Capítulo III - A Itália pré-romana
OS POVOS DA ITÁLIA NA ÉPOCA HISTÓRICA.
Apenas na península, a partir da época histórica e após a chegada dos gauleses, reconhecem-se, numa classificação muito abrangente e “aligeirada”, pelo menos doze línguas diferentes, não contando os dialectos, muito diferenciados, dos diversos povos. Este mosaico étnico já surpreendia os autores antigos.
A partir do século V ae, ao longo do vale do Pó e na região imediatamente a sul deste rio, estabelecem-se tribos célticas (Galli): ínsubres, boios, cenomanos, sénones e outras ainda.
Desde os Alpes Marítimos e ao longo da costa lígure, as tribos lígures, menos desenvolvidas a nível civilizacional.
Ao norte do curso inferior do Pó e para oriente, os vénetos.
Na Etrúria, os etruscos, que os gregos chamavam “tirrenos”.
Em toda a Itália central e em parte da meridional, numerosas tribos de itálicos.
A leste, sobre a margem esquerda do Tibre, os umbros (ou úmbrios).
Mais a oriente e ao longo do mar (Adriático), os picentinos, de que uma parte (os que viviam a norte) não pertencia aos itálicos.
A sul do curso inferior do Tibre, na parte setentrional do antigo Lácio, os latinos, com os équos (Aequi) e os volscos (Volsci) entre os seus vizinhos imediatos (Aequi a nordeste; Volsci a sudeste).
Ao sul dos umbros e dos picentinos, na Itália central, vivia um grande grupo de itálicos. Pertenciam-lhe as pequenas tribos dos sabinos e marsos (Sabini a norte dos Latini; Marsi a leste) e o grande grupo de tribos dos samnitas.
O ramo meridional dos samnitas, formado pelas tribos dos lucanos e dos brútios (Bruttii), ocupava a parte oeste da Itália meridional.
Na Apúlia (Adriático), as tribos dos dáunios (Daunii), dos iapiges, dos messápios e outras, que não pertenciam aos povos itálicos.
Foram encontradas inscrições de algumas destas tribos da Apúlia. As mais das vezes são de nomes próprios e estão escritas em dialectos locais. Essas inscrições mostram que a sua raiz linguística não é a dos idiomas itálicos. Atribui-se a estes povos uma origem ilíria.
Desde a Campânia, sobre as costas da Itália meridional, as colónias gregas de Cumas, Nápoles, Poseidónia, Élea, Régio, Crotona, Tarento, entre outras.
Na Sicília, uma encarniçada luta se travava entre os gregos (que haviam colonizado a metade oriental, Siracusa, Lentini, Catânia, Taormina, Messina, etc) e os cartagineses (na parte ocidental, Drépano (actual Trapani), Lilibeu, Agrigento, etc). No interior da ilha viviam tribos de sículos e de sicânios.
Na Sardenha e na Córsega, as populações indígenas dos sardos e dos corsos, que também sofreram a colonização grega e cartaginesa.
O PROBLEMA DA ORIGEM DOS POVOS ITALIANOS.
Na ciência histórica, a questão da génese étnica italiana constitui, em muito larga medida, um problema ainda por resolver. É tese aceite por quase todos os investigadores contemporâneos que os lígures e os sicânios correspondiam a restos de antigas populações, antes largamente espalhadas, respectivamente, pela Itália e Sicília. E, defendendo uma teoria que remonta aos tempos de gregos e romanos, a maioria também afirma que a grande massa da população da Itália (itálicos, etruscos e gauleses) veio de outros países, expulsando os anteriores habitantes e ocupando o território. No entanto encontramos uma larga corrente contrária, que pugna por uma origem autóctone dos etruscos, com parte dela a professar até idêntica crença no que respeita aos itálicos. Em 1948, S. I. Kovaliov assinalava entre os seus mais insignes iniciadores contemporâneos, Trombetti, Devoto e Schuchardt, informando-nos que o então ainda todo-poderoso (mas já defunto) Marr a haveria enunciado de “uma forma acabada” (...mas «deixando na obscuridade uma série de elementos substanciais», acrescentava logo de seguida Kovaliov): os etruscos e os itálicos representariam duas etapas sucessivas de desenvolvimento da antiga população italiana, e sobre essa evolução os elementos exteriores apenas teriam jogado uma influência de segundo plano.
