Breve História dos Balcãs até 1914
BREVE HISTÓRIA DOS BALCÃS ATÉ 1914
Hoje sabemos que os Balcãs receberam os primeiros habitantes há cerca de 200.000 anos. A cultura neolítica apareceu cerca de 7.000 a.C., com povos que ali se fixaram, com origem nas estepes russas ou na Europa Central. Os povos desenvolveram-se mais no sul da Península Balcânica e nas ilhas em redor e, no século VIII a.C., em Creta e nas cidades-estado do Peloponeso e na Grécia Central desenvolveu-se a surgiu a civilização grega que tão grande influência teve no mundo atual. Na totalidade ou em parte, os Balcãs foram dominados pelos Persas, pelos Gregos e pelos Romanos. Foi na Península dos Balcãs, na Macedónia, que nasceu o Império de Alexandre o Grande (336 AC a 323 AC). No início da Idade Média, quando substituiu o Império Romano do Oriente (Império Bizantino) que dominava a região, formaram-se e ganharam autonomia e independência os reinos que, embora de forma efémera, criaram impérios. Foi o caso do império dos Sérvios (1346 – 1371) ou o dos Búlgaros (632-1018 e 1185-1396).
A Península Balcânica: «Composite Map: Carte Tectonique Internationale de L'Europe» in David Rumsey Historical Map Collection. Para ver a carta completa carregue AQUI.
Em 1354, os Turcos Otomanos chegaram ao Estreito de Dardanelos. Alguns anos mais tarde tinham ocupado a região da Macedónia e, após a Batalha do Kosovo (15 junho 1389), ocuparam a Sérvia. Entre 27 de setembro e 15 de outubro de 1529, puseram cerco a Viena (Áustria). A derrota sofrida perante as forças austríacas acabou com o mito da invencibilidade das forças turcas. Em 1683, os Otomanos fizeram uma nova tentativa de se apoderarem de Viena, mas sofreram nova derrota a 12 de setembro. A partir desta data, os Turcos Otomanos foram gradualmente perdendo terreno frente às forças dos Impérios Austríaco e Russo. Ao longo do tempo em durou o domínio turco na região (ver o quadro seguinte) houve inúmeras revoltas, algumas reprimidas de forma muito severa, mas, no início do século XIX, começou o processo de autonomia e independência dos povos balcânicos.
FERNANDES, José Pedro Teixeira, «A Memória Otomana nos Conflitos dos Balcãs» in Nação & Defesa, no 112 Outono/Inverno (2005), pp. 87-102.
A independência da Grécia. Formação dos Principados da Sérvia, da Valáquia e da Moldávia
O território da Sérvia, embora ocupado, nunca foi completamente submetido ao Império Otomano. Com a invasão dos Turcos, os Sérvios deslocaram-se em direção à costa, para a Bósnia, Dalmácia, Eslavónia e Montenegro, ou para norte, atravessando os rios Danúbio e Save, para se instalarem na Voivodina. Os Sérvios constituíram assim comunidades que, em 1914, viviam no Montenegro e nos territórios da Áustria-Hungria (o que incluía a Bósnia e Herzegovina). No final do século XVIII, os Sérvios conseguiram algum grau de autonomia e o governo da Sérvia começou a assentar, para além do governador e alguns funcionários otomanos, numa elite sérvia. Esta medida não agradou aos Janízaros, corpo militar que garantia a ocupação efetiva do terreno. Parte da elite sérvia cristã foi massacrada. Alguns conseguiram fugir para os territórios vizinhos, de onde passaram a fomentar as insurreições.
No século XIX, a insurreição dos Sérvios teve início em fevereiro e março de 1804 e prolongou-se até 1813, quando foi esmagada pelos Otomanos. Durante esta revolução, os Sérvios proclamaram a independência. A guerra entre a Rússia e a Turquia (1806-1812) proporcionou o apoio de forças russas aos insurretos sérvios. Em 1810, os Russos ocuparam a Moldávia, a Valáquia e a Bessarábia e, no ano seguinte, dirigiram-se para Constantinopla. As notícias sobre a preparação do Grande Armée para, sob comando de Napoleão Bonaparte, invadir a Rússia conduziram à Paz de Bucareste (28 maio 1812) acordada entre a Rússia e a Turquia. O artigo 8º do acordo previa, embora sem precisar os termos, um regime de autonomia para a Sérvia. Com a Rússia a enfrentar a invasão francesa, os Turcos não permitiram nenhuma autonomia e lançam uma feroz campanha de repressão contra os Sérvios.
Muitos insurretos sérvios conseguiram sobreviver à repressão otomana refugiando-se na Hungria sob a proteção da Coroa Austríaca. As atrocidades cometidas pelos Turcos Otomanos provocaram nova insurreição, declarada a 23 de abril de 1815. A derrota de Napoleão na Batalha de Waterloo (17 junho 1815) libertou as forças russas para novamente ameaçarem a Turquia que foi obrigada a aplicar as cláusulas a favor dos Sérvios previstas no Tratado de Bucareste (1812). Em 1817, o Sultão concedeu aos Sérvios um estatuto de alguma autonomia. Ao lado do governador turco, que representava a autoridade do Sultão, passou a governar na Sérvia – ainda uma província do Império Otomano – um chefe eleito pelos Sérvios e assistido por um Conselho igualmente eleito. Entre outras matérias objeto de descentralização, os Sérvios passavam a ser responsáveis pela administração da sua justiça ou coleta de impostos. No entanto, esta situação só foi confirmada pelo Tratado de Adrianópolis (14 setembro 1829), que pôs fim a mais uma guerra entre o Império Otomano e o Império Russo (1828-1829). Em 1830, Miloš Obrenović foi oficialmente reconhecido como príncipe governante da Sérvia o que, na prática, já acontecia desde 1817. Em 1841, a capital da Sérvia mudou de Kragujevac para Belgrado.
Com a conquista dos Balcãs, a Grécia continental ficou sujeita aos Turcos desde o século XIV. No entanto, conservou a sua língua e a sua religião. Os Gregos disseminaram-se pelo Império otomano, adaptaram-se, ocuparam lugares de grande responsabilidade na administração otomana e dominam o comércio. Só em 1821 deflagrou um movimento de emancipação muito influenciada pelos movimentos revolucionários na Itália. Em 1817 tinha sido criada a "Philiki Etäria" (Sociedade dos Amigos), uma organização com o objetivo de criar a união armada dos Gregos e demais Cristãos do Império Otomano. Tratava-se de uma sociedade formada por pessoas influentes e com apoio financeiro dos banqueiros gregos de Constantinopla. A Sociedade dos Amigos elaborou vários planos de insurreição que incluíam vários países dos Balcãs.
Surgiram insurreições na Moldávia e na Valáquia onde os Otomanos tinham permitido a instalação de um regime "fanariota", isto é, um regime que era controlado por um grupo de famílias gregas com poder financeiro e político e que viviam em Fanar, Constantinopla. Após negociações com o governo otomano, estas províncias ganharam o estatuto de principados autónomos governados pelos seus naturais. Na Grécia, o processo foi mais complexo e violento. A insurreição iniciada em 1821 foi caracterizada por grande violência e numerosos massacres e deu origem à proclamação de independência, por uma assembleia nacional reunida em Epidauro, a 3 de janeiro de 1822. Um pedido de apoio foi recusado pelas potências da Santa Aliança (Império Russo, Império Austríaco e Reino da Prússia). A Europa conservadora não queria apoiar movimentos «revolucionários».
