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Planos de guerra da França

No início da Primeira Guerra Mundial, a França acionou o seu Plano XVII, idealizado pelo General Joseph Joffre (1852-1931), Chefe do Estado Maior General desde 1911. Este plano, que entrou em vigor em 1913, foi o resultado de uma evolução que começou após a derrota dos exércitos franceses frente às forças prussianas e seus aliados na Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871. A partir de então, houve um intenso debate sobre a construção de um conceito de Defesa Nacional para a França, dando origem a importantes reformas estruturais que incidiram principalmente sobre o modelo de recrutamento e a organização e metodologia do sistema de estados-maiores no Exército Francês [COSSON, 2014, «Foundation of the New Republican Army (1871-1879)»].

O problema dos recursos humanos

Napoleão III, Imperador dos Franceses entre 2 de dezembro de 1856 e 4 de setembro de 1870, tinha tentado instaurar em França um novo modelo de serviço militar quando promulgou a Lei Niel de 1 de fevereiro de 1869, que instaurava um serviço militar de cinco anos no ativo seguidos de mais quatro na reserva. A declaração de guerra à Prússia em 1870 não permitiu avançar com as reformas planeadas. Após a guerra e a instauração do regime republicano, foi aprovada a Lei de 27 de abril de 1872 que «introduz o princípio do serviço militar obrigatório para todos os Franceses e estabelece as regras que devem presidir ao recrutamento das tropas.» [Journal Officiel de la Republique Française, 9 Août 1874, p. 5718] A França adotou assim o modelo prussiano de mobilização. A 27 de julho de 1872, foi aprovada a lei que definia a duração do serviço militar em 20 anos divididos da seguinte forma [CORVISIER, 1988, «MOBILISATION», pp. 584-586]:

  • Ativo no Exército (Armée active) - 5 anos;
  • Reserva do Exército (Réserve de l'armée active) - 4 anos;
  • Exército territorial (Armée territoriale) - 5 anos;
  • Reserva do Exército Territorial (Réserve de lármée territoriale) - 6 anos.

Depois da Lei de 27 de julho de 1872, a duração do serviço militar em França foi alterada em 1877, 1892, 1895 e 1905. Com a lei de 21 de março de 1905, o serviço no ativo do Exército ficava reduzido a dois anos. No entanto, a Lei de 19 de julho de 1913 alterou a duração total do serviço militar de 25 anos (desde 1877) para 28 anos, distribuídos da seguinte forma [«Le redressement militaire de la France 1871-1914», Musée du Génie, Angers, França, http://www.musee-du-genie-angers.com/fpdb/10382848-doc-fiche-29.pdf]:

  • Ativo no Exército (Armée active) - 3 anos;
  • Reserva do Exército (Réserve de l'armée active) - 11 anos;
  • Exército territorial (Armée territoriale) - 7 anos;
  • Reserva do Exército Territorial (Réserve de lármée territoriale) - 7 anos.

Estas alterações foram feitas para permitir à França acompanhar a Alemanha no número de homens do exército permanente (ativo) e de reserva. A França tinha, em 1872, uma população de 36.103.000 habitantes dos quais 17.983.000 eram do sexo masculino. Em 1871, a Alemanha tinha 41.059.000 habitantes dos quais 20.157.000 eram do sexo masculino. No entanto, em 1911, a França apenas tinha aumentado a sua população em cerca de três milhões de habitantes (39.192.000) enquanto a Alemanha, em 1910, tinha tido um acréscimo superior a vinte e três milhões (64.926.000) [MITCHELL, 1976, p. 20].

Com as reformas atrás referidas, em 1914 a França passou a ter no terreno, em tempo de paz, 880.000 homens, número que após a mobilização atingiria os 3.580.000 [«Le redressement militaire de la France 1871-1914», Musée du Génie, Angers, França, http://www.musee-du-genie-angers.com/fpdb/10382848-doc-fiche-29.pdf] dos quais estavam prestes a entrar em campanha, a 18 de agosto, dia em que devia estar terminada a concentração das forças, cerca de 2.700.000 [CORVISIER, 1988, p. 585]. Estes cerca de quatro milhões de homens foram maioritariamente empenhados na frente contra a Alemanha, mas é necessário contar com um número elevado de homens para servir no sistema logístico, segurança das vias de comunicações, territórios ultramarinos e marinha. «Os líderes políticos e militares mediam a prontidão do exército comparando os números e a qualidade dos seus soldados e armamentos com os dos Alemães. Comparavam os orçamentos da Defesa e prestavam muita atenção à quantia gasta por cada soldado. Também observavam cuidadosamente o que os Alemães faziam com as novas tecnologias em áreas tais como a aviação e as comunicações.» [DOUGHTY, Robert A., «France», in HAMILTON & HERWIG, 2010, p. 144]

Os Franceses tiveram sempre alguma dificuldade em estabelecer uma política de defesa coerente. A relação entre os líderes políticos e os líderes militares não foi pacífica. A intervenção do poder político nas questões militares aumentou constantemente e, se existia acordo sobre a identificação da Alemanha como ameaça principal, o mesmo não se passava sobre a forma como a política de defesa deveria ser implementada, gerando um conflito entre políticos e militares. Este só esmoreceu com a evidência da crescente ameaça alemã, especialmente após a segunda crise de Marrocos (Crise de Agadir) em 1911. Esta crise, em especial, provocou um reavivar do nacionalismo, sem o qual não teria sido possível aprovar a lei de 1913 que alterou a duração do serviço militar obrigatório no ativo do Exército, de dois para três anos.

A França detinha vastos territórios coloniais, em África e na Indochina, com grandes reservas de mão de obra. Em 1910 foi publicado um livro intitulado La force noire, do Coronel Charles Mangin. O império colonial francês tinha sido conquistado e era mantido por unidades militares dessas regiões. Em 1914, existiam cerca de 30.000 tirailleurs sénégalais e 35.000 argelinos a prestarem esse serviço militar. Com alguma relutância de vários sectores políticos e militares, estas tropas foram utilizadas na Frente Ocidental e na Campanha de Gallipoli. Ao todo, o império francês forneceu 600.000 soldados para o esforço de guerra e enviou 184.000 trabalhadores para indústria francesa [MILLET & MURRAY, 2010, pp. 198-199].

