1917 - A Frente Ocidental
O ano de 1917 não introduziu novidades tecnológicas significativas na guerra, mas os armamentos e equipamentos que já existiam foram objeto de melhoramentos e desenvolvimentos. Continuou a ser utilizado o gás, mas com novas variantes. Os carros de combate britânicos Mk I evoluíram, tendo sido produzidos modelos mais modernos, embora com muitas semelhanças, e os franceses também produziram um número apreciável de carros de combate. Os aviões modernizaram-se e ganharam novas capacidades. Para além da observação do tiro e do reconhecimento, houve importantes desenvolvimentos no combate aéreo, no ataque ao solo e no bombardeamento. No mar, os navios eram construídos a um ritmo nunca visto, para repor as perdas causadas pelos submarinos alemães que, a 1 de fevereiro, iniciaram este tipo de guerra sem restrições.
A guerra de desgaste (ver "1916 A Frente Ocidental") produziu o seu efeito em todos os exércitos e na população civil. Especialmente no exército francês, verificaram-se motins reprimidos com fuzilamentos. Houve casos idênticos, embora de menor dimensão, nos outros exércitos. Observaram-se também manifestações de protesto contra as condições de vida, greves, por vezes nas fábricas de material de guerra, revoltas. Houve fome e consequentes doenças e mortes. A guerra parecia interminável. Havia um número assustador de baixas, não apenas mortos, mas uma grande percentagem de estropiados e de doenças mentais, situações que acompanharam os ex-combatentes para toda a vida. Crescia uma grande fadiga entre os combatentes e os não combatentes.
A 1 de fevereiro de 1917, arriscando entrar em conflito com países neutrais, os alemães iniciaram uma guerra submarina sem restrições, afundando navios mercantes suspeitos sem aplicarem as regras. Muitos navios foram afundados sem aviso (ver cronologia de 1917). Num mês do inverno 1916-1917, as perdas em navios mercantes foram da ordem das 350.000 toneladas, mas em abril de 1917 esse valor subiu para 860.000 [HOLMES, p. 144].
1917 é também o ano em que os EUA declaram guerra à Alemanha e iniciam o envio de tropas para a Frente Ocidental. Contudo, os norte-americanos não dispõem de um exército treinado, nem de armamento suficiente, nem de estruturas logísticas adequadas. É preciso recrutar um exército, treiná-lo e equipá-lo. Os EUA começam por comprar armamento na Grã-Bretanha e em França. O abastecimento de um exército americano na Europa implica um grande volume de transporte marítimo e, com a guerra submarina, é necessário fabricar mais navios do que as perdas. A organização do transporte marítimo em comboios limita essas perdas. Só no mês de novembro de 1917, as perdas no mar foram as mais baixas do ano: 126 navios afundados, cinquenta e seis dos quais, britânicos. [GILBERT, pp. 451-581]
Na Frente Italiana, continuaram os confrontos com a Áustria-Hungria: décima, décima primeira e décima segunda batalhas do Isonzo, as duas últimas também com a participação das tropas alemãs. A últimas dessas batalhas, também chamada Batalha de Caporetto (24 de outubro a 12 de novembro), permitiu às forças das Potências Centrais atingirem o rio Piave, a curta distância de Veneza, para norte. A Frente Italiana transformou-se em mais uma frente para franceses e britânicos.
Neste ambiente, a instabilidade política fazia-se sentir em todos os países, especialmente na Rússia. Os alemães garantiram o transporte de Lenine, da Suíça para a Rússia, onde chegou a 23 de abril e onde uma primeira revolução, em março, já tinha provocado a resignação do czar Nicolau II. O governo provisório era fraco e os bolcheviques tomaram o poder. Antes do final do ano, a Rússia assina um armistício com as Potências Centrais e inicia conversações para um acordo de paz em separado dos seus aliados. Terminada a guerra na Frente Oriental, os alemães podem reforçar substancialmente as suas forças na Frente Ocidental e nos Balcãs. Os austríacos, sempre apoiados pelos alemães, reforçam a frente de batalha no norte de Itália.
OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ENTRAM NA GUERRA
No dia 6 de abril de 1917, os Estados Unidos da América (EUA), um país neutral, declararam guerra à Alemanha. Esta mudança de rumo político foi fundamentalmente uma consequência da guerra submarina sem restrições, que a Alemanha iniciou a 1 de fevereiro desse ano. Este tipo de guerra, que passava a ameaçar navios mercantes das Potências neutrais, visava não apenas o abastecimento das tropas em França, mas o próprio abastecimento da Grã-Bretanha. Por um lado, os Alemães entenderam que não tinham outra forma de derrotar o Reino Unido e, por outro lado, tratava-se de uma reação ao bloqueio naval que a marinha dos Aliados, especialmente a Royal Navy, aplicava à Alemanha.
Nas democracias, a opinião pública tem um peso importante nas decisões dos respetivos governos. À política de neutralidade seguida pelo Governo dos EUA, com o apoio popular, seguiu-se uma política beligerante, também com o apoio da opinião pública norte-americana. Para além da guerra submarina efetuada pelos alemães, que atingia os navios dos EUA - a 18 de março de 1917, os submarinos alemães afundaram três navios mercantes dos EUA - e da degradação das relações entre os dois países, houve um acontecimento que ajudou a mudança na opinião pública e a decisão do Governo norte-americano: um documento que ficou conhecido como "Telegrama Zimmermann".
Arthur Zimmermann foi um diplomata alemão que serviu como Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros do Império Alemão durante parte da Primeira Guerra Mundial, de 22 de novembro de 1916 a 6 de agosto de 1917. Foi o autor do documento em causa, mas também ficou ligado a planos para apoiar revoltas na Irlanda e na Índia e pela ajuda aos Bolcheviques, para minar o Poder da Rússia czarista. O caso que estamos a tratar, o Telegrama Zimmermann, tem a ver com a tentativa de arrastar o México para uma provável guerra com os EUA.
Em 1915, o Presidente do México, Venustiano Carranza (1859-1920), tinha sondado a possibilidade de cooperação com a Alemanha numa iniciativa contra a Guatemala e as Honduras Britânicas (atual Belize), com os quais forma a sua fronteira sul. Estas regiões pertenceram ao México antes da Guerra Mexicano-Americana de 1846-1848. As negociações prolongaram-se por 1916 e foi equacionada a possibilidade de uma ação militar conjunta. Em determinada altura, o representante mexicano nas negociações chegou a sugerir uma ação militar contra os EUA. Estas negociações tiveram influência na linha de pensamento de Zimmermann.
A Primeira Guerra Mundial criou um vácuo de poder na Ásia, à medida que as potências europeias concentravam os seus recursos na guerra na Europa. O Japão aproveitou essa oportunidade para expandir ainda mais a sua influência na China e na região do Pacífico. Os EUA estavam preocupados com as ambições imperialistas do Japão e viam o país como um potencial rival na região. Estes fatores contribuíram para uma atmosfera de crescente desconfiança e hostilidade entre os EUA e o Japão, em 1916. Esta tensão diplomática continuou nos anos seguintes. Em 1916, o Império Alemão procurava estreitar laços com o Japão. Também houve conversações para uma cooperação em várias áreas entre o México e o Japão.
Os cabos submarinos alemães, que ligavam a Alemanha ao continente norte-americano, e outros, foram cortados no início da guerra por um navio britânico. A solução para a Alemanha comunicar com outros países no continente americano era a de utilizar os recursos telegráficos dos países neutral. Os EUA eram um país neutral e tinham concordado em enviar as mensagens alemãs entre a sua Embaixada em Berlim e os seus serviços telegráficos e daí para a Embaixada alemã em Washington. No dia 16 de janeiro de 1917, às 15H00 locais, na Embaixada dos EUA em Berlim, foi entregue uma mensagem codificada, do Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, para a Embaixada alemã em Washington.
