CAPÍTULO II - Primeiros conflitos entre a Espanha e os Estados Unidos
A Louisiana, cedida em 1762 pela França, era desde essa data possessão espanhola. Em 1778 a França reconhece a independência das treze colónias norte-americanas e declara guerra aos ingleses. A Espanha, no ano seguinte, segue-lhe o exemplo. Queria recuperar as Floridas, que perdera em 1763 para os britânicos, expulsar estes do golfo do México e proibir-lhes o direito de livre navegação no Mississipi.
Bernardo de Gálvez, em três anos de luta, reconquista a Florida Ocidental, apoderando-se de Fort Butler e de Nátchez no rio Mississipi, e de Mobila e Pensacola no Golfo. Dominando ambas as margens do curso inferior do “Pai das Águas”, a Espanha pôde encerrar o rio à navegação.
Ao firmar-se a paz, em 1783, reclamou e obteve dos ingleses a Florida Oriental, espanhola desde o século XVI.
A fronteira com os Estados Unidos era muito extensa. Começava na desembocadura do rio Santa Maria. Desde Fernandina, na ilha Amélia, estendia-se até Nátchez, numa distância de cerca de 600 milhas. Daqui até ao Lago dos Bosques, junto ao Canadá, numa extensão de 1.400 milhas, o rio Mississipi formava a divisória.
Quando os diplomatas espanhóis defenderam que a fronteira dos Estados Unidos fosse fixada nos Apalaches, a França apoiou a Espanha. No entanto, “nas costas” de ambas, a Inglaterra concedeu aos norte-americanos o limite do Mississipi.
Ao norte da Florida Ocidental, a Espanha ocupava o território até aos 32º e 26’ de latitude. Os norte-americanos, munidos do texto do seu tratado com os britânicos, reclamavam dos espanhóis a evacuação do território até ao 31º de latitude. Além disso, exigiam o direito de livre navegação no Mississipi, que a Grã-Bretanha também lhes transferira. A Espanha rejeitou essas duas exigências.
Apesar da fronteira comum, espanhóis e norte-americanos ainda não estavam em contacto no Oeste. Entre os povoados mais avançados dos “fronteiriços” e os postos militares da Louisiana havia então um enorme território selvagem, ocupado pelos índios. Contudo aventureiros de toda a espécie, muitos deles criminosos, rapidamente penetraram nesses vastos espaços.
A ESPECULAÇÃO SOBRE AS TERRAS.
A todos eles, fosse qual fosse a sua posição social, fortuna ou condição moral, uma mesma febre os aguilhoava: a cobiça de terras.
Possuindo uma razoável extensão de terra de lavradio, um homem laborioso podia sustentar uma família e assegurar-se um certo conforto material. E, nos novos territórios, havia terra em abundância. Mas só uma minoria desses aventureiros estava interessada na aquisição das suas terras de trabalho. O que a maioria procurava era enriquecer rapidamente e, nessa época, só através das especulações com a terra o podiam fazer.
Não havia então o ouro da Califórnia ou do Klondike, a prata do Colorado, o cobre de Anaconda, o ferro e o carvão do Michigan ou da Pensilvânia. Stephenson ainda não inventara a locomotiva de ferrovia nem Fulton o barco a vapor, para que se pudesse especular com as acções das grandes companhias ferroviárias e de navegação. Não existiam as enormes fundições de aço e as imensas fábricas têxteis, nem os poderosos magnates da Banca ou do comércio. O valor das propriedades e das rendas não podia ser quintuplicado ou sextuplicado, como acontecerá mais tarde, pelo rapidíssimo crescimento das grandes aglomerações urbanas.
O comércio de peles, mas mãos do índio, do francês ou do britânico, oferecia limitadas possibilidades. Apenas os armadores de navios de alguns portos da Nova Inglaterra e de Nova Iorque podiam fazer fortuna com as viagens dos seus bergantins à China ou à Europa.
Mas o corrector, o bolsista, o “capitão” de poderosas indústrias – Ford, Eastman, Carnegie, Hershey – os grandes financeiros, os organizadores de gigantescos consórcios, os potentados dos caminhos-de-ferro, dos “trusts” bancários ou das cadeias comerciais, todavia, como diria Aristóteles, já então existiam em potência, “atormentados” pela “sede dos milhões”.