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Tirailleurs sénégalais: combatentes de infantaria colonial recrutados na África sub-sahariana. (https://www.senegal-online.com/wp-content/uploads/2014/12/senegal-011-1440x564_c.jpg)

Aos problemas quantitativos da força armada francesa juntava-se um problema qualitativo, quando colocado em comparação com a situação na Alemanha. O exército francês não podia igualar o exército alemão nos números e na qualidade dos seus quadros. Muitos oficiais resignaram à sua carreira após o caso Dreyfus (1894) e em breve a sua ausência fez-se sentir na Ecole supéieur de guerre, que fornecia os quadros para o Estado-Maior General. Também entre os quadros mais baixos, a qualidade não era a melhor.  A ausência de quadros de qualidade diminuiu a eficiência tática do exército francês durante a guerra e criou dificuldades à sua capacidade para se adaptar às condições da guerra das trincheiras [[MILLET & MURRAY, 2010, pp. 199-200]

Organização e administração

A Lei de 24 de julho de 1873 «implementou os elementos fornecidos pelo recrutamento e estabeleceu a organização geral do exército […] Esta lei limitou-se a indicar as bases da organização administrativa do exército. Ela deixou para uma lei especial o cuidado de regular os detalhes, de determinar as atribuições de todos os que serão encarregues de assegurar a direção e a gestão dos serviços.» [Journal Officiel de la Republique Française, 9 Août 1874, p. 5718] A "lei especial" foi apresentada na Assembleia Nacional a 18 de Julho de 1874 e estava dividida em seis títulos [Journal Officiel de la République Française, Annexe nº 2565, 9 Août 1874, p. 5719 - Este anexo foi publicado em três dias consecutivos (9, 10 e 11 de Agosto)]:

  • Título I - Disposições gerais.
  • Título II - Administração dos estabelecimentos e serviços especiais.
  • Título III - Administração dos exércitos, corpos de exército, divisões e brigadas.
  • Título IV - Administração interna dos corpos de tropas, dos estabelecimentos considerados como tais, dos hospitais, ambulâncias e enfermarias militares.
  • Título V - Pessoal.
  • Título VI - Disposições finais.

Ao lermos a exposição dos motivos da proposta de lei de 1874, deparamo-nos com uma preocupação constante de descentralizar as ações administrativas do comando dos exércitos, corpos de exército, divisões e brigadas, que até aí se encontravam centralizadas no gabinete do Ministro da Guerra. Com esta lei, tratou-se de definir as regras gerais para a administração (leia-se "planeamento e execução administrativo-logístico") e definição de responsabilidades nessa administração. Faltava definir a doutrina de emprego das forças militares, no âmbito da estratégia e da tática.

 

O estado maior e o processo de decisão

Embora com características diferentes, o estado-maior, nos escalões mais elevados, não era um órgão estranho na organização do Exército em França. Basta recordar a figura do Marechal Louis Alexandre Berthier (1753-1815), o chefe do Estado-Maior napoleónico em muitas campanhas. Em 1800, o general Paul Thibault tinha publicado um manual para os oficiais do estado-maior e esse manual foi traduzido em espanhol, russo, inglês e alemão. O Estado-Maior de Napoleão era constituído pelos comandantes subordinados encarregues dos serviços e dos movimentos não táticos, os comandantes dos corpos técnicos e os ajudantes de campo. Napoleão Bonaparte centralizava em si a função "operações". Os seus oficiais do Estado-Maior formavam-se no terreno, isto é, com a prática das campanhas. Só em 1818, por decisão do marechal Laurent de Gouvion Saint-Cyr, foi formado um Corpo de Estado-Maior. Entre 1826 e 1833, os oficiais do corpo de estado-maior foram obrigados a prestar períodos de serviço nas unidades operacionais. Ao ser descontinuada esta prática, o nível técnico dos oficiais do Corpo de Estado-Maior degradou-se e manteve-se assim até à derrota de Napoleão III na Guerra Franco-Prussiana em 1870-1871 [CORVISIER, 1988, p. 283].

Terminados os combates da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), uma comissão parlamentar presidida pelo almirante Jauréguiberry inquiriu sobre as causas da derrota francesa e concluiu que esta se ficou a dever à falta de efetivos do exército e a um insuficiente enquadramento, isto é, falta de oficias em quantidade e qualidade. Era evidente a necessidade de proceder a reformas militares e, foi dedicada uma atenção especial ao modelo prussiano. Quando foram implementadas as primeiras reformas, general Barail, ministro da Guerra, afirmou: «Nós imitámos mais do que criámos.» Foi criado um conjunto de leis respeitantes ao recrutamento, à organização e aos quadros das Forças Armadas francesas que, apesar das alterações importantes que sofreram posteriormente, constituíram a sua base até à Primeira Guerra Mundial [BONIFACE, 2012, § 1, 2 e 6].

Em 1871, foi criada a figura do Chefe do Estado-Maior. No entanto, o Estado-Maior – órgão de planeamento – continuava a pertencer ao Ministério da Guerra. O Chefe do Estado-Maior, mais tarde Estado-Maior General, era simultaneamente Chefe de Gabinete do Ministro e não tinha autoridade sobre o exército. Em 1890, com Charles de Freycinet (1828-1923), o primeiro civil a ocupar o cargo de Ministro da Guerra, deixou de existir o Estado-Maior General do Ministério da Guerra e foi formado o Estado-Maior do Exército, mas este órgão continuava a ser um órgão do Ministério da Guerra, o que continuava a implicar a decisão ministerial para tratar assuntos de natureza operacional [HAMILTON & HERWIG, 2010, p, 149; CORVISIER, 1988, p. 287].

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O general Joseph Joffre em 1915

https://fr.wikipedia.org/wiki/Joseph_Joffre#/media/Fichier:Joseph_joffre_1915_carnavalet.jpg

Por decreto de 27 de julho de 1872, foi criado o Conselho Superior de Guerra (CSG), presidido pelo ministro da Guerra, e composto por cerca de trinta membros. Era responsável por «examinar todas as medidas gerais relativas ao Exército, desde os vários pontos de vista de pessoal e equipamento, e especialmente do armamento das tropas, obras de defesa, administração militar e das aquisições.» [«Le Conseil superieur de la guerre en France» in Revue Militaire Suisse, 1888, p. 291] Nele estavam presentes o Chefe do Estado-Maior General e os oficiais generais que ocupavam os principais cargos na estrutura do exército. Para além do CSG, existia o Conselho Superior de Defesa Nacional, presidido pelo Presidente da República, em que participavam o Primeiro-Ministro, os ministros da Guerra, da Marinha, dos Negócios Estrangeiros, da sub-saharienne. s Finanças e das Colónias. Participavam também alguns oficiais.

Estes órgãos de consulta eram os fóruns onde se tratavam as questões da atividade militar nos níveis político e estratégico, ou seja, onde se discutiam os recursos humanos, financeiros, materiais e infraestruturas a atribuir à instituição militar por forma a permitir o cumprimento da missão; onde se definiam os objetivos estratégicos de acordo com as possibilidades da instituição militar tendo em atenção os recursos atribuídos; onde se analisava consistência entre os objetivos estratégicos e os recursos disponíveis; onde se decidia os recursos destinados à criação da infraestrutura logística que permitisse a continuidade das ações militares; onde se coordenar os objetivos estratégicos com os dos aliados. Os militares estavam presentes em ambos os conselhos em que estes assuntos eram tratados, mas em tempo de paz, muitas destas questões, apesar de serem do âmbito operacional, ainda estavam dependentes do Ministro da Guerra. Era o caso da análise, seleção e desenvolvimento dos conceitos institucionais ou doutrinas para o emprego da instituição militar por forma a atingir os objetivos estratégicos num teatro de guerra [MILLET & MURRAY, 1988, pp. 1-18].