Facto unanimemente reconhecido é que os gauleses migraram já no período histórico. Desceram dos Alpes no século V ae, invadiram a planície do Pó e expulsaram dali os etruscos. No início do século IV, avançaram mais para sul.
PROTO-HISTÓRIA DA ITÁLIA.
A Itália conheceu a Idade Antiga da Pedra, como o mostram, entre outros vestígios, as cavernas paleolíticas das montanhas da Ligúria. O Neolítico está bem representado em toda a península. Também na Sicília e na Sardenha foram descobertos vestígios do Paleolítico e do Neolítico.
Partindo da caça, pesca e da recolha (nos terrenos das estações neolíticas encontraram-se abundantes depósitos de ossos de animais selvagens, e de conchas de moluscos, nas regiões litorais), bem cedo as populações da Itália introduzem na sua economia a cevada, espécies de trigo e legumes (lentilhas, ervilhas, favas), que cultivavam ainda à maneira nómada. Algo mais tarde, juntam a estes cultivos o do milho-miúdo. As árvores de fruto e a vinha selvagem conheciam-nas então apenas como colectores.
[As árvores de fruto começarão a ser incorporadas na agricultura pela Idade do Bronze, posteriormente, sê-lo-á a vinha. E só ainda mais tarde os gregos e fenícios virão a introduzir o plantio da oliveira, dos citrinos e das tamareiras, entre outras culturas (por exemplo, a da romãzeira; recorde-se que à romã também se chama “maçã púnica”).]
A partir do III milénio começa a surgir, a par do uso da pedra, o uso do cobre no fabrico de diversos objectos (Período Calcolítico). Verifica-se a passagem à pastorícia, (ossos de bovinos, cabras, carneiros e porcos foram encontrados em grande número nas escavações).
A Idade do Bronze, no II milénio, é a época dos “terramare” no norte da Itália. Estas populações ainda fabricam utensílios de pedra, madeira e osso, mas o trabalho dos metais (bronze) ganhara preponderância. À caça e pesca, como ocupações importantes, juntam-se, além do artesanato, a pastorícia e a nascente agricultura sedentária.
Quanto aos hábitos funerários, enterravam as urnas com as cinzas dos seus mortos em filas compactas, em necrópoles, no exterior dos povoados.
Na Itália central e meridional, no decorrer do II milénio, a Idade do Bronze é marcada pela “cultura dos Apeninos”, com as populações a praticarem uma pastorícia de transumância, a agricultura e o artesanato. Os achados arqueológicos atestam-lhes relações comerciais com a “civilização creto-micénica”. Diversamente dos terramare, que usavam a cremação, estes povos tinham por costume enterrarem os seus mortos.
[o historiador N. Diakov afirmava que no Lácio, anteriormente ao estabelecimento dos latinos, a “cultura dos Apeninos” se caracterizaria por trabalhos de drenagem, muralhas ciclópicas e cerâmica decorada «semelhante à dos micénicos», insinuando assim uma provável presença grega nessa região. No entanto aqueles trabalhos (mais de recolha de águas pluviais que de drenagem) e muralhas datarão de épocas bem mais posteriores (após o ano 1000 antes da era), com os latinos (e outros povos da época histórica) já fixados no país, não se podendo pois considerar como traços característicos do Latium nos tempos da “cultura dos Apeninos”. Quanto à olaria, N. Diakov infelizmente não nos explicita em que consistiria a suposta semelhança e a que período da cerâmica micénica se está a referir.]
Cerca do ano 1000 o uso do ferro faz a sua aparição em Itália. É o que se denomina a Primeira Idade do Ferro, apesar de ainda predominar a metalurgia do bronze.
Em 1853, próximo de Bolonha, na localidade de Villanova (daí o nome de “civilização vilanoviana” para esta cultura), são encontrados os primeiros objectos de ferro e um vasto monumento funerário de sepulturas individuais contendo urnas de um tipo particular (com incineração do cadáver), a que se chamou “bicónicas”. Esta cultura depressa se espalhará pela Etrúria, Lácio, Campânia, “transportada” por itálicos que avançavam cada vez mais para sul.