Nessa noite, a mensagem foi enviada, passando por Londres antes de chegar ao Departamento de Estado em Washington e daí à Embaixada alemã, onde chegou a 19 de janeiro. Na Embaixada, a mensagem seria descodificada e novamente codificada e enviada ao seu destinatário, a Embaixada alemã no México, por meio de um escritório comercial da Western Uniun. A mensagem chegou ao México no dia 19 de janeiro. Mas quando a mensagem passou por Londres, os serviços secretos britânicos descodificaram-na, embora com lacunas, e tomaram conhecimento do seu conteúdo. O texto da mensagem era o seguinte:
"Pretendemos começar no dia primeiro de fevereiro uma guerra submarina irrestrita. Apesar disso, faremos o possível para manter a neutralidade dos Estados Unidos da América. Caso isso não tenha sucesso, fazemos ao México uma proposta ou aliança na seguinte base: fazer a guerra juntos, fazer a paz juntos, apoio financeiro generoso e um entendimento de que o México reconquistará o território perdido no Texas, Novo México e Arizona. O acordo em detalhes será deixado para si. Você informará o Presidente do acima exposto tão secretamente assim que a eclosão da guerra com os Estados Unidos da América for certa e acrescentará a sugestão de que ele deveria, por sua própria iniciativa, convidar o Japão à adesão imediata e, ao mesmo tempo, mediar entre o Japão e nós próprios. Por favor, chame a atenção do Presidente para o facto que o emprego implacável dos nossos submarinos oferece agora a perspetiva de obrigar a Inglaterra, dentro de alguns meses, a fazer a paz.
Assinado, Arthur Zimmermann"
Para o Reino Unido, que espiava o tráfego diplomático dos EUA, esta mensagem era uma excelente oportunidade para persuadir os norte-americanos a entrarem na guerra. Para evitar conflitos, foi obtida uma cópia da mensagem enviada para o México pela Western Uniun e o telegrama foi enviado à imprensa americana no dia 1 de março, com tendo sido descodificado pelos serviços de informações do EUA.
O ataque aos navios mercantes norte-americanos já tinha levado o Governo norte-americanos a mudar de atitude relativamente à guerra. O Telegrama de Zimmermann foi utilizado para convencer a opinião pública que, após a sua divulgação, apoiou a participação no conflito. A verdade é que a Alemanha não dispunha de recursos para fornecer ajuda ao México. Por outro lado, o Governo mexicano não tinha intenções de iniciar uma guerra. O projeto de Zimmermann era irrealizável, mas, ao ser divulgado, ajudou a convencer a opinião pública da necessidade de entrar na guerra.
Os Americanos tinham sido sempre relutantes em entrar na guerra. Contudo, o território americano não estava em perigo e, sendo assim, a entrada na guerra «tinha que ser tratada exclusivamente como uma cruzada moral», o que terá acontecido até os navios americanos começarem a ser afundados pelos submarinos alemães. Mas o motivo moral ou a luta pela liberdade da circulação marítima seria suficientes para justificar o empenhamento do Exército dos Estados Unidos da América na guerra contra a Alemanha? Este tema continua envolto em polémica. Pelo menos, a visão do historiador britânico Alan John Percival Taylor criou polémica:
«Os bancos tinham recebido instruções para não oferecerem crédito aos beligerantes. Em breve, os homens de negócios queixaram-se que estavam a perder a oportunidade de obterem grandes lucros. Grandes empréstimos foram concedidos aos Aliados. Cobre, algodão, trigo, atravessaram o Atlântico. As fábricas faziam horas extra para os britânicos e franceses. A economia cresceu. Se os submarinos alemães parassem este tráfico, haveria depressão, crise. Se os Aliados perdessem a guerra, os empréstimos americanos também estariam perdidos. Em último recurso, os Estados Unidos foram para a guerra para que a América pudesse permanecer próspera e os americanos ricos pudessem tornar-se mais ricos.» [TAYLOR, 1966, pp. 170-171]
Os Estados Unidos da América não estavam preparados para entrar num conflito desta natureza. Tinham uma marinha poderosa, mas o Exército estava reduzido a valores mínimos. Era necessário recrutar e treinar muitas centenas de milhar de homens. Existiam poucas fábricas de material de guerra. Os carros de combate, a artilharia e até espingardas tinham que ser fornecidos pela indústria francesa e britânica. À Frente Ocidental, onde as forças americanas atuaram, nunca chegaram carros de combate ou aviões americanos. As forças terrestres iriam demorar até estarem preparadas para entrar em combate ao lado das tropas francesas e britânicas. A declaração de guerra dos Estados Unidos da América à Alemanha só se faria sentir na Frente Ocidental, em 1918.
AS OPERAÇÕES MILITARES NA FRENTE OCIDENTAL
Em 1917, os alemães mantiveram uma atitude defensiva. O seu objetivo era o de criarem condições mais favoráveis para passarem à ação ofensiva. Não só se mantiveram na defensiva, como reorganizaram o seu sistema recuando para posições com melhores condições, onde podiam economizar forças e onde aplicaram novas táticas. Os franceses e britânicos, por seu lado, lançaram duas importantes ofensivas: a Ofensiva Nivelle (9 de fevereiro a 20 de março), da responsabilidade do comandante das forças francesas na Frente Ocidental, General Robert Georges Nivelle (1856-1924), com algumas batalhas importantes e nas quais participaram forças francesas, britânicas e uma força expedicionária russa; a Terceira Batalha de Ypres, também conhecida como Batalha de Paschendale (31 de julho a 10 de novembro), na realidade um conjunto de batalhas; a Batalha de Cambrai (20 de novembro a 7 de dezembro), com a participação de tropas britânicas, francesas e norte-americanas, estas ainda numa escala muito reduzida.
A Operação Alberich
Antecedentes
O ano de 1916 deixou os exércitos muito desgastados. O fracasso da ofensiva alemã em Verdun e a situação difícil que se criou com a ofensiva anglo-francesa no Somme conduziram à demissão do general Erich von Falkenhayn (1861-1922) do cargo de Chefe do Estado-Maior Imperial. Para substituí-lo, foi nomeado o general Paul von Hindenburg (1847-1934) que, ao assumir o cargo, trouxe da Frente Oriental o seu Generalquartiermeister, o General Erich Friedrich Wilhelm Ludendorff (1865-1937), decidiu permanecer na defensiva. Para economizar forças e tornar o sistema defensivo mais eficaz, mandou construir novas linhas de defensa, cerca de 40 km à retaguarda da linha inicial e adotou novas táticas defensivas. Retirar as forças alemãs desta linha inicial, sujeita à ação direta das forças aliadas, e transferi-las para a retaguarda, era um movimento tático arriscado porque é o momento em que a força que executa esta "operação retrógrada" se encontra desprotegida. Os alemães executaram esta operação segundo o plano chamado "Operação Alberich".
A Alemanha tinha as suas forças distribuídas principalmente pela Frente Ocidental e Frente Oriental. Para além destas duas frentes, onde estavam empenhadas a maioria das suas forças, também tinham sido enviadas algumas divisões para os Balcãs. Esta dispersão e o enorme desgaste provocado pelas campanhas de 1916 impediam os Alemães de concentrarem forças suficientes para lançarem uma nova ofensiva na Frente Ocidental. Os Alemães necessitavam de um armistício com a Rússia para, dessa forma, poderem transferir algumas unidades militares para a Frente Ocidental e obterem a superioridade necessária para lançarem uma ofensiva.
Siegfried Stellung
A linha de trincheiras da Frente Ocidental (ver a figura 1) formava, na região do rio Somme, um saliente que entrava no dispositivo alemão. Hindenburg e Ludendorff decidiram construir uma nova linha defensiva entre Neuville Vitasse, perto de Arras, e Cerny, a leste de Soissons. Não se tratava apenas de uma nova linha de trincheiras, mas de um novo conceito defensivo: uma defesa flexível em profundidade [SIMKINS, JUKES e HICKEY, p. 110]. Esta linha era designada pelos alemães como "Linha Siegfried" (Siegfried Stellung) e os britânicos chamavam-lhe "Linha Hindenburg".
Figura 1 - Retirada alemã para a Linha Siegfried. Figura desenhada pelo autor (MFVGM) sobre a imagem The Hindenburg Line em https://www.flickr.com/photos/13150208@N05/2800280217/sizes/l/
O atacante enfrentaria primeiro uma zona de postos avançados com pouco mais de 500 metros de profundidade. Nessa zona encontraria abrigos em betão, para proteção de pequenos destacamentos de Sturmtruppen (Tropas de assalto) que tinham a missão de flagelarem e lançarem contra-ataques imediatos para quebrarem o ímpeto do ataque inimigo. À retaguarda destes postos situava-se a "zona de batalha" principal que se estendia cerca de 2.300 metros para a retaguarda e incluía as primeira e segunda linhas de trincheiras. Estas linhas dispunham de numerosas posições para metralhadores, construídas em betão. Imediatamente a seguir, encontravam-se as divisões de reserva que tinham como principal missão contra-atacarem. Após a construção destas linhas, foram acrescentadas duas zonas de batalha, dando ao dispositivo uma profundidade superior a 7.000 metros.