Antes que Wall Street nascesse, o espírito da especulação fascinou e imperou sobre as terras do Oeste. No Wabash, Ohio, Cumberland ou Yazoo, indivíduos e Companhias disputavam-se as terras ainda não apropriadas. Para adquirirem vastíssimas concessões de terras das Assembleias Legislativas dos Estados ou do Congresso Federal, todos os meios eram empregues, desde o logro e a fraude ao uso das influências pessoais, ao abuso no desempenho de cargos políticos e à corrupção.
Os títulos dos pagamentos em terras dos veteranos da Revolução passaram às mãos dos especuladores. Até os vagos e obscuros direitos de algumas quase desconhecidas tribos índias foram adquiridos.
A “febre” de terras era tal que, em certa ocasião, George Rogers Clark, para poder reunir as milícias e repelir o ataque de uma tribo índia, teve de mandar encerrar as agências de terras “apinhadas” de fronteiriços.
Todas as conversas entre os povoadores versavam sobre títulos de terras, pleitos relativos a terras, projectos e planos para adquirir mais terra. As notícias sobre essas férteis e bem irrigadas terras eram também o tema dominante na correspondência que trocavam com os familiares e amigos da costa atlântica.
TENTATIVAS DA ESPANHA DE DETER A APROXIMAÇÃO DA VAGA INVASORA.
Os índios – creek, choctaw, chickasaw, cherokee – que habitavam em grande número – quarenta a cinquenta mil guerreiros – entre a Louisiana e os Apalaches não eram nómadas. Cultivavam as terras em torno das suas aldeias e exploravam a caça como uma “indústria”. Os “cara-pálida” haviam-nos ensinado a comerciar com as peles, obtendo em troca armas de fogo, pólvora e balas, álcool e outros artigos. Antes da Independência, esse comércio, dominado pelos traficantes ingleses, convergia para o porto de Savannah. Ao terminar a guerra revolucionária, os comerciantes britânicos fugiram, paralisando o comércio de peles.
A conselho das autoridades coloniais da Louisiana e Floridas, o regime de monopólio mercantil espanhol afrouxa-se e os traficantes britânicos são acolhidos e autorizados a realizar o seu comércio de peles nas duas Floridas. O tráfico foi canalizado para Mobila e Pensacola e as confederações índias do sul passaram a integrar a esfera de influência espanhola.
Uma grande convenção, em que estiveram presentes Alexander McGillivray e muitos outros chefes índios, selou a nova aliança com Espanha.
Prudente, o Governo espanhol não assumiu nenhuma obrigação que pudesse ser objecto de protesto da parte dos Estados Unidos, de modo a poder alegar que meramente havia concedido facilidades no seu território ao comércio dos traficantes ingleses com os índios, uma medida que lhe era lícita. Porém, com esta política de “favor comercial”, a Espanha estava a ajudar os índios na luta pela posse da terra contra os “fronteiriços” especuladores de terras.
Assim, o choque directo entre espanhóis e norte-americanos foi precedido, nos anos que se seguiram, pela luta entre “fronteiriços” e índios do sul, com a Espanha a dar suporte indirecto, pelo comércio, aos “peles-vermelhas”, e os Estados Unidos a apoiarem os seus cidadãos “brancos”.
Sobre essa luta, Teodoro Roosevelt diz que «a guerra era inevitável. As pretensões e exigências de cada uma das partes eram inconciliáveis. As tréguas e os tratados, meros paliativos. O branco estava decidido a assenhorear-se da terra onde o índio “vagueava”. Este em nenhum sentido a ocupava e possuía (Roosevelt “esquece-se” que o índio do sul era agricultor e comerciante). O índio, pela sua parte, estava inquebrantavelmente determinado a repelir dos seus campos de caça o branco, lutando se necessário até à morte. Só o choque da batalha podia resolver o irremediável conflito. Às guerras índias, não havia alternativa. E é uma loucura e uma injustiça fútil imputá-las como uma falta ao Governo dos Estados Unidos. Afirmar que teriam podido evitar-se, mais fútil é todavia. O branco podia obter a terra, aqui ou acolá, quando uma tribo era débil ou pacífica, mediante um tratado e, excepcionalmente, entrar na posse dela sem ter de empregar procedimentos mais duros. Mas o uso de tais meios nunca foi possível com as tribos belicosas e fortes. Julgando as coisas desde o ponto de vista do resultado final, muito pouca diferença houve em que as terras se hajam tomado pela paz ou pela força das armas. O índio delaware, no fim de contas, não saiu melhor tratado das mãos do pacífico quaker que o índio wampanoag das do duro puritano.»