Por esta mesma época, os vénetos e os povos ilírios vêm estabelecer-se na península.
Surgem aglomerados de tipo urbano. A passagem à agricultura e à pastorícia está consumada.
As casas familiares são de forma circular, feitas de toros, com as paredes revestidas de argila e lama. São habitações próprias de uma sociedade de famílias que detêm as suas explorações particulares. Tesouros fúnebres, se bem que ainda modestos, revelam um início de diferenciação na riqueza possuída por algumas destas famílias. Peças de cerâmica grega, vidrilhos e marfins fenícios aí encontrados atestam relações de troca com esses povos.
A partir deste quadro social dos finais do século IX – inícios do VIII, vai emergir uma nova civilização, a etrusca.
Vejamos agora quais as hipotéticas relações entre a génese dos povos italianos anteriormente enumerados e estas culturas.
OS ITÁLICOS.
A teoria mais sufragada defende que chegaram a Itália a partir de nordeste, em duas vagas sucessivas.
Os primeiros teriam aparecido no Vale do Pó no início do II milénio. Vindos de além Alpes, da planície danubiana, fixam-se ao longo dos rios e dos lagos da Itália do nordeste, ali vivendo em aldeias de palafitas.
Passam depois a terra firme, nas regiões a sul do Pó. Os restos das suas aldeias foram chamados “terramare” (dos termos latinos terra e mare; “terramare” ganhou ainda o sentido de “terra gorda”, formada com os restos orgânicos desses povoados).
A ulterior técnica romana de construção dos acampamentos apresenta características comuns com a “planta” destas aldeias: o fosso, a cerca defensiva, a disposição perpendicular das ruas, segundo os pontos cardeais.
Por isso e porque cremavam os seus mortos, são considerados, por alguns, os antepassados longínquos dos latinos (e dos faliscos e sículos, mas, quanto a estes dois últimos povos, apenas pelas afinidades dos respectivos idiomas com o latim).
Há outras teses, que podemos caracterizar pelo seu crescendo na defesa da autoctonia. Por exemplo, como tese “moderada”, temos a parte final do texto francês da Wikipedia, que defende ter havido apenas uma interpenetração indo-europeia com as populações “autóctones” do vale do Pó, e que tal fenómeno se teria dado já nos finais da Idade do Bronze. Como hipótese “esdrúxula”, veja-se o texto dos wikipedistas italianos: os habitantes dos terramare seriam populações “originárias” que, além disso, “explicariam tudo” (junto com o comércio da “via do âmbar,” diga-se de passagem) quanto à formação da chamada civilização vilanoviana e, posteriormente, da etrusca.
Uma segunda vaga de povos itálicos, etnicamente próximos dos primeiros, dada a sua afinidade linguística, terá aparecido na península nos finais do II milénio (por volta de 1200 – 1100).
São considerados pela maioria dos autores contemporâneos os antepassados dos povos que se estabeleceram em regiões montanhosas dos Apeninos (umbros, picentinos do sul, sabinos, samnitas e lucanos), e que está agora na moda denominar por sabélios (os sabelos eram uma pequena tribo vizinha dos sabinos; o termo latino Sabelli servia aos romanos para designar quer os sabinos, quer os sabelos) ou umbro-oscos, quando o mais correcto seria chamar-lhes umbro-samnitas. Provavelmente, o seu modo de vida basear-se-ia então no pastoreio de transumância.
É possível que parte dos antigos habitantes das regiões que ocuparam se haja fundido com esta segunda vaga. Outros terão sido repelidos para regiões menos hospitaleiras, sendo certo que os lígures apenas se mantiveram na zona noroeste dos Apeninos, os sículos apenas na Sicília.
Defende S. I. Kovaliov que, diversamente da primeira vaga, os recém-vindos itálicos inumariam os seus mortos, não os cremando (o que está de acordo com os usos funerários desses povos na época histórica). Não poderiam, por isso, ter dado origem à “cultura de Vilanova”, que praticava a incineração. Esta seria, provavelmente, um produto dos remanescentes da primeira vaga de itálicos, a que havia fundado a civilização dos terramare.
Ao invés, uma outra teoria afirma que os vilanovianos resultariam sobretudo da segunda vaga de itálicos, povos que praticariam não a inumação, como quer Kovaliov, mas a cremação, porém, diversamente dos terramare (tumbas colectivas), usando sepulturas individuais.
Em todo este puzzle de teorias, algo há que é manifestamente indefensável: que a segunda vaga tenha criado a “cultura de Vilanova” e, simultaneamente, dado origem aos povos umbro-oscos (melhor dizendo, umbro-samnitas), pois que são diversos os seus âmbitos territoriais e modos de vida. Já na época histórica, excluindo os úmbrios e sabinos (em contacto com a civilização etrusca), e uma ou outra pequena nação da Itália central, todos os restantes povos incluídos na designação de umbro-samnitas, se bem que também agricultores, viviam preponderantemente duma pastorícia de transumância, ou seja, necessitavam de pastos de vale (ou planície) e montanha (ou planalto), razão porque não se teriam fixado antanho (aquando da sua chegada a Itália) na planície do Pó nem nas regiões ocidentais (parte delas infestadas pela malária). Já os povos que se instalaram na Etrúria, Lácio e Campânia desenvolveram sobretudo a sua agricultura (inclusive com a execução de grandes trabalhos de drenagem).
Por fim, e de novo a contracorrente da maioria, S. I. Kovaliov considerava que a segunda vaga não haveria dado origem a todos os povos umbro-oscos (ou umbro-samnitas), mas apenas ao «grupo de povos sabelo-samnita». Ou seja, os úmbrios eram por ele excluídos da última migração, seriam um povo itálico mais antigo. E os focos da civilização vilanoviana teriam surgido, precisamente, na região que então ocupavam (da planície do Pó até à Toscana). Indo contudo mais longe na tese da autoctonia, Kovaliov colocava o nascimento da civilização etrusca sobre a base e no quadro da cultura vilanoviana, deixando em aberto, entre outras, a hipótese dos etruscos serem uma parte daquela antiga população de Itália, que, ao desenvolver a “cultura de Vilanova”, teria conseguido atingir um grau civilizacional superior.
OS ETRUSCOS.
Já gregos e romanos se interrogavam sobre a origem deste povo.
Heródoto (livro I, 94) dizia que um bando de lídios, acossado pela fome, navegou para oeste, chefiado por Tyrrhenus, o filho do rei. Chegando à Itália ocidental, ao país dos úmbrios, o bando ali encontrou abrigo e pôde fundar novas povoações. Esta crença de Heródoto foi praticamente um dogma na literatura antiga. Com base nesta opinião, os escritores romanos chamavam ao Tibre, Lydius amnis (“o rio dos lídios”). Os próprios etruscos se reconheceriam descendentes dos lídios. E, informa Tácito (Anais, IV, 55), uma delegação da cidade de Sardes, vinda a Roma no tempo de Tibério, também reclamou a proveniência lídia dos etruscos.
Por sua vez, Helânico de Lesbos, um autor que terá escrito, provavelmente, um pouco antes de Heródoto, afirmava que os pelasgos (habitantes da Grécia), expulsos pelos helenos, haviam atravessado o Adriático e chegado à desembocadura do rio Pó. Dali se teriam dirigido para o interior do país, estabelecendo-se na região chamada Tirrénia.
Mas já Dionísio de Halicarnasso (I, 29) demonstra que os pelasgos e os etruscos eram povos distintos. Defendeu também que os etruscos nada tinham em comum com os lídios. Que as línguas, os deuses, as leis e costumes destes dois povos eram absolutamente diferentes. A isto acrescentava: «estarão mais próximos da verdade os que dizem que os Tusci não provêm de nenhum lugar, sendo uma população indígena, pois que se trata de um povo antiquíssimo [e duma petitio principii a dobrar de Dionísio], em nada parecido com qualquer outro das proximidades, nem pelo idioma nem pelos usos e costumes». Na tradição clássica, Dionísio foi o único a defender esta “tese”.
Assinalemos, por fim, que Tito Lívio (V, 33) afirmou uma origem etrusca para os Raeti e outros povos alpinos, e que já muito posteriormente, no século XVIII, Niebuhr veio a defender a proveniência alpina dos etruscos.
Nas obras da maioria dos autores antigos pode-se resumir assim a história dos etruscos:
À sua chegada a Itália submeteram os úmbrios, um antigo e poderoso povo, e estenderam o seu domínio ao longo do rio Pó, fundando cidades e povoados fortificados. Depois dirigiram-se para sul, ao Lácio e à Campânia.
Nos finais do século VII surge em Roma a dinastia etrusca dos Tarquínios e, no início do século VI, os etruscos fundam, na Campânia, a cidade de Cápua.
Na segunda metade do século VI (por volta de 540), numa batalha naval junto à costa da Córsega (próximo de Aléria), aliados aos cartagineses, os etruscos derrotam os gregos.
Em 524, não longe de Cumas (Cumae, na Campânia), os etruscos são derrotados pelas tropas comandadas pelo grego Aristodemo.
A tradição fixa a expulsão dos Tarquínios de Roma no ano de 510, porém o rei etrusco Porsena acorre e vence os romanos, impondo-lhes duras condições. Contudo, poucos anos depois, o exército etrusco será de novo derrotado, na batalha de Arícia, pelos latinos e os gregos de Aristodemo.
Nos inícios do século V (em 474), numa grande batalha naval frente a Cumas, o tirano de Siracusa, Hierão (ou Gerão), inflige uma pesada derrota aos etruscos.
Na segunda metade do século V, no ano de 424, segundo Tito Lívio (IV, 37), os samnitas expulsam definitivamente os etruscos de Cápua.
No início do século III os Tusci são definitivamente vencidos pelos romanos, perdendo de facto a independência.
Eis o que diz a tradição. Vejamos agora o que dizem as outras fontes.
A maioria das inscrições e doutros vestígios arqueológicos encontra-se na Etrúria, mas muitas foram também descobertas a sul, no Lácio e na Campânia. No leste, em várias zonas da actual Úmbria, em torno de Ravena e mais para norte, sobre a costa adriática; na direcção noroeste, aparecem em grande quantidade nos arredores de Bolonha e, ainda mais a setentrião, em Placência (Placentia). Encontraram-se inscrições até na região do Lago de Como e no Brennero, já em plenos Alpes, mas estas últimas, se bem que escritas no alfabeto etrusco, contêm muitas formas indo-europeias.
Deste modo, a grande difusão territorial das inscrições confirma o que diz a tradição quanto à expansão etrusca nos séculos VII e VI.
A língua etrusca não se aparenta ao grupo indo-europeu. Não é uma língua flexiva, estando mais próxima do tipo das aglutinantes.
S. I. Kovaliov considerava muito interessante o vínculo existente entre a língua etrusca e alguns idiomas itálicos, em particular o sabino e o latino. Certas palavras latinas e sabinas apresentam características afins ao etrusco. Segundo aquele historiador, seria esse o caso, por exemplo, dos nomes terminados em «a»: Sulla, Cinna, Catilina, Perperna (o equivalente romano de Porsena). Constatava ainda afinidades entre nomes próprios etruscos e algumas denominações da mais antiga Roma. Assim, os nomes das três antigas tribos, ramnenses, ticienses, lúceras (Ramnes, Tities, Luceres) apresentarão semelhanças com nomes etruscos (rumulna, titie, luchre), e o mesmo acontece relativamente aos nomes Roma, Rómulo, etc.
Porém, também no Oriente se encontram analogias com a língua etrusca. Em 1855 foi descoberto na ilha de Lemnos um epitáfio numa língua muito semelhante ao etrusco. E existem pontos de contacto entre o etrusco e idiomas da Ásia Menor.
As primeiras figurações etruscas só aparecem em tumbas dos finais do século VIII ou inícios do VII. No entanto é possível seguir passo a passo, desde uma época mais remota na Primeira Idade do Ferro, a evolução nas sepulturas, dos chamados “pozzettos” até às luxuosas tumbas de múltiplas câmaras. Também não se verificam bruscas descontinuidades na vasilha, nos utensílios, armas e adornos depositados nos sepulcros, o que de novo advoga a favor da tese duma evolução autónoma, não perturbada por agressões estrangeiras.
Todavia a “pista oriental” também aqui se revela. É disso exemplo uma dentre as muitas tumbas descobertas em Vetulónia, na Toscana, onde se encontrou a chamada estela de Avele Feluske, que data do século VII ou VI, contendo um dos primeiros epitáfios (se não mesmo o mais antigo) em língua etrusca. Nela se representa um guerreiro com elmo metálico de longa crina e um machado duplo na mão. Ora a representação da dupla acha (assim como aquele tipo de elmo) é comum na Ásia Menor e nas zonas de civilização creto-micénica.
Há muitos argumentos a favor de uma teoria “moderada” da origem oriental: os testemunhos da tradição; as inscrições de Lemnos; as raízes asiáticas da língua etrusca; as semelhanças das tumbas etruscas com sepulturas encontradas em cavernas da Ásia Menor; os ritos de adivinhação, que recordam os costumes da Babilónia; o estilo das pinturas, semelhante ao da civilização creto-micénica e grega arcaica.
Já muito dúbias, como argumentos em prol da tese oriental, serão as referências egípcias às tribos dos turscos e sciardinos (tursci e sciardani, que se pretende ler por “etruscos e sardos”), entre os povos marítimos que atacaram o Egipto no período entre os séculos XIII e XII. Também sofrem larga contestação os poucos estudos de ADN mitocondrial efectuados na tentativa de determinar donde vieram os etruscos. Não obstante, e curiosamente, todos eles apontam para uma mesma região de proveniência: a Ásia Menor.
Diz-nos Kovaliov, certamente pensando assinalar-lhe a precedência, ter o inglês Conway defendido que, nos finais do II milénio ou nos inícios do I, na época das grandes migrações no mar Egeu, bandos de piratas lídios começaram a estabelecer-se sobre a costa ocidental da Itália, a norte do rio Tibre, submetendo o povo dos úmbrios e expandindo-se depois para norte, nordeste e sul. Todavia já os italianos reclamam, para o seu compatriota Edoardo Brizio, a primazia na fundamentação científica da tese da origem oriental dos etruscos.
A versão do também italiano Ducati é muito semelhante, seriam originários da costa da Ásia Menor e de ilhas do mar Egeu (Lemnos). Mas teriam aparecido em Itália só nos finais do século VIII, quando gregos e fenícios já haviam ocupado as costas da Itália meridional e da Sicília, apenas lhes restando para desembarque a Toscana, fértil, rica em metais e densamente povoada pelos úmbrios. Ali terão afluído em número cada vez maior até que, nos começos do século VII, surgiu a sua metrópole itálica, Tarquínios.
Os colonizadores não constituíam um povo. Terão sido grupos de guerreiros que, gradualmente, se mesclaram com a população local, à qual trouxeram novas armas, o alfabeto grego, a sua religião e idioma. A sua língua seria a “mediterrânica”, “egeia”, diversa da indo-europeia.
[A tese duma linguagem comum no Mediterrâneo, anterior à chegada dos povos indo-europeus, é uma velha quimera da linguística especulativa. Hoje essa ficção tornou-se ainda mais esdrúxula, procurando abranger um muito maior espaço territorial.
Ainda pobre em materiais recolhidos e de classificação incerta, a linguística ama as generalizações especulativas e gosta de contagiar com elas os dados da arqueologia, do folclore, da etnologia, etc.
Um outro bom exemplo de fantasmagorias generalistas da linguística, já num âmbito muito mais vasto que o mediterrânico e o europeu, configuram-no as chamadas teses nostráticas.]
Esses proto-etruscos terão desenvolvido a civilização vilanoviana segundo a cultura oriental por eles trazida. Nos finais do século VII, a Etrúria como entidade própria, “nacional”, compreendendo a região entre o Arno, o Tibre e o mar, haver-se-ia já formado.
A SOCIEDADE ETRUSCA.
Segundo Dionísio e de acordo com a própria epigrafia etrusca, chamavam a si mesmos rasenna.
A agricultura e a criação de gado formaram a base da sociedade etrusca. Há representações do arado tirado a bois, conheciam o cavalo e sabemos, por exemplo, que a lã etrusca gozou de grande nomeada. Conservaram-se vestígios de grandes obras de drenagem.
Porém, graças sobretudo à exploração das minas ricas em cobre, ferro e outros metais, a divisão e especialização do trabalho artesanal atingiu um grau assinalável. Testemunham-no os vasos, lâmpadas, candelabros, espelhos, figuras em bronze, joalharia e outros artigos e obras de arte etrusca que encontramos espalhados pelos museus de toda a Europa.
Naquela produção artesanal e também na pintura, entre outras influências culturais, há que destacar a grega. No entanto as artes etruscas apresentam muitos traços próprios e originais. Essa singularidade vai-se revelando, sempre em crescendo, da pintura aos bronzes e à joalharia, atingindo o seu clímax nos monumentos fúnebres e na arquitectura urbana.
Sempre foram conhecidos como um povo de comerciantes. Segundo as fontes literárias, o seu comércio manteve por muito tempo um carácter pirata. De acordo com Plínio o Velho, o esporão na proa das naves terá sido até de sua invenção.
Nas tumbas pré-etruscas e etruscas encontrou-se grande quantidade de objectos de importação, sendo fenícios os mais antigos. Aos fenícios sucederam-se depois nas relações comerciais os seus “herdeiros” do norte de África, os cartagineses.
No século VII os etruscos desenvolveram o seu comércio com os gregos de Cumas e de Siracusa. No século VI estabelece-se um tráfico comercial directo com Atenas, que alcançou o seu auge no século V. O volume das importações gregas, durante todo este largo período, pode ser medido pelo facto de, só na cidade de Vulci, se haverem encontrado milhares e milhares de vasos gregos, e pela presença, em geral, nas tumbas etruscas, de cerâmica grega de estilo protocoríntio, coríntio e ático.
As exportações etruscas consistiam de artesanato, cobre, ferro, cereais e outros produtos agrícolas. Provavelmente transportados em vasta escala por barcos gregos e cartagineses, e em muito menor volume pelos próprios navios tirrenos, os artigos do artesanato etrusco eram comerciados por todo o Mediterrâneo.
Pedaços de cobre fundido de peso e forma irregulares foram o primeiro meio de troca dos etruscos, mas já antes dos finais do século VI começaram a utilizar, como dinheiro, pesos padrão daquele metal. Depois surgem as moedas gregas importadas. As primeiras moedas de ouro etruscas aparecem cerca de 500, e a cunhagem de moedas de prata para a circulação inicia-se por volta de 450.
Os sinais de diferenciação social surgem cedo nos vestígios arqueológicos. Centenas de anos mais tarde, a tradição literária sublinhará a riqueza e o modo de vida luxuoso da classe dirigente etrusca.
Nos sarcófagos e nas pinturas sepulcrais os nobres etruscos figuram com muitos adornos, bem nutridos. Em algumas delas são representados na companhia de servos em atitude de cuidar dos seus senhores.
A abundância das pinturas, a habilidade artesanal revelada na construção das tumbas e os objectos de luxo nelas encontrados também confirmam a ênfase das fontes escritas gregas e romanas quanto aos gostos refinados da classe dirigente etrusca.
Regra geral, as suas cidades erguiam-se em posições alcantiladas, sendo essas defesas naturais ainda reforçadas por muralhas.
As inscrições fazem menção, no interior da própria sociedade etrusca, a classes de pessoas sujeitas à exploração económica: os “lautni”, que talvez fossem indivíduos livres, mas na dependência sócio-económica das famílias etruscas, e os “etera”, provavelmente os escravos.
Quanto aos povos dominados pela aristocracia etrusca na Etrúria, Úmbria, bacia do rio Pó, Lácio e Campânia, eles encontravam-se em diversos graus de dependência político-militar e económica: desde a obrigação de fornecer contingentes militares até à prestação de tributo e ao cumprimento de corveias na construção das muralhas das cidades e fortalezas, dos sistemas de drenagem, etc.
O sistema de imposição de corveias colectivas às comunidades era algo de estranho à Itália de então. Ao invés, no Mediterrâneo oriental, vigorava em diversas regiões, constituindo um elemento característico do que depois se denominou o modo de produção asiático.
As fortes sobrevivências do matriarcado entre a classe dirigente revelam um outro traço peculiar da sociedade etrusca. Em muitos monumentos fúnebres, junto com o falecido, é recordada a sua esposa. Por vezes até, é só a mulher que neles figura. E nas pinturas de banquetes ela é sempre representada ao lado do marido.
Segundo as fontes literárias clássicas, as mulheres etruscas tinham fama de se darem à libertinagem, mas gregos e romanos já viviam então numa sociedade patriarcal, e a sua mentalidade era a desta sociedade.
[Também estes dois elementos – corveias colectivas e relativa liberdade da mulher –, dissonantes numa sociedade assente na família patriarcal, apontam para uma origem oriental dos etruscos.]
O termo lucumãos talvez designasse a classe aristocrática ou, porventura, terá sido o título dos mais altos dirigentes, simultaneamente chefes militares e sacerdotes (a que os romanos chamavam “reis”).
[Dantes pensava-se que a palavra lars seria a designação dos chefes etruscos; hoje, porém, tende-se a considerá-la somente como um nome próprio.]
Cada cidade tinha o seu chefe. Nos séculos V e IV, na maioria das cidades, eles seriam eleitos por um período determinado; no entanto também se conhecem casos, nessa mesma época, de dirigentes investidos vitaliciamente (à semelhança de certos tiranos gregos).
Além do chefe supremo da cidade, havia diversas funções públicas de grau inferior, asseguradas por outros magistrados.
A crer em Lívio e noutras fontes clássicas, existiu, logo por volta do século VII ou VI, uma liga de 12 cidades autónomas. É também possível que se hajam formado outras alianças de cidades etruscas, na região do Pó e na Campânia.
A cada ano, na festa da Primavera, no templo de Voltumna, a maior divindade etrusca (o templo muito provavelmente localizar-se-ia no território de Volsinii, talvez nas proximidades da actual Bolsena, na Etrúria meridional), os representantes das cidades aliadas reuniam-se para discutir os seus problemas e eleger o chefe da aliança, que era também o seu grande sacerdote. Assistiam-no 12 lictores, de acordo com o número das urbes que formavam a liga.
Contudo é duvidoso que tal aliança constituísse uma efectiva força político-militar, porquanto as fontes romanas afirmam que, nos séculos V e IV, várias cidades etruscas se recusaram o auxílio mútuo, e que era frequente ver-se cada uma delas a combater por sua própria conta e risco.
Como união religiosa, a liga etrusca sobreviveu até finais do Império.
ANALOGIA ENTRE A CIVILIZAÇÃO ETRUSCA E A ROMANA.
Existem muitos elementos comuns, na vida política, nos costumes e na religião, entre os etruscos e os seus vizinhos sabinos e latinos.
O uso romano de rodear os mais altos funcionários de lictores, munidos de feixe de varas e de machado (fasces), as cadeiras de marfim dos altos magistrados (sella curulis), a toga ornada com uma faixa púrpura (toga praetexta), os jogos de gladiadores, o costume do triunfo, são de origem etrusca. É ainda provável que o costume etrusco do sacrifício de vidas humanas, tantas vezes mencionado nos textos dos escritores antigos, tenha algo a ver com a tradição romana de matar os prisioneiros após a parada triunfal.
Os etruscos, tal como os romanos, acreditavam na existência de numerosos espíritos, bons e maus. Em ambas as sociedades, as esconjurações e augúrios eram artes secretas e formavam parte do monopólio sacerdotal. São de origem etrusca a adivinhação pela observação das entranhas dos animais acabados de abater, dos fenómenos atmosféricos, do voo dos pássaros. O mesmo sucede com as cerimónias de fundação das cidades.
Alguns deuses etruscos como, por exemplo, Charun (Caronte), Aita (Ares), Hercle (Hércules), foram provavelmente tomados dos gregos. Nomes e traços característicos de outras divindades etruscas são semelhantes aos de divindades gregas e romanas. Assim, à trindade etrusca de Tinia, Uni e Menrva terá correspondido a trindade capitolina de Júpiter, Juno e Minerva. O etrusco Maris recorda o deus romano Marte. Nethuns, o deus do mar Neptuno. A deusa Vesuna, em certa medida, a romana Vesta.