A retirada
A retirada das forças alemãs para a Linha Siegfried foi uma operação complexa e planeada ao pormenor. Envolveu dois conjuntos de ações: a destruição de toda a área abandonada e a operação militar de retirada das forças para as novas posições. Comecemos por esclarecer alguns conceitos do domínio da tática.
A “retirada” é uma operação militar que faz parte de um conjunto designado por “operações retrógradas”. Uma operação deste tipo pode ser executada por imposição do inimigo ou voluntariamente. No caso em questão, trata-se de uma operação retrógrada executada voluntariamente, o que é feito quando a força que a executa pretende obter uma vantagem nítida. Uma operação retrógrada deve ser executada de acordo com planos cuidadosamente preparados porque, no caso contrário, a operação pode correr mal, o que, normalmente, significa um desastre.
A retirada de uma posição para outra é uma operação que envolve muitos riscos. A força que retira sai das suas posições defensivas e desloca-se para a retaguarda. Para conseguir fazê-lo, é necessário que não esteja em contacto com o inimigo. Se estiver em contacto, é necessário executar outra operação que designamos por “rotura de combate”, isto é, toda ou parte da força que retira deixa de estar em contacto com o inimigo. Novamente, aqui, esta operação pode ser realizada com ou sem pressão do inimigo. Neste último caso «há que empregar medidas capazes de impedirem que o inimigo se aperceba da operação e o sucesso desta depende, fundamentalmente, da rapidez de execução e do êxito das medidas de deceção adotadas.» [Regulamento de Campanha, Operações, Exército Português, 1971]
Estes dois parágrafos sobre as operações retrógradas dão uma ideia da complexidade de uma operação desta natureza. Não se trata de um simples movimento para a retaguarda. No caso da Operação Alberich, trata-se de uma retirada, portanto sem pressão do inimigo. As atividades preparatórias foram extensas e não poderiam ter passado despercebidas às forças britânicas e francesas, quer pela construção das novas linhas, quer pelas ações desenvolvidas na área a abandonar.
A ordem para a retirada foi dada a 4 de fevereiro de 1917 e a Operação Alberich começou a ser executada no dia 9. A partir desta data, até à retirada efetiva das forças, foi aplicada uma estratégia de “terra queimada”. Foram derrubadas as árvores de frutos; destruídas as linhas de caminho de ferro e estradas; aterrados, poluídos ou mesmo envenenados os poços de água; retirados todos os cabos elétricos; arrasadas cidades e aldeias; colocadas inúmeras minas e armadilhas. Mais de 200 povoações foram completamente arrasadas. Da população ali existente, as crianças com as respetivas mães e idosos foram enviados para lugares considerados seguros. Cerca de 125.000 homens e mulheres, com condições para trabalharem, foram transportados para outras zonas ocupadas pela Alemanha. [SIMKINS & JUKES & HICKEY, pp. 110-112] Todo o material que pudesse ter alguma utilidade para o inimigo foi removido ou destruído antes da área ser abandonada.
No dia 16 de março, as forças alemãs iniciaram o movimento de retirada para a Linha Siegfried. Com este movimento, cederam mais terreno do que todo aquele ganho pelos Aliados desde setembro de 1914. Os Aliados não se aperceberam - ou não souberam interpretar os sinais - do que acontecia até poucos dias antes do início da operação, o que não foi suficiente para tirar vantagem da situação. O principal receio dos alemães era de que os aliados lançassem um ataque forte enquanto o grosso das tropas se encontrava em movimento. Prevendo essa possibilidade, que não se verificou, pequenos grupos permaneceram nas trincheiras, bem munidos de metralhadoras, para retardarem o inimigo. No entanto, as forças britânicas e francesas iniciaram uma perseguição assim que se aperceberam da retirada alemã, mas esta ação não foi eficaz.
«O nosso grande movimento de retirada começou a 16 de março de 1917. O inimigo seguiu-nos através dos campos, a maioria das vezes com prudência. Nos pontos onde esta marcha prudente quis dar lugar a uma perseguição mais audaciosa, as nossas guardas de retaguarda souberam refrear o ímpeto do inimigo. […] Encurtar as nossas linhas de defesa da frente ocidental dar-nos-á a possibilidade de reconstituirmos fortes reservas» [HINDENBURG, Ma Vie, citado em GUILLEMINAULT, p. 349]
No dia 19 de março, a retirada foi concluída e a Linha Siegfried foi ocupada pelas forças alemãs. A Operação Alberich veio interferir nos planos, principalmente franceses, para a ofensiva de 1917. A nova modalidade de defesa adotada na Linha Siegfried e posteriormente estendida às restantes linhas de trincheiras contribuiu para o fracasso da “Ofensiva Nivelle” e consequentes motins no Exército francês [TUCKER, «Alberich, Operation of (Siegfried Line)», pp. 32-33]
A Ofensiva Nivelle
A “Ofensiva Nivelle” ou “Ofensiva Chemin des Dames” ou “Segunda Batalha do Aisne” foi uma tentativa dos franceses para obterem uma vitória decisiva na Frente Ocidental. A Batalha de Verdun, que dominou as operações francesas em 1916, deixou claro que uma vitória decisiva sobre os alemães era uma ilusão. Verdun teve ainda como consequência a substituição do general Joseph Joffre (1852-1931) pelo general Robert Nivelle (1856-1924). O general Henri-Philippe Pétain (1856-1951), o herói de Verdun, poderia parecer a escolha óbvia, mas Pétain, cauteloso, preferia uma estratégia defensiva e não acreditava numa vitória decisiva. Ao contrário do General Pétain, o General Nivelle, otimista, estava convencido de que poderia lançar uma ofensiva vitoriosa. O então coronel Bernard Serrigny, chefe do estado-maior de Pétain, escreveu nas suas memórias Trente ans avec Pétain que «o moral das tropas era muito mau. Recebi cartas privadas de coronéis e de generais que me suplicavam que fizesse parar o ataque.»
Em janeiro de 1917, o general Nivelle propôs lançar uma ofensiva concentrada numa saliência com uma frente de 120 km, entre Arras e Craonne. Os britânicos lançariam um ataque preliminar a norte para atrair as reservas alemãs e, dessa forma, afastá-las da zona mais a sul onde os franceses lançariam o seu ataque. Nivelle garantiu que as suas tropas no ataque podiam romper as defesas alemãs e abrir uma brecha no dispositivo em 48 horas. As reservas francesas seriam posicionadas o mais à frente possível para aproveitarem a oportunidade de executarem a exploração do sucesso, ou seja, impedir o inimigo de reconstituir uma defesa organizada ou de iniciar uma operação retrógrada ordenada.
Ao longo da linha de alturas, entre Malmaison e Craonne, situava-se a estrada conhecida como “Chemin des Dames”, uma estrada construída no século XVIII para ser utilizada pelas filhas de Luís XV. Do outro lado da linha de alturas fica o vale do rio Ailette e, a norte deste, uma nova linha de alturas a que se seguia o planalto de Laon. O plano de Nivelle previa que as tropas do Grupo de Exércitos da Reserva ultrapassassem estes obstáculos, bem defendidos, em quarenta e oito horas. Esta ideia estava longe da realidade. A situação tornou-se ainda mais grave quando os alemães, através de prisioneiros de guerra, de reconhecimento aéreo e de espiões, conseguiram conhecer o plano francês. Para completar as falhas de segurança, os adidos militares francês e britânico em Haia, num jantar entre diplomatas, a 15 de abril, revelaram que a ofensiva francesa seria iniciada no dia seguinte.
Os alemães decidiram recuar para a Linha Siegfried e fizeram-no, com grande sucesso, entre 16 e 19 de março. O sistema defensivo alemão foi reestruturado, não apenas nas novas posições, mas também nas que se mantiveram, incluindo o vale do Aisne. Foi adotado um novo conceito: o de defesa em profundidade. Este facto não passou despercebido aos Aliados e um número crescente de generais e políticos franceses estavam convencidos de que o pleno do general Nivelle já não era adequado. No entanto, Nivelle defendeu que as circunstâncias – entrada dos americanos na guerra, as derrotas no norte de Itália, a revolução russa de fevereiro de 1917 – obrigavam a França a fazer uma demonstração de força. Após uma ameaça de demissão (6 de abril) acabou por ter o apoio do presidente Raymond Poincaré.
