O espaço da História

Capítulo III - A política exterior da República Francesa antes da formação da Entente

1. A POLÍTICA COLONIAL.

Quando Clemenceau se colocou pela primeira vez à cabeça do governo da França, todas as questões políticas internas estavam a ser deslocadas, cada vez mais, para segundo plano, ganhando proeminência os problemas da política exterior. Haverá ainda que falar sobre este ministério Clemenceau; mas antes disso temos de nos ocupar, numa breve resenha, das principais correntes da política exterior francesa desenvolvida no decurso dos primeiros trinta anos da existência da III República, desde a paz de Frankfurt, em 1871, até ao começo da aproximação anglo-francesa, em 1902-1903.

Nos primeiros anos que se seguiram à derrota de 1870-1871, a França esteve inteiramente empenhada no cicatrizar das suas feridas, reconstruindo o exército, pagando os 5.000 milhões de francos de indemnizações de guerra, e em levar a cabo o debate acerca da forma de governo que haveria de adoptar. A 5 de Setembro de 1873 foi entregue o último milhar de milhões de francos aos vencedores, e onze dias depois, a 16 de Setembro, as derradeiras tropas alemãs abandonaram o território francês. Em 1875 Bismarck ainda acalentava a intenção de atacar novamente a França, a fim de a abater duma vez por todas e privá-la do seu lugar entre as grandes potências. Porém a Inglaterra e a Rússia mostraram-se alarmadas e manifestaram a Berlim o seu descontentamento. Bismarck desistiu então duma nova confrontação militar. Estes sucessos não só não induziram a França a interromper o seu rearmamento e a reorganização do exército, como, bem pelo contrário, a incentivaram a acelerar as reformas militares, de tal maneira que nos inícios da nona década do século XIX ela já de novo podia ser contada entre as grandes potências militares da Europa. Todavia a França carecia de aliados, e não podia pensar num conflito com a Alemanha. Bismarck, por seu lado, perdida a esperança numa nova e rápida guerra de destruição da França, começou a desenvolver uma política que visava afastar os franceses dos assuntos europeus, encaminhando-os para longínquas empresas coloniais. Já no decurso do congresso que se reuniu em Berlim em 1878, o chanceler alemão entabulara conversações particulares com os representantes da França, demonstrando simpatia pela ideia da conquista francesa de Túnis. Pouco tempo depois, Paris decidiu-se a empreender essa expedição e, em 1881, a Tunísia é conquistada e declarada protectorado francês. Além de assim a afastar dos assuntos europeus, Bismarck podia contar com o facto de que as empresas no ultramar haveriam de seguramente inimizar a França com outras potências coloniais. Com efeito, a conquista da Tunísia irritou sobremaneira a Itália, que também abrigava o propósito de conquistar esta região, e, em consequência, foi muito fácil para o chanceler atrair os italianos à aliança já pré-existente entre a Alemanha e a Áustria, que desde então se passou a chamar a Tríplice Aliança. E os outros empreendimentos coloniais da França (a conquista da Indochina em 1984-1985, a sujeição gradual da África Central a partir de finais de 1880, a conquista da vasta ilha de Madagáscar em 1895) foram progressivamente piorando, dum modo muito pronunciado, as relações entre franceses e ingleses. Assim, deste ponto de vista, os cálculos de Bismarck revelaram-se perfeitamente acertados. Porém, por outro lado, os círculos imperialistas alemães mostravam-se muito descontentes pelo facto da República Francesa ter conseguido formar, nuns quinze a vinte anos, um grande império colonial que superava em quase dezassete vezes o território da França propriamente dita [provavelmente Tarlé estará aqui a considerar a expansão colonial francesa até ao ano de 1995], enquanto a Alemanha apenas pudera adquirir umas quantas colónias que ficavam muito aquém das francesas tanto na extensão como no seu valor.

