O espaço da História

Breves

cronicas3   

Pode adquirir o livro
"Crónica da regência e do reinado de D. João I",
nas seguintes lojas online:
   bertrand2wook2
    almedina2
   

1914 - A Frente Ocidental

A FRENTE OCIDENTAL

Os confrontos militares da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) verificaram-se em todos os continentes e em todos os mares. Na Europa, a guerra desenvolveu-se em quatro frentes: a Frente Leste, que opôs a Alemanha e a Áustria-Hungria à Rússia, a Frente dos Balcãs, que começou com o conflito entre a Áustria-Hungria e a Sérvia, a Frente Italiana, a partir de 1915, entre a Itália e a Áustria-Hungria, e a Frente Ocidental, onde se confrontaram as forças da Alemanha contra as da França, da Bélgica e do Reino Unido (os Aliados), numa fase inicial, mas à qual se juntaram outras Potências, entre as quais Portugal, em 1917. Tanto a França como o Reino Unido, utilizaram, na Frente Ocidental, tropas das suas colónias, protetorados ou domínios: Marrocos, África Ocidental Francesa, Índia, Austrália, Nova Zelândia, Canadá.

Na Frente Ocidental, as operações militares tiveram início no dia 2 de agosto de 1914, quando o exército alemão entrou no Luxemburgo e terminaram às 11H00 do dia 11 de novembro de 1918, quando entrou em vigor o armistício estabelecido entre a Alemanha e os Aliados. Durante os quatro anos e três meses de duração da guerra, os exércitos que tinham começado a movimentar-se com uma considerável rapidez, em especial o exército alemão, acabaram por ficar prisioneiros das longas linhas de trincheiras que se estendiam do Mar do Norte à fronteira com a Suíça. Esta linha de trincheiras ficou estabelecida no primeiro ano de guerra e a história do conflito na Frente Ocidental, até novembro de 1918, é a história das sucessivas tentativas, de cada um dos lados, para quebrar a continuidade dessa extensa proteção coletiva.

Ao longo da guerra, assistimos à introdução de armas e equipamentos dependentes dos avanços tecnológicos: a evolução da aviação, dos navios e, especialmente, dos submarinos, a utilização de diferentes tipos de gás, apesar da sua proibição pelas convenções internacionais, os primeiros carros de combate (os tanks, como os chamam nos países anglo-saxónicos) e muitos outros equipamentos e armamentos.

 

A SITUAÇÃO NAS VÉSPERAS DA GUERRA

Os blocos antagonistas

A Alemanha e a Áustria-Hungria estavam ligadas pela Aliança Dual, firmada em 1879 e concebida como resposta à ameaça russa e que estipulava que, se um dos signatários fosse atacado pela Rússia, o outro, obrigatoriamente providenciaria apoio militar. A estas duas potências juntou-se a Itália em 1882, apesar da questão do irredentismo italiano que poderia conduzir a um confronto com a Áustria-Hungria. Este conjunto formava a Tríplice Aliança. No início da guerra, a Itália assumiu um estatuto de neutralidade e, por isso, prevaleceu a Aliança Dual e as duas Potências que a formavam também ficaram conhecidas como Potências Centrais. Esta designação estendeu-se, mais tarde, aos seus aliados, a Turquia e a Bulgária.

A França e a Rússia estavam ligadas por uma aliança militar, desde 1892. Mais tarde, em 1904, a França e o Reino Unido estabeleceram um acordo que ficou conhecido como Entante Cordiale, acordo que abriu caminho para relações mais estreitas entre a França e o Reino Unido, nomeadamente nos assuntos militares. O mesmo tipo de acordo foi estabelecido em 1907 entre o Reino Unido e a Rússia. Estes acordos, com a aliança franco-russa, ficaram conhecidos por Tríplice Entente e o conjunto das Potências que a constituíam ficou conhecido como "Aliados", expressão que abarcou também os outros países que se lhes juntaram na luta contra as Potências Centrais.

 

 Por Claudiovia - Obra do próprio, CC BY-SA 4.0,

https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=36526381.

Os planos e as estratégias adotadas

A estratégia da Alemanha estava definida no chamado Plano Schlieffen. Consistia em conter a Rússia na Frente Oriental e lançar um ataque muito rápido à França para que, após a derrota deste país, a maior parte das forças alemãs fosse transportada para leste de modo a lançarem uma ofensiva sobre a Rússia. Helmuth von Moltke (1848-1916), que sucedeu a Alfred von Schlieffen (1833 - 1913) no cargo de Chefe do Estado-Maior General alemão, introduziu alterações importantes no plano original desenvolvido pelo seu antecessor. A causa das alterações introduzidas no plano que, segundo Schlieffen, devia ter uma ala direita (norte) muito forte - cerca de 90% das forças capazes de executar um movimento torneante - foi a previsão de que a principal ofensiva francesa contra os alemães seria lançada na Alsácia-Lorena. Ao contrário de Schlieffen, Moltke não pretendia perder, mesmo que temporariamente, território alemão. Assim, Moltke enfraqueceu o dispositivo que iria executar o movimento torneante, onde concentrou apenas 60% das forças disponíveis. Outra alteração introduzida teve a ver com a passagem de forças alemãs pelo sul da Holanda (atualmente, Países Baixos, Nederland), Estado neutral, reduzindo o espaço de manobra para a sua ala direita.

931px Schlieffen Plan

Por Tinodela - www.dean.usma.edu, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=605803

Os franceses tinham desenvolvido o Plano XVII e, tal como Moltke previra, o esforço seria feito na Alsácia-Lorena enquanto o eixo de aproximação que atravessava a Bélgica seria coberto por uma força de menor dimensão e por uma prometida força expedicionária britânica. O conjunto das forças francesas e britânicas era inferior ao conjunto das forças alemãs que, de acordo com o Plano Schlieffen, deviam avançar através da Bélgica. Os franceses não previram a grande capacidade alemã de mobilizar e utilizar um número tão elevado de unidades de reserva. O Plano XVII foi desenvolvido pelo Estado Maior francês, sob a direção do General Joseph Jacques Césaire Joffre (1842-1931), Commandant-en-Chef des Armées Francaises, desde agosto de 1914 até novembro de 1916.

«Tal como as outras potências, a Grã-Bretanha tinha desenvolvido planos para uma guerra curta. Ao contrário das outras potências, esperava principalmente travar uma guerra naval baseada no bloqueio das rotas comerciais do inimigo e não possuía um exército de massas nem um sistema de conscrição (recenseamento para o serviço militar obrigatório).» [POPE & WHEAL, «Great Britain», pp. 205-209.] A British Expeditionary Force (BEF), enviada para a Frente Ocidental em agosto de 1914, já tinha sido planeada desde aproximação franco-britânica iniciada com a Entente Cordiale. No entanto, como vimos, as características do exército britânico não permitiriam o empenhamento de uma força tão numerosa como as da França ou da Alemanha. Pelo contrário, em termos numéricos estava previsto apenas o empenhamento de seis divisões de infantaria mais todos os apoios de combate, logísticos e administrativos, muito menos que as dezenas de divisões que constituíam os cinco exércitos franceses ou os sete exércitos alemães, contando apenas os que se foram empenhados na Frente Ocidental, no início das hostilidades. As primeiras forças do BEF desembarcaram no Continente Europeu a 7 de agosto.

 

AS DECISÕES PARA A GUERRA

No dia 28 de junho de 1914, em Saraievo, capital da Bósnia, um estudante bósnio revolucionário, Gavrilo Princip (1894–1918), disparou sobre o Arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do trono austro-húngaro e da sua esposa Sofia Chotek, Duquesa de Hohenberg. Ambos acabariam por morrer poucos minutos depois. O Governo da Sérvia foi imediatamente acusado de estar implicado nestes acontecimentos, não diretamente, mas pelo apoio que dava aos movimentos eslavos dentro do Império Austro-Húngaro. Para a Sérvia, a anexação da Bósnia pela Áustria em 1908 foi um revés importante para a Sérvia porque lhe cortava a saída para o mar. Sabemos que Gravilo e outros revolucionários foram apoiados por uma sociedade secreta sérvia conhecida por “Mão Negra” e que esta era dirigida por Dragutin Dimitrijević (1876 – 1917), oficial do Exército da Sérvia.

Após um processo longo e pouco claro em que a Áustria recebeu inequívocas garantias de apoio por parte da Alemanha, o Governo austro-húngaro enviou um ultimato ao Governo sérvio. O ultimato austríaco foi entregue em Belgrado, no dia 23 de julho à noite, ou seja, quase um mês depois do assassinato do príncipe herdeiro, exigindo uma resposta num prazo de quarenta e oito horas. O ultimato enviado à Sérvia foi imediatamente conhecido pelos governos das outras potências europeias. No dia seguinte, o Governo russo mandou mobilizar treze corpos de exército (CE) e anunciou que a Rússia não podia ficar indiferente ao que sucedesse à Sérvia.

A Sérvia respondeu ao ultimato austríaco no limite do prazo estabelecido, às dezoito horas do dia 25 de julho. Na sua resposta, concordou com todas as exigências austríacas, exceto no que respeitava à participação da Áustria no processo judicial dentro da Sérvia. Neste caso, a Sérvia pediu que essa exigência fosse submetida ao Tribunal Internacional de Haia. Todos os observadores externos consideraram a resposta sérvia como conciliatória, até mesmo humilhante, mas meia hora após a resposta ter sido entregue, o embaixador austríaco deixou Belgrado. A capital da Sérvia fica na margem sul do Danúbio e a margem norte era, então, território austro-húngaro. Esta localização tornava a cidade muito vulnerável às ações militares austríacas e, receando um ataque imediato à sua capital, o Governo mudou-se para a cidade de Nis, a sul. Entretanto, às três da tarde desse dia o Governo sérvio decretou a mobilização geral.

Todas as propostas, da Rússia ou do Reino Unido, no sentido de serem iniciadas negociações tendo em vista a resolução desta crise foram rejeitadas pela Áustria ou pela Alemanha. No entanto, até o imperador alemão Guilherme II, ao ler o texto integral do ultimato e a resposta sérvia, o que aconteceu apenas no dia 28 de julho, «não viu qualquer razão para que a Áustria declarasse guerra, e escreveu à margem da resposta da Sérvia: “É uma grande vitória moral para Viena; mas com ela, remove-se qualquer motivo para a guerra, e Giesl [Wladimir Giesl von Gieslingen, diplomata austro-húngaro] deve manter-se tranquilo em Belgrado. Neste sentido, eu nunca deveria ter dado ordens para a mobilização”. E sugeria que “como uma visível satisfação d’honneur para a Áustria, o exército austríaco deve ocupar temporariamente Belgrado a título de penhor” … “de um modo geral, os desejos da Monarquia do Danúbio foram cumpridos. As poucas reservas que a Sérvia coloca em relação a questões pontuais podem, em minha opinião, ser esclarecidas por meio de negociações. Mas contém o anúncio urbi et orbi [Por toda a parte] de uma capitulação de forma mais humilhante, e com ela se removem quaisquer motivos para uma guerra.”» No entanto, às 12H00 desse mesmo dia (28), a Áustria declarou guerra à Sérvia. [GILBERT, 1994, p. 63]

Por enquanto, tratava-se apenas de um caso de guerra entre a Áustria-Hungria e a Sérvia, mas todos os governos providenciaram por forma a não serem apanhados desprevenidos. A mobilização é um processo demorado e, sendo assim, era necessário iniciá-lo quanto antes. Previa-se que a Alemanha mobilizasse muito mais depressa que a Rússia, mas a diferença já não seria tão grande relativamente à França. A Áustria-Hungria iniciou o seu processo de mobilização a 26 de julho e, por isso, não estava pronta para enfrentar a Sérvia quando declarou guerra no dia 28. Não deixou, no entanto, de iniciar as hostilidades bombardeando Belgrado no dia 29 de julho, mas só no dia 12 de agosto, as forças austro-húngaras atravessaram a fronteira e invadiram a Sérvia.

[Sobre a invasão da Sérvia, ver o artigo https://www.oespacodahistoria.com/index.php/202-a-primeira-guerra-mundial-nos-balcas]

Entretanto, declarada a guerra entre a Áustria-Hungria e a Sérvia, e iniciadas as hostilidades com o bombardeamento de Belgrado, as restantes potências iniciaram um processo de mobilização, envio de ultimatos e declarações de guerra. Na manhã de 29 de julho, a Rússia ordenou uma mobilização parcial e houve troca de telegramas entre Nicolau II da Rússia e Guilherme II da Alemanha no sentido de ser encontrada uma solução pacífica. Nicolau II propôs que o problema entre a Áustria e a Sérvia fosse levado ao Tribunal Internacional de Haia. Por seu lado, Guilherme II propunha que a Rússia se mantivesse afastada do conflito de modo a evitar o alastramento da guerra e oferecia-se para ajudar a obter um entendimento entre a Rússia e a Áustria. Nem a Áustria pretendia apresentar a questão em Haia, nem Guilherme II conseguiu dissuadir o seu Estado-Maior General de tomar as medidas necessárias perante a mobilização parcial da Rússia. A Alemanha iniciou uma mobilização parcial e, quando esta notícia chegou ao Governo russo, Nicolau II autorizou a mobilização geral. Eram 16H00 do dia 30 de julho.

No dia seguinte, o Governo alemão pressionou o Governo austríaco para este não mobilizar contra a Rússia, mas nessa mesma manhã, o general Helmuth von Moltke, chefe do Estado-Maior General alemão, pressionou o seu homólogo austríaco, o general Franz Conrad, para uma mobilização imediata. Na execução do Plano Schlieffen, a maioria das forças alemãs seriam empenhadas inicialmente a ocidente e, para poupar forças a oriente, era necessário que a Áustria interviesse contra os russos.

 

AS OPERAÇÕES MILITARES

As operações militares na Frente Ocidental tiveram início com a ofensiva alemã através do Luxemburgo e da Bélgica e com as ofensivas francesas na região da Alsácia-Lorena, ofensivas previstas no Plano XVII, contrariadas pela contraofensiva alemã que obrigou as forças francesas a executar uma série de retiradas que só terminaram com a Batalha do Marne (5 a 12 de setembro de 1014), pondo fim às esperanças alemãs de derrotarem a França nos termos previstos no Plano Schlieffen. Após o sucesso dos Aliados no Marne, ambos os lados iniciaram uma série de movimentos e combates com o objetivo de envolver o flanco adversário a norte. A incapacidade de cada uma das partes em realizar este objetivo levou a que as forças se movimentassem cada vez mais naquela direção, aproximando-se do Mar do Norte. Esta tentativa de tornear ou atacar diretamente o flanco norte do adversário, à medida que se protegiam com a construção das trincheiras sempre que os recontros acabavam em ofensivas fracassadas, para ambos os lados, ficou conhecida por "corrida para o mar". As trincheiras estenderam-se por uma linha com mais de 650 Km, da fronteira com a Suíça ao Mar do Norte. Esta linha definiu a Frente Ocidental, com variações pouco significativas até ao final da guerra, cerca de quatro anos mais tarde.

Embora o conflito em questão adquirisse uma natureza global e se fizesse sentir com maior ou menor intensidade em todos os continentes, a imagem mais evocada da Primeira Guerra Mundial é a da Frente Ocidental. Aquela foi, antes de mais, uma guerra europeia que se estendeu por muitos territórios que, sob diversas formas, eram governados, direta ou indiretamente, pelas Grandes Potências europeias e até por pequenas Potências como Portugal. Foi, portanto, na Frente Ocidental que se decidiu a guerra. É também na Frente Ocidental que podemos encontrar a maior variedade de combatentes de várias origens, oriundos de países independentes como os EUA ou o Brasil, mas também de domínios, protetorados ou colónias como a Austrália, a Nova Zelândia, a Índia, Marrocos ou os "senegaleses", como eram chamadas as tropas oriundas da África Ocidental Francesa, e muitos outros.

 

A invasão da Bélgica

Que os militares alemães tinham elaborado um plano que implicava, em caso de guerra com a França, atravessar o território belga, não era um assunto desconhecido dos serviços de informações franceses ou belgas. Claro que o plano, nos seus pormenores e até nas linhas gerais, era conhecido apenas no Estado-Maior General alemão. No entanto, o estudo que cada um fazia dos seus prováveis inimigos e as atividades de preparação dos planos que não podiam ser escondidas — reconhecimentos, exercícios de campo, preparação de infira-estruturas — permitiam tirar algumas conclusões. Embora a Bélgica fosse um país neutral e a sua independência e neutralidade estivesse garantida pelo Tratado de Londres de 1839, subscrito pelas Grandes Potências europeias - a Alemanha apresentava-se como herdeira dos compromissos assumidos pela Prússia – o seu governo não deixou de tomar providências. Tinha já iniciado um sistema de reformas, mas que devia estar concluído apenas em 1926.

Em novembro de 1913, o rei Alberto I da Bélgica visitou Berlim e, num ambiente de grande tensão que já se vivia na Europa, a questão de uma guerra próxima não podia deixar de ser alvo de conversa entre as elites governantes. Tanto Guilherme II da Alemanha como o seu Chefe do Estado-Maior General, Helmuth von Moltke, aconselharam Alberto I a manter-se ao lado das Potências Centrais em caso de conflito. Não terá sido difícil a Alberto I compreender que a Bélgica, geograficamente situada entre a Alemanha e a França, seria arrastada para o conflito. Assim, o exército belga não estava ainda devidamente organizado e o que estava à disposição do Governo era uma improvisação com um efetivo de 117.000 homens, além dos cerca de 200.000 que guarneciam as fortalezas de Liège, Namur, Antuérpia e outras de menor importância. [Números apresentados em STRACHAN, pp. 50 e 51; ]

Map002

https://momentosdehistoria.com/001-grande_guerra/001-04-internacional/001-04-04-belgica/

As cidades acima mencionadas estavam protegidas por um conjunto poderoso de fortificações e situavam-se nos prováveis itinerários a serem utilizados por uma força invasora, especialmente Liège. Os fortes estavam bem guarnecidos de artilharia e não seria possível ao invasor prosseguir o seu avanço sem que primeiro se apoderasse dos fortes que permitiam o controlo das vias de comunicação rodoviárias e ferroviárias.

No dia 2 de agosto de 1914, o embaixador alemão entregou um ultimato à Bélgica, exigindo autorização para atravessar o seu território e controlar as fortalezas de Liège e Namur. Os alemães pretendiam atravessar a Bélgica seguido uma rota ao longo do rio Mosa, que passava por Liège, junto à fronteira oriental, e Namur, junto à fronteira ocidental, e do seu afluente, o rio Sambre, com confluência em Namur. O ultimato estipulava um prazo de vinte e quatro horas para responder. A Bélgica recusou as exigências alemãs. O tratado de Londres de 1939 garantia a defesa da independência e neutralidade da Bélgica, mas também obrigava este reino a manter a neutralidade. Se essa neutralidade fosse quebrada ao dar passagem às tropas alemãs, estaria a juntar-se às Potências Centrais, contra as Potências da Entente. Ao repudiar a posição de neutralidade, estaria a ser desleal com as Potências que se comprometeram a defendê-la. Neste sentido, na noite de 2 para 3 de agosto, o rei Alberto I e o governo belga reuniram-se e decidiram rejeitar o ultimato. Numa ação preventiva, a Bélgica iniciou a mobilização das forças militares a 31 de julho e posicionou-as por forma a resistirem a uma muito provável invasão alemã e também a uma possível incursão dos franceses no seu território.

A Batalha de Liège

A Batalha de Liège foi o primeiro grande combate da Primeira Guerra Mundial. Durante a noite de 3 para 4 de agosto, as tropas alemãs cruzaram a fronteira com a Bélgica e o Governo alemão formalizou a sua declaração de guerra. Nesse mesmo dia, o rei Alberto I anunciou no Parlamento a situação de guerra com a Alemanha.

Para a execução do seu Plano Schlieffen, os alemães necessitavam que os seus Primeiro, Segundo e Terceiro Exércitos - mais de 750.000 homens - atravessassem rapidamente o rio Mosa e, para isso, tinham que dominar as fortificações de Liège e de Namur que permitiam controlar as pontes, as rodovias e os caminhos de ferro que passavam por estas duas cidades. Era por esta via que iriam passar aqueles exércitos e todo o apoio logístico e administrativo necessário à sua manutenção. Liége era, portanto, o primeiro obstáculo a vencer. Os alemães estavam convencidos de que os belgas não iriam oferecer grande resistência.

1914 Fortificações de Liége

https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Li%C3%A8ge#/media/Ficheiro:Siege_of_liege.jpg

As fortificações de Liège foram construídas entre 1888 e 1892 sob a direção do General Henri-Alexis Brialmont (1821-1903), que foi também responsável pela direção da construção das fortificações de Namur e Antuérpia. Liège, além da sua cidadela situada na margem ocidental do rio Mosa, estava rodeada por um conjunto de doze fortificações situadas a uma distância entre 6,5 e 8 Km da cidade, metade a oeste e a outra metade a leste do rio. Estas fortificações estavam preparadas para resistir ao impacto das granadas de artilharia mais potentes que então existiam (calibre de 210 mm) e estavam rodeadas por um fosso com cerca de nove metros de profundidade, o que dificultava a aproximação das muralhas. A defesa do terreno entre as fortificações era da responsabilidade da 3ª Divisão de Infantaria belga, sob comando do General Gérard Leman (1851-1920) que assumiu também a defesa de todo o dispositivo defensivo da cidade. As ordens recebidas pelo General Leman foram de manter a defesa do sistema defensivo de Liège até ao fim. Também por ordem do rei Alberto I, as pontes foram destruídas.

Para se apoderarem deste sistema defensivo e controlarem a cidade e as suas vias de comunicação, os alemães formaram um exército provisório, o Exército do Mosa, sob comando do General Otto von Emmich (1848-1915), com a missão de tomar os fortes de Liège e garantir a posse e segurança das vias de comunicação belgas por onde iriam transitar as forças militares alemãs, além de todo o sistema logístico. Este corpo de tropas era constituído por seis brigadas de infantaria, três divisões de cavalaria e cinco batalhões de infantaria ligeira (Jäger), cerca de 40.000 homens, e a sua missão deveria estar cumprida em 48 horas. A guarda avançada desta força entrou na Bélgica na manhã do dia 4 de agosto. Foram distribuídos panfletos à população belga afirmando que as forças alemãs não tinham intenções agressivas contra a Bélgica. Na manhã do dia 5, um oficial alemão dirigiu-se a Liège a exigir a rendição das forças belgas, mas regressou sem ter sucesso.

Rejeitada a proposta alemã de rendição, o bombardeamento dos fortes na margem oriental do rio Mosa começou de imediato e as forças de infantaria atacaram os fortes Évegnée, Fléron e Barchon. Estes ataques foram repelidos com sucesso. No dia seguinte, o General Erich Ludendorff (1865-1937), conduziu a 14ª Brigada de Infantaria num ataque às posições belgas entre os fortes e conseguiu penetrar no interior do círculo de fortalezas com cerca de 6.000 homens. A partir dessa posição, enviou uma proposta de rendição ao General Leman, que a recusou. No entanto, o General Leman compreendeu que não poderia manter indefinidamente a sua posição e mudou o seu quartel-general de Liège para o forte Loncin (na figura aparece designado como forte Hognoul) e enviou a 3ª Divisão e a 15ª Brigada para Bruxelas de modo a poupar estas forças à destruição (cerca de um sexto do Exército Belga).

Na manhã do dia 7, as forças alemãs que tinham penetrado no interior do sistema de fortificações, conseguiram a rendição das tropas belgas que guarneciam a cidadela. A cidade ficava, assim, em poder dos alemães. No dia seguinte, o forte Barchon começou a ser bombardeado, muito do seu armamento foi danificado e o ar no seu interior tornou-se irrespirável, obrigando a guarnição a render-se às 16H00 desse dia. No entanto, depressa os alemães concluíram que a sua artilharia com calibre 210 mm não era suficiente para destruir os fortes. Recorreram então a duas armas recentes, com calibres superiores: o obus alemão de 420 mm (42 cm kurze Marinekanone 14 L/12 in Räderlafette (Canhão naval curto 14 L/12 de 42 cm em montagem com rodas), produzido pela empresa alemã Krupp, que entrou ao serviço em 1909, embora na versão que apenas era transportado por caminho de ferro, conhecido como Dicke Berta (Grande Berta); o obus austríaco de 305 mm (Skoda 30.5 cm Mörser M.11) produzido pela empresa austríaca Skoda, de 1911, conhecido como Schlanke Emma (Magra Emma). No início da guerra, estavam prontos a serem utilizados dois obuses de 305 mm e cinco de 405 mm.

As fortificações belgas não estavam preparadas para resistir às granadas destas duas armas. As granadas de 420 mm, com uma grande quantidade de explosivo e pesando quase uma tonelada, tinham uma espoleta de atraso, isto é, só explodiam após penetrarem no alvo. O forte Barchon foi o primeiro a render-se. Um a um, os fortes foram sendo destruídos e os seus sobreviventes nada mais podiam fazer que renderem-se. O último forte a cair em poder dos alemães foi o forte de Loncin, onde se encontrava o General Leman, encontrado inconsciente entre as ruínas. Ficava aberto o caminho para o centro da Bélgica. Os Primeiro, Segundo e Terceiro Exércitos alemães iniciaram então o seu movimento, dez dias mais tarde que o previsto.

O Cerco de Namur

Após a Batalha de Liège, na manhã de 17 de agosto, o Primeiro Exército alemão dirigiu-se para Bruxelas, que ocupou no dia 20. Os Segundo e Terceiro Exércitos dirigiram-se para Namur. Esta cidade encontrava-se defendida por um conjunto de fortificações semelhantes às de Liège, situados a cerca de 8 km do centro da cidade. Eram 9 fortes ligados entre si por trincheiras e arame farpado, embora as condições destas defesas não fossem boas. Na margem esquerda do rio Mosa (a norte do rio) situavam-se seis fortes, quatro modernizados e dois ainda antigos. Os três fortes situados na margem direita tinham sido todos modernizados. A cidadela de Namur, na cidade, era uma fortificação obsoleta. Enquanto as fortificações de Liège se destinavam a deter os alemães que invadissem a Bélgica, as fortificações de Namur tinham a mesma finalidade relativamente aos franceses. Por esta razão, as fortificações de Liége estavam melhor guarnecidas. Na situação em agosto de 1914, «a missão dos defensores de Namur consistia em aguentar as forças alemãs até que o Quinto Exército francês, comandado pelo General Charles Lanzerac, atravessasse a margem oposta do Sambre e se ligasse à 4ª Divisão de Infantaria belga.» [https://www.momentosdehistoria.com/MH_07_08_02_Internacional.htm] A guarnição deste sistema defensivo, à volta de 35.000 homens, era insuficiente, estava com baixo moral, pois sabiam o que tinha acontecido em Liège, e não dispunham de um nível adequado de munições.

1914 Defesas de Namur

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cerco_de_Namur#/media/Ficheiro:Defences_of_Namur,_1914.jpg

No dia 20 de agosto, as primeiras forças alemãs a aproximarem-se do sistema defensivo de Namur efetuaram um reconhecimento em força com a finalidade de descobrirem os pontos fracos do dispositivo inimigo. Para o efeito atacaram o Forte Marchovelette e as posições defensivas em seu redor. No dia seguinte deram início ao bombardeamento sistemático das fortificações e, tal como em Liège, entraram em ação os obuses de 420 mm, que tinham capacidade para destruir as defesas em comento armado e as torres metálicas dos fortes belgas. Esta artilharia batia as fortificações por forma a tornar ineficaz a utilização da artilharia belga dos fortes enquanto a infantaria, acompanhada de sapadores e apoiada pela artilharia de campanha, atacava as defesas entre as fortificações. [DUFFY, «Battles - The Siege of Namur, 1914» em firstworldwar.com] Os fortes foram sendo destruídos e, no dia 25, foram capturados os fortes Dave e Suarlée.

Estava aberto o caminho para as tropas alemãs entrarem em França, mas a cidade de Antuérpia, igualmente fortificada, estava ainda nas mãos dos belgas e, sendo um importante porto, podia acolher tropas vindas do exterior. Os exércitos alemães não podiam ignorar a possibilidade de as foras britânicas desembarcarem em Antuérpia.

O cerco de Antuérpia

Antuérpia (que os franceses designam por Anvers) é uma cidade belga e possui um dos maiores portos do mundo. Tal como Liège ou Namur, estava defendida por um conjunto de fortificações que rodeavam a cidade em duas linhas, a mais próxima a cerca de 5 Km do centro da cidade e a mais afastada entre 10 e 15 Km. As fortificações da linha exterior eram modernas na sua arquitetura e na qualidade de construção. Estas duas linhas eram também formadas por um conjunto de pequenos redutos intercalados com as fortalezas. No total, existiam 31 fortes e uma guarnição de cerca de 80.000 homens. A cidade estava ainda rodeada pela antiga muralha e dispunha de uma cidadela, sem valor militar.

No dia 17 de agosto, o Governo belga abandonou Bruxelas e dirigiu-se para Antuérpia. Três dias depois, quando começou o cerco de Namur, as divisões belgas - cerca de 65.000 homens -  receberam ordem para se dirigirem para aquela cidade. Ali, dispunham de melhores condições para resistirem aos ataques alemães, podiam receber reforços do exterior e até podiam apoiar as forças francesas e britânicas, o que veio a acontecer quando lançaram dois ataques sobre as forças alemãs, a 25 de agosto e a 9 de setembro. Ambos os ataques obrigaram o exército alemão a desviar forças da linha da frente para enfrentar a ameaça vinda de Antuérpia. O Primeiro Exército alemão destacou quatro divisões para enfrentarem estes ataques belgas.

1914 Defesas de Antuérpia

https://en.wikipedia.org/wiki/Siege_of_Antwerp_(1914)#/media/File:Antwerp_defences,_1914.jpg

Quando as unidades de artilharia pesada ficaram prontas a serem utilizadas, o exército alemão recebeu ordem para atacar a cidade. O primeiro bombardeamento das fortificações belgas foi feito a 28 de setembro. Mais uma vez ficou claro que as fortificações não conseguiriam resistir ao fogo da artilharia pesada alemã. Os belgas depressa compreenderam que não iriam conseguir manter a posse da cidade e existia ainda o perigo de as forças alemãs conseguirem cortar as linhas de comunicações com os franceses e com os portos belgas de Zeebrugge, Ostende e Nieuwport. Por estas razões, a 4 de outubro, o Governo belga retirou para Le Havre, em França. Entretanto, no dia 3, chegou a Antuérpia uma brigada de fuzileiros da British Royal Naval Division. O desembarque destas forças britânicas teve um efeito moral muito positivo, mas não alterou significativamente a capacidade defensiva da cidade. 

Entretanto, os alemães começaram a ganhar terreno para bloquear o lado ocidental da cidade, o que punha em causa a retirada das forças belgas para a Flandres. No dia 6 de outubro, o rei Alberto I ordenou ao exército a evacuação de Antuérpia. A artilharia alemã fez o seu trabalho e as fortalezas foram caindo sem grande oposição. No dia 8 de outubro foi abandonada a última fortaleza ativa das defesas de Antuérpia e, no dia seguinte, o Tenente-general Deguise apresentou a rendição incondicional das tropas da guarnição que ainda permaneciam na cidade. Nem todas as tropas em Antuérpia conseguiram retirar para a Flandres. Cerca de 30.000 homens, onde se incluía a brigada britânica de fuzileiros, retiraram para a Holanda. Sendo este um país neutral, os militares belgas e britânicos que para lá retiraram ficaram ali internados até ao final da guerra, em 1918.

 

A Batalha das Fronteiras

A designação “Batalha das fronteiras” engloba um conjunto de confrontos entre as forças da Alemanha e as dos Aliados, entre 14 e 25 de agosto de 1914. Destes confrontos, de maior ou menor dimensão, tiveram especial relevo cinco batalhas distintas e quase simultâneas – da Alsácia, da Lorena, das Ardenas, de Charleroi e de Mons – cada uma influenciando o resultado das outras. Todas elas terminaram com a derrota das forças francesas e britânicas. A derrota dos Aliados teve como consequência a sua retirada até às posições do rio Marne, ao longo do qual conseguiram pôr fim ao avanço alemão.

A invasão da Alsácia

Mulhouse (Mülhausen em alemão) situa-se aproximadamente a 30 km a norte de Basileia, na Suíça, a 15 km da fronteira franco-alemã e a 120 km a sul de Estrasburgo. Atualmente está inserida no departamento  francês do Alto-Reno. Em 1914, esta região fazia parte da província da Alsácia-Lorena, anexada pelo Império Alemão, nos termos  do Tratado de Frankfurt (10 de maio de 1871), assinado pela França e pela Alemanha no final da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871).

Mulhouse França

Mulhouse foi o primeiro objetivo francês na tentativa de recuperar a Alsácia.  A 7 de agosto, as tropas francesas invadiram a Alsácia e começaram por expulsar os alemães da cidade de Altkirch, cidade a cerca de 15 Km a sudoeste de Mulhouse, com uma carga de baioneta que lhes custou cem mortos. No dia seguinte, foi retomado o avanço francês, com alguma lentidão ou, de acordo com a visão de alguns, demasiado cautelosamente, e entraram em Mulhouse após a retirada da brigada de infantaria alemã que ali se encontrava. Esta operação militar foi executada pelo VII CE (Corpo de Exército), sob comando do general Louis Bonneau (1851-1938), formada 14.ª e 41.ª Divisões de Infantaria e pela 8.ª Divisão de cavalaria. 

Esta ação foi lançada prematuramente por duas razões. Em primeiro lugar, o processo de mobilização e desenvolvimento das forças, tal como estava previsto no Plano XVII, ainda decorria. No entanto, as motivações políticas, com o objetivo de mostrar que as populações de língua francesa seriam libertas do domínio alemão, ditaram o início das operações. No entanto, a lentidão do avanço francês, devido à incompetência do general Bonneau, mas também por falha do sistema logístico, deram aos alemães oportunidade para retirarem em boa ordem e disporem do tempo necessário para organizarem uma contraofensiva. Um contra-ataque alemão, obrigou os franceses a abandonar a cidade no dia 10 de agosto e a retirarem para Belfort.

O general Bonneau foi demitido, assim como o comandante da divisão de cavalaria do seu corpo de exército. Estes não seriam os únicos generais a serem demitidos por Joffre, com a acusação de incompetência. Após estes acontecimentos, Joffre decidiu reforçar o VII CE com  outras unidades militares e, desta forma, formar o "Exército da Alsácia", sob o comando do general Paul Marie César Gérald Pau (1848-1932), que tinha a missão de cobrir o flanco direito do Primeiro Exército francês, na Lorena.

Com este novo exército, foi lançado um novo ataque a Mulhouse, tendo os franceses obtido sucesso e conseguido obrigar os alemães a recuar para além do rio Reno. Esta parte da ofensiva francesa sobre a fronteira franco-alemã corria como previsto e tudo indicava que a Alsácia voltaria rapidamente ao controlo francês. Contudo, à esquerda (a norte) do Exército da Alsácia, na Lorena e nas Ardenas, as operações militares não correram da mesma forma e as forças francesas foram obrigadas a retirar e, para não ficar isolado e sujeito a ser cercado por forças alemãs, o general Pau foi obrigado a abandonar Mulhouse e retirar para posições mais fáceis de defender, perto de Altkirch,.

Algumas unidades do Exército da Alsácia foram enviadas para reforçarem os exércitos que se encontravam mais próximo de Paris. No dia 28 de agosto, o Exército da Alsácia foi dissolvido e parte das suas unidades foram dispersas por outros exércitos. As unidades que permaneceram no sul da Alsácia foram incorporadas no Primeiro Exército e receberam o nome de Groupement des Vosges. A cidade de Mulhouse ficou na posse dos alemães até ao final da guerra. 

A invasão da Lorena

A Lorena é uma antiga região administrativa de França que partilha fronteira com a Alemanha. Em 1914, cerca de 26% da Lorena estava integrada, com a quase totalidade da Alsácia, no "Território Imperial da Alsácia-Lorena" (Reichsland Elsaß-Lothringen, em alemão). 

Após a declaração de guerra, os franceses ativaram de imediato o seu Plano XVII e, nesse sentido, iniciaram a invasão da Lorena com os Primeiro e Segundo Exércitos, comandados pelos generais Edouard de Castelnau (1851-1944) e August Dubail (1851-1934), respetivamente, que avançaram em direção ao rio Saar com a finalidade de atingirem Estrasburgo. À direita (sul), o Exército da Alsácia garantia cobertura do flanco direito do Primeiro Exército. À esquerda, o Terceiro Exército francês, simultaneamente com o Quarto Exército, avançou para as colinas das Ardenas.

903px Recouly 1919 Foch le vainqueur 1 bataille de Morhange Sarrebourg

Os franceses iniciaram a ofensiva da Lorena no dia 14 de agosto. Os alemães executaram uma ação retardadora e lançaram uma série de contra-ataques, enquanto retiravam para a linha Morhange-Sarrebourg-Vosges (montanhas dos). A invasão da Lorena é frequentemente citada como Batalha de Morhange-Sarrebourg. 

A 20 de agosto, os alemães contra-atacaram com os Sexto e Sétimo Exércitos, sobre eixos convergentes, obrigaram os franceses a recuarem para as posições fortificadas de Nancy onde, com dificuldade, conseguiram conter a ofensiva alemã. O Segundo Exército francês retirou de forma ordenada, mas o Primeiro Exército quase se desintegrou, tendo-lhe valido a atuação determinada do seu XX CE, sob o comando do general Ferdinand Foch (1851-1929).

Moltke estava otimista sobre as perspetivas para os Sexto e Sétimo Exércitos e decidiu explorar os sucessos obtidos na Lorena, com a finalidade de executar um duplo envolvimento das forças francesas: a norte, pelas forças que avançaram através da Bélgica, e a sul, com os Sexto e Sétimos Exércitos. As forças alemãs que se encontravam na Alsácia deveriam ter sido destacadas para reforçar a ala direita (norte) alemã, já que as forças francesas - o Exército da Alsácia - tinha recuado e fora dissolvido (28 de agosto). No entanto, durante as duas semanas seguintes, os dois exércitos alemães ficaram empenhados numa ofensiva cada vez mais fútil contra a sólida linha defensiva dos franceses, entre Metz e Luneville. 

A batalha das Ardenas

Ardenas é uma região de colinas montanhosas partilhada pela Bélgica, Luxemburgo, França e Alemanha. Situa-se a leste do rio Mosa (Meuse, em francês). Sendo um território acidentado e arborizado, não é propício ao movimento de grandes unidades militares. No entanto, esta região foi palco de combates no início da guerra, em 1914, e na Segunda Guerra Mundial, quando as forças blindadas alemãs surpreenderam os franceses ao entrarem em França através das Ardenas.

No dia 20 de agosto, o Terceiro Exército francês, sob comando do general Pierre Ruffey (1851-1928), e o Quarto Exército, sob o comando do general Ferdinand de Langle de Cary (81849-1927), receberam ordens para, no dia seguinte, avançarem para a floresta das Ardenas, no Luxemburgo e sul da Bélgica. O objetivo era surpreender os alemães e derrotar o centro do seu dispositivo, formado pelo Quarto e Quinto Exércitos alemães, sob o comando dos generais Alberto de Vurtemberga (1865-1939) e Príncipe herdeiro Guilherme da Prússia (1882-1951), respetivamente. O sucesso desta ofensiva constituía um apoio para a ofensiva na Lorena e permitiria atacar o flanco das forças alemãs que avançavam para a França através da Bélgica.

קרב הארדנים 1914

No início da guerra, estava previsto que nesta ofensiva participasse também o Quinto Exército francês, mas ao ter conhecimento da ofensiva alemã através da Bélgica, Joffre destacou esse exército para enfrentar a ameaça a norte. Quando a ofensiva francesa começou, agora sem o Quinto Exército, já os Quarto e Quinto Exércitos alemães tinham começado a movimentar-se como elemento pivot da ala direita alemã. As deficientes ações de reconhecimento por parte dos franceses e o nevoeiro que então se verificava fizeram com que as unidades avançassem sem grande visibilidade e sem conhecimento do que se encontrava à sua frente. Desta forma, os avanços francês e alemão resultaram numa batalha de encontro.

As dificuldades naturais do terreno, as deficientes informações sobre o inimigo e as dificuldades dos observadores da artilharia fizeram com que a vantagem francesa oferecida pelo canhão de 75 mm que permitia obter uma elevada cadência de tiro se dissipasse. Além disso, o canhão de 75 mm era utilizado em tiro direto (existe uma linha direta entre a arma e o alvo), o que se tornava uma desvantagem num terreno muito irregular e arborizado, como o das Ardenas. Por seu lado, os alemães dispunham de uma artilharia adequada para o tiro indireto, o que permitia, por exemplo, bater forças em contra encosta, e eram superiores na utilização de metralhadoras, fatores que lhes conferiam grande vantagem. As colunas francesas, sem o apoio adequado da artilharia, foram atingidas pelo fogo das metralhadoras alemãs, bem posicionadas e bem camufladas, e pelas barragens de fogo dos obuses e morteiros.

Os combates duraram dois dias, após os quais o Terceiro Exército francês recuou para a linha Verdun-Stenay e o Quarto Exército recuou para alinha Stenay-Sedan, na margem ocidental do rio Mosa. O Quinto Exército alemão, sob comando do Príncipe Herdeiro Frederico Guilherme da Prússia (1882-1951), deixou um corpo de tropas a cercarem Longwy e continuou o avanço dentro de França.

No dia 28 de agosto, o Quarto Exército francês assinalou as tropas do Quarto Exército alemão na região oriental do Mosa, mas, na retirada, a ala esquerda do Quinto Exército ficou muito afastada de Stenay, criando assim uma brecha com cerca de 80 Km no dispositivo francês. Joffre preencheu esse espaço com um grupo de três corpos de exército sob o comando do general Foch. Duas semanas mais tarde, este grupo formaria o Nono Exército francês.

O estado-Maior General alemão estava convencido de que tinham obtido uma grande vitória, destruindo um dos grandes componentes da frente francesa, mas os Terceiro e Quarto Exércitos franceses, apesar de terem sofrido pesadas baixas, não foram eliminados e ainda tinham capacidade ofensiva. 

Batalha de Charleroi ou do Sambre

O Sambre é um rio tributário da margem esquerda do Mosa, ao qual se junta em Namur, na Bélgica. Charleroi é uma cidade belga situada em ambas as margens do rio Sambre. Ao mencionar esta batalha como "Batalha do Sambre" torna-se necessário indicar a data porque ao longo da História houve várias batalhas do Sambre e entre elas está a batalha travada a 4 de novembro de 1918, na fase final da Primeira Guerra Mundial. Aqui, será sempre designada por Batalha de Charleroi.

O Quinto Exército francês, sob o comando do general Charles Lanrezac (1852-1925) tinha recebido ordens, no dia 15 de agosto, para se deslocar para a zona no ângulo entre os rios Mosa e Sambre. A sua missão era deter o avanço das forças alemãs, de dimensão desconhecida, que tinham acabado de tomar Dinant, no vale do Mosa, a 30 Km de Charleroi, na Bélgica. Joffre ainda não tinha informações sobre a ameaça que poria em causa as operações nas Ardenas. Joffre e Lanrezac desconheciam que o Quinto Exército francês estava posicionado sobre os eixos de avanço dos Segundo e Terceiro Exércitos alemães, sob comando dos generais, Karl von Bülow (1846-1921) e Max von Hausen (1846-1922), respetivamente. À esquerda (norte) do Quinto Exército francês, a Força Expedicionária Britânica (British Expeditionary Force - BEF) encontrava-se sobre o eixo de progressão do Primeiro Exército alemão.

Ao meio-dia de 20 de agosto, após uma cansativa marcha de cinco dias, 145 km sob o Sol de agosto, as unidades mais avançadas do Quinto Exército chegaram ao rio Sambre. Na tarde do dia seguinte, Lanrezac ordenou ao seu exército para ocupar a linha de alturas a sul do rio.

O Terceiro Exército alemão atingiu o rio Mosa, após ter tomado Dinant, ameaçando assim o flanco direito de Lanrezac. Simultaneamente, o general Bülow, comandante do Segundo Exército alemão, destacou tropas para cercarem Namur e forçou com sucesso a travessia do Sambre em duas pontes entre Namur e Charleroi. No entanto, de acordo com as ordens recebidas, Bülow teve de esperar pelo Terceiro Exército alemão para avançarem simultaneamente para além do Sambre. Na manhã de 22 de agosto, os franceses lançaram um contra-ataque sem sucesso. No dia 23, os alemães lançaram um ataque geral e encontraram pouca resistência, pois Lanrezac tinha decidido retirar. 

955px Battles of Charleroi and Mons map

Batalha de Mons

Mons (Bergen em alemão e holandês; Mont, na língua da Valónia, uma das regiões em que se divide a Bégica) é uma cidade belga, situada a menos de 20 km de Maubeuge, França, e a 35 km a oeste de Charleroi. Em 1914, Mons tinha cerca de 27.500 habitantes. Era um centro cultural e educacional e também um polo de comércio do carvão produzido na região vizinha de Borinage. A Batalha de Mons foi o primeiro confronto importante, na Primeira Guerra Mundial, entre forças britânicas e alemãs.

No dia 4 de agosto, às 23H00, o Reino Unido declarou guerra à Alemanha e, nesse mesmo dia, nomeou o Field-Marshal Sir John French (1852-1925) para o cargo de comandante da British Expeditionary Force (BEF). No dia seguinte, realizou-se a primeira reunião do British War Council e, no dia 7, chegaram a França os primeiros elementos do BEF. O transporte das forças britânicas através do Canal da Mancha envolvia alguns riscos por causa de uma possível ação alemã. Assim, foi estabelecida a British aerial cross-Channel patrol com a finalidade de vigiar, em conjunto com a Royal Navy, os acessos ao Canal. No dia 9 de agosto, o H.M.S. Birmingham afundou o submarino alemão U.-15, no Mar do Norte. No dia 13 de agosto, descolaram de Dover e chegam a França quatro esquadrões do Royal Flying Corps (RFC) - 4x12 aviões - com a missão de observação do tiro de artilharia e de reconhecimento. A maior parte dos homens e equipamentos iniciaram a travessia a 12 de agosto e os últimos elementos desembarcaram em França a 16 desse mês.

A British Expeditionary Force era constituída por quatro divisões de infantaria e uma divisão de cavalaria (cinco brigadas). Dispunha de 300 bocas de fogo de artilharia. Ao todo eram cerca de 70.000 combatentes mais os órgãos de apoio. As divisões de infantaria estavam organizadas em dois corpos de exército (CE). O I CE, formado pelas 1.ª e 2.ª divisões e infantaria, era comandado pelo general Sir Douglas Haig (1861-1928). O II CE, formado pelas 3.ª e 5.ª divisões de infantaria, era comandado pelo general Horace Smith-Dorrein (1858-1930). Os CE, para além das divisões de infantaria, dispunham de artilharia e de unidades e órgão de apoio de serviços, de engenharia e ainda de comunicações. Assim como a artilharia, uma ou mais brigadas de cavalaria podiam ser atribuídas ao CE.

Sir John French pretendia juntar-se à ofensiva francesa nas Ardenas, mas faltavam-lhe informações sobre os movimentos e os efetivos alemães. No dia 22 de agosto, o Quinto Exército francês foi atacado pelos Segundo e Terceiro Exércitos alemães e obrigado a retirar. No seu percurso entre a costa no Mar do Norte e Charleroi, onde pensavam entrar em contacto com o Quinto Exército francês, as tropas britânicas encontraram em Solgnies, 30 km a noroeste de Charleroi, patrulhas montadas alemãs, pertencentes ao Primeiro Exército alemão, sob comando do general Alexander von Kluck (1846-1934).

Os britânicos organizaram posições defensivas, o II CE ao longo do Canal Mons-Condé e o I CE ao longo da parte inial da estrada Mons-Beaumont. O general von Kluck, não podendo tornear as forças britânicas, para não perder o contacto com o Segundo Exército alemão, decidiu executar um ataque frontal, a 23 de agosto. O Primeiro Exército alemão contava com um afetivo à volta dos 160.000 homens e 600 bocas de fogo de artilharia, mas tratou-se de um ataque mal organizado, que teve início antes que todas as forças do Primeiro Exército estivessem disponíveis. Este erro permitiu que os britânicos, em número muito inferior, mas com melhor preparação e mais experiência militar, conseguissem defender as suas posições durante quase todo o dia. Mais tarde, os alemães conseguiram apoderar-se de um saliente na margem sul do canal. À noite, Sir John French ordenou às suas forças para recuarem mais para sul e criarem outra linha fortificada. No entanto, a continuação da retirada dos franceses - neste caso, do Quinto Exército - levou-o a ordenar a continuação da retirada para evitar a criação de um espaço livre entre a BEF e o exército francês. 

A retirada durou doze dias durante os quais as tropas britânicas recuaram cerca de 240 km, até ao rio Marne. Custou aos britânicos muitas mais baixas (2.600) do que as que tinham sofrido em Mons (1.600). Os alemães terão sofrido mais baixas (4.900) que os britânicos, mas seria muito mais fácil substituir tropas mobilizadas num sistema de serviço militar obrigatório do que soldados profissionais. 

Cerco de Maubeuge

Maubeuge é uma cidade francesa situada a menos de 20 km a sul de Mons. A fronteira franco-belga situa-se aproximadamente a meio caminho entre estas duas cidades. Em Maubeuge, após a Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871, foi construído um conjunto de fortificações (le camp retranché de Maubeuge).

Os alemães iniciaram as operações de cerco às posições de Maubeuge, a 24 de agosto e o cerco ficou montado quatro dias depois. Durante este tempo, os franceses executaram algumas operações contra as forças alemãs. O bombardeamento alemão teve início a 29 de agosto e foi aumentando de intensidade e, a 7 de setembro, foi negociada a rendição das forças francesas, que deveria ser efetiva ao meio-dia de 8 de setembro.

Da guarnição de Maubeuge, cerca de 49.000 homens, 1.300 morreram, 3.000 ficaram feridos e os restantes foram capturados. Os alemães capturaram também cerca de 400 bocas de fogo de artilharia e à volta de 200 metralhadoras. Os alemães sofreram 1.100 baixas (mortos e feridos). 

Batalha de Le Cateau

Após as batalhas de Charleroi (21 a 23 de agosto) e de Mons (23 de agosto), o II CE (segundo corpo de exército) britânico, sob comando do general Sir Horace Smith-Dorrien, teve de fazer uma pausa na retirada devido ao estado de exaustão das suas tropas. Essa paragem foi feita em Le Cateau, no norte de França, onde chegaram no dia 25 de agosto. Na manhã seguinte, os alemães atacaram o II CE britânico.

Pelo meio dia, as posições britânicas começaram a ceder, mas conseguiram aguentar as posições até à noite e começaram então a retirada para Saint-Quentin. No entanto, além dos 700 mortos e mais de 4.000 feridos, cerca de 2.600 britânicos foram capturados. 

Captura de ecrã 2023 01 05 185216

Batalha de Saint-Quentin ou Batalha de Guise

Na noite do dia 26 de agosto, as tropas empenhadas em Le Cateau iniciaram a retirada na direção de Saint Quentin, a cerca de 34 Km para sudoeste. Com a finalidade de deter o avanço alemão e proteger a continuação da retirada britânica, o 5º Exército francês lançou um ataque sobre o flanco esquerdo do 1º Exército alemão. Apesar do apoio do 2º Exército alemão, que tenta um envolvimento das forças francesas, estas mantêm alguma liberdade de ação. Os ataques franceses não conduziram à derrota das forças alemãs, mas permitiram a retirada das forças britânicas e o 5º Exército conseguiu também retirar para ocupar posições e participar na denominada Batalha do Marne.

 

Primeira Batalha do Marne

A Batalha do Marne foi o primeiro ponto de inflexão vital na guerra, na Frente Ocidental, ao marcar o fracasso dos alemães na execução do Plano Schlieffen e ao evitar a derrota das forças aliadas. A Batalha das fronteiras foi uma sucessão de derrotas e retiradas dos Aliados e, no dia 3 de setembro, os alemães chegaram ao rio Marne. Esperava-se um ataque a Paris a 4 ou 5 de setembro. Com a finalidade de lançar uma contraofensiva, o general Joffre agrupou as forças francesas ao longo dos rios Sena e Aube, a sudoeste de Paris e cerca de 60 Km a sul do Marne.

Primeira Batalha do Marne

No dia 6 de setembro, os franceses lançaram o ataque e a batalha prolongou-se por três dias ao longo de uma frente de 150 Km, entre Compiègne, 65 Km a nordeste de Paris, e Verdun. Simultaneamente, os combates ganharam intensidade na Lorena. O 6º Exército francês quase colapsou, mas foi reforçado com cerca de 6.000 homens da reserva, transportados em 600 taxis de Paris. Entretanto, os britânicos tinham terminado a sua retirada e juntaram-se às forças francesas na ofensiva. No dia 9 de setembro, o Chefe do Estado-Maior General alemão, Helmuth von Moltke, ordenou ao aos 1º e 2º Exércitos que retirassem. Seguidos lentamente pelas forças aliadas, exaustas, os alemães recuaram cerca de 65 Km até ao rio Aisne, estabelecendo uma nova linha a 13 de setembro.

Franceses e alemães perderam à volta de 25% dos seus efetivos. Tratou-se de uma importante vitória francesa, mas os alemães não estavam derrotados. Para ambos os lados, perdia-se a esperança de terminar rapidamente a guerra.

 

Primeira Batalha do Aisne

Embora extremamente cansados, os franceses prosseguiram as ações ofensivas que tinham obrigado os alemães a recuar para o rio Aisne e, no dia 13 de setembro, os 5º e 6º Exércitos franceses, em conjunto com a Força Expedicionária Britânica (BEF), lançaram um ataque frontal contra as posições defensivas alemãs ao longo do rio Aisne. No dia seguinte, os Aliados conseguiram estabelecer uma testa de ponte a norte do Aisne, mas os alemães contra-atacaram e obrigaram os Aliados a recuar. Os combates prosseguiram sem que franceses e britânicos conseguissem consolidar as posições que, algumas vezes conquistavam a norte do rio. 

A luta acabou por ser abandonada a 28 de setembro porque ambas as forças, em especial os Aliados, compreenderam que não obteriam sucesso com os ataques frontais às posições inimigas. A solução consistia em executar uma manobra de envolvimento sobre o flanco inimigo, a norte. Ambas as forças tentaram fazê-lo e ambas manobraram e ocuparam novas posições mais a norte, aproximando-se cada vez mais do Mar do Norte. Esta sucessão de manobras e confrontos  que se verificaram cada vez mais a norte numa tentativa de obter vantagem sobre o inimigo ficou conhecida como "corrida para o mar" que se prolongou até novembro.

 

Corrida para o mar

Para evitar os ataques frontais que dificilmente poderiam conduzir a sucessos significativos e, em geral, terminaram com vantagem para as forças instaladas em posições defensivas, ambas as partes procuraram o envolvimento das forças adversárias. O flanco exposto e que poderia permitir essa manobra era o flanco norte - flanco esquerdo dos Aliados e flanco direito dos alemães. Ambas as forças procuraram utilizar toda a sua capacidade de movimento para realizar a manobra que lhes permitiria atacar o flanco ou tornear as forças adversárias. Ambas as partes falharam este objetivo apesar dos confrontos muito violentos como foram as batalhas de Arras e de Ypres. À medida que avançavam em direção ao Mar do Norte, Aliados e alemães organizaram posições defensivas, acabando por criar uma longa linha de trincheiras que caracterizou o conflito quase até ao final da guerra, em 1918. À primeira fase da guerra em que prevaleceu o movimento, sucedeu-se a fase da "guerra de trincheiras".

Race to the Sea 1914

Primeira Batalha de Arras

As forças francesas tentaram flanquear as forças alemãs com a finalidade de as impedir de  avançar para o Canal da Mancha. O Décimo Exército francês, sob o comando do General Louis Maud'huy, atacou as forças avançadas alemãs, no dia 1 de Outubro, numa linha com cerca de 15 Km, entre Arras e Lens. Arras situa-se no Nordeste de França, a pouco menos de 90 Km da costa francesa junto à fronteira com a Bélgica. Lens situa-se a Norte de Arras.

Os combates iniciais foram favoráveis aos franceses que avançaram em direção a Douai. No entanto, um contra-ataque lançado pelo Sexto Exército alemão, reforçado com três Corpos de Exército, sob comando do Príncipe Rudolfo da Baviéra, obrigou as forças francesas a recuarem para Arras, tendo os alemães ocupado Lens no dia 4 de outubro. Este sucesso alemão permitiu que as suas forças avançassem mais para Norte, em direção à Flandres.

Primeira Batalha de Ypres

Ypres é uma cidade belga, Flandres Ocidental, a cerca de 12 Km da fronteira com a França e pouco mais de 30 Km da costa belga. A Primeira Batalha de Ypres (durante a guerra houve várias batalhas nesta região) opôs forças francesas, belgas e britânicas às forças alemãs. Os combates começaram a 19 de outubro e prolongaram-se até 22 de novembro. Atendendo à duração deste confronto e às diferentes iniciativas tomadas por ambas as partes em diferentes pontos da frente, os historiadores militares dividem a Primeira Batalha de Ypres em quatro fases:

  1. Batalha de Langemarck, de 21 a 24 de outubro;
  2. Batalha de Gheluvelt, de 29 a 31 de outubro;
  3. Batalha de Nonne Bosschen, a 11 de novembro;
  4. Combates/Batalha de Ypres, de 12 a 22 de novembro.

Na sucessão de tentativas para envolver o flanco do adversário e impedi-lo de chegar à costa, no Canal da Mancha, os alemães decidiram lançar uma ofensiva na região da Flandres, na Bélgica. A batalha começou com a ofensiva alemã, mas dois factos frustraram  as expectativas germânicas: a chegada de reforços franceses e a abertura das comportas dos diques que impediam o mar de inundar os terrenos mais baixos. A inundação abrangeu os últimos 16 Km de trincheiras no extremo norte, o que mais tarde se apresentou como um obstáculo ao movimento das forças aliadas. 

Os alemães lançaram novas ofensivas, mas sem conseguirem atingir os seus objetivos. As fortes chuvas que se verificaram na região em meados de novembro criaram ainda maiores dificuldades ao atacante. A guerra defensiva mostrava-se mais eficaz que a guerra ofensiva. As trincheiras que iam sendo construídas favoreciam o defensor. O atacante acabava sempre por sofrer um número muito elevado de baixas.

A Força Expedicionária Britânica manteve Ypres até ao final da guerra, apesar dos vários ataques alemães. Ypres dava aos Aliados a possibilidade de manterem uma saliência que entrava nas linhas alemãs. As perdas sofridas foram muito elevadas para ambos os lados. Os britânicos relataram 58.155 baixas. Os franceses perderam mais de 40.000 homens e os belgas cerca de 21.500. Os alemães tiveram 130.000 baixas. 

Batalha do Yser

A Batalha de Yser foi travada de 16 a 31 de outubro, entre as cidades de Nieuwpoort e Diksmuide, numa extensão de 35 Km junto ao rio Yser e do canal Yperlee, na Bélgica. Tratou-se da batalha travada mais a norte, no âmbito da campanha que ficou conhecida como "corrida para o mar". Embora nesta batalha tenham participado forças belgas, francesas e britânicas, foram os primeiros que estiveram presente em maior número com cerca de 52.000 homens enquanto os franceses dispunham de uma força de aproximadamente 6.500 e os britânicos participaram fornecendo apoio de fogos a partir dos seus navios.

Os alemães atacaram após uma forte preparação de artilharia, mas as condições do terreno. Com a ajuda dos navios britânicos, os belgas conseguiram repelir o ataque alemão que se repetiu por quatro dias. Em Tervaete, a 22 de outubro, os alemães conseguiram formar uma testa de ponte, obrigando os belgas a recuar para uma linha onde receberam reforços franceses (cerca de 6.500 fuzileiros navais). No dia 25 de outubro, perante a iminência de os alemães romperem as suas linhas, os belgas tomaram a decisão de abrirem as comportas dos canais em Nieuwpoort. O terreno foi ficando alagado e os alemães obrigados a retirar, transferindo o esforço da ofensiva para Ypres. Diksmuide caiu nas mãos dos alemães a 10 de novembro, mas Nieuwpoort permaneceu nas mãos dos belgas durante a guerra.

Entre a fronteira com a Suíça e o mar do Norte, estendiam-se as linhas ocupadas pelas forças alemãs, de um lado, e as forças dos Aliados. Os pequenos abrigos individuais, as trincheiras improvisadas, as posições preparadas para as metralhadoras, foram aperfeiçoadas e transformaram-se num extenso sistema de proteção coletiva que privilegiou a defensiva. Os ataques que se realizaram por iniciativa de qualquer dos lados resultaram sempre num número de baixas extremamente elevado sem ganhos significativos de terreno, apesar da introdução de novas tecnologias ao longo da guerra. Até ao final do ano de 1914, registaram-se vários confrontos ao longo dessas linhas de trincheiras. O mais significativo desses confrontos foi a Primeira Batalha de Champagne que se prolongou até ao ano seguinte (20 de dezembro de 1914 a 17 de março de 1915).

 

Primeira Batalha de Champagne

Esta batalha resultou do primeiro ataque significativo dos Aliados contra os alemães após a chamada "corrida para o mar". O General Joffre estava determinado a terminar rapidamente a guerra e, para isso, decidiu lançar uma grande ofensiva ao longo de toda a linha entre Nieuport e Verdun. Esta ofensiva foi dirigida principalmente contra as posições alemãs num saliente em Sayons.

A ofensiva começou a 10 de dezembro com ataques de menor dimensão na parte sul do saliente de Sayon, perto de Perthes na parte oriental de Champagne. Apesar da luta renhida em Givenchy (18-22 de dezembro), Perthes (20 de dezembro) e Noyon (22 de dezembro), os ganhos territoriais foram mínimos. Apesar de enfrentarem um inimigo em superioridade numérica, os alemães estavam bem entrincheirados e as táticas defensivas mostraram as suas vantagens, especialmente com uma utilização mais massiva de metralhadoras. A luta prolongou-se até 17 de março, quando os alemães lançaram um contra-ataque que obrigou os franceses a desistirem da ofensiva.

Os franceses conseguiram ganhos territoriais muito pequenos, não mais que 3 Km, e perderam cerca de 90.000 homens. Os alemães terão tido um número idêntico de baixas. Na prática, as posições mantinham-se idênticas desde que terminara a "corrida para o mar", apesar do número elevadíssimo de baixas (mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros) para ambos os lados.

 

A TRÉGUA DE NATAL

Em dezembro de 1914, foram assinaladas tréguas entre forças inimigas em algumas partes da Frente Ocidental. Estas tréguas, para além de assinalarem o desfasamento entre os antagonismos políticos dos Estados e os sentimentos das pessoas chamadas a combater, foram também parte de um movimento mais vasto que tinha por objetivo limitar a violência da guerra em todas as frentes. [LAFON, Alexandre, «Christmas Truce» in https://encyclopedia.1914-1918-online.net/article/christmas_truce]

No Natal de 1914, entre muitos militares de ambos os lados das trincheiras, geralmente conscritos e voluntários, prevaleceu o espírito natalício sobre os regulamentos. Entre as trincheiras dos Aliados e as dos alemães, trocaram-se jornais, tabaco e comida, compartilharam canções de Natal tradicionais. Muitas vezes, a trincheira inimiga estava a apenas a 30 ou 40 metros de distância. Em alguns casos, os soldados saíram das trincheiras e encontraram-se com os soldados do lado adversário. Foram organizadas algumas partidas de futebol. A imprensa da época, em especial a imprensa britânica e alemã, publicou relatos destes acontecimentos.

Capturar2 1

Estes acontecimentos verificaram-se sobretudo nos sectores britânicos. Franceses e belgas tinham parte dos seus países ocupados pelas tropas alemãs, o que tornava esse convívio mais difícil. Registaram-se, no entanto, alguns casos de convívio entre soldados alemães com soldados franceses ou belgas.

«Com o moral elevado por mensagens de agradecimento e as barrigas mais cheias do que o normal, e ainda com tanto espólio de Natal à mão, a temporada de boa vontade entrou em ação. Um correspondente do British Daily Telegraph escreveu que, numa parte da linha, os alemães conseguiram colocar um bolo de chocolate nas trincheiras britânicas.