Esta posição da Europa deixou os Gregos isolados frente aos Turcos Otomanos. Em julho de 1822, as tropas turcas entraram no Peloponeso a fim de reprimir a revolução na Grécia. Morrem dezenas de milhar de habitantes em massacres e muitos foram escravizados. Em 1825, tropas egípcias intervieram contra os Gregos que foram obrigados a refugiarem-se nas zonas montanhosas. Atenas foi conquistada pelas tropas egípcias em 1827. Este facto provocou uma reação na opinião pública europeia que se coloca ao lado dos Gregos. Numerosos voluntários acorrem à Grécia para combaterem ao seu lado. Apesar das derrotas sofridas em terra, os Gregos tinham uma forte tradição marítima e, neste campo, foram mais fortes que os Turcos. Os Russos mostraram vontade de intervir contra a Turquia, em defesa da Grécia e utilizando a situação como pretexto para tentarem o domínio dos Estreitos. Perante a vontade dos Russos em intervirem sozinhos contra a Turquia, o que significaria a destruição do Império Otomano, os Britânicos intervieram diplomaticamente e assinam um protocolo com os Russos (4 abril 1826) com a finalidade de obrigar o governo otomano a aceitar a criação de uma Grécia autónoma sob a suserania do Sultão. Entretanto, no mês anterior (março), os Russos tinham já enviado a Constantinopla um ultimato a exigirem a plena autonomia da Sérvia e dos Principados do Danúbio (Moldávia e Valáquia), mas ignoravam o problema grego.
O Sultão aceitou assinar com a Rússia a Convenção de Akkerman (7 de outubro de 1826). No texto da Convenção, ficavam definidos os termos da autonomia da Moldávia, da Valáquia e da Sérvia. Foram confirmadas todas as cláusulas do Tratado de Bucareste (1812). Sobre a Grécia, a situação dependia em parte da posição do Reino Unido que hesitava em intervir, da mesma forma que não reconhecia o direito de nenhuma outra potência se intrometer na questão da Irlanda. Apesar disso, a possibilidade de uma intervenção russa conduziu, a 6 de julho de 1827, à assinatura do Tratado de Londres (6 julho 1827) entre a Rússia, a França e o Reino Unido. Nos termos deste tratado, as três potências exigiam que o Império otomano cessasse os ataques aos Gregos e lhes concedesse um estatuto de autonomia comparável ao da Sérvia. A Prússia e a Áustria mantiveram-se fora deste assunto.
Na Primavera de 1827, os Gregos lançam as bases de um novo Estado Helénico. No entanto, a situação não lhes podia ser favorável enquanto lutassem sem o apoio de outras potências. O Sultão, pondo em dúvida a coesão das três potências signatárias do Tratado de Londres, esperava destruir os últimos focos de resistência grega antes que os Aliados interviessem na Grécia. Quando se deu a intervenção, na Batalha Naval de Navarino (20 outubro 1827), a frota formada por navios britânicos, franceses e russos derrotaram de forma decisiva a frota otomana. No entanto, esta derrota turca podia significar, na forma de ver do governo britânico, um benefício para o expansionismo russo. Na realidade, o Sultão Mahmoud II declarou a «Djihad» (20 dezembro 1827) e os embaixadores das potências ocidentais abandonaram o país (28 dezembro 1827). No dia 26 de abril de 1828, a Rússia declarou guerra à Turquia.
A guerra entre a Rússia e a Turquia (1828-1829) foi travada nos Balcãs e no Cáucaso. Nos Balcãs, os Russos atravessaram o Danúbio a 8 de junho de 1828, mas encontram uma forte resistência da parte dos Turcos. A progressão russa foi difícil e demorada e só em agosto de 1829 conseguiram ameaçar diretamente Constantinopla. A França e o Reino Unido mostram a sua preocupação com a possibilidade de os estreitos ficarem sob controle russo, pressionaram os Russo e estes renunciam a atacar a capital otomana. No entanto, com a derrota sofrida, os Turcos foram obrigados a aceitar as exigências dos Aliados. Em dezembro de 1829, os embaixadores da França, do Reino Unido e do Império Otomano reuniram-se em Poros (Cidade nas ilhas Sarónicas, Grécia, Mar Egeu) e decidiram a formação de um Estado grego, um principado hereditário que pagaria tributo ao Sultão. O soberano helénico não deveria pertencer às famílias reinantes da França, Reino Unido ou Rússia. Também foi definida a fronteira deste novo Estado e a transferência de populações. A 14 de setembro, foi assinado um tratado de paz em Adrianópolis.
No dia 14 de setembro de 1829, em Adrianópolis, foram assinados, não um, mas dois tratados. Um dos textos trata das decisões tomadas em comum pela França, Reino Unido e Rússia sobre a independência grega, nos termos acima descritos. O outro texto é um tratado de paz entre a Turquia e a Rússia e tem um alcance muito vasto para a região dos Balcãs. A Rússia abdicou da maior parte das suas conquistas na guerra 1828-1829, com exceção dos territórios na foz do Danúbio e outros na região da Geórgia (Cáucaso). A Turquia ficou obrigada a pagar uma indemnização e, até esta ser paga, a Rússia manteria a ocupação da Bulgária, Moldávia e Valáquia. Estes últimos dois principados ganharam maior autonomia em relação ao Império Otomano. Ficou estabelecida a liberdade de navegação no Danúbio e o direito de passagem dos navios mercantes russos nos estreitos do Bósforo e Dardanelos.
A Grã-Bretanha desejava limitar a expansão territorial da Grécia a fim de preservar as suas possessões no Mar Jónico e manter uma Turquia suficientemente forte para que não ficasse à mercê da Rússia. Assim, promoveu a assinatura de um novo protocolo em Londres, a 3 de fevereiro de 1830, com o objetivo de tratar a independência total da Grécia. Mas o governo de Londres exigiu algo em troca: o recuo das fronteiras gregas, isto é, a independência da Grécia deixando de fora o Epiro, a Tessália, a Macedónia, Creta e a maior parte das ilhas do Mar Jónico, regiões maioritariamente povoadas por Gregos. A Grécia obtinha assim a sua independência, mas não a totalidade dos Gregos. Em 1832, o Tratado de Constantinopla (7 de maio), assinado pelo Reino Unido, França, Rússia e Império Otomano, e o Tratado de Londres (30 de agosto) estabeleceram a Grécia como Estado independente e o Príncipe Otto Friedrich Ludwig von Wittelsbach (Otão I) como Rei da Grécia. Só em 1864, o Reino Unido transferiu as ilhas do Mar Jónico para a Grécia.
A Guerra Russo-Turca (1877-1878)
1875 foi o ano marcado pela revolta na Bósnia e Herzegovina, liderada pelos Sérvios bósnios, provocada pelos abusos de poder dos governadores otomanos. Os tumultos espalharam-se pelas populações cristãs das várias províncias otomanas. A Sérvia e o Montenegro prestaram ajuda aos rebeldes fornecendo armas e enviando voluntários para combater as forças turcas. A 30 de junho de 1876, a Sérvia e o Montenegro declaram guerra ao Império Otomano (1876-1878), tendo em vista a sua completa independência e a expansão territorial. Era o início da chamada "Grande Crise do Oriente".
Em abril e maio de 1876, a revolta fez-se sentir na Bulgária. O desenvolvimento socioeconómico e a influência da Igreja Ortodoxa Búlgara, independente desde 1870, tinham provocado o despertar nacional na Bulgária. A repressão foi de tal forma violenta que provocou um clamor de desagrado na opinião pública da Europa e Estados Unidos da América. A derrota da Sérvia e do Montenegro frente às forças de repressão turcas, a feroz repressão na Bósnia e Herzegovina e na Bulgária, provocaram uma reunião dos representantes das Grandes Potências (Reino Unido, Rússia, França, Alemanha, Áustria-Hungria e Itália), a Conferência de Constantinopla, que decorreu entre 23 de dezembro de 1876 e 20 de janeiro de 1877.
Em Constantinopla, as Grandes Potências tomaram decisões relativamente às fronteiras e ao estatuto das diferentes entidades políticas. As decisões que mais interessa divulgar respeitavam à Bósnia e Herzegovina, ao Montenegro e à Bulgária. Esta ganhava um estatuto de principado com grande autonomia. A Bósnia e a maior parte da Herzegovina formavam uma província do Império Otomano que desfrutava de considerável autonomia. Era criado o Principado do Montenegro. No entanto, o governo turco não aceitou as decisões tomadas pelas Grandes Potências na Conferência de Constantinopla. Esta atitude deixou a Turquia isolada perante eventuais ameaças e os Russos, tendo em vista conseguir maior influência nos Balcãs e o controlo dos Estreitos (Dardanelos e Bósforo), declararam guerra ao Império Otomano a 24 de abril de 1877.
As operações militares desenrolaram-se através da fronteira oriental dos Balcãs e no Cáucaso. Apesar da forte resistência oferecida pelas forças turcas, os Russos conseguiram, no início do ano de 1878, chegar às portas de Constantinopla. A 31 de janeiro, os Russos aceitaram a trégua proposta pelos Turcos, mas continuaram o seu avanço em direção à capital otomana. As potências ocidentais receavam que os Estreitos pudessem ficar sob controlo russo e a Royal Navy, numa demonstração do poder naval britânico, obrigou os Russos a parar. Foram estabelecidas conversações entre a Rússia e o Império Otomano que terminaram a 3 de março de 1878 com a assinatura do Tratado de San Stefano.
De acordo com os termos deste tratado, os Turcos apenas mantinham nos Balcãs uma faixa de território, da Trácia à Albânia. Foi reconhecida a independência da Sérvia, do Montenegro e da Roménia. Esta cedia a Moldávia à Rússia e obtinha a Dobruja. A Bósnia e Herzegovina mantinham-se no Império Otomano, mas dispondo de uma certa autonomia. A Bulgária via reconhecida a sua independência e englobava a maior parte da Macedónia, ou seja, estendia-se do Mar Negro ao Mar Egeu. Foi a questão da Bulgária que mais preocupações suscitou nas Grandes Potências e nos novos países balcânicos. A Sérvia temia o estabelecimento de uma "Grande Bulgária". O Reino Unido e a Áustria-Hungria temiam que a Bulgária não fosse mais que um satélite da Rússia que, desta forma, cercava completamente os territórios turcos na Europa e podia vir a dominar os Estreitos.
Perante a oposição das outras potências europeias, a Rússia sentiu o isolamento a que ficara sujeita na Guerra da Crimeia (1853-1856). O Reino Unido ameaçou com a guerra se as forças russas entrassem em Constantinopla. A Áustria-Hungria mostrou que estava disposta a arriscar a guerra pela divisão dos territórios nos Balcãs. A tensão aumentou e parecia que a Europa estava à beira de uma guerra geral. Relutantemente, Otto von Bismarck, o chanceler alemão que afirmou que «os Balcãs não valem a vida de um único granadeiro da Pomerânia», organizou um congresso em Berlim, a única capital em que os governantes russos estavam na disposição de comparecer.
O Congresso de Berlim – 13 junho a 13 julho de 1878 - reuniu as Grandes Potências europeias, o Império Otomano e os Estados balcânicos independentes (Grécia, Sérvia, Roménia e Montenegro). Foi decidido que a Bulgária, já com as fronteiras definidas pelo Tratado de San Stefano, seria dividida em três partes: o Principado da Bulgária, Estado independente, de dimensão muito reduzida; a Rumélia Oriental, uma região autónoma, com um governador turco, mas sujeito à supervisão de uma comissão europeia; o restante território búlgaro que reverteu para o controle otomano. Foi confirmada a independência da Roménia, Sérvia e Montenegro. A Bósnia e Herzegovina ficaram sob administração da Áustria-Hungria, mas mantendo-se como territórios do Império Otomano. A Macedónia permaneceu no Império Otomano. Também sob controle otomano, ficou o território do Sanjak de Novi Pazar. Para além das decisões públicas, foi estabelecido um acordo secreto entre o Reino Unido e a Áustria-Hungria. Nesse acordo, o Reino Unido prometia apoiar a ocupação austríaca da Bósnia e Herzegovina. O Reino Unido também assegurou ao Sultão a garantia da defesa da Turquia asiática e, em troca, poderia instalar uma base naval em Chipre.
Anexação da Bósnia pela Áustria-Hungria. Independência da Bulgária
Como vimos, o Congresso de Berlim (1878) atribuiu um mandato à Áustria-Hungria para administrar a Bósnia e Herzegovina e o território do Sanjaco de Novi Pazar, com um estatuto ambíguo. Tratava-se de uma administração provisória e o território continuava a ser parte do Império Otomano. A verdade é que, nos anos seguintes, a Áustria-Hungria tomou medidas que indiciavam um projeto de anexação. Por exemplo, a moeda turca foi retirada da circulação e, pela lei de 24 de outubro de 1881, foi instaurado no território o serviço militar obrigatório devendo os seus habitantes prestar serviço nas fileiras austro-húngaras. Estas medidas caracterizam uma anexação de facto. Em julho de 1908, a Revolução dos Jovens Turcos, que provocou grande instabilidade na Turquia, e a fraqueza da Rússia, ainda a recuperar da derrota sofrida frente ao Japão (Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905) vem dar uma oportunidade à Áustria-Hungria para alterar o estatuto dos territórios da Bósnia e Herzegovina.
No dia 5 de outubro de 1908, a Áustria-Hungria anexou a Bósnia e Herzegovina. Este ato foi reconhecido pelas potências ocidentais e pelo Império Otomano (26 de fevereiro de 1909), mas provocou protestos da Sérvia e da Rússia, protestos que só foram deixados cair porque a Alemanha ameaçou intervir. Foi a primeira vez que a Alemanha apoiou claramente a Áustria-Hungria e mostrou que estava preparada para correr o risco de uma guerra na Europa caso a Rússia desafiasse a anexação. Mas a Alemanha ainda foi mais longe porque exigiu à Sérvia e à Rússia o reconhecimento formal da anexação da Bósnia e Herzegovina. A Alemanha tinha sido, com Bismarck, o elemento moderador no choque de interesses entre a Rússia e a Áustria-Hungria. No início do século XX, tornou-se o elemento que apoiou uma das partes e passou a ser parte interessada numa área onde nunca tinha identificado interesses vitais.
A Bulgária, que fora uma província do Império Otomano, tornou-se um principado autónomo em 1878. Era príncipe da Bulgária Alexandre José de Battenberg que tinha sido eleito com o apoio do czar Alexandre II (1818-1881). A influência russa fez-se sentir de forma muito intensa na vida interna da Bulgária. Alexandre de Battenberg tentou afastar essa influência, mas a Rússia apoiou um golpe de estado em agosto de 1886 que o levaram a abdicar e partir para o exílio (7 setembro). Até ao fim da sua permanência no poder, Alexandre de Battenberg conseguiu a reunificação da Roménia com a Rumélia Oriental e liderou com sucesso o exército búlgaro na guerra com a Sérvia, em 1885.
A divisão da Bulgária no Tratado de Berlim (1878) foi um duro golpe nas ambições nacionalistas. A união da Bulgária com a Rumélia Oriental foi um objetivo sempre presente entre os nacionalistas búlgaros, tanto na Bulgária como na Rumélia Oriental. Durante a guerra de 1877-1878, os Búlgaros apoderaram-se das terras dos Turcos. Como seria de esperar, desenvolveu-se um forte desejo de união com a Bulgária. Em setembro de 1885 eclodiu uma revolta em Plovdiv (Rumélia Oriental) e os seus líderes apoderaram-se rapidamente do governo do território e declaram a união com a Bulgária. Esta união contrariava o estabelecido no Tratado de Berlim e, por isso, só podia ser realizada com a aprovação das Grandes Potências. Alexandre e Battenberg sabia que se contrariasse esta tendência perderia o trono e, sendo assim, apoiou a união da Rumélia Oriental com a Bulgária. A Rússia retirou todos os seus apoios à Bulgária.
No final da sua permanência no poder, Alexandre de Battenberg conduziu o exército búlgaro na Guerra Sérvio-Búlgara de 1885. Este conflito que foi desencadeado pelas pretensões da Sérvia em adquirir mais territórios que compensassem o alargamento territorial da Bulgária, terminou com a derrota da Sérvia. Nele, Alexandre de Battenberg conduziu com êxito o Exército da Bulgária nas batalhas de Slivnitza (17-19 novembro) e Pirot (26-27 novembro). A integridade da Sérvia foi mantida porque a Áustria-Hungria ameaçou intervir.
No dia 7 de julho de 1887, a Grande Assembleia Nacional da Bulgária elegeu Fernando de Saxe-Coburg e Gotha para príncipe da Bulgária. Fernando I da Bulgária manteve-se nesta posição de 7 de julho de 1887 a 5 de outubro de 1908, data em que se proclamou Czar da Bulgária, agora livre da sujeição ao Império Otomano, fragilizado pela instabilidade provocada pela Revolução dos Jovens Turcos (1908). A independência da Bulgária foi reconhecida pela Turquia e Rússia em abril do ano seguinte. A política de Fernando I foi expansionista. O seu objetivo era a aquisição do território da Macedónia em poder dos Turcos, com o qual a Bulgária tinha uma ligação histórica e étnica.
As Guerras Balcânicas
A questão das nacionalidades não se colocava apenas à Áustria-Hungria que abrigava dentro do seu território uma variedade grande de nações, cada uma com a sua língua própria. Para os países vizinhos, a questão levantava-se de forma inversa, isto é, populações sérvias ou romenas viviam no espaço austro-húngaro e também nos territórios europeus ainda sob domínio otomano. Por outro lado, existiam interesses estratégicos como a saída para o mar que a Sérvia ambicionava ou o interesse da Rússia em dominar um território que trazia a possibilidade do acesso ao Mediterrâneo ou de garantir a sua influência nos territórios que dominavam o Estreito de Dardanelos. As ambições territoriais dos Estados balcânicos e os abusos da Turquia sobre as populações dos territórios europeus ainda sob domínio otomano levaram aqueles a prepararem-se para libertar a península do domínio turco.
Conduzindo negociações em segredo, a Bulgária, a Sérvia, a Grécia e o Montenegro estabeleceram tratados e convenções militares que tinham em vista uma guerra contra a Turquia. Foi criada por estes países a "Liga Balcânica". A sua existência só foi conhecida nas capitais europeias na véspera da guerra contra a Turquia, em outubro de 1912. Os tratados e convenções militares foram publicados pelo "Le Matin" de Paris, em língua francesa, a 24 e 26 de novembro de 1913. Os tratados assinados também previam a partilha dos territórios em caso de vitória numa guerra contra a Turquia. Nas negociações entre a Bulgária e a Sérvia estiveram presentes os representantes russos – embaixador e adido militar em Sofia – a fim de serem salvaguardados os interesses da Rússia. Também ficou estabelecido que as questões territoriais que não pudessem ser resolvidas durante as negociações seriam sujeitas a arbitragem do czar da Rússia.
A instabilidade do regime instaurado com a Revolução dos Jovens Turcos e os problemas da Turquia devido à Guerra Turco-Italiana, também chamada Guerra da Líbia, entre setembro de 1911 e 18 de outubro de 1912 forneceram o pretexto e a oportunidade para uma ação da Liga Balcânica. A guerra teve início em outubro de 1912 e, apesar dos acordos em que assentava a Liga Balcânica, o confronto entre estes países e a Turquia foi feito separadamente. No entanto, a Turquia, em inferioridade numérica, acabou por ser derrotada. Os Sérvios derrotaram os Turcos na Macedónia e entraram na Albânia. Os Gregos avançaram na Tessália e Epirus e, no mar, apoderaram-se das ilhas do Mar Egeu e dos navios turcos aí fundeados. Os Montenegrinos invadiram o norte da Albânia. Os Búlgaros invadiram a Trácia. A 3 de dezembro de 1912 foi estabelecido um armistício. Nesta altura, o território europeu controlado pelos Otomanos resumia-se a Shkodër, Janina, Adrianópolis, a área atrás das linhas de Chataldzha e a Península de Gallipoli.
Os representantes dos Estados da Liga Balcânica e do Império Otomano reuniram-se em Londres, em dezembro de 1912, para negociarem a paz. Estas reuniões foram realizadas simultaneamente com as reuniões dos embaixadores das grandes potências para que estas defendessem os seus interesses na região. A Áustria-Hungria e a Itália apoiaram o estabelecimento de uma Albânia independente, o que impedia a Sérvia e o Montenegro de acederem à costa do Mar Adriático. As conversações entre os Estados Balcânicos e o Império Otomano chegaram a um impasse por causa de Adrianópolis e foram retomadas as hostilidades a 3 de fevereiro de 1913. No mês seguinte, as cidades de Adrianópolis e Janina caíram em poder da Liga Balcânica. No dia 23 de abril, os Montenegrinos entraram na cidade albanesa de Shkodër. As Grandes Potências pressionaram para a saída dos Montenegrinos da Albânia, prometendo compensações financeiras. Finalmente, os Estados envolvidos na guerra concordaram em estabelecer a paz e fazer os ajustamentos territoriais de acordo com o que ficou estabelecido no Tratado de Londres de 30 de maio de 1913. Terminava desta forma a que viria a ser conhecida como Primeira Guerra Balcânica.
A assinatura do Tratado de Londres não significou que as potências aliadas da Liga Balcânica estivessem de acordo com a divisão dos territórios conquistados ao Império Otomano. Houve desacordo sobre o território da Macedónia. Os Sérvios entenderam que tinham direitos sobre esses territórios como compensação para os seus interesses na Albânia que foram frustrados pelas Grande Potências. Os interesses da Sérvia na Macedónia entravam em colisão com os interesses da Bulgária. A mediação russa falhou e, a 5 de maio de 1913, a Grécia e a Sérvia assinaram um acordo contra a Bulgária. A 29 e 30 de junho, a Bulgária lançou um ataque às posições sérvias na Macedónia. Tinha início a Segunda Guerra Balcânica.
O ataque lançado pela Bulgária contra as forças sérvias na Macedónia não teve sucesso e, por outro lado, a Bulgária ficou sujeita ao contra-ataque das forças da Grécia e da Sérvia. Esta situação que tornava a Bulgária mais frágil foi aproveitada pela Roménia e pelo Império Otomano. A Roménia queria evitar a criação de uma Grande Bulgária e o Império Otomano desejava reconquistar Adrianópolis. A Bulgária ficou, assim, perante um conflito em várias frentes o que se mostrou desastroso por não poder empenhar forças suficientes em nenhuma delas. A resistência da Bulgária durou um mês e acabou por aceitar a paz nos termos do Tratado de Bucareste, de 10 de agosto de 1913, perdendo grande parte dos ganhos territoriais da Primeira Guerra Balcânica. A Sérvia e a Grécia dividiram a Macedónia. A Sérvia e o Montenegro dividiram Novibazar. A Grécia ocupou o Epirus, onde se encontra a cidade de Janina e uma larga faixa na Macedónia do Sul onde se encontram os portos de Salónica e Kavalla; também ocupou Creta e a maior parte das ilhas do Mar Egeu. A Albânia confirmou a sua independência. A Bulgária manteve uma pequena parte da Macedónia e a Roménia recebeu parte de Dobrudja. O Império Otomano apenas conservou a parte ocidental da Trácia, ou seja, o terreno na Europa num raio com pouco mais de 200 Km à volta de Constantinopla, o que incluía a Península de Gallipoli.
A divisão política dos Balcãs alcançada em 1913, após a Segunda Guerra Balcânica, era a que estava em vigor em julho de 1914. As Guerras Balcânicas foram os dois primeiros conflitos europeus no século XX. Os ataques frontais contra as posições entrincheiradas, as grandes concentrações dos fogos de artilharia, o elevado número de mortos, feridos e desaparecidos, e as centenas de milhares de civis deslocados, proporcionaram a antevisão do que iria ser a guerra em 1914.
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