Portanto, segundo Roosevelt, o método foi mais humano num caso que no outro, mas idêntico o resultado final.
A guerra ou a ameaça de guerra foi o meio mais frequente para “arrancar” aos índios os tratados de cessão de terras que os despojavam. Para o “fronteiriço” o seu interesse era a lei, e como dispunha de força para o tornar efectivo, não hesitou em impô-lo. Por vezes os escrúpulos morais e religiosos manifestavam-se. A consciência de um puritano dava-se por satisfeita quando, a troco de uns poucos dólares ou de uns quantos frascos de péssimo whisky, obtinha do chefe de uma pouco numerosa tribo, degradado pelo álcool, a cessão de um território tão grande quanto a Bélgica. Em alguns casos, a terra assim “adquirida” não pertencia sequer à tribo que subscrevia o tratado, mas, para a “rigidez” puritana, isso era um detalhe sem a menor importância, dadas as “dificuldades de prova” para os índios que se considerassem os seus legítimos possuidores. O novo proprietário “cara-pálida”, na posse de um documento formalmente ajustado às mais antigas e respeitáveis regras da lei comum anglo-saxónica, sentia-se imbuído da força moral necessária para “correr a balázios”, da terra que agora era “sua”, todo o índio que lha quisesse disputar.
Posteriormente, a justificação mais usual na “boca” dos historiadores foi a de «que a terra se tomou em benefício da humanidade»...que seria “branca”, e não “pele-vermelha”. De acordo com Roosevelt, «é uma torpe, perversa e estúpida moralidade a que proíbe práticas de conquista que convertem os Continentes em territórios de poderosas e florescentes nações civilizadas.»
Dia após dia, à medida que a gente do Oeste avançava em direcção ao Mississipi, desalojando e exterminando os índios, o perigo fazia-se maior para a Espanha na Louisiana e nas Floridas. Os seus títulos de possessão, para os novos conquistadores, eram tão legítimos quanto os dos índios. A ocupação por população súbdita da Coroa de Espanha era quase inexistente. A primazia no descobrimento fora disputada pelos ingleses. Quanto às bulas de Alexandre VI, elas eram um motivo de escárnio para os descendentes dos ingleses das épocas de Henrique VIII e de Isabel I.
Entretanto, para os povoadores norte-americanos estabelecidos nos vales dos rios tributários do Mississipi que descem dos Apalaches, o direito de livre navegação no “Pai das Águas” era uma questão crucial. A cadeia montanhosa dos Apalaches, coberta pela floresta, tornava-lhes difíceis e onerosas as relações comerciais com os Estados do leste e a Europa, enquanto o Mississipi oferecia uma via fácil para o escoamento dos seus produtos.
A Espanha era ainda o maior dos poderes coloniais. Em área de território, riqueza e população, as suas possessões superavam as de Inglaterra, porém, era já então evidente que lhe minguavam as forças para a defesa do seu extenso Império. Habituado a converter o seu interesse pessoal em lei, reclamando que o direito a usar o rio lhe fora conferido pela própria “Providência Divina”, o povoador do Oeste sonhava não apenas com o livre acesso ao Golfo do México, mas também com o dia em que arrancaria às mãos dos “dones” espanhóis algum extenso pedaço do seu rico e mal guardado território.
Diz Ramiro Guerra que, «o espanhol – o “don” de ares aristocráticos e títulos nobiliários, irritantes para o “fronteiriço” – foi transformado, como o índio, em objecto de ódio e desprezo. Na inferioridade moral que lhe imputavam encontraram a justificação para lhe fazerem “tábua rasa” dos direitos. Suscitando aqueles estados de consciência contra os que vão ser despojados, a cobiça engenha-se, na alma da conquistador, o modo de calar os imperativos de ordem moral.»
