aproveitariam a fraqueza temporária da Royal Navy, após uma guerra naval com a Alemanha, para destruir a posição do Reino Unido no mundo. Se o Reino Unido estabelecesse acordos com a França e a Rússia, não teria necessidade de manter as mais fortes unidades da sua frota longe do Mar do Norte. [WOODWARD, 1964, pp. 36-37]

Em 1904, o Reino Unido e a França estabeleceram um acordo que ficou conhecido como Entente Cordiale (Ver o artigo "07 A Entente Cordiale"). Este acordo foi posto à prova no decorrer da Crise de Marrocos de 1905-1906 e saiu reforçado dessa crise (Ver o artigo "09 A Primeira crise de Marrocos"). Enquanto se davam estes acontecimentos, a Rússia viu-se envolvida numa guerra contra o Japão, de que saiu derrotada, e a braços com a Revolução de 1905 (Ver o artigo "08 A Guerra Russo-Japonesa"). Esta Revolução permitiu que a política externa da Rússia fosse dirigida por Alexander Petrovich Izvolsky (ministro entre 11 de Maio de 1906 e 11 de Outubro de 1910), um monárquico constitucional que pretendia estabelecer um longo período de paz para a Rússia para permitir o seu desenvolvimento interno. No lado britânico, Edward Grey, do Liberal Party, assumiu a pasta de Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros a 10 de Dezembro de 1905 e iria mantê-la até 1916. Ambos os lados desejavam a resolução dos problemas coloniais entre as duas Potências. Os novos ministros russos, no entanto, estavam conscientes da necessidade de paz. Pouco antes de se tornar primeiro-ministro do Governo russo, Pyotr Arkadyevich Stolypin (1862-1911) afirmava: «a nossa situação interna não nos permite conduzir uma política externa agressiva.» [MACMILLAN, 2013, p. 179]. Um entendimento com o Reino Unido não estaria, assim, fora de questão.

A aproximação anglo-russa parecia aos conservadores russos, tal como aconteceu com as conversações que conduziram à aliança franco-russa, uma aproximação contra-natura. Na Rússia, com um regime ainda de natureza autocrática apesar da entrada em funcionamento de um parlamento (Duma), o Czar e os seus conselheiros conservadores encontravam grandes afinidades com o regime da Alemanha de Guilherme II, o que não acontecia relativamente à democracia liberal britânica. Contudo, os respectivos ministros dos Negócios Estrangeiros, assim como o rei Eduardo VII, desenvolveram os seus esforços no sentido de se chagar a um acordo. As questões fundamentais a resolver para que a aproximação fosse permitida prendiam-se com a expansão russa na Ásia Central e a defesa da Índia Britânica.

As negociações entre os representantes do Reino Unido e da Rússia tiveram início na Primavera de 1906. Avançaram lentamente e houve sempre o risco de colapsarem. «O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Izvolsky, queria um acordo que lhe desse mãos livres nos Balcãs, mas os seus movimentos foram repetidamente restringidos pelos seus conselheiros militares e pelos seus próprios receios de antagonizar a Alemanha […] O Estado-Maior general ameaçou impedir a política de Izvolsky.» [STEINER, 1979, pp. 80-81] Para exercer pressão sobre o Governo russo, Sir Edward Grey colocou em cima da mesa a possibilidade de os Britânicos virem a admitir alterações às normas reguladoras do tráfego marítimo nos Estreitos, no caso de as conversações chegarem a bom termo. Por fim, foi possível chegar à assinatura de um acordo – Entente – formalizado com a sua assinatura a 31 de Agosto de 1907. Assinaram o acordo, o embaixador britânico na Rússia, Sir Arthur Nicholson, e o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Alexandre P. Izvolsky.

Este acordo era constituído por três convenções relativas à Pérsia, ao Afeganistão e ao Tibete, cada uma delas com cinco artigos [GOOCH & TEMPERLEY, 1929, pp. 618-621 - https://archive.org/stream/britishdocuments04greabyu#mode/2up].

Convenção relativa à Pérsia

No artigo I, o Reino Unido comprometia-se a não interferir ou apoiar quaisquer intervenções, britânicas ou de terceira Potência, na zona norte da Pérsia, sendo definidos os limites. No artigo II, a Rússia tomava idêntica atitude relativamente à zona Sudeste da Pérsia. Pelo artigo III, a Rússia comprometia-se a não se opor, sem um acordo prévio com o Reino Unido, a quaisquer concessões aos súbditos britânicos na região central da Pérsia. O Reino Unido adoptava uma atitude idêntica relativamente à Rússia. Todas as concessões já existentes nas regiões indicadas nos artigos I e II (a Norte e a Sudeste) deveriam ser mantidas. Os artigos IV e V tratavam das questões relativas às dívidas da Pérsia.

Pérsia 1907

A Pérsia ficava assim dividida em três regiões (ver mapa), ficando as intervenções estrangeiras nas regiões norte e sudeste da Pérsia ficar sujeitas ao acordo da Rússia e do Reino Unido respectivamente. Houve o cuidado de não referir estas zonas como “esferas de influência” embora se tratasse de territórios sobre os quais as duas Potências, Rússia e Reino Unido, gozavam de um estatuto preferencial e exerciam influência e controlo. Este cuidado foi tido na redacção do texto para que não ficasse explícita a divisão da Pérsia entre as duas Potências. O acordo relativo a esta Convenção foi atingido sem a participação do Governo da Pérsia. De igual forma, a assinatura da
Convenção foi realizada sem a participação ou o conhecimento prévio daquele Governo.

Convenção relativa ao Afeganistão

No artigo I, o Governo do Reino Unido declarava não ter a intenção de alterar o estatuto político do Afeganistão e que exerceria a sua influência apenas no sentido pacífico e não encorajaria aquele país a tomar medidas que pudessem constituir uma ameaça para a Rússia. O Governo russo, por seu lado, declarava que reconhecia o Afeganistão como estando fora da sua esfera de influência e aceitava que as relações diplomáticas com o Afeganistão fossem desenvolvidas por intermédio do Reino Unido. Comprometia-se também a não enviar agentes para Afeganistão. No artigo II, o Reino Unido comprometia-se a não anexar ou ocupar qualquer parte do Afeganistão nem a interferir na administração do país. O artigo III tratava dos contactos entre as autoridades russas e afegãs para resolução das questões fronteiriças. O artigo IV reconhecia o princípio da igualdade de tratamento nas questões comerciais entre o Afeganistão e a Rússia e Reino Unido. O artigo V tratava da entrada em vigor desta Convenção. Nestes termos, a Rússia reconhecia o Afeganistão como sendo quase um protectorado britânico.

Convenção relativa ao Tibete

Pelo artigo I, a Rússia e o Reino Unido comprometiam-se a respeitar a integridade territorial do Tibete e a não interferirem na sua administração interna. O artigo II admitia o princípio da suserania da China sobre o Tibete. Pelos artigos III e IV, a Rússia e o Reino Unido comprometiam-se a não enviar representantes para Lhassa e ambos se comprometiam a não obter quaisquer concessões de caminhos de ferro, estradas, telégrafos, minas ou outros direitos no Tibete. O artigo V estabelecia que nenhuma parte dos rendimentos do Tibete podiam ser atribuídos à Rússia ou ao Reino Unido ou aos seus súbditos. Esta Convenção incluía um anexo que tratava da retirada das forças britânicas após o pagamento de uma indeminização de 25.000 rupias.

A Tríplice Entente

O acordo anglo-russo assinado em 1907 permitiu erguer uma barreira de regiões tampão relativamente aos eixos de aproximação para a Índia (Pérsia, Afeganistão e Tibete). O acordo foi o instrumento que permitiu a criação da “Tríplice Entente”. Este agrupamento formado pela França, Reino Unido e Rússia não era um bloco sólido com compromissos claramente definidos num tratado tal como a Tríplice Aliança. Em vez disso consistia em três instrumentos bilaterais separados e distintos: uma aliança entre a França e a Rússia e dois acordos que tratavam exclusivamente de assuntos extra-europeus.

O acordo anglo-francês de 1904 - a Entente Cordiale – não era dirigido contra a Alemanha; destinava-se a liquidar os diferendos entre a França e o Reino Unido no âmbito da sua expansão colonial. No entanto, as posições assumidas pela Alemanha durante a Primeira Crise de Marrocos (1905-1906) e a rivalidade naval anglo-alemã provocaram uma correcção das intenções da Entente Cordiale tendo como consequência a intensificação das relações militares anglo-francesas que se materializaram no trabalho conjunto dos respectivos estados-maiores com a finalidade de planearem o envio de uma força expedicionária britânica para o Continente em caso de conflito. Convém lembrar, no entanto, que a Alemanha detinha interesses em Marrocos.

ALIANÇAS 1907

Mapa original in https://d-maps.com/pays.php?num_pay=192&lang=pt

Na Ásia Central não existiam de todo interesses alemães e os textos das Convenções anglo-russas não continham nada que pudesse ser interpretado como dirigido contra a Alemanha. Contudo, a Europa estava a ficar dividida em dois campos rivais e o acordo anglo-russo permitiu aos alemães criarem a ideia de cerco (Einkreisung) [ALBRECHT-CARRIÉ, 1958, pp. 255-259]. Esta ideia não estava presente nos objectivos expressos na aliança e nos acordos que formavam a Tríplice Entente, mas ela não deixava de se materializar segundo a perspectiva alemã. Ainda antes do início das negociações, Sir Edward Grey escreveu sobre a utilidade dos acordos do Reino Unido com a França e com a Rússia: «Se for necessário para reprimir a Alemanha, isso poderia então ser feito.» [SCHMITT, 1945, p. 65]

Bibliografia

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BURY, J. P. T., «Diplomatic History 1900-1912» in MOWAT, C. L. (Editor), The New Cambridge Modern History, volume XII, © 1968, Cambridge University Press, United Kingdom, 1068, SBN 521-04551-7, pp. 112-139.

GOOCH, George Peabody & TEMPERLEY, Harold (Editores), British Documents on the Origins of the War 1898-1914, Volume IV, The Anglo-Russian Rapprochment 1903-1907, Londres, 1929, in https://archive.org/stream/britishdocuments04greabyu#mode/2up

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MACMILLAN, Margaret, The War that Ended Peace, © 2013, Profile Books, London, 2013, ISBN 978 1 84668 272 8. 

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Torres Vedras, 26 de Novembro de 2019

Manuel F. V. G. Mourão