Mesmo na própria França, esta intensa e impetuosa política colonial suscitou não poucos protestos e censuras. Em 1885 caiu o ministério de Jules Ferry, um partidário decidido das empresas coloniais, em virtude dos furibundos ataques de Clemenceau, dirigente da oposição radical. Nesta questão, Clemenceau estava a expressar as opiniões e o ponto de vista de numerosos e influentes sectores da pequena burguesia, que consideravam, à época, as distantes guerras coloniais como algo de absolutamente desnecessário e, inclusive, para eles perigoso (ao invés, o grande capital deu o total apoio a Ferry). Ao atacar a política de expansão colonial, Clemenceau nunca se esquecia de assinalar que o que importava à França era a concentração de todas as suas forças na Europa, com vista à protecção das fronteiras orientais, perenemente ameaçadas pela Alemanha.

Todavia, não obstante a oposição de Clemenceau, as conquistas coloniais prosseguiram quase ininterruptamente. Basta-nos constatar que quase 85% das possessões coloniais que a França possuía em 1914 haviam sido precisamente conquistadas no período compreendido entre 1880 e 1914, e que menos de 15% correspondiam a conquistas anteriores à III República. A França ocupava agora o segundo lugar, logo após a Inglaterra, entre as grandes potências coloniais.

Assim, a política colonial francesa vinha-se desenvolvendo de forma impetuosa já com anterioridade a 1891, ano em que foi concertada a aliança com a Rússia.

 

2. A ALIANÇA FRANCO-RUSSA.

 

A aliança franco-russa foi um arranjo diplomático que se tornou quase inevitável ao dar-se, em 1879, a aliança entre a Alemanha e a Áustria, e mais ainda quando, em 1882, a Itália aderiu ao eixo austro-alemão, dando lugar ao aparecimento da Tríplice Aliança. Esta última era dirigida, de modo manifesto e directo, tanto contra a França como contra a Rússia, e revelava-se, desde logo, mais poderosa do que qualquer um destes dois países, isoladamente considerado. E a situação da Rússia e da França tornou-se ainda um tanto mais crítica, na nona década do XIX, porquanto ambas as potências se achavam num estado de relações muito tensas com a Inglaterra. A França ia penetrando, ano após ano, lenta mas inexoravelmente, na África Central, movendo-se de oeste para leste e tendo por objectivo bem preciso o curso superior do Nilo. Assim, e também ano após ano, se tornava mais evidente que, mais tarde ou mais cedo, a França ali faria a sua aparição, colocando em risco o domínio inglês no Egipto. Quanto à Rússia, os seus exércitos tinham chegado às fronteiras do Afeganistão, e uma ameaça à Índia parecia perfeitamente plausível, senão no imediato, pelo menos no futuro. Dadas essas circunstâncias, a imprensa inglesa, fosse ela conservadora ou liberal, aplaudiu a criação da Tríplice Aliança, vendo nela um freio aos propósitos de franceses e russos. Acresce ter-se o governo inglês inteirado de que a Itália, ao entrar nessa aliança, se reservara o direito de não tomar parte no conflito no caso de qualquer um dos seu aliados atacar a Inglaterra.

A entrada da Itália na Tríplice Aliança era ditada por duas considerações: em primeiro lugar, no fito de criar um contrapeso em relação à França, que acabava de apoderar-se de Túnis; e, em segundo lugar, pelo seu desejo de estabelecer relações mais razoáveis com a vizinha Áustria, que a Itália não podia deixar de temer.

Crispi, o presidente do conselho de ministros italiano, Kálnoky, ministro dos Negócios Estrangeiros da Áustria-Hungria, e Bismarck, o chanceler do Império Alemão, foram os estadistas que mais se empenharam em consolidar a Tríplice Aliança. Pelos finais dos anos oitenta, esta aliança, não apenas pelos recursos de que dispunha como ainda pela extrema solidez de toda a sua estrutura, aparentava ser uma poderosa edificação diplomático-militar.

Para Bismarck, era uma aliança necessária para a conservação do statu quo então existente na Europa, sendo também uma protecção contra a permanente ameaça da França, que não se conformava com a perda da Alsácia-Lorena. Para os belicosos círculos dos grandes capitalistas alemães, uma estreita colaboração com a Áustria era vital para a penetração das suas mercadorias e capitais nos Balcãs e na Turquia asiática. E para a Áustria, essa aliança constituía uma defesa contra uma eventual agressão russa. Já nos referimos às razões que levaram a Itália a tomar parte no acordo; apenas há a acrescentar que o capital industrial e comercial alemão, no decurso das três ultimas décadas (as de 1880, 1890 e 1900), assentara sólidos arraiais na península itálica, vinculando assim a Itália à Alemanha através de laços muito poderosos e complexos.