Todos os historiadores norte-americanos, sem excepção, atribuem uma mesma causa para o ódio ao espanhol das gentes do Oeste. Henry Adams, na sua “History of the United States during the Administration of Thomas Jefferson” (vol. I, pág. 338), escreve que, «o vale do Ohio, até a um lugar tão distante como Pittsburgh, achava-se à mercê do Rei de Espanha. Navegando corrente abaixo no Mississipi, e em qualquer dos seus afluentes ou dos rios que desaguam no Golfo do México, a farinha e o tabaco da gente do Oeste só podia chegar ao mercado com a permissão de Carlos IV. De Fernandina a Nátchez e de Nátchez ao Lago dos Bosques, a autoridade espanhola travava o passo às ambições norte-americanas...Odiar o espanhol era tão natural para o homem do Tennessee como odiar o índio. A respeito de índios e espanhóis, o povoador do Oeste não reconhecia a existência de lei alguma. Escorraçar ambas as raças do país e apoderar-se das suas terras era o seu mais firme propósito.»
Também os norte-americanos do Leste, que então detinham o governo da União, compartilhavam dos sentimentos e pontos de vista da gente do Oeste.
A Espanha, a França e a Inglaterra aplicavam nas suas colónias o princípio do monopólio mercantil, a Espanha de um modo mais rígido, dada a sua mais débil base manufactureira. Bem pelo contrário, os Estados Unidos estavam interessados numa ampla liberdade de comércio internacional.
Nas frequentes guerras europeias da época, o tráfico internacional dos navios norte-americanos era tolerado, como contrabando. Porém, mal entrava em vigor a paz, as facilidades comerciais eram abolidas, com os Estados Unidos a protestarem de modo acre contra tais medidas, reclamando como um seu “direito natural” a liberdade de comprar e de vender em qualquer parte do mundo. Adams reconhece que, «também nesta “frente”, se adoptou um tom de elevada moralidade. O norte-americano lutava em benefício da civilização e do género humano. A batalha pela liberdade mercantil era travada, não em exclusivo proveito próprio, mas sim da humanidade. A Espanha representava o despotismo, o fanatismo e a corrupção na América. Combater o seu sistema era o dever do Governo de um povo livre.»
Por sua vez, a juízo do espanhol de finais do século XVIII envolvido na pugna, o “yanqui” era um homem hipócrita, falso e desavergonhadamente rapace. As ideias de governo popular, de democracia e comércio livre que proclamava não visavam outra coisa senão o desprezo pelos direitos alheios, enganar o mundo com falsas promessas e obter disso proveito. Mammon era o deus da nova Fenícia ou da nova Cartago da América, uma mosqueada mescla de puritanos hipócritas, aventureiros sem lei, demagogos descarados e mercadores falhos de consciência.
O SEPARATISMO DO OESTE.
O Estado da União norte-americana era ainda débil. Entre o Leste e o Oeste verificavam-se diferenças de critérios e fricções em matérias como a legislação sobre as terras, a guerra com os índios, as relações com Espanha ou a determinação dos direitos das novas comunidades do Oeste. Na opinião dos “fronteiriços”, o governo federal, ao procurar resolver essas e outras questões, não dava a devida atenção aos interesses e direitos das novas comunidades.
É então que surgem os separatistas do Oeste. O seu argumento favorito era o de que, sozinhos, sem a União, mais fácil e rapidamente poderiam dar satisfação aos seus diferendos com Espanha, fosse quer pela paz, quer pela guerra.
As autoridades espanholas da Louisiana e, por vezes, a própria representação diplomática na capital da União, trataram de incentivar o separatismo, na esperança de cindir a jovem Confederação. Apoiando a secessão de parte do Oeste, a Espanha pretendia transformar o “novo vizinho” numa barreira contra as crescentes ambições expansionistas da União.
O “famigerado” general James Wilkinson era a alma e a figura principal dos separatistas. Alto chefe do exército regular, gozando de autoridade e possuindo vastos interesses no Oeste, manteve durante vários anos negociações secretas com os espanhóis, recebendo grossas somas de dinheiro e chegando mesmo a gozar de uma pensão, a título pessoal, do Governo espanhol.
Wilkinson não foi o único a alimentar tais propósitos. Também Georges Rogers Clark, William Blount, senador dos Estados Unidos e Governador do Tennessee, tal como outras personagens políticas do Oeste, mantiveram contactos com os espanhóis.
Manifestação de um exacerbado espírito “regionalista” próprio dos primeiros tempos da União, o separatismo carecia de uma base real de apoio. Quando o governo federal, colocado perante o perigo de uma secessão, começou a exercer uma maior pressão diplomática sobre os espanhóis, o separatismo rapidamente se “esfumou”, ainda que Wilkinson e, quiçá, alguns outros hajam continuado a receber secretamente subsídios de Espanha.