A Batalha de Arras (9 de abril a 16 de maio)
No dia 9 de abril, depois de um curto bombardeamento, os britânicos, com os seus Terceiro e Primeiro Exércitos, sob comando dos Generais General Edmund Allenby e Henry Horne respetivamente, deram início à Batalha de Arras. Os alemães que defendiam a zona em que se realizou o ataque ainda não tinham adotado o novo sistema defensivo. As tropas canadianas do Primeiro Exército conquistaram Vimy Ridge. No entanto, a defesa alemã manteve-se consistente e não foram desviadas reservas da zona do Aisne, onde os franceses iriam atacar.
Originalmente, esta ofensiva estava planeada para Fevereiro, como a principal ofensiva dos Aliados. Após a substituição do General Joffre pelo General Nivelle, a ofensiva foi adiada e integrada no plano francês designado "Ofensiva Nivelle". Não foram decisões pacíficas já que, por insistência do general Nivelle e por imposição política, neste caso, do primeiro-ministro britânico Lloyd George, a Força Expedicionária Britânica ficou sob o controlo temporário dos franceses. Esta situação impôs alterações aos planos britânicos, mas essas alterações também foram provocadas pelo Operação Alberich, quando os alemães recuaram para a Linha Siegfried, mas o ataque britânico ficou marcado para uma frente de 20 km em cada lado da cidade de Arras, onde as posições alemãs não tinham sofrido alterações.
O ataque teve início ao amanhecer do dia 9 de abril de 1917, após uma preparação de artilharia executada por 2.800 bocas de fogo durante cinco dias. Esta preparação sacrificou qualquer possibilidade de surpresa. Catorze divisões britânicas avançaram sobre as posições alemãs defendidas por seis divisões do Sexto Exército alemão, sob comando do general Ludwig von Falkenhausen (1844-1936). O terceiro Exército britânico atacou em ambos os lados de Arras e do rio Scarpe. A norte do rio, os atacantes avançaram mais de 3 km no primeiro dia. Mais a norte, as divisões canadianas do Primeiro Exército conquistaram a linha de alturas de Vimy Ridge, mas à custa de 14.000 baixas.
Figura 2: os avanços da forças britânicas na Batalha de Arras. Mapa original em [Usma battle of arras 1917 - Batalha de Arras (1917) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)]. Alterações de MFVGM.
Frequentemente eram construídas minas onde se colocavam explosivos que deveriam explodir sob as posições alemãs. Os britânicos aproveitaram os trabalhos já realizados nestas minas para conduzirem tropas até muito mais perto dos objetivos. Os ganhos mais significativos foram conseguidos a norte. No dia 11 de abril, os britânicos tomaram Monchy-le-Preux com a ajuda de uma rara carga de cavalaria que custou elevadas baixas. Também a 11 de abril, o Quinto Exército britânico, sob comando do general Hubert Gough (1870-1963), lançou um ataque a sul, a partir de posições recentemente conquistadas, mas o ataque fracassou.
No dia 14, o general Douglas Haig decidiu suspender os ataques e esperar por notícias da ofensiva francesa no Aisne, a começar no dia 16. Perante o fracasso francês, a ofensiva britânica foi retomada a 23 de abril. Os Primeiro e Terceiro Exércitos conquistaram mais algum terreno - 1 a 2 km de profundidade - com combates muitos renhidos. Continuaram a ser executados ataques, mas as tropas estavam exaustas e as baixas estavam a ser muito elevadas.
A primeira fase da batalha foi um grande sucesso, mas quando foram renovados os ataques após o dia 16 de abril, os avanços foram curtos ou nulos e as baixas elevadas. Os britânicos terão sofrido cerca de 150.000 baixas e para os alemães estima-se que atingiram as 100.000. Contudo, a conquista de Vimy Ridge foi um marco muito importante para as operações futuras.
Um número considerável de baixas verificou-se no Royal Flying Corps. Os britânicos tinham uma superioridade numérica sobre os alemães na ordem de 3 para 1, mas no aspeto qualitativo dos aparelhos, os alemães estavam muito mais avançados. Os britânicos dispunham dos obsoletos Royal Aircraft Factory B.E.2 e Royal Aircraft Factory F.E.8. Os alemães utilizaram os Albatros D III ou V, muito mais avançados e com tripulações com maior experiência. Nas missões de reconhecimento, foto-reconhecimento ou apoio da artilharia, os britânicos perderam 151 aviões e 316 tripulantes, mortos ou desaparecidos, durante o mês de abril. A este período da guerra no ar, os britânicos chamaram Bloody April. Nesse período, os alemães perderam 66 aviões e 119 tripulantes. Só em maio os Aliados começaram a dispor de aparelhos mais modernos. [POPE & WHEAL, «Bloody April», p. 75]
A Segunda Batalha do Aisne (16 de abril a 9 de maio)
A Segunda Batalha do Aisne foi a principal batalha da Ofensiva Nivelle. Também é conhecida como Batalha de Chemin des Dames ou, mais raramente, Terceira Batalha de Champagne. Esta ofensiva não atingiu os seus objetivos e, por não ter sido suspensa assim que se tornava evidente o seu fracasso, as baixas francesas continuaram a aumentar rapidamente e ascenderam a 187.000 homens, um número superior ao dos alemães.
Embora a artilharia francesa tenha bombardeado as defesas alemãs durante duas semanas, muitas das defesas permaneceram intactas. Na noite de 15 para 16 de abril caiu chuva e granizo que encharcaram o chão e deixaram as tropas um tanto desmoralizadas, especialmente as unidades africanas do Sexto Exército francês. Este exército era formado por dezassete divisões que iriam atacar na ala esquerda do sector. O Quinto Exército, formado por dezasseis divisões, mais duas brigadas russas e 128 carros de combate, atacaria na ala direita. Segundo o plano de operações, quando aqueles exércitos conseguissem penetrar as defesas alemãs, o Décimo Exército francês, que incluía um corpo de exército de cavalaria, executaria a exploração do sucesso.
Figura 3: Segunda Batalha do Aisne. Origem da imagem: [French territorial gains on the Aisne, Nivelle Offensive, April-May 1917 - Second Battle of the Aisne - Wikipedia]. Alterações introduzidas por MFVGM.
O ataque começou às 06H00 de 16 de abril. Logo de início, os atacantes encontraram uma forte resistência. As metralhadoras alemãs provocaram numerosas baixas. As forças francesas procuraram avançar através da lama e do arame farpado. O plano de Nivelle previa o avanço imediato das reservas, mas a ausência de progresso das unidades da frente fez com que as unidades de reserva se amontoassem nas trincheiras da linha da frente e estas eram fortemente bombardeadas pelo inimigo. As forças atacantes, que procuravam abrir brechas nas trincheiras alemãs, acabaram por ser alvo de fortes contra-ataques. Apenas duas divisões do Sexto Exército francês conseguiram, com pesadas baixas, avançar no planalto de Chemin des Dames. As restantes divisões avançaram muito pouco e, em muitos casos, foram repelidas.
O Quinto Exército perdeu todos os carros de combate. Embora as forças francesas tenham aprisionado à volta de 10.500 alemães, no primeiro dia da ofensiva sofreram cerca de 90.000 baixas, ultrapassando a capacidade dos seus serviços médicos que tinham sido dimensionados para um número de baixas muito mais pequeno. Esta situação começou a desmoralizar as unidades em reserva.
No dia 17 de abril, o general Nivelle pressionou os seus subordinados para explorarem todos os ganhos obtidos e conquistarem mais terreno mais terreno, mas os avanços conseguidos foram insignificantes. O Quarto Exército lançou um ataque secundário, mas foi detido. Dois dias mais tarde, o Décimo Exército também lançou um ataque, mas estavam apenas a ser adicionadas mais unidades ao que já se tinha transformado numa batalha de desgaste.
No dia 25 de abril, os franceses tinham capturado cerca de 20.000 alemães, 147 bocas de fogo de artilharia e 300 metralhadoras, mas só tinham avançado quatro quilómetros no planalto do Chemin des Dames. Para estes ganhos modestos, sofreram mais de 100.000 mortos e feridos e 4.000 foram feitos prisioneiros. Cerca de 80 % destas perdas verificaram-se no primeiro dia de luta. A artilharia francesa encontrava-se com falta de munições, o que dificultava futuros ataques. O general Nivelle perdeu a confiança do Governo e, a 29 de abril, o general Pétain substituiu-o no cargo de Chefe do Estado-Maior General. Pétain restringiu todas as operações ofensivas que, oficialmente, terminaram a 9 de maio. Também alterou alguns cargos e, a 15 de maio, substituiu Nivelle nas funções de Comandante-em-Chefe das forças francesas na Frente Ocidental.