A Segunda Crise de Marrocos (1911) mostrou aos Franceses que era necessário melhorar a eficiência do seu sistema de comando do exército. Por decreto de 28 de Julho de 1911, o ministro da Defesa Adolphe Marie Messimy (1869-1935) nomeou o general Joseph Joffre (1852-1931) para o cargo de Chefe do Estado-Maior General e o general Augustin Yvon Edmond Dubail (1851-1934) como Chefe do Estado-Maior do Exército, devendo este subordinar-se ao Chefe do Estado Maior General em todos os assuntos exceto no que respeitava a pessoal e apoio logístico. O Chefe do Estado-Maior General era o Comandante-em-chefe das Forças Armadas. Em 1912, com Alexandre Millerand (1859-1943) como Ministro da Guerra, o cargo de Chefe do Estado-Maior do Exército foi abolido e foi dado ao general Joffre, Chefe do Estado-Maior General, o controlo das questões relativas a Pessoal e Logística do Exército. Esta mudança de responsabilidades do Ministro da Guerra para o Chefe do Estado-Maior General dava a Joffre um enorme poder sobre o exército. «Foi a primeira vez que tais poderes foram confiados a um único homem; eu tinha autoridade sobre o treino do exército, a sua doutrina, os seus regulamentos, a sua mobilização, a sua concentração (…) Pela primeira vez (…) o líder responsável em tempo de guerra teria a autoridade em tempo de paz para preparar para a guerra.» [citação das memórias de Joffre em HAMILTON & HERWIG, 2010, Robert Doughty, «France», pp. 151-152]. O decreto de 28 de outubro de 1913 veio estabelecer as regras para a condução da guerra: «o governo conduzirá a guerra na sua globalidade, enquanto o alto comando devia limitar-se a dirigir as operações militares.» [FÖRSTER, Stig, «Civil set militaires» in WINTER, 2013, p. 119.]

 

Novas doutrinas militares

Foi a partir de 1905 que se desenvolveram os mais modernos conceitos da doutrina francesa e, entre eles, o mais debatido foi o conceito de offensive à outrance (ofensiva a todo o custo), apresentado pelo tenente-coronel Louis Loizeau de Grandmaison (1861-1915), chefe da Repartição de Operações do Estado Maior do Exército, em Fevereiro de 1911. Este conceito previa optar pela ofensiva já que «na ofensiva, a segurança obtém-se provocando no adversário, logo no início, aquele tipo de depressão que o torna incapaz de agir. Não existem outras formas a não ser o ataque imediato e total.» [MARTELO, 2013, p. 63].

Este "excessivo entusiasmo tático", para empregar a expressão de Olivier Cosson, era acompanhado de uma depreciação do valor do Exército Alemão, o mais provável inimigo a enfrentar numa guerra futura. Tratava-se de um entusiasmo assente numa certa falta de realismo, tendo como chaves para a vitória a fé nesse desfecho e a predisposição para aceitar grandes sacrifícios. Era como se o pensamento militar assentasse numa base mística. Claro que estas ideias não foram aceites sem muita controvérsia, principalmente no que respeita ao patamar em que a offensive à outrance deve ser aplicada: se apenas no patamar da tática ou se deve ser transportada para o patamar da estratégia [MARTELO, 2013, p. 64].

Em 1911, o general Joseph Joffre (1852-1931), oriundo da arma de Engenharia, foi nomeado Comandante-em-Chefe das Forças Armadas e o cargo de Chefe do Estado-Maior do Exército ficou sob a sua dependência direta, assim como o Centro de Altos Estudos Militares e a Escola Superior de Guerra. Joffre mostrou ser defensor da doutrina exposta por Grandmaison, mas não deixou de acusar os exageros que essa doutrina apresentava. Contudo, tratava-se da "doutrina da moda" e a crise de Marrocos de 1911, em que a Alemanha foi obrigada a recuar porque o Reino Unido apoiou a França, acabou por reforçar a posição dos seus defensores. Daqui em diante, Joffre trabalhou no sentido de desenvolver e clarificar a doutrina a ser aplicada e a dotar o Exército com os meios e a organização necessários para a aplicação daquela doutrina. Em 1913-1914 foram publicados os novos regulamentos de campanha [MARTELO, 2013, pp. 66-68]:

  • Conduta das Grandes Unidades (28 de outubro de 1913);
  • Serviço dos Exércitos em Campanha (2 de dezembro de 1913);
  • Regulamento de Manobra da Infantaria (20 de abril de 1914).

A comissão que publicou o regulamento de outubro de 1913 esclareceu que «o Exército Francês, regressando às suas tradições, não aceita outra lei na condução das operações que não seja a da ofensiva. […] Só a ofensiva produz resultados positivos […] As batalhas são acima de tudo competição moral. A derrota é inevitável quando cessa a esperança na vitória. O sucesso virá, não para aquele que sofrer menos baixas, mas para aquele cuja vontade é a mais forte e cuja moral é mais forte.» O próprio regulamento de 2 de dezembro afirmava que «o sucesso depende mais do vigor e da tenacidade da execução do que da proficiência de ações combinadas. Então, todas as unidades são empenhadas com a mais extrema energia.» [HAMILTON & HERWIG, 2010, p. 160]

«Article 313», no Règlement de manœuvre d'infanterie, 1914:

«L'attaque implique de la part de tous les combattants la volonté de mettre l'ennemi hors de combat en l'abordant corps à corps à la baïonnette. Marcher sans tirer le plus longtemps possible, progresser ensuite par la combinaison du mouvement et du feu jusqu'à distance d'assaut, donner l'assaut à la baïonnette et poursuivre le vaincu, tels sont les actes successifs d'une attaque d'infanterie»

French bayonet charge

Uma companhia de infantaria francesa executa uma carga com baioneta durante as grandes manobras militares, imediatamente antes da Primeira Guerra Mundial.

https://fr.wikipedia.org/wiki/Offensive_%C3%A0_outrance#/media/Fichier:French_bayonet_charge.jpg

De forma coerente com o princípio da "ofensiva a todo o custo", o regulamento defendia um novo conceito no que respeitava ao apoio de fogos, ou seja, ao apoio que a artilharia iria prestar à infantaria no ataque. «A artilharia não prepara ataques, apoia-os.» A preparação do ataque feita pela artilharia, que compreendia um conjunto de fogos destinados a flagelarem as posições inimigas antes do assalto da infantaria, cedia lugar à execução dos fogos sobre as posições inimigas durante o ataque. Esta mudança assentava não só no conceito da "ofensiva a todo o custo", mas também no princípio de que o fogo de artilharia tinha um efeito limitado contra as trincheiras inimigas e que, para forçar o inimigo a abandonar a sua proteção - a trincheira - seria necessário atacar com a infantaria. O Regulamento de Manobra de Infantaria, de abril de 1914, estabelecia que a "arma suprema" da infantaria era a baioneta [HAMILTON & HERWIG, 2010, P. 160].   