Ainda mais surpreendente, levaram uma mensagem pedindo um cessar-fogo mais tarde naquela noite para que pudessem comemorar a época festiva e o aniversário do seu capitão. Propuseram um concerto às 19h30, quando as velas, disseram aos britânicos, seriam colocadas nos parapeitos das suas trincheiras.

Os britânicos aceitaram o convite e ofereceram um pouco de tabaco como presente de retribuição. Naquela noite, na hora marcada, cabeças alemãs apareceram de repente e começaram a cantar. Cada número terminou com uma salva de palmas de ambos os lados.»

[REES, Simon, «The Christmas Truce» in https://www.firstworldwar.com/features/christmastruce.htm]

Capturar

As tréguas de Natal foram o conjunto de episódios mais marcantes de um sistema de "vive e deixa viver" que existiu nas trincheiras em vários períodos e em vários sectores da frente. Tratou-se de uma confraternização que resultou da desobediência individual e coletiva à autoridade militar. Estes casos «destacam a capacidade dos soldados de avaliar a relevância da guerra e, em alguns casos, de considerar a confraternização mais legítima.» [LAFON, Alexandre, «Christmas Truce», "Broader Context" in  https://encyclopedia.1914-1918-online.net/article/christmas_truce]

É claro que este comportamento contrariava as normas militares e poderia pôr em causa a capacidade combativa das unidades. Por essa razão foi criticado e proibido pelas chefias militares.

 

BALANÇO DO ANO

O plano alemão exigia que uma série de objetivos intermédios fossem atingidos dentro de limites cronológicos muito apertados. Tratava-se de um plano em que a capacidade de movimento das forças era essencial e, para o transporte de grandes quantidades de tropas, armas, equipamentos e abastecimentos, o caminho de ferro era essencial. O sistema de caminhos de ferro da Alemanha fora concebido segundo os interesses militares e funcionava sob a sua supervisão. Entre 1870 e 1914, o número de linhas duplas de caminho de ferro que se dirigiam para a fronteira ocidental tinha aumentado de nove para treze. Tudo estava planeado para garantir a grande capacidade de movimento que os planos alemães exigiam.

No caso da França, a adoção do princípio de "l'offensive à outrance" privilegiou o movimento num terreno muito favorável à defensiva tanto do lado alemão como do lado francês. Também nos planos franceses, as escolhas táticas exigiram capacidade de movimento. A invasão da Alsácia-Lorena teve uma forte motivação política, assente em parte no conceito de "revanche" e no efeito que uma vitória ali obtida teria na moral não só das tropas, mas também de toda a população. Contudo, os franceses acabariam por descobrir que «o material poderia subjugar o moral e que, no seu entusiasmo pela ofensiva, eles não conseguiram ver o poder defensivo das armas modernas, uma condição que desequilibrou todo o mecanismo da ortodoxia da guerra.» [LIDDELL HART, p. 52]

No dia 22 de agosto, os Terceiro e Quarto Exércitos franceses avançaram nas Ardenas, sob um nevoeiro denso, supostamente contra a zona mais fraca do dispositivo alemão, na realidade contra as principais unidades dos Quarto e Quinto Exércitos alemães, evidenciando grandes falhas no trabalho das suas unidades de reconhecimento. As tropas francesas atacaram às cegas com baioneta. Os seus ataques foram repelidos e as tropas "ceifadas" pelas metralhadoras. Felizmente para os franceses, o Comando alemão falhou na coordenação das operações e não exploraram os sucessos obtidos. Situações como esta obrigaram a uma retirada para o Marne.

A Batalha do Marne pôs fim ao avanço alemão. Os ataques frontais provocavam muitas baixas e os resultados obtidos eram frustrantes. Ambos os lados evitaram executar uma manobra de "penetração" (romper, por uma ação em força, uma posição defensiva inimiga com a finalidade de destruir a continuidade do dispositivo defensivo inimigo), que exigia a concentração de forças superiores às do inimigo, ou um "ataque frontal" (forma de manobra ofensiva em que se ataca o inimigo ao longo de toda a frente [com a finalidade de] esmagar e destruir ou aprisionar uma força inimiga francamente mais fraca em posição, ou para fixar uma força inimiga com a finalidade de apoiar outra forma de manobra). Privilegiou-se a manobra de "envolvimento", em que o ataque principal evita as forças principais inimigas, atacando um flanco descoberto ou executando um "movimento torneante" em que a força que executa o ataque principal contorna a força principal do inimigo, a fim de conquistar um objetivo vital, situado profundamente na retaguarda daquele, de modo a forçá-lo a abandonar as posições que ocupa, ou a distrair forças importantes para fazer face à ameaça criada pelo movimento torneante. O flanco exposto sobre o qual seria possível executar um envolvimento ou um movimento torneante era, para ambas as forças, o flanco norte: flanco esquerdo dos Aliados e flanco direito dos alemães.

A sequência de tentativas fracassadas por ambas as partes em executarem uma manobra deste tipo obrigou ao deslocamento de forças cada vez mais para norte, até atingirem o Mar do Norte. Este movimento, que já referimos como "corrida para o mar", deixou um rasto de posições defensivas, individuais e coletivas, que com o tempo foram desenvolvidas e transformadas num sistemas de trincheiras. Tratou-se de manter as posições conquistadas utilizando uma longa linha de proteções coletivas. Esta foi a resposta mais eficaz, então encontrada, para fazer frente ao enorme poder de fogo, que a artilharia e as metralhadoras proporcionavam, muito superior ao das guerras europeias anteriores. 

Poderíamos partir do princípio que as chefias militares foram surpreendidas por esta situação, mas outros dois importantes conflitos tinham já mostrado o que seriam as guerras futuras: a Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905 e as Guerras Balcânicas de 1912-1913. No entanto, a passagem da guerra de movimento para a guerra de trincheiras foi uma consequência lógica da evolução do armamento da época. Ao crescente poder de fogo só seria possível responder com a utilização de mais proteção ou a aceitação de um número muito mais elevado de baixas sempre que fosse lançada uma operação ofensiva. Em 1914, não era do conhecimento dos militares nenhum sistema que lhes proporcionasse poder de fogo, ação de choque, proteção, mobilidade de modo a poderem ultrapassar o fogo cerrado das metralhadoras e da artilharia inimiga, como foi mais tarde o caso dos carros blindados que deram origem aos modernos carros de combate.

A execução do Plano Schlieffen não resolveu os problemas alemães. As alterações introduzidas por Moltke afastaram ainda mais essa execução do conceito idealizado por Schlieffen, mas também não é possível saber qual teria sido o resultado destas operações fosse mantido o plano original. Moltke avaliou mal a situação? Para qualquer modalidade escolhida, os alemães dispunham de tropas suficientes para executarem os planos em vigor? Moltke acreditava que o plano concebido por Schlieffen, com ou sem as alterações por si introduzidas, poderia realmente ter sucesso? Há muitas questões para responder e muitos autores fizeram-no sem apresentarem provas concretas, mas apenas afirmações especulativas, embora baseadas nas doutrinas então em vigor.

 

BIBLIOGRAFIA

DUFFY, Michael (Editor), «firstworldwar.com» in https://www.firstworldwar.com/index.htm

GILBERT, Martin, A Primeira Guerra Mundial, © 1994, A Esfera dos Livros, 2007, ISBN 978-989-626-049-1.

HAYTHORNTHWAITE, Philip John, The World War One Source Book, © 1992, Brockhampton Press, London, United Kingdom, 1994, 412 p., ISBN 1-86019-852-X.

HOLMES, Richard, The Western Front, © 1999, BBC Worldwide Ltd, London, ISBN 0-563-38493-X.

KEEGAN, John, The First World War, © 1998, Alfred A. Knopf, New York, 1999, ISBN 0-375-40052-4.

KRAUSE, Jonathan, «Western Front» in 1914-1918-online. International Encyclopedia of the First World War, ed. por Ute Daniel, Peter Gatrell, Oliver Janz, Heather Jones, Jennifer Keene, Alan Kramer, e Bill Nasson, publicada por Freie Universität Berlin, Berlin 2015-11-11. DOI: 10.15463/ie1418.10765.

LAFON, Alexandre, «Christmas Truce», in 1914-1918-online. International Encyclopedia of the First World War, ed. por Ute Daniel, Peter Gatrell, Oliver Janz, Heather Jones, Jennifer Keene, Alan Kramer, e Bill Nasson, publicada por Freie Universität Berlin, Berlin 2015-10-26. DOI: 10.15463/ie1418.10750. Tradução para a língua inglesa por Serveau, Jocelyne.

LIDDELL HART, Sir Basil Henry, History of the First World War, © 1930, Papermac, Macmillan Publishers Ltd, London, 1997, ISBN 0-330-58261-6.

MALLINSON, Allan, Fight to the Finish, the First World War - Month by Month, © 2018, Penguin Random House, United Kingdom, 2018, ISBN 978-059-307-914-0.

STRACHAN, Hew, The First World War, © 2003, Simon & Schuster, Londres, Reino Unido, 2014, ISBN 978-1-47113-426-5.

TUCKER, Spencer C., The European Powers in the First World War, a Encyclopedia, © 1996, Garland Publishing, Inc., United States of America, 1999, ISBN 0-8153-3351-X.

WINTER, Jay (Direção), La Première Guerre Mondiale, Combats, © 2013, Librairie Arthème Fayard, 2013, ISBN 978-2-213-66878-9.

 

Torres Vedras, 18 de março de 2023

Manuel Francisco V. Gouveia Mourão