Quando terminou a Ofensiva Nivelle, os franceses tinham sofrido 30.000 mortos e 100.000 feridos. Os alemães tinham sofrido 83.000 baixas (mortos e feridos) além dos prisioneiros. Nas unidades francesas começaram a verificar-se casos de indisciplina coletiva logo após os primeiros fracassos. Os primeiros casos reportam a 17 de abril. No dia 21 de abril houve um motim na 1ª Divisão de Infantaria Colonial. Seguiram-se outros. No final de maio, em mais de metade das divisões da linha da frente tinham sido registados motins. Pétain foi obrigado a tomar medidas duras para enfrentar esses motins.
[Os dados apresentados neste texto besearam-se quase exclusivamente em LONGFELLOW, David L., «Nivelle (Chemin des Dames) Offensive (April-May 1917)» in TUCKER, 1999]
Ofensiva britânica na Flandres
Apesar de não haver unidade de comando de todas as forças aliadas na Frente Ocidental, os ataques lançados pelos britânicos na Flandres e na região de Artois tiveram, em grande parte, o objetivo de atrair as reservas alemãs, retirando-as das zonas de atuação dos franceses, primeiro para apoiar a Ofensiva Nivelle, depois para desviar as atenções das forças francesas enfraquecidas pela ofensiva em Chemin des Dames e pelos graves motins que se seguiram. Este era, sem dúvida, um objetivo importante, mas o objetivo estratégico dos britânicos era o de expulsarem os alemães da costa belga para os privarem da utilização dos seus portos como bases navais para os submarinos, nomeadamente Ostende e Zeebrugge.
Batalha de Messines (7 a 14 de junho)
Cerca de 9 km a sul de Ypres, na orla sul do Saliente de Ypres, na Bélgica, a povoação de Messines (Mesen, em flamengo) deu o nome à batalha travada naquela região entre 7 e 14 de junho de 1917. Messines atinge, no seu ponto mais elevado, 80 metros acima do nível do mar, ou seja, mais 60 metros que Ypres e o terreno circundante. Esta característica topográfica, da linha de alturas no limite sul do Saliente de Ypres, permitia aos alemães observarem as linhas britânicas e áreas a norte de Ypres.
Os britânicos pretendiam expulsar os alemães da costa belga para os privarem da utilização dos seus portos como bases navais. A linha de alturas de Messines era, portanto, importante para o domínio do terreno circundante e a missão para a sua conquista foi atribuída ao Segundo Exército Britânico, sob comando do general Herbert Charles Onslow Plumer (1857-1932). O planeamento para esta operação já estava a ser desenvolvido desde 1916. O objetivo sobre a costa belga tinha sido previsto para o ano anterior, mas as batalhas de Verdun e do Somme obrigaram a um adiamento. Quando ficou claro que a Ofensiva Nivelle era um fracasso, o general Douglas Haig deu ordem para o Segundo Exército preparar a captura da linha de alturas de Messines, o mais cedo possível. Desta forma, dava-se início ao plano britânico para a Flandres, mas também se atraíam as reservas alemãs e, com isso, aliviava-se a pressão sobre as forças francesas, desmoralizadas e sob a ação de numerosos motins.
Na preparação para a batalha, foi prevista a abertura de túneis e a colocação de 22 minas sob a primeira linha defensiva alemã. O plano previa a detonação de todas elas às 03H10 do dia 7 de junho, a que se seguiria o ataque da infantaria com forte apoio da artilharia, que utilizaria granadas de gás, e de carros de combate. Os trabalhos de colocação das minas começaram 18 meses antes. Uma mina, na Fazenda Petite Douve, foi descoberta pelos alemães a 24 de agosto de 1916 e foi destruída. Outras duas minas perto de Ploegsteert Wood não explodiram porque estavam fora da zona de ação das forças atacantes. Apesar da atividade alemã para descobrir os túneis e as minas, os britânicos conseguiram construir sob as suas linhas cerca de 8.000 metros de túneis. Por vezes acontecia os construtores dos túneis encontrarem homólogos alemães que executavam uma terefa idêntica. Por norma seguia-se um combate corpo a corpo subterrâneo. [DUFFY, 22 ago 2009, «The Battle of Messines, 1917»
A preparação da artilharia foi iniciada a 21 de maio e envolveu 2.300 bocas de fogo e 300 morteiros pesados. Teve início a 21 de maio e terminou às 02H50 de 7 de junho. Os alemães compreenderam que o ataque estava a começar e ocuparam as suas posições defensivas. Às 03H10 explodiram dezanove minas por debaixo das posições alemãs. A preparação da artilharia tinha como consequência a perda de surpresa do ataque, mas a explosão das minas teve um efeito superior ao da artilharia. Foram utilizadas 600 toneladas de explosivos. O som combinado das explosões simultâneas de minas constituiu a explosão mais alta feita pelo homem até aquele ponto. A explosão foi ouvida em Londres.
As explosões das minas tiveram um efeito devastador sobre os defensores alemães. Cerca de 10.000 homens morreram em consequância destas explosões. Seguiu-se o avanço de nove divisões de infantaria e carros de combate. Este avanço realizou-se sob a proteção de dispositivos de gás e de uma barragem rolante de artilharia. O gás foi lançado a partir dos “projetores Livens”, um dispositivo parecido com um morteiro, concebido para lançar botijas de gás. Todos os objetivos iniciais foram atingidos em três horas. Os alemães lançaram um contra-ataque no dia seguinte, mas fracassaram e perderam ainda mais terreno. Os contra-ataques alemães continuaram até dia 14, mas não tiveram sucesso. A linha de altura de Messines estava em poder das tropas britânicas.
Na Batalha de Messines, que elevou muito o moral entre os Aliados, verificou-se pela primeira vez na Frente Ocidental que as baixas das forças defensivas excederam realmente as das forças atacantes: 25.000 alemães contra 17.000 britânicos.
A Terceira Batalha de Ypres (31 de julho a 10 de novembro)
Ao contrário das batalhas anteriores nesta região, em 1915 e 1916, resultantes das ofensivas alemãs, a Terceira Batalha de Ypres resultou de uma ofensiva dos Aliados. Tratou-se de uma ofensiva meticulosamente planeada, lançada a 31 de julho e que se prolongou até ao dia 10 de novembro quando a vila de Passchendaele caiu em poder das forças britânicas. Apesar do terreno conquistado, os resultados alcançados ficaram aquém do que tinha sido previsto e o número de baixas foi muito elevado. Atualmente, a Terceira Batalha de Ypres é frequentemente designada como Batalha de Passchendaele. À semelhança do que tinha sucedido na Batalha do Somme, esta foi uma batalha de desgaste. Foi a última grande batalha de desgaste na Primeira Guerra Mundial.
Figura 4: Terceira Batalha de Ypres. Origem da imagem: [USMA - Third Battle of Ypres - Battle of Passchendaele - Wikipedia]. Alterações introduzidas por MFVGM
Esta batalha enquadrava-se no objetivo mais vasto de controlar a costa belga e destruir as bases alemãs de submarinos ali existentes. A guerra submarina irrestrita estava a causar demasiadas baixas e o almirante britânico John Rushworth Jellicoe (1859-1935), First Sea Lord (Chefe do Estado Maior e Comandante Operacional da Royal Navy), avisou que o nível das perdas marítimas estava a tornar-se crítico e poria em causa a capacidade de os britânicos manterem as suas forças em campanha até 1918. O general Douglas Haig acreditava que o exército alemão se encontrava à beira do colapso e rapidamente concordou numa campanha para atingir aqueles objetivos. O primeiro-ministro britânico David Lloyd George (1863-1945) não concordou com a ofensiva proposta por Haig, mas, não havendo outra alternativa e encorajado pelo sucesso na Batalha de Messines, sancionou a proposta de Haig. A instabilidade nos exércitos russos e a possibilidade de a Rússia se retirar da guerra num futuro próximo também contribuiu para a decisão porque, nesse caso, a Alemanha passaria a dispor de mais forças na Frente Ocidental.