A França e a Rússia, nos extremos opostos do continente europeu, viam-se isoladas e num regime de incomunicabilidade, defrontando-se com a poderosa Tríplice Aliança e a ainda mais hostil e temível Inglaterra. Todas estas circunstâncias insinuaram no governo francês a ideia da aproximação à Rússia, e levaram o czar Alexandre III, nos finais da nona década do século, a acolhê-la de forma ainda mais receptiva (5). Com efeito, já nos anos de 1881 e 1882, Léon Gambetta por um lado, e o general russo Skobeliev, o “herói de Plevna”, por outro, haviam levado a cabo uma campanha de agitação a favor duma aliança franco-russa. Alexandre III temeu, por certo tempo, irritar a Alemanha, e procurando, em simultâneo com as tentativas de aproximação à França, não romper as relações com o Império alemão, deu a sua anuência, em 1887, à assinatura do acordo que lhe foi proposto por Bismarck, onde se estabelecia que, no caso de qualquer potência se lançar em guerra contra a Alemanha, a Rússia se obrigava a guardar neutralidade, sendo idêntica obrigação tomada pela Alemanha em relação à Rússia. Poderia parecer, pois, que dali em diante uma aliança franco-russa se tornaria desnecessária. Mas a verdade é que a propaganda a favor da sua concretização não cessava, e nela convergiam as mais heterogéneas tendências e interesses.

 

(5) E. V. Tarlé, “Alexandre III e o general Boulanger”, Krasny arkhiv (Arquivo vermelho), 1926, t. I, págs. 260-261.

 

Afora as já mencionadas considerações de índole política, jogavam ainda a favor desta aliança os interesses das mais influentes classes sócio-económicas em ambos os países. Por um lado, os capitais “excedentes” franceses, logo a partir do final da sétima década (ainda na época do Império), buscavam uma aplicação vantajosa no estrangeiro e, pelos finais da nona década, esta necessidade de investimento lucrativo dos capitais sem colocação interna havia-se tornado de tal forma imperiosa que levava os capitalistas e os bancos franceses a investir, por toda a parte, somas consideráveis em empresas por vezes muito arriscadas, contanto que estas lhes prometessem altas percentagens de lucro. Neste campo a Rússia oferecia enormes vantagens. Em primeiro lugar, podia pagar elevados interesses sobre os capitais invertidos e, em segundo, o Império Russo configurava-se então como um país muito mais sólido e estável para as aplicações de capital do que qualquer uma das pequenas Repúblicas da América Central ou do que os países balcânicos ou a Turquia, nações para onde também ia o capital francês. Em particular, a solvência da Rússia tornar-se-ia ainda mais estimável, aos olhos não só dos grandes capitalistas como também dos pequenos detentores de valores bancários, muito influentes em França, se os empréstimos russos fossem garantidos pelo governo francês; e este podia (e tinha intenções de) oferecer tal garantia desde que a Rússia anuísse a uma aliança com a França. Para a Rússia, poder ter à sua disposição esses enormes fundos “em sobejo” significava obter a oportunidade de desenvolver amplamente tanto a actividade fabril e industrial como a construção de novas vias-férreas. Toda a política aduaneira proteccionista de Alexandre III foi orientada no sentido do reforço da produção russa, mas um tal objectivo seria extremamente difícil de alcançar sem a larga e constante afluência da torrente de ouro francês. Assim, a industrialização na Rússia foi continuamente impulsionada para a frente, pelos capitais franceses, nos reinados de Alexandre III e Nicolau II. No total, a França tinha invertido na Rússia (em 1917 [o texto da Editorial Futuro refere o ano de 1912, mas pensamos que se trata dum lapso]) mais de 13.000 milhões de francos ouro.