Em “The Winning of the West”, Teodoro Roosevelt escreveu sobre este tema. «O comentário final de Roosevelt ao vão intento espanhol no apoio ao separatismo dos fronteiriços encerra uma lição que é útil de recordar aos países sul-americanos», diz-nos Ramiro Guerra. “Ouçamos”, pois, as palavras do norte-americano:
«A revolução norte-americana e a vitória na guerra contra a Inglaterra não constituem um facto excepcional na história. O que é singular e grandioso veio depois. Não foi obra da revolução, mas sim criação posterior: a instauração, numa experiência nova na história da humanidade, do sistema de governo republicano e democrático...pelo Segundo Congresso Continental. A marcada diferença entre o destino dos povos de fala inglesa na América e os de fala espanhola funda-se claramente nessa inovação. Sobre o espírito de anarquia e divisão, prevaleceu a visão de grandes estadistas: Washington e Marshall, Hamilton, Jay, John Adams, Charles Cotesworth Pinckney. Sete anos depois de terminada a guerra, entrou em vigor a Constituição. A partir desse momento, os Estados Unidos converteram-se numa verdadeira nação. Se o separatismo houvesse triunfado, a América anglo-saxónica teria sido o palco de várias confederações antagónicas. A revolução norte-americana assemelhar-se-ia às guerras de independência das colónias espanholas. Na história do mundo, não seria mais recordada que essas guerras. Nos conflitos, em si, há similitude, mas depois o paralelo rompe-se bruscamente. As campanhas dos chefes mexicanos e sul-americanos não se diferenciam das dos generais da revolução norte-americana, porém, à obra dos estadistas que criaram a União não há nada de comparável em nenhuma comunidade hispano-americana. A capacidade de transformar os restos de uma confederação quase desfeita numa nação unida e forte traça a aguda linha divisória entre os americanos do Norte e as raças de fala espanhola do Sul...os homens que fundaram a União não têm émulos na América hispânica.»
Passados que são mais de 100 anos, com a ALBA em marcha, a América latina começa a dar uma resposta aos seguidores de “comentários à Roosevelt”, recordando-lhes que houve um Bolívar entre as «raças de fala espanhola do Sul».
PRIMEIRAS CEDÊNCIAS DE ESPANHA.
O governo federal norte-americano prosseguia negociações com a Corte de Madrid, visando o reconhecimento dos limites convencionados no tratado com a Inglaterra (território da Florida ocidental entre os 32º e 26’ e 31º de latitude) e a concessão da liberdade de navegação no Mississipi. Jefferson, então secretário de Estado do presidente George Washington, um dos poucos homens da época capaz de medir a importância do Oeste para o futuro da União, dirigia essa acção diplomática.
Entretanto, por diversas ocasiões, os “fronteiriços” quase provocaram a guerra.
Em 1793, a França revolucionária, em guerra com Inglaterra e Espanha, envia aos Estados Unidos o “cidadão” Genet”. Sem exército nem esquadra naval, Genet entregou patentes de corso contra o comércio espanhol e começou a recrutar voluntários no Oeste para a “reconquista” da antiga província francesa da Louisiana. George Rogers Clark, então em “crise financeira”, foi nomeado comandante em chefe da futura «legião revolucionária francesa do Mississipi».
Genet e Clark pretendiam apoderar-se dos postos militares espanhóis ao longo do Mississipi, de modo a garantir a livre navegação do rio ao comércio do Oeste. Cada soldado participante na expedição receberia, às custas de Espanha, 3.000 acres. Os oficiais, de acordo com o seu posto. O restante despojo conquistado seria dividido, em partes proporcionais, entre os expedicionários.
Perante os repetidos protestos diplomáticos do embaixador espanhol, Washington e Jefferson, que defendiam uma política de neutralidade face ao conflito europeu e não desejavam ver a França substituir-se à Espanha na Louisiana, intervieram, fazendo fracassar os planos de Genet e Clark.
Para alívio do governo federal norte-americano, com a queda dos girondinos e a subida ao poder dos jacobinos, o “incómodo” cidadão Genet foi demitido e intimado a regressar a França, onde o aguardaria um “rendez-vous” com a máquina do Dr. Guillotin (para salvar o seu pescoço, Genet deixou-se ficar pelos Estados Unidos, convertendo-se num pacato cidadão norte-americano).