A ofensiva para a Terceira Batalha de Ypres foi lançada pelo Quinto Exército britânico, sob o comando do general Sir Hubert Gough (1870-1963), apoiado à sua direita (sul) por um corpo de exército do Segundo Exército britânico, sob comando do general Plummer e, à sua esquerda (norte), por um corpo de exército do Primeiro Exército francês, sob comando do general Francois Paul Anthoine (1860-1944). Ao todo participaram doze divisões de infantaria. Durante dez dias, três mil bocas de fogo de artilharia lançaram 4.250.000 granadas sobre as posições alemãs. Esperava-se conseguir um grau elevado de destruição das obras defensivas, já que, desta forma, o elemento surpresa estava eliminado. O Quarto Exército alemão, sob o comando do general Friedrich Sixt von Armin (1851-1936) preparou-se para enfrentar a ofensiva aliada.
O ataque foi lançado às 03H50 do dia 31 de julho de 1917, numa frente de 18 km. Os ganhos foram modestos, tanto para os britânicos como para os franceses. Nos dias seguintes, os britânicos tentaram renovar a ofensiva, mas a chuva forte transformou o solo das terras baixas da Flandres num autêntico pântano. Os carros de combate ficaram presos na lama. A infantaria ficou com a sua mobilidade severamente limitada. A consequência foi o adiamento da renovação da ofensiva até 16 de agosto, data em que teve início a Batalha de Langemarck (16-19 de agosto), durante a qual franceses conseguiram ocupar uma quantidade substancial de território. Já os britânicos tiveram ganhos muito modestos e à custa de pesadas baixas.
O general Douglas Haig reorganizou as suas forças – o Segundo Exército ocupou as posições do Quinto Exército - e os ataques recomeçaram a 20 de setembro com a Batalha da Estrada de Menin (20-26 de setembro), uma vitória das forças britânicas. Em seguida, foi travada a Batalha de Polygon Wood (26 de setembro a 3 de outubro), outra vitória britânica, e a Batalha de Broodseinde, a 4 de outubro, novamente um sucesso para as tropas britânicas. Estas vitórias, conseguidas pelo general Plummer, proporcionaram aos britânicos a posse da cordilheira a leste de Ypres. Encorajado por estes ganhos, Haig decidiu continuar a ofensiva em direção à cordilheira Passchendaele, acreditando que o exército alemão estava à beira do colapso.
No entanto, os atacantes aliados encontravam-se exaustos e nas batalhas que se seguiram - Batalha de Poelcappelle, a 9 de outubro, e Primeira Batalha de Passchendaele, a 12 de outubro – poucos progressos foram conseguidos. Não só os atacantes davam sinais de grande cansaço, mas os alemães começavam a ser reforçados pelas forças libertadas da Frente Oriental, em consequência da revolução na Rússia. Além de estarem a ser reforçados, os alemães utilizaram na sua defesa, sempre que as condições lhes eram favoráveis, gás mostarda (mostarda sulfurada) que causava lesões na pele muito graves e fatais ou, se fosse respirado, nos órgãos internos. Apesar disto, Haig continuou a ofensiva que só foi cancelada quando a aldeia de Passchendaele foi capturada pelas forças britânicas, a 6 de novembro.
Durante a Terceira Batalha de Ypres, a British Expeditionary Force (BEF) conquistou vários quilómetros de terreno, mas sofreu cerca de 310.000 baixas, um número superior ao das forças alemãs, que rodaram os 260.000 homens.
Batalha de Cambrai (20 de novembro a 3 de dezembro)
A cidade de Cambrai, no norte de França, era um importante centro de abastecimento para a Linha Siegfried. Esta área tinha três vantagens para a ofensiva britânica: o terreno era firme e seco; existia cobertura suficiente para permitir ocultar da observação alemã uma força de ataque; a defesa alemã era fraca naquela zona. A sua captura e do terreno elevado de Bourlon ameaçaria a retaguarda da linha alemã para o norte.
A Batalha de Cambrai, o último ataque dos Aliados na Frente Ocidental, em 1917, marcou a primeira utilização dos carros de combate de forma massiva. Esta batalha pode ser dividida em duas fases: primeiro, a ofensiva britânica; segundo, o contra-ataque alemão. As defesas alemãs em Cambrai consistiam numa série de postos avançados e três linhas bem construídas. A primeira linha de defesa, era apoiada por outras duas a 1,5 km e 4,5 km de distância, à retaguarda. As tropas em reserva estavam protegidas em longos túneis.
Após os fracassos dos carros de combate, em grande parte devido à espessa lama do terreno por onde tinham de transitar, em Ypres, um conjunto de oficiais do British Tank Corps, liderados pelo coronel John Frederick Charles Fuller (1878-1966) propôs um raide em massa sobre terreno seco, entre o Canal du Nord e o Canal de St. Quentin. Isto significava um ataque rápido, de surpresa, seguido de uma rápida retirada. Tinham a intenção de restaurar a fraca reputação adquirida pelos carros nas batalhas anteriores, sobre terrenos enlameados. Este plano foi transformado num ataque frontal para romper as linhas inimigas e teve o apoio do comandante do Terceiro Exército britânico, general Sir Julian Hedworth George Byng (1862-1935), oriundo da Arma de Cavalaria.
O general Byng propôs um ataque frontal às linhas inimigas, em novembro, ignorando as condições meteorológicas que seriam provavelmente más, a falta de reservas adequadas para explorar o sucesso e os avisos alarmantes dos comandantes doas unidades de carros. Seis divisões de infantaria e duas de cavalaria, apoiadas por cerca de mil bocas de fogo de artilharia, estavam concentradas com os 476 carros de combate, dos quais 376 era do último modelo Mk IV. O objetivo era o de romper as linhas inimigas no primeiro dia.
Figura 5: os carros de combate MK IV no ataque em massa, na Batalha de Cambrai. Origem da imagem: [tumblr_ozosmo1ilA1szkmvlo1_1280.jpg (1280×755)]
O ataque foi lançado às 06H30 de 20 de novembro, ao longo de uma frente de 10 km, com 374 carros de combate e cinco divisões de infantaria. A primeira linha de defesa alemã era defendida por duas divisões do Segundo Exército alemão, sob comando do general Georg Cornelius Adalbert von der Marwitz (1856-1929).
A preparação de artilharia foi muito curta, mas muito intensa, pelo que foi possível criar uma situação de surpresa. Após o início do ataque, os fogos de artilharia foram direcionados para a zona das reservas alemãs, para dificultar ou impedir os seus movimentos. Foram utilizadas granadas de fumo para “cegar” os observadores alemães do fogo de artilharia e impedir o ajustamento do tiro. Os carros de combate atuaram em conjuntos de três e lideraram o avanço, seguidos de perto pela infantaria que avançava organizada em pequenos grupos em ordem aberta, em vez das habituais formações em linha para o assalto.
No fim da tarde, os britânicos tinham avançado cerca de 6 km, abrindo uma brecha difícil de defender, em direção a Cambrai. Os seus ganhos incluíram as aldeias de Graincourt, Flesquières, Ribecourt, Marcoing, Anneaux, Cantaing e Noyelles. Os acontecimentos sucederam-se de acordo com o que estava planeado. Apenas na zona de Flesquières, onde o comandante da divisão de infantaria deu ordem para que as suas tropas não cooperassem com os carros de combate, o avanço não foi tão rápido nem tão profundo. Em Masnieres, os alemães fizeram explodir uma ponte sobre um canal, o que forçou a que a infantaria tivesse de avançar sem o apoio dos carros. No dia seguinte foram feitos pequenos avanços e Flesquières foi tomada. No entanto, a falta das reservas adequadas não permitiu a exploração do sucesso, o ímpeto do ataque foi desaparecendo e os alemães enviaram reforços que bloquearam a estrada para Cambrai.
Perante o sucesso do primeiro dia, o general Douglas Haig decidiu continuar o ataque. Os combates continuaram com intensidade, mas sem resultados visíveis. No dia 29 de novembro, os alemães lançaram uma contraofensiva com vinte divisões e utilizaram as novas táticas de infiltração. Estas foram enunciadas em primeiro lugar no exército francês, mas foram os alemães que as puseram em prática, pela primeira vez, no outono de 1917. Pequenas forças de tropas de assalto (Stoßtruppen), normalmente companhias, eram lançados entre os pontos fortes do inimigo após uma curta, mas violenta, barragem de artilharia. Estavam fortemente armados com metralhadoras ligeiras, morteiros e lança-chamas. A sua missão era atacar de surpresa áreas da retaguarda e posições de artilharia. A estas ações seguia-se o ataque principal da infantaria. O inimigo encontrava-se então entre dois fogos. As forças aliadas apenas começaram a utilizar estas táticas na fase final da guerra. A ala direita (norte) dos alemães fez poucos progressos, mas a sul conseguiram romper a linha defensiva britânica e, a 7 de dezembro, tinham reconquistado quase todo o terreno perdido.