No ano de 1890 desapareceu o último obstáculo à concertação desta aliança: o tratado de 1887 entre a Rússia e a Alemanha, que Bismarck, o seu artífice, designara de “tratado de segurança mútua”, não foi renovado. Acontecera que, precisamente em meados de Março de 1890, quando o conde Shuvalov regressava de Berlim a Petersburgo para a renovação do tratado de 1887, Bismarck fora obrigado (17 de Março de 1890) a renunciar ao cargo de chanceler, perdendo o tratado a sua validade. Posteriormente, tiveram lugar as visitas oficiais da esquadra francesa a Kronstadt e da frota russa a Toulon, bem como a celebração, a partir de 1891, duma aliança ofensiva/defensiva entre o Império Russo e a República Francesa. Ambas as potências se comprometiam, no caso de guerra entre uma delas e a Alemanha, a intervir de imediato e com todas as suas forças em ajuda da aliada.

Ao longo dos seus vinte e três anos de existência (1891-1914), a aliança franco-russa atravessou por dois diferentes períodos. No decurso do primeiro, de 1891 a 1907, a diplomacia russa nunca manifestou o mínimo desejo de entrar em guerra com a Alemanha ou, sequer, de conduzir contra ela qualquer luta diplomática de carácter prolongado e sério, fosse qual fosse o motivo. Também a França estava muito longe de abrigar quaisquer propósitos agressivos, não só pela ausência de vontade da Rússia em lançar-se numa acção bélica contra a Alemanha, mas ainda por toda uma série de outras circunstâncias: de início (1891-1901), devido ao recrudescer da luta com a Inglaterra, e logo em seguida, especialmente a partir de 1904, em virtude do enfraquecimento da Rússia, que fora arrastada para uma guerra no Extremo Oriente. O outro período começa na segunda metade do ano de 1907 e prolonga-se até ao rebentar da guerra em 1914. Em Setembro de 1907 foi formalmente oficializado o acordo anglo-russo (celebrado em Agosto desse mesmo ano) que regulou todas as questões políticas da Ásia em que os interesses de ambas as potências se confrontavam; e a partir de então a Inglaterra aderiu de facto à aliança franco-russa, se bem que não se tenha formalmente vinculado com esta aliança por meio de qualquer obrigação. Desde esse instante, tanto nos círculos governantes franceses como nos russos, espalha-se e vai ganhando força a convicção de que a Tríplice Aliança haveria de revelar-se, no momento decisivo, mais fraca que a Entente (assim se chamou ao eixo anglo-franco-russo). Essa ideia foi-se reforçando tanto mais quanto a Itália se afastava, ano após ano num grau crescente, da Alemanha e da Áustria e se aproximava da Entente. Neste caso, quem estava a exercer a sua poderosa influência sobre a Itália era a Inglaterra; e não era um segredo para ninguém que a primeira não podia nem queria entrar em guerra contra o bloco de países de que a Inglaterra fazia parte: toda a extensa costa do litoral italiano ficaria sem defesa perante um ataque da frota britânica. Além de que, ao passar-se para o lado da Entente, a Itália poderia acalentar a esperança de, mais tarde ou mais cedo, arrancar à Áustria o Trentino e a região de Trieste.

Todas estas circunstâncias vieram intensificar, em certa medida, a actividade da aliança franco-russa frente à Alemanha e à Áustria. Disto falaremos mais detalhadamente a seu devido tempo; aqui apenas é de sublinhar que, na sua primeira fase, na última década do século XIX, a aliança franco-russa se encontrava orientada, na sua frente de hostilidades, não contra a Alemanha mas sim contra a Inglaterra. E foi precisamente no decurso desses anos que o agravamento das relações anglo-francesas atingiu o seu auge.