 

Questões diplomáticas

A adoção da doutrina que privilegia a ofensiva, não foi - tal como não é atualmente - apenas uma questão militar. A França tinha fronteira com a Alemanha na região da Alsácia-Lorena, ou seja, entre o Luxemburgo e a Suíça. Mais para norte, fica a fronteira com o Reino da Bélgica cuja neutralidade estava garantida pelas cinco Grande Potências da Europa - Grã-Bretanha, França, Áustria, Prússia e Rússia - de acordo com o Tratado de Londres de 19 de abril de 1839. Ora, a França, ao assumir a ofensiva estratégica, devia atacar a Alemanha na região da Lorena, onde o território, cortado pelo Maciço do Vosges, apresentava maiores dificuldades ao atacante e boas condições para a defesa, ou atravessando a Bélgica, o que estava interdito pelas convenções internacionais. A entrada das forças francesas na Bélgica só poderia acontecer após a Alemanha tomar essa iniciativa. De outra forma, a França arriscava-se a não poder contar com o apoio do Reino Unido.

Por outro lado, tornava-se necessário que a aplicação da Aliança Franco-Russa de 1892 e convenções militares posteriores fossem objeto de uma interpretação maximalista [COSSON, 2014, «Toward the "Offensive à Outrance" (1905-1914)], isto é, as ofensivas francesa e russa deveriam ser simultâneas e massivas. De qualquer forma, era necessário que a Alemanha tomasse a iniciativa já que a aliança entre a França e a Rússia tinha um carácter defensivo [https://avalon.law.yale.edu/19th_century/frrumil.asp]:

«Artigo 1.

Se a França for atacada pela Alemanha, ou pela Itália apoiada pela Alemanha, a Rússia empregará todas as suas forças disponíveis para atacar a Alemanha.

Se a Rússia for atacada pela Alemanha, ou pela Áustria apoiada pela Alemanha, a França empregará todas as suas forças disponíveis para atacar a Alemanha.»

No entanto, o Artigo 2 previa as medidas a adotar assim que se iniciasse a mobilização, isto é, quais as medidas a tomar perante uma ameaça que provavelmente viria a ser concretizada:

«No caso de as forças da Tríplice Aliança, ou de uma das Potências pertencentes a ela, vier a mobilizar, a França e a Rússia, perante as primeiras notícias deste evento e sem ser necessário um acordo prévio, mobilizarão imediata e simultaneamente todas as suas forças e transportá-las-ão tão longe quanto possível em direção às suas fronteiras.»

Conversações formais entre os respetivos Estados-Maiores ocorreram em 1900, 1901, 1906, 1907 e 1908. Em 1910, ambas as Potências confirmaram as conclusões das reuniões anteriores e deram ênfase à decisão de que a derrota dos exércitos alemães, não importa em que circunstâncias, era o primeiro e principal objetivo dos exércitos aliados. Os generais que representavam os dois países concordaram que a Alemanha, provavelmente, dirigiria as suas principais forças contra a França, no início da guerra, e utilizaria apenas as forças indispensáveis para conter a Rússia. Nas reuniões realizadas em 1911, 1912 e 1913, foi confirmado que o primeiro e principal objetivo da França e da Rússia era a derrota da Alemanha e que a derrota dos aliados da Alemanha era um objetivo subordinado. [HAMILTON & HERWIG, 2010, pp. 146-147]

Recursos materiais e infraestruturas

Ter possibilidade de sucesso contra a Alemanha não era apenas uma questão de doutrina estratégica e tática, ou de elan vital. Era necessário que o exército francês dispusesse dos recursos necessários para cumprir a missão. Jay Winter apresenta-nos uma citação que traduz bem este problema: «As capacidades económicas limitam as forças de combate suscetíveis de serem criadas. Ao mesmo tempo, as capacidades logísticas limitam as forças suscetíveis de serem empregues nas operações de combate.» [«Henry Eccles, Logistics in the National Defense, Harrisburg, PA, Stackpole, 1959, p. 41» in WINTER, 2014, p. 251.]

O Estado-Maior francês estabeleceu planos tendo em vista uma guerra curta, mas com consciência de que o exército iria consumir muitos mais recursos que na guerra de 1870-1871. Já tinha sido referido numa reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional, a 21 de Fevereiro de 1912, que uma guerra com a Alemanha poderia prolongar-se por tempo indefinido e que após as vitórias inicias, fosse qual fosse o vencedor, faltariam muitos meses até que fosse possível destruir completamente a resistência do oponente [HAMILTON & HERWIG, 2010, pp. 158-159]. No entanto, não era esta a perspetiva de Joffre e a mobilização do poder industrial da França ficou fora de qualquer planeamento. Os Governos em 1914 tiveram de improvisar em vez de seguirem um plano económico mobilizador da economia para a situação de guerra. Nos anos anteriores à guerra a França gastou com a defesa uma percentagem do seu produto superior à da Alemanha. No entanto, este facto não garantiu, por si só, os recursos adequados aos programas militares, especialmente no que respeita a armamentos. Foi o caso da artilharia pesada.

Antes da guerra, os militares preferiam tratar as questões do armamento com os arsenais do Estado, sob supervisão dos graduados da Ecole Polytechnique. Existiam algumas empresas privadas ligadas ao ramo do armamento, como a Schneider et Cie, que complementavam a produção do Estado. Esta situação constituiu um problema porque os arsenais do Estado mostraram-se incapazes de produzirem artilharia pesada e a indústria privada não estava desejosa de preencher essa lacuna. Antes de 1914, a Schneidar não tinha a capacidade produtiva para satisfazer rapidamente os pedidos de artilharia nem mostrou vontade de expandir a sua secção de armamentos.

Os responsáveis pela logística assumiram que a produção de tempo de paz, no que respeitava a equipamentos e munições, estavam de acordo com as necessidades do exército e que, após o início das operações, a capacidade de produção era suficiente para substituir os consumos. Após as primeiras batalhas ficou rapidamente evidente que os stocks existentes eram insuficientes. Previa-se, por exemplo, que as peças de artilharia de 75 mm, a principal arma da artilharia de campanha francesa, consumissem 13.600 munições por dia. Sete semanas após o exército francês ter iniciado as hostilidades, Joffre exigia uma produção de 50.000 munições por dia. Para uma guerra curta ou longa, ninguém tinha a noção dos consumos que se iriam verificar na frente de operações. O problema do fabrico das munições não se prendia apenas com os elevados consumos. As operações militares e a ocupação de parte do território pelos alemães retiraram à França 83% da sua produção de minério de ferro, 63 % da produção de ferro fundido e 60 % da produção de aço [HAMILTON & HERWIG, 2010, p. 159]. Estes valores variam de autor para autor pelo que apresentaremos em seguida os números obtidos no Annuaire Statistique de la France [MITCHELL, 1976, p. xvi]:

A produção de minério de ferro que foi em 1913 de 21.918.000 toneladas métricas (t=103 Kg) recuou para 620.000 t em 1915, ou seja, neste último ano produziu 2,8 % do que tinha produzido em 1913, mas vindo a atingir um valor mais elevado em 1917 com 2.035.000 t. A produção de ferro gusa (ferro fundido) desceu de 5.207.000 t em 1913 para 584.000 t (11,2 %) em 1915. Nos anos seguintes da guerra, a produção de ferro gusa nunca chegou às 1.500.000 t. A produção de aço sofreu igualmente grandes quebras pois passou de 4.687.000 t em 1913 para 1.111.000 t (23,7 %) em 1915. As quebras de produção na Alemanha, entre 1913 e 1915 foram substancialmente menores além de que a produção alemã era francamente superior (1913 e 1915): 28.608.000 e 17.710.000 t para o minério de ferro, 15.761.000 e 10.190.000 t para o ferro gusa e 17.609.000 e 12.278.000 t para o aço [MITCHELL, 1976, pp. 387-401]. Estas quebras verificaram-se num período em que as importações foram seriamente limitadas: em 1913 a França tinha importado 1.412.000 t de minério de ferro e esse valor desceu, em 1915, para 271.000 t. A Alemanha deixou de importar devido ao bloqueio a que foi sujeita. Para além das carências em armas e munições verificadas após o início da guerra, juntavam-se, entre outras, as do carvão e do petróleo.

A França teve assim uma quebra importante na sua capacidade de obter matéria-prima para a produção de muitos dos seus recursos materiais necessários ao esforço de guerra. Este foi um assunto não tratado no planeamento francês. Aos problemas da produção descritos juntava-se a questão dos recursos humanos. Cerca de 63% da força laboral da indústria francesa tinha sido incorporada nas forças armadas. A resposta francesa a este problema assentou igualmente na improvisação. O encaminhamento das encomendas, de acordo com as capacidades produtivas de cada empresa, acabou por cair nas mãos de quem conhecia bem essas capacidades, as organizações patronais. Só em 1917 foi possível o Estado controlar este processo de forma mais eficaz [MILLET & MURRAY, 2010, p. 197].

 

Transportes e comunicações

Os transportes e as comunicações da Europa foram objeto, muito mais que a indústria ou a agricultura, de intervenções dos Governos. Em França, a navegação era uma preocupação do Governo porque permitia manter os fluxos do comércio internacional e a ligação com os territórios ultramarinos, e o caminho de ferro porque tinha grande importância económica, mas também militar. De igual forma, telégrafos, telefones e rádios que começavam a ter uma grande importância, ficaram igualmente sob alçada governamental. Ficaram fora desta influência governamental, a navegação fluvial e o transporte rodoviário.

O caminho de ferro em França nasceu em 1828 com os primeiros 17 Km de linha. Em 1870, existiam 15.544 Km e, em 1914, a dimensão da rede ferroviária tinha atingido os 37.400 Km. Era uma extensão elevada se comparada, por exemplo, com a Áustria-Hungria que, tendo uma superfície maior (676.615 Km2 contra 530.285 da França, sem a Alsácia-Lorena) dispunha de uma rede de quase 23.000 Km. Já o Império Alemão, com uma superfície (540.766 Km2) idêntica à da França, dispunha em 1914 de uma rede com 61.749 Km de extensão. No que respeita ao transporte de mercadorias, em 1913, a diferença entre a França e a Alemanha é ainda maior: 136.000.000 de toneladas métricas (t) da França contra 676.627.000 t da Alemanha. Tal como para as mercadorias, a Alemanha transportava um número muito superior de passageiros: 1.798.000.000 contra 529.000.000 em França [MITCHELL, 1975, pp. 581-583]. Estes valores podem dar-nos uma ideia do nível quantitativo e qualitativo da utilização dos caminhos de ferro, essenciais no processo de mobilização e de abastecimento das tropas, em França e no seu principal adversário, o Império Alemão.

No que respeita à navegação, importante para os Estados que possuem territórios ultramarinos, em 1913 a França tinha registados 15.824 embarcações à vela e 1.895 com motor de combustão ou a vapor, valor superior ao da Alemanha em cujos registos constam, para o mesmo ano, 2.765 e 2.170 respetivamente. O Reino Unido, que no mar não desejava admitir rivalidades, tinha registados 8.336 e 12.602 [MITCHELL, 1975, pp. 620-623]. Para protegerem as suas rotas comerciais e os seus interesses ultramarinos, estas Potências dispunham de marinhas de guerra das quais a Royal Navy, britânica, era a mais poderosa. Contudo, a força naval da França não podia ser desprezada: 8 “dreadnoughts”, 14 “pré-dreadnoughts”, 19 Crusadores blindados, 9 Cruzadores protegidos, 81 contratorpedeiros, 187 barcos torpedeiros e cerca de 70 submarinos [ELLIS & COX, 1993, p.251]. A França tinha cerca de 108.000 veículos a motor a circular, mais 40.000 que na Alemanha.

 

Fortificações e armamento

A lei de 17 de julho de 1874 estabelecia que toda a fronteira, de Dunquerque a Nice, devia ser protegida, mas o essencial do esforço deveria ser feito a nordeste, na fronteira com a Alemanha. Estavam previstas duas linhas sucessivas de defesa, dispostas em profundidade e apoiando-se no relevo dos maciços florestais de Verdun a Belfort e de La Fère a Besançon. A segunda linha não foi terminada. As fortificações estavam colocadas por forma a canalizar o adversário para o terreno e que podia ser mais facilmente derrotado. Combinava o elemento fixo da fortificação com o elemento de manobra. A norte, apesar de existirem campos entrincheirados em Dunquerque, Lille e Maubeuge, a fronteira permanecia mal defendida e não constituía uma preocupação idêntica à fronteira com a Alsácia-Lorena porque a Bélgica, país neutral, não constituía uma ameaça e funcionava como estado tampão entre a França e a Alemanha. Foram construídas fortificações nos Alpes, na fronteira com a Itália [BONIFACE, 2012, § 21 a 24].

A infantaria tinha espingardas em quantidade e qualidade suficiente embora, ao longo da guerra, tivessem sido adotadas novas armas mais eficazes. Acontecia o mesmo com as metralhadoras embora rapidamente se tivesse concluído que era essencial aumentar o número destas armas ao serviço. A França dispunha, em setembro de 1914, de 2.158 metralhadoras de vários modelos. Em 1918, esse número tinha subido para 47.000 [HAYTHORNTHWAITE, 1994, p. 180]. Este material, tal como as bocas de fogo de artilharia, era fabricado em França e as armas da infantaria - espingardas e metralhadoras - utilizavam todas o mesmo tipo de munição, a de 8mm (8 × 50mmR Lebel).

lebel

Fusil Mle. 1886 M93 « Lebel »

https://aminoapps.com/c/world-war-ii-amino/page/item/fusil-mle-1886-m93-lebel/z6ep_x11fwIBXodJPR2vw4xxP2QnqgbV7BK

Os franceses tinham uma boa arma para a infantaria: a espingarda Lebel 8 mm modelo 1886, com as alterações que foram introduzidas em 1893 (Fusil Mle 1886 M93). Tratava-se de uma arma robusta e precisa que foi utilizada até ao fim da guerra, em 1918. Em 1915, o Ministério da Guerra autorizou a adoção de uma outra arma, a espingarda Mannlicher-Berthier 8 mm, que entrou ao serviço no ano seguinte. Esta arma já existia no exército francês desde 1890, na cavalaria, na artilharia e nas tropas coloniais. A espingarda Lebel, assim como a Mannlicher-Berthier, permitiam a utilização de baioneta que, na fase final do ataque, o assalto às posições inimigas, era mais útil que o poder de fogo [HAYTHORNTHWAITE, 1994, pp. 63-66]. A metralhadora padrão do exército francês durante a Primeira Guerra Mundial foi a mitrailleuse Saint-Étienne modele 1907. Esta metralhadora utilizava munições de 8 mm, as mesmas que a espingarda Lebel. Com uma velocidade de tiro que podia atingir os 650 tiros por minuto e com um peso de 26 Kg (sem munições), garantia um bom apoio de fogo às unidades de infantaria francesas.

No início do século XX, quando ainda não existiam viaturas blindadas, a cavalaria era fundamentalmente aplicada em ações de reconhecimento ou como força de cobertura. «Apesar de existirem cento e três divisões de cavalaria com um milhão de cavalos na Primeira Guerra Mundial (…) as tropas montadas desempenharam um papel mínimo na Grande Guerra.» Com o grande aumento do poder de fogo, a cavalaria então existente - o combatente a cavalo - tornou-se um elemento antiquado nos novos campos de batalha. Quando se estabeleceu o sistema de trincheiras na Frente Ocidental, «depressa se tornou evidente que a cavalaria era um meio de guerra romântico e ultrapassado.» «Os cavalos da arma de cavalaria foram convertidos em animais de tração para a artilharia.» [SHAFER, 1999, pp. 176-177]

Nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, a artilharia de campanha foi desenvolvida no sentido de garantir a mobilidade. Nos anos anteriores à guerra já existiam técnicas de tiro indireto, embora primitivas, e até era possível introduzir nas tabelas de tiro correções de acordo com as condições meteorológicas. Contudo, os passos necessários para a utilização destas técnicas eram demasiado demorados, incompatíveis com uma guerra de manobra, com movimentos rápidos, e por isso foram ignoradas em grande parte. A guerra entre a Rússia e o Japão (1904-1905) mostrou o valor e a exequibilidade do tiro indireto, mas os comandantes das unidades de manobra (infantaria e cavalaria) da maior parte dos exércitos acreditavam na vantagem psicológica de verem a sua própria artilharia na linha da frente [ZABECKI, 1999, p. 76]

A doutrina que defendia a elevada mobilidade, a doutrina da "ofensiva a todo o custo", requeria que as bocas de fogo da artilharia de campanha fossem móveis, ou seja, ligeiras. Em França, a famosa peça de 75mm modelo de 1897 era muito ligeira, de tiro rápido, e podia ser movimentada com grande facilidade. Contudo, não tinha grande efeito real contra fortificações de campanha bem preparadas. Os franceses reconheceram a necessidade de possuírem bocas de fogo de artilharia pesada, mas não desejavam pôr de parte a peça de 75mm. Além disso, os responsáveis pela logística também pressionaram para que não fossem introduzidos mais calibres para não dificultarem os circuitos de abastecimento. Por outro lado, a trajetória tensa dos projéteis de 75mm impediam a realização do tiro a partir de posições desenfiadas (usa obstáculos naturais ou artificiais para se proteger ou esconder) e impedia que os seus projéteis atingissem a contraencosta das colinas [HAMILTON & HERWIG, 2010, p. 161].

75 mm

Artilheiros franceses em treino com Canon de 75 modèle 1897 em 1916. O Soxiante-Quinze foi considereda uma das melhores bocas de fogo de artilharia de campanha na Primeira Guerra Mundial.

https://twitter.com/sommecourt/status/1331492818481795072/photo/1

A aviação francesa

O “serviço de aviação” era originalmente um batalhão de engenharia. Em abril de 1914, a Aviation Militaire tornou-se um serviço independente dentro do Ministério da Guerra. Estava muito subordinado ao Exército e, em agosto de 1914, as suas 25 escadrilles estavam atribuídas a cada um dos 25 corpos de exército. O número total de aeronaves preparadas para a linha da frente era 150, com mais 126 aeronaves modernas em reserva e outros 300 de duvidosa utilidade. Neste serviço estavam empenhados 4.342 homens, dos quais 220 eram pilotos. As escadrilles estavam organizadas de acordo com o tipo de avião. Durante os anos seguintes, a Aviation Militaire cresceu prodigiosamente, atingindo as 6.000 aeronaves no final da guerra. Em França, existia também a Aviation Maritime que cresceu de 8 aeronaves em agosto de 1914 para 1.264 em novembro de 1918. Em 1914, os Franceses possuíam duas bases para a Aviation Maritime no Mediterrâneo.

 

As forças navais francesas

A costa francesa estava dividida em cinco arrondissements, cada um com o seu próprio quartel general e sob comando de um vice-almirante: Brest, Cherbourg, Toulon, Lorient e Rochefort. Também existiam bases na Argélia (Orã), na Indochina (Saigão e Hongaj), Madagáscar (Suarez), Martinica (Fort-de-France), Nova Caledónia (Nouméa) e Tunísia (Bizerta). As forças navais estavam sob a tutela do Ministro da Marinha que dispunha, entre outros órgãos, de um Estado-Maior General naval que tratava das questões relativas à organização e operações. O Ministro da Marinha presidia ao Conselho Naval, um órgão de consulta que incluía o Chefe do Estado-Maior General naval. A frota francesa compreendia as esquadras regionais do Mediterrâneo, do Norte, do Atlântico, do Pacífico, do Índico do Extremo Oriente e da Cochinchina. A esquadra do Mediterrâneo era a mais forte a fim de assegurar as comunicações com o Norte de África. [HAYTHORNTHWAITE, 1994, p. 186] Em 1914, a França dispunha de uma frota com 15 navios de batalha com menos de quinze anos de idade, 8 navios do tipo “Dreadnought”, 19 cruzadores couraçados com menos de quinze anos, 77 barcos torpedeiros com menos de catorze anos e 35 submarinos com menos de seis anos. [WOODARD, 1964, pp. 452-453] Estes números eram francamente inferiores aos do Reino Unido e até em relação à Alemanha.

Após um período de estagnação em que os responsáveis pela marinha francesa deram preferência aos navios mais pequenos e negligenciaram a construção dos navios de batalha, a Marinha francesa encontrava-se enfraquecida. A administração naval francesa estava em mau estado. Havia uma falta geral de abastecimentos e munições. De acordo com uma estimativa feita em 1908, a França possuía apenas doze navios – no máximo quinze – capazes de se manterem na primeira linha. Foi reconhecido em França que a política de uma marinha barata tinha falhado. No entanto, as reformas levariam tempo. O ritmo de construção naval em França era lento e era improvável que todos os seis “dreadnoughts” que tinham sido autorizados ficassem completos antes de 1913.

«No final de abril (de 1909), o Petit Parisien comentava que “quase parece que as nossas autoridades navais estão dependentes dos nossos amigos por forma a assegurar a segurança do nosso canal e costas atlânticas”. A 28 de junho, a comissão francesa publicou o seu relatório. O relatório era muito longo (220 páginas de texto e 730 páginas de provas); incluía referências à execução dos programas de construção naval. Sérios atrasos ocorreram entre o sancionamento dos novos navios no Parlamento e a aprovação de planos e contratos. “Meses e geralmente anos” passaram entre a concessão dos contratos para as diferentes partes de um navio, com sérios efeitos sobre a homogeneidade do navio. O relatório causou indignação em França. Um mês depois da sua publicação todas as chefias dos departamentos no serviço naval foram mudadas; o almirante Boué de Lapeyrère (1852-1924) foi nomeado Ministro da Marinha com um mandato para realizar uma reforma completa.» [WOODWARD, 1964, p. 245]

O Mediterrâneo, com o acesso ao Canal de Suez, era a principal rota para o abastecimento de alimentos da Grã-Bretanha. O controlo do Mediterrâneo era, portanto, de importância vital para o Reino Unido e também, em muito menor grau, para a França. Por essa razão, era no Mediterrâneo que se concentravam as unidades navais mais fortes do Reino Unido e da França. O Reino Unido tinha outra preocupação importante para além de assegurar a rota do Mediterrâneo: conter a marinha alemã que estava a ser alvo de um programa ambicioso de desenvolvimento. Por outro lado, as conversações entre a França e a Itália prosseguiam com bons resultados e tinha sido criada a convicção de que a Itália, em caso de uma guerra franco-alemã, não atacaria a França ou o Reino Unido, nem em terra nem no mar, ou seja, no Mediterrâneo.

Esta situação significava que a situação naval no Mediterrâneo poderia ser controlada muito mais facilmente e que os Franceses poderiam fazê-lo sem a ajuda da Royal Navy. Franceses e Britânicos chegam a acordo e iniciam a transferência das suas unidades navais mais fortes do Mediterrâneo para o Mar do Norte, no caso britânico, e do Canal da Mancha e portos atlânticos para o Mediterrâneo, no caso francês. A França concentrava os seus principais recursos navais por forma a assegurar a rota do Mediterrâneo e, simultaneamente, as ligações com o Norte de África. O Reino Unido concentrava os seus principais recursos no Mar do Norte onde poderia combater a marinha alemã que era vista como a principal ameaça à Grã-Bretanha e, simultaneamente, assegurar a segurança das costas francesas a norte e ocidente. Embora os planos alemães para um conflito com a França não contassem com a intervenção da marinha, pois previa-se que os exércitos alemães derrotassem os Franceses em seis semanas, seria de prever que a Royal Navy não admitiria que os alemães se apoderassem de qualquer posição nas costas francesas do Mar do Norte e que os navios alemães pudessem vir a posicionar-se por forma a ameaçarem a costa britânica. A intervenção da Royal Navy na defesa das costas francesas, do Canal da Mancha ao Atlântico, estaria assim assegurada. 

 

O Plano XVII

Após a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), O Estado-Maior do Ministério da Guerra assumiu que tinha de ser feito um esforço para que a França dispusesse de um exército capaz de enfrentar a Alemanha, o seu mais provável inimigo. Com este objetivo, foram elaborados diversos planos ao longo dos anos. Posteriormente, esses planos foram designados por um número em escrita romana. Em 1914, estava em vigor o Plano XVII.

Os planos evoluíram de acordo com as informações que o Estado-Maior francês recebia sobre as possibilidades das forças alemãs, os recursos disponíveis e a evolução das doutrinas estratégicas e táticas. Inicialmente foi dado uma grande ênfase à defesa e, neste sentido, tratou-se de fortificar a nova fronteira porque a antiga, entre a Alemanha e a Alsácia-Lorena, tinha sido perdida para a Alemanha na Guerra Franco-Prussiana. Na década de 1880, foram construídas as linhas de fortificações entre Verdun e Belfort.

Para facilitar o movimento das tropas até às fronteiras foram feitas obras de melhoramento dos caminhos de ferro. Com estas obras, tornava-se mais fácil concentrar forças num determinado ponto e esse facto levou o Estado-Maior francês a considerar a possibilidade de, no caso de a Alemanha invadir a França, adotar uma estratégia defensiva para desgastar o atacante e, o mais rapidamente possível, passar à ofensiva. Foi esta a linha de pensamento até ao Plano X (1890). No ano seguinte, com o Plano XI começou a ser considerada a possibilidade de lançar uma ofensiva sobre a Alemanha logo no início da guerra. Contudo prevaleceu até ao Plano XVI o conceito de adotar a defesa na fase inicial da guerra para lançar depois um contra-ataque e manter então uma postura ofensiva [HAMILTON & HERWIG, 2010, p. 153].

Quando, em 1892, tendo em atenção as informações disponíveis, o Estado-Maior francês considerou que o exército alemão poderia entrar na França através de um eixo a norte de Verdun, violando a neutralidade do Luxemburgo e até a da Bélgica, foram estudadas novas soluções, mas estas exigiam mais efetivos militares a nordeste de Verdun. Em 1908, os franceses consideraram que os alemães planearam invadir a França enviando dois exércitos a norte da linha de fortificações Verdun-Belfort, mas não identificaram os eixos de progressão e, por isso, decidiram criar uma poderosa força de contra-ataque em vez de dispersarem forças ao longo da fronteira com a Bélgica e o Luxemburgo. Para a força de contra-ataque foi criado o 6º Exército, a concentrar perto de Châlons, 80 Km a oeste de Verdun. Este plano - o Plano XVI - ficou pronto em 1909 [HAMILTON & HERWIG, 2010, pp. 153-154].

Já antes de o Plano XVI estar terminado, o Estado-Maior General francês começou a receber notícias sobre um crescente interesse dos alemães sobre a Bélgica. Uma cópia do manual dos oficiais do Estado-Maior General alemão continha informações sobre as forças militares da Bélgica, da Holanda e do Reino Unido. Com a análise destes documentos e das obras defensivas realizadas pelos alemães entre Metz e Thionville, o serviço de informações francês concluiu que os alemães pretendiam avançar através da Bélgica e que o fariam com o objetivo de derrotarem rapidamente a França para posteriormente concentrarem a maioria das suas forças contra a Rússia [HAMILTON & HERWIG, 2010, p. 154].

O general Victor-Constant Michel (1850-1937), vice-presidente do Conselho Superior de Guerra desde 1910, concluindo que os alemães iriam avançar pela Bélgica Central, propôs defender à direita de Belfort e lançar uma vigorosa ofensiva em direção à linha Antuérpia-Bruxelas-Namur. Para obter as unidades militares necessárias para uma operação desta envergadura, o general Michel propôs uma reorganização do exército por forma a que fossem utilizadas de forma integrada unidades do ativo e da reserva. Esta proposta foi apresentada no Conselho Superior de Guerra a 19 de julho de 1911 e foi rejeitada com base na ideia de que as unidades que continham elementos da reserva não estariam preparadas para participar imediatamente em operações ofensivas. O ministro da Guerra, Adolphe Marie Messimy (1869-1935), demitiu o general Michel e substitui-o pelo general Joseph Joffre (1852-1931).

Nesse mesmo ano, a 6 de Setembro, o general Joffre aprovou uma variante do Plano XVI movendo o centro de massa do exército francês mais para norte, ou seja, para norte da linha Paris-Metz transferiu quatro corpos de exército formados por forças do ativo enquanto transitavam para sul daquela linha três divisões de infantaria formadas por forças da reserva e uma divisão de cavalaria. Também aproximou da fronteira com a Bélgica e o Luxemburgo a área de concentração das forças em reserva (o 6º Exército). Com estas alterações, ficava mais forte o conjunto das forças destinadas a cobrir a fronteira com a Bélgica e o Luxemburgo. Os agentes franceses também conseguiram obter cópias dos documentos relativos aos jogos de guerra realizados em 1912 e 1913 e dos planos de mobilização entre 1907 e 1913. Com estes documentos Joffre confirmou a sua ideia de que seria mais provável que os alemães lançassem uma ofensiva através da Bélgica e que assumiriam uma postura defensiva na Lorena.

Joffre levou ao Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN), a 9 de janeiro de 1912, a hipótese de as forças francesas avançarem na Bélgica antecipando-se aos alemães. Esta hipótese implicava a violação da neutralidade da Bélgica e, por isso, foi recusada pelo CSDN embora este órgão tivesse concordado que as forças francesas poderiam «penetrar o território da Bélgica às primeiras notícias de violação daquele território pelo exército alemão.» [HAMILTON & HERWIG, 2010, pp. 155-156] Nesta mesma reunião, as fronteiras dos Alpes e dos Pirenéus - Itália e Espanha - foram consideradas secundárias o que significava que podiam ser defendidas por unidades da reserva territorial.

O estudo das possibilidades das forças alemãs mostrou os esforços por elas desenvolvido para melhorarem a qualidade das suas reservas, precisamente para as tornarem aptas a avançarem lado a lado com as unidades do ativo. De acordo com o plano de mobilização alemão de 1913, «as tropas da reserva serão empregues da mesma forma que as tropas do ativo.» [HAMILTON & HERWIG, 2010, p. 156] Apesar destas informações, os franceses continuaram a pensar que os alemães não iriam empenhar tropas da reserva na primeira linha do ataque, o que reduziria a extensão dos seus movimentos ofensivos e também que, sendo obrigados a defenderem-se dos russos, a força de invasão da Bélgica seria limitada, ou seja, para avançarem em força pelo centro da Bélgica teriam de enfraquecer as forças que que avançariam pelo sul da Bélgica e Luxemburgo.

Perante os pressupostos acima descritos e com autorização do Conselho Superior de Guerra (abril de 1913), Joffre preparou um novo plano. Em fevereiro de 1914, o Estado-Maior General francês tinha terminado as principais partes do novo plano e foram enviadas cópias aos comandantes dos exércitos franceses. A 1 de Maio ficaram completas todas as partes do Plano XVII. Este era um plano de concentração dos exércitos franceses e no qual ficava claro que «a intenção do comandante-em-chefe é lançar, com todas as forças reunidas, um ataque contra os exércitos alemães.» [HAMILTON & HERWIG, 2010, p. 157] Joffre pretendia impedir a interferência do poder político no seu planeamento e, por essa razão, o plano não adiantava muito mais sobre as suas intenções. Incluía instruções para a concentração das forças e levantava várias hipóteses de ações ofensivas, mas não esclarecia a verdadeira intenção de Joffre.

O Plano XVII previa que as forças francesas se concentrassem da seguinte forma (Ver mapa XXX), da direita (sul) para a esquerda (norte):

1º Exército, 2º Exército e 3º Exército frente à fronteira com a Alemanha;

5º Exército frente à fronteira com o Luxemburgo e o sul da Bélgica;

4º Exército em reserva, à retaguarda do 3º Exército.

Para além destas forças, Joffre organizou quatro Grupos de divisões da reserva, cada um com três divisões:

1º Grupo à direita do 1º Exército;

4º Grupo à esquerda do 5º Exército;

2º e 3º Grupos atrás dos 2º e 3º Exércitos.

Cada comandante de Exército recebeu instruções no Plano XVII que incluíam as opções para futuras operações. Isto significava que cada comandante conhecia a sua área de concentração, mas teria de aguardar ordens para conhecer exatamente a sua missão após a concentração das forças. Enquanto os 1º, 2º e 3º Exércitos se prepararam para avançar sobre Sarrebourg, Saarbrücken e a linha Metz-Thionville, o movimento do 5º Exército dependia de onde os alemães entrariam na Bélgica e no Luxemburgo. Na hipótese de os alemães não violarem a neutralidade daqueles países, o 4º Exército posicionar-se-ia entre os 3º e 2º Exércitos e participaria no ataque na Lorena. Se os alemães violassem a neutralidade da Bélgica e do Luxemburgo, o 5º Exército avançaria em direção a Florenville e Neufchâteau e o 4º Exército entraria em linha entre o 5º e o 3º Exércitos e avançaria em direção a Arlon, na Bélgica.

plano xvii

A imagem mostra as zonas de reunião dos seis exércitos franceses. Ver imagem em maiores dimensões em https://www.wdl.org/pt/item/16803/view/1/1/

O Plano XVII continha um anexo secreto que se referia às forças britânicas. Como poderiam não participar nas operações iniciais, ficaram com uma posição a ocidente de Mézières, à esquerda do 5º Exército com a finalidade de prolongarem a linha da frente ou apoiarem o 5º Exército.

 

Bibliografia

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Torres Vedras, 30 de novembro de 2020

Manuel F. V. G. Mourão