O ataque de 20 de novembro foi uma demonstração do potencial dos carros de combate e providenciou um esboço do que seria a aplicação destas armas no futuro. Por outro lado, os contra-ataques alemães, bem sucedidos, ajudaram-nos a convencer de que os carros de combate eram uma arma com fraco valor porque muito vulneráveis ao fogo de artilharia concentrado. No final, os alemães tinham reconquistado 75% de todo o território perdido no primeiro dia. Os britânicos sofreram cerca de 44.000 baixas e os alemães à volta de 53.000.
DESTRUIÇÕES E CRIMES DE GUERRA
A Operação Alberich envolveu a destruição sistemática de 1.500 km2 de território francês. Esta operação é muitas vezes apontada como um exemplo das ações militares extremas do Exército Alemão durante a Primeira Guerra Mundial [SHOWALTER, «Operation Alberich»]. O Príncipe Rupprecht, herdeiro do trono da Baviera, comandante do Grupo de Exércitos da área onde foi construída a Linha Siegfried, opôs-se a algumas destas medidas. Declarou-se chocado com e métodos de destruição propositada e só não se demitiu das suas funções para que essa atitude não fosse interpretada como um distanciamento político entre a Baviera e a Alemanha e por grande pressão de Hindenburg e Ludendorff. Nas suas memórias, Ludendorff referiu o assunto das destruições:
«Os trabalhos “Alberich” foram executados conforme o programa. O sucesso foi completo. Dos territórios evacuados, retirámos numerosos tesouros artísticos, para os colocar em abrigo, no país ocupado, conforme as prescrições da Convenção de Haia no que respeita à guerra em terra. Foi profundamente lamentável ter de destruir os bens dos habitantes, mas era inevitável. … As nossas destruições e a evacuação das populações tinham fatalmente de atrair, da parte da Entente, acusações de barbárie» [LUDENDORFF, Souvenirs de guerre, citado em GUILLEMINAULT, p. 350]
Em 1919, em Versalhes, a Operação Alberich foi utilizada como um exemplo para legitimar e justificar reivindicações por reparações de guerra. Tratou-se de uma operação com consequências a longo prazo.
Em 1914, na Bélgica, a população tinha sofrido represálias da parte das tropas alemãs. Foram executados sumariamente milhares de civis belgas. O massacre de Dinant, é um exemplo dessas execuções. Entre os dias 21 e 25 de agosto, morreram 674 civis. Em Tamines foram executados 384 civis. Na Bélgica e em França verificaram-se muitas situações deste tipo. Entre 5 e 26 de agosto de 1914, o Exército Imperial Alemão matou mais de 5.000 civis na região da Valónia. Também destruiu mais de 15.000 casas. Em Louvain, Bélgica, foram mortas 248 pessoas e 1.500 foram deportadas para a Alemanha. Além das execuções a que a população civil esteve sujeita, a deportação para zonas onde eram utilizados como trabalho escravo era um crime. Na Frente Leste, na Prússia Oriental, o exército russo cometeu muitos atos de violência. Segundo as denúncias alemãs, foram devastadas trinta e nove cidades e 1.900 aldeias e 1.491 civis alemães foram executados. A mesma violência foi cometida pelas tropas russas no território da Galícia e Bukovina, sob domínio da Áustria-Hungria. Mas também a Áustria-Hungria cometeu atrocidades contra a população civil na Sérvia. No total, entre 1914 e 1918, o exército austro-húngaro executou, sem julgamento, pelo menos 11.500 civis. [KRAMER, Atrocities, p. 5 versão pdf]
Não foram apenas as execuções que constituíram crimes. Com a falta de mão de obra que se fazia sentir, causada pela mobilização, os alemães deportaram para a Alemanha 58.432 belgas, no final de 1916, e outros 62.155 foram forçados a trabalhar perto da frente, na França e na Bélgica, por vezes sob o fogo da artilharia aliada. Com frequência eram sujeitos a castigos corporais. Milhares de franceses, homens e mulheres, foram forçados a cavar trincheiras e a construir infraestruturas para o exército alemão. Eram, portanto, obrigados a trabalhar contra os interesses da sua própria nação. Na Europa Oriental, o exército alemão utilizou muito o sistema de deportações para suprimir a falta de mão de obra. Os castigos corporais aplicados publicamente a homens e mulheres eram frequentes. No inverno de 1917/1918 muitos civis da Europa Oriental morreram devido à fome e às epidemias causadas pelas péssimas condições sanitárias em que eram obrigados a viver. No entanto, os protestos internacionais foram sempre muito inferiores aos provocados por práticas idênticas na Bélgica e em França.
A violência sobre as pessoas civis não se fez sentir apenas nos territórios ocupados. Na Galícia e na Ucrânia, territórios do Império Austríaco, as tropas austro-húngaras mataram um elevado número de civis suspeitos de traição. Cerca de 30.000 Rutenos (ucranianos dos territórios do Império dos Habsburgos) terão sido executados sem julgamento. O exército russo adotou a política de terra queimada na sua retirada de 1915, destruindo abastecimentos e edifícios, e deportando civis. Pelo menos 300.000 Lituanos, 250.000 Letónios, cerca de 500.000 Judeus e 743.000 Polacos foram deslocados para leste por receio que pudessem apoiar as forças inimigas. No início de 1917 existiam pelo menos seis milhões de refugiados no interior da Rússia. Muitos tinham fugido da zona de guerra, mas a maioria era vítima de deportação. [KRAMER, Atrocities, pp 7-8]
A 28 de agosto de 1914, a biblioteca da Universidade Católica de Louvain foi incendiada e destruída. Tratou-se de um ato deliberado de vingança por parte das tropas alemãs, em resposta à resistência belga à invasão. Perderam-se cerca de 600.000 livros e manuscritos. Também em Louvain, 1.120 das suas 8.928 casas foram destruídas. A história deste tipo de destruições é longa. Parte importante destas destruições foi consequência do fogo de artilharia, mas muitas resultaram de atos deliberados por represálias ou, o que é pior, da destruição gratuita.
Mas as violações à lei, por parte da Alemanha, não apenas por parte das suas tropas, não se limitam à destruição de infraestruturas, à deportação de população e ao trabalho forçado a que ela é sujeita. As violações da lei começam com a invasão da Bélgica. Sendo este um país neutral, a sua invasão pelas tropas alemãs foi uma clara violação dos princípios estabelecidos na Convenção de Haia de 1907, da qual a Alemanha era signatária: «O território das Potências neutral é inviolável.» No ano seguinte, houve outra importante violação da lei, nomeadamente da Convenção de Haia de 1899, quando começam a ser utilizados os gases: «As Potências contratantes concordam em abster-se do uso de projéteis cuja finalidade é a difusão de gases asfixiantes ou deletérios [que atacam a saúde, a vida].» Mas todas as principais potências os utilizaram (Alemanha, Áustria-Hungria, Império Otomano, França, Reino Unido, Rússia e os Estados Unidos da América). O crime cometido pela Alemanha serve de justificação aos crimes cometidos pelos outros países? A resposta não é fácil.
No mar, os submarinos alemães atacaram navios mercantes sem que pusessem em prática as medidas necessárias para salvarem a tripulação ou passageiros. A guerra submarina sem restrições tinha por objetivo impedir o abastecimento das tropas aliadas em França, ou até das populações, em França e na ilhas britânicas. Mas o bloqueio naval aliado tinha o objetivo, não só de impedir a Alemanha de receber recursos necessários às suas forças armadas, mas também de atingir a população pela falta de alimentos, um passo importante para a Guerra Total. Em ambos os casos ficava demonstrada «a pouca consideração pela tradicional distinção entre soldados e civis.» [ROBERTS, Adam, «Land Warfare: From Hague to Nuremberg» in HOWARD & ANDREOPOULOS & SHULMAN, p. 124].