 

3. A SITUAÇÃO APÓS FASHODA.

 

De facto, a vitoriosa marcha dos franceses através da África Central encerrava um perigo enorme. Os franceses avançavam (lentamente, por decénios, mas todavia de modo ininterrupto) de oeste para leste, do Atlântico em direcção ao Índico, na mesma época em que os ingleses, conquistando a África Oriental, se moviam (também eles durante décadas, lenta mas ininterruptamente) ao longo do vale do Nilo, do norte para sul. Os especialistas em matéria colonial já haviam previsto, desde há muito, que num dado momento ambos os percursos se haveriam de encontrar e, certamente, de forma hostil. O ponto de intersecção destes dois movimentos veio a dar-se na aldeia de Fashoda (actualmente, Kodok), no Nilo Superior, quando ali chegaram, com um curto espaço de tempo a mediá-los, as tropas francesas do comandante Marchand e um destacamento inglês às ordens de Sir Kitchener. Desencadeou-se então um agudo conflito diplomático que atingiu a sua máxima tensão quando já ia avançado o Outono de 1898. Lord Salisbury, nessa altura à cabeça do governo inglês, começou por ameaçar muito claramente com uma guerra caso os franceses não se retirassem de Fashoda. O governo francês viu-se obrigado a ceder. O ulterior caminho para o leste de África fora assim fechado para os franceses. Em França, a irritação provocada por este incidente não se apossou apenas dos círculos do grande capital, mas também de alguns sectores da pequena burguesia, classe que, como já se assinalou anteriormente, não era no entanto favorável, nesta época, à política colonial. A palavra “Fashoda” tornou-se um termo de opróbrio, um sinónimo de humilhação nacional para a França. Na imprensa francesa (inclusive na de orientação mais nacionalista) começaram a ouvir-se vozes que perguntavam, pela primeira vez, quem é que devia ser considerado como o eterno e hereditário inimigo da França, sê-lo-ia a Alemanha e não, na verdade, a Inglaterra? Neste ambiente, a guerra anglo-boer, que se iniciou em 1899, provocou em França uma onda de ardente simpatia para com os boers e um grande entusiasmo por ocasião das suas primeiras vitórias sobre os ingleses. Nos círculos nacionalistas da Rússia e da França chegou mesmo a manifestar-se, num dado momento, a tendência a intervir diplomaticamente, nesta guerra, em favor dos boers. Tentou-se até atrair a Alemanha para uma intervenção geral das grandes potências contra a Inglaterra, tentativa essa que foi posteriormente revelada por Guilherme II na conhecida entrevista que concedeu, em 1908, ao correspondente do Daily Telegraph. Mas, na verdade, o assunto limitou-se a alguns projectos, a umas quantas conversações e aos artigos jornalísticos.

Tal era o estado geral dos ânimos nos círculos governantes da França pelos começos do século XX. Jamais, ao longo de toda a existência da III República, se manifestara como no período de 1898-1900 uma tão grande vontade de pacificação nas relações com a Alemanha, em consequência directa da decidida e acérrima hostilidade para com a Inglaterra. Chamava-se a Fashoda “o segundo Sedan” e exigia-se a vingança desse “opróbrio nacional”. Por seu lado, os principais órgãos da imprensa inglesa, com o Times à cabeça, sustentavam uma campanha violenta, recorrendo às ameaças, contra as pretensões francesas no vale do Nilo, mantendo também uma posição francamente hostil frente aos círculos militares franceses que, naqueles anos, defendiam a irrevogabilidade da sentença condenatória no processo Dreyfus. É de recordar que, precisamente nesta época, esse caso atingira a sua fase mais aguda, agitando acerbamente toda a nação francesa.

Tudo parecia fazer crer que o objectivo de Bismarck, já evidenciado pelos finais da oitava década, ao empurrar a França para empresas colonialistas, havia sido alcançado: a França entrara em áspera disputa com a Inglaterra e, com isso, a sua posição na Europa fora debilitada. Se não houvesse falecido no Verão de 1898, ainda antes do incidente de Fashoda, Bismarck teria podido constatar a que ponto estava próxima a realização da sua antiga esperança. Todavia, nem ele nem os seus sucessores contavam com a brusca e inesperada reviravolta que repentinamente se deu, a partir dos primeiros anos do século XX, na política inglesa, provocando uma nova orientação no conjunto das relações internacionais das grandes potências europeias. Para compreender como ocorreu essa mudança (ou melhor, essa perturbação da anterior correlação de forças internacional), há que analisar, ainda que seja brevemente, as linhas fundamentais da história inglesa no decurso dos últimos decénios do século XIX.