As companhias de especuladores de terras “separatistas” também ensaiaram várias tentativas de conquista.
A Lord Dorchester, Governador do Canadá, propuseram um plano para a ocupação britânica da Louisiana, prevendo o rápido povoamento do território com “pioneiros” do Oeste. O Mississipi seria aberto à livre navegação e os especuladores embolsariam grandes lucros com o aumento do valor das terras na sua posse. O inglês recusou-se a participar em tal aventura.
As ricas terras do Yazoo, em poder de tribos índias aliadas de Espanha, eram motivo de disputa entre o Estado da Geórgia e o governo federal. Uma parte delas, a compreendida entre os 32º 26’ e 31º de latitude, como já dissemos anteriormente, era também reclamada pelos espanhóis.
James Wilkinson, associado a um grupo de kentuckyanos, tentara obter de Espanha um “pedaço” do território em litígio. Perante a recusa espanhola, Wilkinson e os seus amigos mancomunaram-se com outros especuladores, solicitando agora ao Estado da Geórgia a concessão das terras. A “Corporação” de especuladores recrutou tropas, com “pagamentos” desde os 200 acres para o soldado até aos 6.000 acres do coronel, e reuniu material de guerra. Os especuladores estavam prestes a desencadear a sua expedição “pirata” quando George Washington interveio, impedindo-a.
A especulação de terras na Geórgia atingiu o paroxismo nos inícios de 1795. Corriam então rumores sobre a eminente assinatura de um convénio entre a Espanha e os Estados Unidos, favorável às pretensões norte-americanas. As terras do Yazoo (quase todo o território dos actuais Estados do Mississipi e Alabama) poderiam ser enfim despejadas de índios e colonizadas. Ao preço irrisório de centavo e meio por acre, quatro Companhias de especuladores obtiveram das autoridades da Geórgia, através do Yazoo Land Act, mais de 30 milhões de acres de terras “litigiosas”, parte delas ainda sob o domínio de Espanha. Senadores, membros da câmara de representantes, juízes e outros notáveis, quase sem excepção, eram sócios dessas Companhias. O povo comum, que também cobiçava essas terras, mas fora preterido no “negócio”, em resposta desencadeou motins e a “caça ao especulador”. Cerca de um ano depois, os raros notáveis da Geórgia que não se deixaram enredar na fraude, com o apoio do governo federal, conseguiram por fim anular o Yazoo Act.
Em Espanha, Godoy, o primeiro-ministro de Carlos IV, fazia arrastar as negociações com os norte-americanos, na esperança de alcançar um acordo com os separatistas do Oeste por intermédio do governador da Louisiana, o barão de Carondolet.
O Oeste desenvolvia-se rapidamente e George Washington, em 1795, não querendo suportar por mais tempo as delongas diplomáticas de Madrid, nomeia o hábil e enérgico Thomas Pinckney, da Carolina do Sul, como plenipotenciário especial em Espanha, com instruções para resolver de uma vez por todas as questões pendentes entre os dois países.
John Jay, em nome dos Estados Unidos, assinara no ano anterior um tratado com a Inglaterra. A Espanha e a França, por sua vez, acabavam de firmar, em Basileia, um acordo dirigido contra os ingleses.
Godoy, já desenganado da quimera separatista norte-americana, estava convicto duma derrota espanhola em caso de guerra com os Estados Unidos. Temia também que estes se viessem a juntar aos ingleses no grande conflito que se avizinhava. Por tudo isto, pondo fim à sua diplomacia dilatória e adoptando uma postura amistosa para com os Estados Unidos, Godoy firmou com Pinckney o tratado de 1795.
Dando satisfação às reclamações dos Estados Unidos, a fronteira da Florida Ocidental é fixada no paralelo de 31º de latitude norte e o Mississipi aberto à navegação comercial norte-americana, com a concessão de armazéns para depósito de mercadorias em Nova Orleães, na margem leste. Esta concessão era outorgada pelo prazo de três anos. Ao fim desse tempo, devia renovar-se ou, então, ser concedida num outro local.
Com o convénio de 1795, o crescimento do Oeste acelerou-se e o avanço norte-americano para sul tornou-se mais acentuado. Em Nova Orleães e na fronteira das Floridas, aumentam as pressões dos “fronteiriços” sobre o território espanhol, e nos longínquos limites do Texas, pressagiando o ulterior conflito, começam a surgir os primeiros aventureiros norte-americanos.