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CAPÍTULO I - Os conquistadores do extermínio

ANTEPASSADOS E PRECURSORES, SEGUNDO THEODORE ROOSEVELT.

A expansão territorial dos povos de fala inglesa, que durou três séculos, talvez haja encontrado em Teodoro Roosevelt o seu mais entusiástico panegirista. Recorda-nos ele que a língua que Francis Bacon quase não usou nos seus escritos, com medo de que viessem a cair no esquecimento (a maior parte das suas obras foi escrita em latim) era, nos inícios do século XX, a língua de três continentes (América do norte, Oceânia e, o mais provável, Roosevelt referir-se-á também a África. Porém, actualmente...). A Common Law, que Coke infatigavelmente recolheu e foi elaborando na metade meridional da sua brumosa ilha europeia, estendeu-se às imensas regiões da Austrália e de toda a América a norte do Rio Grande, bem como a outros países. As peças de Shakespeare são hoje representadas, no idioma inglês, em novas nações cujos vastos territórios seriam, para o famoso escritor, algo de ainda mais irreal que o reino do Preste João. Na maioria dessas regiões, nos tempos de juventude de Bacon, Coke ou Shakespeare, não havia então um único povoador da «raça branca».

Para Roosevelt, outros povos (na sua linguagem, «raças») atingiram um considerável crescimento, conquistando vastíssimos territórios, mas nunca teria existido uma “nação” cuja expansão houvesse sido tão ampla e rápida quanto a  da “anglo-saxónica”.

O remoto ponto de partida dessa “epopeia” ter-se-ia dado dois ou três séculos depois da derrota das legiões de Varo, quando os povos germanos começaram a estender-se pela Europa romana, num processo que demorou vários séculos. Por fim, essa fonte do “expansionismo germânico” acabou por se esgotar; todavia, mais tarde, um outro ramo da “raça”, os normandos, vindos das costas do Báltico e do Mar do Norte, prosseguiram por via marítima as invasões. Desde o Volga até às Colunas de Hércules, e da Sicília à Britannia, os povos foram então flagelados pelos golpes dos “filhos de Odin”.

 

Comentando Roosevelt:

Em primeiro lugar, é uma falácia comparar unicamente pelo território conquistado os impérios que se sucederam no tempo. A título de mero exemplo, entre os peles-vermelhas da América do norte, chacinados pelos “avós” de Roosevelt, e os púnicos de Cartago, que os romanos destruíram, convenhamos que há uma “razoável” desproporção na grandeza das pugnas. Por outro lado, imaginemos que Alexandre o Grande ou Genghis Khan tinham ao seu dispor os meios bélicos, os navios e a ciência de navegação do século XVII.

O mundo humano alarga-se na medida em que a ciência e a técnica se desenvolvem, estreitando no tempo as distâncias. Porém uma impossibilidade técnica, num dado momento histórico, configura-se como um obstáculo absoluto, insuperável.

Os «vastíssimos territórios» das diversas conquistas, para poderem ser comparados, têm de se fazer acompanhar dos respectivos “denominadores” de avanços técnicos e capacidades militares das forças em presença, para que as respectivas proporções possam ser reduzidas a um “menor denominador comum”.

Em segundo lugar, e segunda arteirice, a proclamação da “identidade de raça”. Os estudos de ADN mitocondrial já puseram a nu a estupidez dessa “teoria” velhaca. Acresce dizer que, se no tempo de Roosevelt não era conhecido o ADN, era sabido, no entanto, que povos germanos muitas vezes se digladiaram entre si, por exemplo, daneses e anglo-saxões, já para não falar das guerras entre os próprios anglo-saxões.

Quanto à caracterização dos norte-americanos, actualmente, como “anglo-saxónicos”, ver demografia dos Estados Unidos e artigos correlacionados.

 

Continuemos com Theodore Roosevelt:

Os povos germanos da “primeira vaga”, tal como os normandos, estabeleceram-se, como senhores (ou, com mais rigor, fornecendo a maioria dos elementos da classe dominante), entre as populações que habitavam as regiões conquistadas e governaram-nas durante algum tempo. Contudo, pouco a pouco, foram sendo absorvidos por esses povos “originários”, acabando por “desaparecer”. O danês, na Irlanda, transformou-se em celta. O godo acabou por converter-se em hispânico na Península Ibérica. Os francos e os escandinavos normandos fundiram-se com a romanizada população celta da antiga Gália. Os povos germanos deram os seus nomes a reinos e principados – França, Normandia, Lombardia, Borgonha – e “dotaram-nos” de imperadores, reis e senhores feudais, “enxertaram” as suas leis no antigo Direito Romano e interpolaram muitos vocábulos nos dialectos latinos dos povos do sul, no entanto, dada a proporção numericamente esmagadora dos “nativos”, acabaram por mesclar-se com a massa dos seus “súbditos”, adoptando-lhes as leis, a língua e a cultura.

 

Só teria havido um caso em que a invasão nórdica se conseguiu implantar num novo país mantendo o “tronco germânico”, a saber: na conquista da Britannia pelos frísios, jutos, anglos e saxões. Estes conquistadores não se teriam fundido com a população primitiva vencida, como aconteceu no continente europeu. Mas, segundo Roosevelt, havê-la-iam exterminado na sua imensa maioria e assimilado os escassos sobreviventes.  Essa seria a razão porque não adoptaram a religião, os costumes, as leis nem o idioma dos vencidos, fazendo prevalecer a sua própria cultura e tradições.

 

A teoria do “extermínio da imensa maioria” é muito discutida entre os historiadores, e a demografia da Inglaterra, os estudos genéticos e a arqueologia não corroboram tal tese. Muitos povoados bretões terão sido destruídos, mas não houve uma chacina da «imensa maioria» da população celta. Nas regiões conquistadas pelos invasores permaneceram muitos dos seus anteriores habitantes. De início, as suas comunidades não se misturaram com as dos recém-vindos, no entanto, com o correr dos séculos, a miscegenação acabou por acontecer. Portanto, nesta etapa “primitiva” ou proto-etapa, o povo inglês foi-se constituindo pela mescla de elementos celtas e germânicos, com predominância cultural dos últimos.

 

Diz Roosevelt que as nações europeias do continente apenas teriam começado a ganhar a sua forma actual muito após as invasões nórdicas. E que os chamados povos latinos, com destaque para a França e a Espanha, só iniciaram a sua existência nacional depois de passarem por uma lenta fusão de etnias e culturas. Mas o caso da Inglaterra seria distinto. A Inglaterra, «como nação, é mais antiga e possui uma maior unidade de raça e civilização. No século em que reinou Alfredo o Grande, os ingleses desfrutavam já de uma existência nacional bem distinta, de tipo quase exclusivamente nórdico.»

 

A “mestiçagem” de celtas e anglo-saxões avançara tanto, à época, na ilha britânica, quanto as restantes mesclas populacionais na Europa continental.

 

Alfredo, que se esforçou por restaurar o uso do latim na administração eclesiástica e política, intitulou-se “king of the English”, porém a luta entre o reino de Wessex e os daneses continuou nos reinados dos seus sucessores. É verdade que, em 973, Edgar se fez coroar como soberano dos ingleses, com os outros reis da Britannia a renderem-lhe então preito. A partir dessa época, pode-se dizer que as “fronteiras” do reino inglês já estavam delimitadas. Mas as invasões continuarão, com o dinamarquês Canuto e, em 1066, o normando Guilherme.

Depois, houve conflitos entre o rei e os barões e lutas dinásticas, tal como houve sublevações populares, só terminando a turbulência feudal quando os barões fizeram ao país o “favor” de se aniquilarem uns aos outros na Guerra das Rosas. O fim deste conflito é contemporâneo dos reinados do francês Louis XI e dos ibéricos reis católicos.

 

Retornando ainda à tese da «unidade de raça», um defensor da teoria “racial” (ou racista) poderia sempre “argumentar” com o facto de os novos invasores dinamarqueses e normandos serem de “tronco germânico”, apesar de Canuto ser filho de uma polaca e dos guerreiros de Guilherme falarem francês e terem nomes franceses, mas o que explicou o “vigor” da Inglaterra colonial não foi a «existência nacional de tipo quase exclusivamente nórdico», alcançada à custa do pretenso «extermínio da imensa maioria da primitiva população celta». As causas do êxito dessa colonização residem, não na «raça», mas no peculiar desenvolvimento histórico do povo inglês, que superou o feudalismo e o domínio da nobreza mais cedo que as demais nações europeias. Bastará recordar o momento decisivo desse longo processo, a época de Oliver Cromwell e da revolução inglesa.

 

«Os ramos de origem germânica que se espalharam pelo sul da Britannia, e lhe mudaram o nome para Inglaterra, estavam destinados a alcançar um formidável poder e a conservar, no mais alto grau, a pureza da casta. A orgulhosa raça dos godos, dos francos e borgonheses desvaneceu-se sobre a Terra, enquanto que os filhos dos desconhecidos guerreiros frisões, saxões e anglos, que se apoderaram da Britannia, têm agora nas suas mãos os destinos do mundo», defendia Th. Roosevelt em 1888.

 

Como se vê, os nazis de Hitler não foram propriamente os “inventores” da teoria da «superioridade da raça». Não é pois de admirar que muitos escritores “anglo-saxónicos” das quatro primeiras décadas do século XX, como, por exemplo, Madison Grant (“The conquest of a continent; or, The expansion of races in America”, New York, Charles Scribner’s Sons, 1933), afirmassem que a população da Grã-Bretanha contaria com uma maior proporção de «sangue nórdico» que a própria Alemanha, num singular “despique” com os fascistas alemães sobre quem seriam os “herdeiros mais favorecidos da raça”.

 

“SEMELHANÇA” ENTRE A CONQUISTA DA INGLATERRA E A DA AMÉRICA DO NORTE.

Nos finais do século XV, Cristovão Colombo, ao “descobrir” a América, teria aberto um novo mundo à expansão europeia. Portugal e a Espanha tomaram então a dianteira nos descobrimentos marítimos e na colonização, não tardando a serem seguidos pela Holanda, França e Inglaterra.

Para Rooosevelt e outros escritores, esse movimento de expansão colonial europeia não era outra coisa senão a «continuação das invasões nórdicas», após uma pausa de vários séculos. Mas, claro está, a expansão “anglo-saxónica”, na nova etapa americana, teria de apresentar características distintas face às colonizações dos restantes povos europeus. À semelhança dos antigos germanos que conviveram e se misturaram com os povos conquistados do sul da Europa, os espanhóis, portugueses e franceses cruzaram o Oceano, venceram os nativos e com eles se mesclaram, em maior ou menor proporção, dando origem a «raças de mestiços». Já os colonos ingleses, “preservando” «a pureza da casta»,  seguiram procedimentos muito diferentes. Ao vencerem os peles-vermelhas, exterminaram-nos ou expulsaram-nos das suas terras, «da mesma maneira que o saxão e o anglo aniquilaram os antigos povoadores da Britannia. A história de uma conquista reproduz a da outra. O Atlântico conduziu os anglo-saxões britânicos à nova pátria da América para ali fundarem os Estados Unidos, como o Mar do Norte lhes havia servido de ponte entre as costas danesas e holandesas  e a Britannia para criarem a Inglaterra.»

Nesta tese “histórica”, em geral aceite pelos autores norte-americanos e ingleses das primeiras décadas do século XX, o “hino ao extermínio” cantava-se em louvor ao “anglo-saxão moderno”, o «ramo mais vigoroso da raça germânica», fiel seguidor dos pretensos “usos e costumes” de matança dos gloriosos antepassados.

 

Com a independência dos Estados Unidos romperam-se os laços políticos entre os “anglo-saxões” do Novo Mundo e os da velha Grã-Bretanha, perdendo as tribos índias a antiga protecção dos agentes da coroa inglesa. O movimento de colonização, que não fora sequer detido pela guerra, acelerou-se.

Até ao início da guerra de Independência, em 1776, os colonos ingleses e os seus descendentes haviam demorado século e meio a conquistar e povoar o território entre a costa atlântica e os montes Apalaches. No termo da luta, em 1783, essas montanhas já haviam sido franqueadas. Depois, em cerca de 70 anos, os norte-americanos expandiram-se, na  «conquista do Oeste», desde as ladeiras ocidentais dos Apalaches até ao Pacífico.

 

Nas suas narrativas sobre as épocas iniciais da conquista do Oeste, Teodoro Roosevelt e os escritores da sua “escola” empenham-se em descobrir traços característicos de uma aventura heróica e lendária, semelhante às gestas dos antigos escandinavos: se bem que  similar em certos aspectos à colonização do Canadá e da Austrália, essa conquista haveria adquirido peculiaridades tais que seria um “caso único” na história moderna. Nela não teriam intervindo nem os cálculos dos estadistas nem a acção dos governos. Seria uma obra exclusiva das “gentes da fronteira”.

Do rio Ohio para cima, o Noroeste foi adquirido pelo Governo da União. Os povoadores que ali se estabeleceram limitaram-se a tomar possessão dessas terras que a nação norte-americana lhes entregou e garantiu. O exército regular ia na dianteira, “desbravando” o território, os colonos vieram em seguida. Já não havia sido assim, segundo Roosevelt, no Sudoeste. Desde o Ohio até ao golfo do México, o rio Grande e o Oceano pacífico, a conquista do território teria sido obra dos “fronteiriços”, sem qualquer auxílio do Governo da União ou dos Estados a que pertenciam.

Impelidos pelo desejo de fazer fortuna, individualmente ou em pequenos bandos, foram tomando o território, sem submissão a um plano preestabelecido ou a qualquer propósito de conjunto e desprovidos de quaisquer apoios das tropas do Governo central ou das milícias dos Estados. Assim, esses colonos tiveram de constituir, eles mesmos, os seus exércitos, com os comandantes e oficiais a saírem das suas próprias fileiras.

Por conseguinte, os fronteiriços teriam vencido os seus adversários no Sul de modo muito semelhante à maneira como os “seus” antepassados das costas do Mar do Norte haviam subjugado, mil e trezentos anos antes, os celtas da Britannia. Como os “avós nórdicos”, os fronteiriços norte-americanos não obedeciam a um chefe comum nem agiam segundo as ordens de um rei ou de um governo. O mesmo se teria passado no “esbulho” aos mexicanos do Texas.

 

Tal “tese”, contrária aos factos históricos, é sobremaneira cómoda para a desculpabilização do Estado norte-americano, imputando o despojamento dos índios, da Espanha e do México à acção das “gentes da fronteira”: não foram os Estados Unidos que se apoderaram dessas terras, em contravenção ao direito da época, mas grupos de homens que agiam por sua própria conta e risco, movidos pela força de um instinto primitivo.

Mais, sempre segundo Roosevelt, esses homens, ao despojarem os peles-vermelhas, espanhóis e mexicanos, não teriam violado qualquer princípio moral nem se haveriam apoderado do alheio de modo criminoso. Satisfaziam unicamente os seus imperativos de ordem biológica. A lei darwiniana da luta pela existência operava sem peias na solidão das florestas. Estava-se então à margem da vida civilizada e fora da jurisdição dos seus “Códigos”. Aconteceu apenas que o “fronteiriço”, mais forte que o índio, o espanhol, o mexicano e a selva, conseguiu vencer e predominar. Portanto, não haveria qualquer reproche moral a fazer-lhe.

 

O AVANÇO PARA OESTE DOS APALACHES.

A realidade histórica não dá suporte a esta tese  “fantasmagórica”  de Teodoro Roosevel. Foi a nação norte-americana no seu conjunto, e não apenas o fronteiriço, quem aniquilou o domínio britânico, abolindo os direitos da Coroa inglesa sobre as terras de além Apalaches. A revolução, ao pôr em vigor a nova doutrina política da soberania popular, afirmou também, implicitamente, que a terra era pertença do povo. A defesa dos postos de fonteira, as relações com os índios e a concessão de terras, anteriormente nas mãos dos funcionários ingleses da Coroa, passaram a estar a cargo dos Estados, exceptuando-se uns vagos direitos, no respeitante à questão dos índios, que o Congresso da Confederação alegava serem da sua competência.

 

As mudanças que a Independência trouxe facilitaram os empreendimentos dos fronteiriços e especuladores de terras , dando-lhes carácter legal. Comunidades como as de Kentucky e Watauga, fundadas durante a guerra revolucionária, em transgressão às leis inglesas, foram “legalizadas” e integradas. Outras, como a de Cumberland, conseguiram o beneplácito legal ainda antes de se estabelecerem.

O pele-vermelha  colocara-se ao lado do inglês contra a revolução. Por isso, a pretexto de que era um inimigo vencido, foram-lhe negados os direitos que a Coroa britânica lhe reconhecia e desapossaram-no das suas terras.

 

Os diversos Estados, ao liquidarem as suas dívidas com concessões de terras, estimularam a colonização. Como o dinheiro metálico escasseasse e as terras se apresentassem em abundância quase  “ilimitada”, as assembleias legislativas dos Estados pagaram muitos dos seus créditos com terras situadas a oeste dos Apalaches e emitiram muito papel-moeda (“notas promissórias”) com a mesma garantia. Estes pagamentos em terras levaram muitos lavradores e comerciantes a dirigirem-se para Oeste, fazendo crescer a reclamação popular em favor da abolição dos direitos dos índios sobre os territórios de caça e para a sua abertura à colonização “branca”.