Anteriores à Primeira Guerra Mundial, existiam as Convenções de Haia, de 1899 e 1907. Também tinham sido realizadas duas convenções em Genebra: a primeira, de 1864, tratava da proteção dos feridos e enfermos em combate terrestre; a segunda, em 1906, ampliou a proteção aos feridos e enfermos em combate naval. Apesar de tudo, muito do que fora estabelecido nestas convenções foi sistematicamente ignorado. «É difícil resistir à conclusão de um dos estudos mais detalhados sobre o assunto, [James Wilford] Garner's International Law and the World War, que no que respeita a um vasto conjunto de assuntos "as convenções existentes ou estão em silêncio, ou são inadequadas, ou não estão em harmonia com as condições atuais. Dificilmente existe alguma das convenções de Haia que não possa ser muito melhorada à luz da experiência da recente guerra".» [ROBERTS, Adam, obra citada, pp. 124-125]
Entre os atos condenáveis que infringiram as convenções, anteriormente aceites pela generalidade das Potências, encontra-se a violência contra os prisioneiros de guerra. O seu tratamento dependia do seu posto, o que se mantém em vigor, conforme as Convenções de Genebra, mas havia também um tratamento diferenciado conforme a nacionalidade do prisioneiro. Em geral, os militares russos cativos na Alemanha eram tratados de forma muito mais dura que os prisioneiros franceses ou britânicos. Muitos prisioneiros russos foram forçados a trabalhar perto da frente sob bombardeamentos de artilharia. As condições dos campos de prisioneiros na Alemanha eram geralmente péssimas e geravam muitas mortes por doença. Em 1915, no campo de prisioneiros alemão de Kessel-Niederzwehren, onde estavam internados franceses e russos, 18.000 homens foram infetados com tifo. Destes, pelo menos 1.300 terão morrido devido a essa epidemia. Este facto foi considerado pelos Aliados um crime de guerra e as autoridades francesas e britânicas tentaram levar a tribunal o comandante do campo, quando a guerra terminou.
Os Franceses, por seu lado, enviaram alguns prisioneiros alemães para o norte de África. A sua intenção era humilhá-los perante a população nativa. Para os Alemães, isto foi uma «irritante inversão da hierarquia racial» ao ficarem sob responsabilidade de guardas coloniais, sujeitos a um ambiente duro, não europeu, onde quase todos os prisioneiros contraíram malária. Na Rússia, as epidemias de tifo causaram numerosos mortos e os prisioneiros no campo de Tockoe foram obrigados a trabalhar na construção de uma linha de caminho de ferro, a temperaturas que chegaram a -35º C, com falta de alojamento, comida, água e tratamento médico adequado. Dos 70.000 prisioneiros alemães e austro-húngaros, morreram à volta de 25.000. Os Italianos foram particularmente maltratados pelo exército austro-húngaro. A má nutrição, em combinação com a exaustão causada pelo trabalho a que foram obrigados, falta de abrigo e aquecimento adequados, provocaram em 468.000 prisioneiros italianos pelo menos 92.451 mortes.
Antes da sua transferência para os campos de prisioneiros e, em alguns caso, após essa transferência, os prisioneiros de guerra, em ambos os lados, eram frequentemente postos a trabalhar no campo de batalha ou atrás das linhas, em tarefas perigosas tais como eliminar granadas de artilharia que não tinham explodido ou cavar trincheiras ao alcance do fogo inimigo. Isto era visto por ambos os lados como um ato criminoso que fazia com que o outro lado procedesse da mesma forma, criando um ciclo de represálias. O tratamento do prisioneiro de guerra como um não combatente com a proteção garantida por um estatuto aprovado pela generalidade das Potências, no decorrer das Conferências de Genebra (1864 e 1906), era uma ilusão. [KRAMER, Atrocities, p. 11 pdf] A construção da Linha Siegfried envolveu muitos civis, belgas e franceses, e prisioneiros de guerra russos.
Além das mortes verificadas entre os prisioneiros internados em campos, verificaram-se também muitas mortes entre soldados que se rendiam. Muitas vezes, ao renderem-se eram mortos pelos captores. Em agosto de 1914, o Major-general alemão Karl Stenger deu ordem para serem mortos todos os soldados franceses capturados em Thiaville. Foram mortos cerca de vinte soldados. Durante a Batalha do Somme (1916), alguns oficiais britânicos deram ordens idênticas e vários soldados alemães foram mortos quando tentaram render-se. O professor Dr. Brian K. Feltman argumenta que a cultura militar britânica tolerava tais mortes. «Em 1919, o Ministro da Guerra da Prússia afirmava que "os Britânicos tinham matado prisioneiros de guerra alemães, sistematicamente, e obedecendo a ordens superiores.» [KRAMER, Atrocities, pp. 9-11 pdf]
O ARMISTÍCIO NA FRENTE ORIENTAL
O ano de 1917, na Rússia, ficou marcado por duas revoluções que alteraram profundamente a sociedade russa, mas também a configuração do esforço de guerra alemão. A primeira, a "Revolução de Fevereiro" (de março segundo o calendário gregoriano utilizado no Ocidente), estabeleceu uma república de carácter liberal, e a Rússia passou a ser governada por um Governo Provisório. A segunda, a "Revolução de Outubro" (de novembro, dia 7), derrubou o Governo Provisório e colocou o Partido Bolchevique no poder, impondo um governo soviético.
No próprio dia 7 de novembro, o governo bolchevique promulgou o "Decreto sobre a Paz". Este documento vinha de encontro às aspirações da generalidade do povo russo. A guerra tinha causado um grande sofrimento com os milhões de mortos, feridos e prisioneiros. Também tinha agravado a escassez e o preço dos alimentos e a consequente fome que atingia largas camadas da população. Os bolcheviques, nos seus manifestos políticos, prometeram acabar com a guerra. O Decreto sobre a Paz instava todos os países beligerantes a iniciar negociações imediatas para um acordo de paz, condenava a guerra como produto do imperialismo e da ganância dos governos capitalistas, declarava a retirada imediata da Rússia da Primeira Guerra Mundial, sem anexações ou indemnizações, e propunha um novo tipo de relações internacionais baseadas na cooperação e no respeito mútuo entre os povos.
Um documento desta natureza foi extremamente popular entre a população russa, cansada da guerra e ansiosa pelo fim do sofrimento. No entanto, a recusa da Rússia em continuar a guerra provocou o isolamento do país no cenário internacional. Leon Trosky (Liev Davidovich Bronstein, 1879-1940), o Comissário para os Negócios Estrangeiros do governo bolchevique, pressionou a França e o Reino Unido, os seus aliados na Triple Entente, para que iniciassem em conjunto o processo de paz, mas não obteve resposta dos governos daquelas Potências. Assim, a Rússia iniciou o processo de forma isolada.
As negociações de paz entre beligerantes são normalmente precedidas da suspensão das hostilidades para que se possa então tratar de pôr um fim legal ao estado de guerra. O armistício é estabelecido por um acordo formal entre os governos ou partes beligerantes e marca o fim das operações militares, mas não do conflito. É mais importante que uma simples trégua porque nesta, a suspensão das hostilidades resulta de um acordo informal, normalmente negociado a um nível mais baixo que o armistício, abrangendo parte do teatro de operações, sem ter em vista conversações de paz, mas apenas uma interrupção temporária das hostilidades, como foi o caso da Trégua de Natal de 1914.
A 28 de novembro de 1917, os Alemães aceitaram a oferta da Rússia para estabelecer um armistício. Para os Russos tratava-se de uma necessidade absoluta, tendo em atenção o estado caótico das suas forças armadas e as promessas de paz feitas pelos bolcheviques. No dia 2 de dezembro, na fortaleza de Brest-Litovsk, quartel general das forças alemãs na Frente Oriental, cerca de 150 km à retaguarda da linha da frente, em território que hoje pertence à Bielorrússia, encontraram-se as delegações russa e alemã. A 7 de dezembro, as duas delegações chegaram a acordo em suspender as hostilidades por dez dias. Mais tarde prolongaram esse acordo, convictos de que alcançariam um tratado de paz. No dia 15 de dezembro de 1917, foi formalmente assinado o armistício entre a Rússia e Alemanha e os seus aliados, a Áustria-Hungria, o Império Otomano e a Bulgária. No dia 22 de dezembro começaram as conversações que conduziram ao Tratado de Paz de Brest-Litovsk, assinado a 3 de março de 1918. Entretanto, desde o início do armistício, os Alemães tinham começado a transferir tropas para a Frente Ocidental.
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Torres Vedras, 6 de junho de 2024
Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão