O espaço da História

Capítulo V - O período dos reis segundo a tradição

A LISTA DOS SETE REIS.

 

A tradição é invariável, citando-os sempre pelos mesmos nomes e a mesma ordem. Esta invariabilidade na lista dos reis pode levar a supor que se formou muito cedo, provavelmente muito antes do século III ae, época em que lhe aparecem as primeiras referências nas fontes literárias. Acresce, a indiciar-lhe a antiguidade, que dos nomes dos seis reis que sucederam a Rómulo, só um, o de Marcius, é assinalável entre os nomes gentílicos das famílias patrícias mais influentes nos séculos V e IV ae, o que nos permite excluir a hipótese de haverem sido essas famílias a inventá-los.

Segundo Kovaliov, ao contrário do que acontece com Rómulo, os nomes dos restantes reis não se configuram como epónimos, pelo que nada teriam a ver com mitos etiológicos.

 

RÓMULO.

 

Além da criação do povoado no Palatino, atribuiu-se a Rómulo a constituição de um senado com 100 “pais”. Teria sido ainda ele a estabelecer os símbolos da autoridade suprema, os 12 lictores. Sempre segundo a tradição, dividiu o povo em 30 cúrias, designando-as com os nomes das mulheres sabinas, fundou as 3 tribos, Ramnes, Tities, Luceres, e instituiu um refúgio para os fugitivos (asylum), procurando assim aumentar a população da cidade.

Durante o seu reinado ter-se-ia dado a fusão com a comunidade sabina, acontecimento que nos é transmitido pela lenda das sabinas.

 

Necessitando os romanos de mulheres, Rómulo organiza uma grande festa e convida os vizinhos. Entre os visitantes estão os sabinos, que trouxeram as esposas e as filhas. No desenrolar da festa, inesperadamente, a juventude romana captura as raparigas. Os pais fogem para as suas aldeias, estupefactos e ofendidos pela grave violação dos romanos às leis da hospitalidade. Dali nasceu uma áspera querela com os sabinos do rei Tito Tácio. Porém, na batalha decisiva, as mulheres sabinas interpuseram-se entre as duas hostes, pacificando os adversários. Os sabinos juntaram-se aos romanos num Estado único, com Tito Tácio e Rómulo no poder. À morte de Tito o poder passou a Rómulo.

 

A tradição apresenta duas versões para o desaparecimento de Rómulo: a de que ascendeu ainda em vida aos céus; e a bem mais prosaica de que o haveriam assassinado os senadores.

 

NUMA POMPÍLIO.

 

Diz a tradição que era um sabino da cidade de Cures. Após a morte de Rómulo é eleito pelo senado, devido ao seu sentido de justiça. Atribui-se-lhe a organização religiosa romana, com a criação dos colégios sacerdotais, do calendário, etc.

O nome Pompílio parece ser de facto sabino. E a tradição conta que, chegado a Roma, se estabelece primeiro no Quirinal, fazendo construir depois para si um palácio na colina de Vélia.

 

TULO HOSTÍLIO E ANCO MÁRCIO.

 

Tulo distinguiu-se como guerreiro e destruiu Albalonga, transferindo-lhe a população a Roma. Deu-lhes o direito de cidade e nomeou senadores os seus notáveis. Terá também combatido contra Fidena e Veii (Veios) e os sabinos.

A destruição de Albalonga é um facto histórico, mas a tradição apresenta-a misturada com episódios lendários, como o da luta entre Horácios e Curiáceos, o do cruel castigo do traidor Mécio Fuffécio, etc.

Facto histórico é também a construção do palácio do senado chamado de “Cúria de Hostílio”, edifício que efectivamente existiu em Roma, sendo considerado um dos mais antigos.

 

Anco seria neto de Numa, portanto, também sabino. Teria continuado a acção do avô no campo da organização religiosa da cidade e travado numerosas guerras.

Muitos dos episódios atribuídos a Anco são de datas posteriores: o translado dos habitantes de cidades latinas para o Aventino, a união à cidade do Janículo (colina da margem direita do Tibre), com a sua inclusão intramuros, a construção do porto de Óstia, etc.

 

Porém, em traços gerais, a expansão nessa época de Roma em direcção ao mar e sobre a margem etrusca do Tibre é um facto histórico.

 

TARQUÍNIO PRISCO.

(Prisco = “o Antigo”)

 

Diz a tradição que, no reinado de Anco Márcio, chegou a Roma, proveniente da cidade de Tarquínios, um homem rico e enérgico chamado Lucmon (Lucumão), filho do coríntio Demarato. Estabelecendo-se em Roma, tomou o nome de Lúcio Tarquínio. Rico e de carácter simpático, à morte de Anco é eleito rei.

Tarquínio empreendeu guerras vitoriosas contra os vizinhos, aumentou de 100 o número dos senadores, instituiu jogos públicos e iniciou a drenagem das zonas pantanosas da cidade, mandando para tal construir canais.

 

A tradição põe em evidência a origem etrusca do quinto rei de Roma e diz que o sétimo rei, Lúcio Tarquínio o Soberbo, era filho de Prisco.

Encontraram-se inscrições que confirmam a origem etrusca da estirpe dos Tarquínios. Na chamada “tumba François”, em Vulci (Etrúria), ao lado de uma das figuras gravadas na parede, pode ler-se: «Cneve Tarchunies Rumach» (Gneu Tarquínio de Roma). Em Cere (Caere, também cidade da Etrúria meridional), encontrou-se uma rica tumba da família dos Tarquínios. Ora, segundo Tito Lívio (I, 60), foi em Cere que se refugiou Tarquínio o Soberbo, após a sua expulsão de Roma.

Somando a isto as numerosas influências etruscas no idioma, nos costumes, na organização política e religiosa dos romanos, a grande expansão etrusca no Lácio e na Campânia (Túsculo, Cápua) e a existência em Roma de um bairro etrusco (tuscus vicus), a maioria dos historiadores contemporâneos aceita a hipótese de Roma haver sido conquistada pelos etruscos na segunda metade do período dos reis, que ali terão imposto uma dinastia própria.

 

No entanto, não é provável que o bairro etrusco de Roma tenha sido extenso, dado que não se encontraram restos de sepulturas etruscas. Por outro lado, o facto de ali haver uma colónia etrusca não significa que eles dominassem a cidade. Se os etruscos se houvessem apoderado de Roma por largo tempo, não teriam sido considerados como estrangeiros pertencentes a uma colónia própria. Ora é assim que a tradição os descreve, como uma colónia de estrangeiros. Acresce que, segundo a lenda, Tarquínio Prisco veio a Roma pacificamente.

 

SÉRVIO TÚLIO.

 

Seria filho de uma mulher nobre da cidade latina de Cornícolo (Corniculum). Caído prisioneiro dos romanos ainda em criança, foi criado no palácio de Tarquínio, tendo sabido ganhar a estima dos cortesãos, dos senadores e do povo. Casou-se com a filha de Tarquínio.

Tarquínio é morto pelos filhos de Anco Márcio e Sérvio toma o poder, com a ajuda da viúva do rei e a aprovação do senado. Esta é a tradição comum.

Mas há uma variante, a do Imperador Cláudio, exposta num discurso perante o senado (século I da era). Segundo ele, os autores etruscos afirmavam que Sérvio Túlio era Mastarna, um aventureiro etrusco expulso da Etrúria que se estabeleceu em Roma, ali chegando a ser rei, depois de haver mudado o seu nome.

 

Em todo o caso, a tradição atribui a Sérvio Túlio acontecimentos de uma tal importância, e tão concretos, que é difícil considerá-los como imaginários. É o caso da célebre reforma do censo. Nem tudo será verdade, mas os traços gerais da sua descrição produzem a impressão dela haver sido bem real.

E é de assinalar que a memória deste rei se manteve muito viva, sobretudo entre os plebeus, que celebravam todos os meses uma festa em sua honra.

 

TARQUÍNIO O SOBERBO.

 

O filho de Tarquínio Prisco conquistou o poder pela força, após matar o sogro (era casado com a filha de Sérvio Túlio). O seu governo foi de carácter despótico; não atendia aos conselhos do senado e recorreu à repressão. Após a sua deposição, os etruscos haveriam tentado repô-lo no trono.