 

A “febre” de fundar novos Estados converteu-se em autêntica epidemia. Ainda durante a guerra, os virginianos elevaram o Kentucky a distrito, na mira de o transformarem futuramente em Estado. A Carolina do Norte, na sua Constituição de 1876, incluiu um artigo que conferia à legislatura comum poderes para autorizar a organização de um novo Estado a oeste, logo que isso fosse considerado conveniente. Refere Arthur Preston Whitaker (“The Spanish-American Frontier, 1783-1795”, Houghton Mifflin Co., New York and Boston, 1927) que na Geórgia, em 1775, um proeminente juiz afirmava: «antevejo o momento, não muito distante no porvir, em que a Geórgia, povoada e unida, se estenda desde o Atlântico até ao Mississipi.»

 

A invasão colonizadora processou-se de modo escalonado. As notícias sobre as correrias de Daniel Boone e de outros exploradores e caçadores despertaram o interesse pelos territórios. A formação de uma pequena comunidade em Watauga, dirigida por dois inveterados especuladores de terras, James Robertson e John Sevier, proporcionou uma base de operações e serviu de modelo aos estabelecimentos posteriores dos “fronteiriços”. A "guerra de Lord Dunmore" amedrontou os índios do norte, garantindo a permanência dos primeiros núcleos de povoadores. Em 1775 Richard Henderson e Boone firmaram o seu primeiro tratado com os cherokees. A partir desse ano, puderam fundar uma colónia mais a oeste e tomar possessão de grande parte do território. A "Wilderness Road" assegurou-lhes as comunicações e permitiu a vinda de novos colonos. A colonização do Kentucky acelerou-se quando George Rogers Clark se apoderou do Illinois. Por sua vez, o progresso da região kentuckyana facilitou, sempre mais a oeste, os novos assentamentos do Cumberland.

 

A prática de pressionar sobre a linha de menor resistência prevaleceu em todos os avanços. O invasor “cara-pálida” começou por penetrar, como uma gigantesca cunha, nos vastos territórios comuns de caça situados entre as terras ocupadas pelas tribos da confederação algonquina, a norte, e as regiões onde viviam os cherokees, os creek e outras tribos, a sul. Uma vez ocupada aquela região, passaram a exercer pressão sobre as próprias zonas das tribos, tanto a norte como a sul.

 

Nos povoados de “fronteira”, as cabanas de grossos troncos de árvores eram rodeadas por uma paliçada, em defesa contra os ataques dos índios.

Os colonos haviam vindo para o Oeste em busca de independência pessoal e de uma vida livre, e a Revolução, ao instituir a soberania popular e o direito do povo a governar-se a si mesmo, satisfez plenamente esses anseios, permitindo-lhes organizar livremente a sua administração local. No norte seguiram o sistema de townships, predominante na Nova Inglaterra, donde era originária a maioria dos novos povoadores. No sul, o de county, que vigorava na Virgínia, Carolinas e Geórgia.

Todos os cargos públicos locais, nestas comunidades de fronteira, eram electivos. Para a eleição de representantes, cada aldeia ou pequeno povoado constituía uma unidade de representação. No passado, o sistema representativo ou de eleição popular já vigorara nas antigas treze colónias, mas com fortes limitações censitárias. Ao contrário da maioria dos recém-formados Estados, que manteve o voto dependente da propriedade possuída, os fronteiriços, entre os quais não havia grandes diferenças de fortuna, habituados a cooperar na luta pela existência, impuseram unanimemente a igualdade democrática e o respeito pela vontade da maioria através do sufrágio universal dos homens.

Para a sua organização militar basearam-se no velho sistema colonial inglês dos lugar-tenentes de condado, mas tornaram o cargo electivo. Dada a sempre eminente mobilização na guerra contra o índio, todos os homens aptos para a luta se agrupavam em companhias e regimentos, que elegiam os seus chefes e oficiais.

 

O termo da guerra de Independência, em 1783, engrossou a vaga de invasores. “Cavalheiros realistas” da Virgínia e das Carolinas, que haviam apoiado a Coroa britânica com o seu sangue e o seu dinheiro e cujas plantações haviam sido arrasadas, jovens profissionais liberais e muitos outros que fugiam da penosa situação económica do pós-guerra, em que o dinheiro metálico praticamente havia desaparecido e o papel-moeda carecia de valor. Até a própria Natureza se mostrou então inclemente, com uma tremenda seca a destruir as colheitas e a matar boa parte do gado.

 

Os que se haviam distinguido nas fileiras do exército revolucionário receberam, em pagamento dos seus serviços, extensas concessões de terras no Oeste. Alguns partiram para tomar posse delas, os outros venderam os seus direitos aos especuladores.

A especulação sobre a terra, então o meio mais fácil e rápido de fazer fortuna, levou para além dos Apalaches muitos membros de antigas e influentes famílias dos treze Estados originários.