Capítulo X - A conquista da Itália
A POLÍTICA EXTERIOR DE ROMA NO PERÍODO ANTIGO
A POLÍTICA EXTERIOR NO PERÍODO DOS REIS.
Também nesta matéria, só nos é possível tentar reconstruir as linhas mais gerais dos acontecimentos. E também aqui muito do que a tradição afirma se revela falso.
No antigo Lácio, no século VII, existiam algumas federações de povos latinos. Uma dessas federações formara-se em torno de Albalonga.
Todos os indícios apontam para que Roma haja feito parte da federação albana. Roma terá “herdado” de Albalonga a “festa latina”, celebrada a cada ano junto ao santuário de Júpiter.
Apenas podemos supor que a federação albana terá sido de um tipo primitivo e que Roma não haja tido nela qualquer função dirigente. Não se sabe o que aconteceu à federação albana após a destruição de Albalonga, se lhe sobreviveu ou não.
A tradição refere nesta época dos reis três guerras: contra os latinos, os sabinos e os etruscos. Mas sobre isso não possuímos qualquer prova.
Um facto é evidente: a tendência de expansão de Roma em direcção à desembocadura do Tibre, tratando de apoderar-se das salinas. É bem possível, pois, que a guerra com os etruscos se tenha de facto dado.
A partir dos Tarquínios, a luta entre Roma e a Etrúria meridional deve ter-se acentuado. Há no entanto que “descontar” os exageros da tradição. Por exemplo, quando afirma que Roma submeteu doze cidades etruscas nos tempos dos Tarquínios e de Sérvio Túlio.
Também então terá havido um forte reforço da influência de Roma no Lácio, com a submissão de muitas comunidades latinas aos representantes da “dinastia etrusca”. É o que leva a crer o tratado de 508 com Cartago.
A derrota dos etruscos em Aricia, nos finais do século VI, além de haver levado à queda do domínio etrusco em Roma, tornou possível a independência de uma grande parte do Lácio. Oito comunidades latinas, Tusculum, Aricia (Arícia), Ardea (Árdea), Lanuvium (Lanúvio), Laurentum (Laurento), Cora, Pometia (Pomécia) e Tibur (Tivoli) formam uma nova federação (ou talvez se tratasse de uma das velhas federações latinas, que é então reforçada). Dirigida por Túsculo, tinha o seu centro religioso no templo de Diana, nos arredores de Aricia.
A POLÍTICA EXTERIOR DE ROMA NO PRIMEIRO SÉCULO DA REPÚBLICA (SÉCULO V). A ALIANÇA COM OS LATINOS.
A influência sobre o Lácio, conquistada no final do período dos reis, fora completamente perdida. Roma estava agora muito debilitada, o que foi aproveitado pelos volscos, cujo território limitava pelo sudeste com o dos latinos.
Descendo das suas montanhas, os volscos ocupam a região meridional do Lácio. E é bem possível que as suas correrias e razias se hajam estendido até Roma. É o que leva a supor a lenda de Coriolano, se bem que as datas apontadas pela tradição sejam inverosímeis.
Os équos entram em aliança com os volscos, fazendo o perigo aumentar. Romanos e latinos são assim levados a concluírem um tratado de aliança em 493, ao que parece, por iniciativa do cônsul desse ano, Espúrio Cássio.
(A guerra entre romanos e latinos, concluída com a semi-lendária batalha do Lago Regillus, em 499 ou em 496, teria precedido este tratado.)
O texto do tratado encontra-se em Dionísio de Halicarnasso (VI, 95): «Entre os romanos e todas as cidades latinas federadas que reine uma paz secular enquanto existam o céu e a terra. Eles não combaterão entre si nem chamarão à guerra, desde o exterior, e não deixarão passar livremente através do seu território nenhum inimigo. Se um dos aliados for agredido, os outros ajudá-lo-ão com todas as forças e terão direito a uma parte igual no despojo. Os desacordos particulares serão solucionados no prazo de dez dias nas comunidades onde surgirem. A este tratado não se pode acrescentar nada nem subtrair nada que não se faça de comum acordo entre todas as partes».
Em 486 os hérnicos juntam-se à aliança. Eram um povo de origem latina, que vivia entre os territórios dos équos e dos volscos, no vale do rio Trerus (o actual rio Sacco).
Esta tríplice aliança militar regia-se por uma completa igualdade das partes. Segundo o tratado, o despojo era dividido em duas partes iguais. Com a entrada dos hérnicos na aliança, estabelece-se que o despojo passe a ser dividido em três partes equivalentes.
As comunidades latinas não entraram isoladamente na aliança, mas como complexo federado. É evidente que se tratou da federação de Tusculum (há quem lhe chame “federação ariciana”), então reduzida a seis comunidades, dado que os volscos haviam conquistado Cora e Pometia.
A GUERRA CONTRA VEIOS (VEII).
A aliança afastou momentaneamente as ameaças vindas de leste e de sudeste, permitindo a Roma concentrar forças na fronteira setentrional.
A tradição refere uma constante luta com os etruscos, que teria começado, segundo ela, já no tempo de Rómulo.
O principal adversário de Roma foi a grande cidade-estado de Veios, situada 18 km a norte de Roma. Entre as duas cidades a guerra não terá cessado nem sequer com a queda do domínio etrusco no Lácio. Lutavam pela posse das salinas da foz do Tibre e pelos pontos-chave nas margens do Tibre: o Janículo, sobre a margem direita (a margem etrusca), e a cidade de Fidena, a 9 km de Roma, junto ao Ânio (Anien; actual Aniene).
Os sucessos que a tradição refere ao ano de 477, na época da chamada primeira guerra com Veios, têm um carácter semi-lendário.
Quase toda a estirpe dos Fábios, contando 306 homens (só um jovenzito ficou em casa), marchou sobre Veios, acompanhada por um grande número dos seus clientes. Sobre o Crémera (Cremera), um pequeno afluente do Tibre, caiem numa emboscada e são aniquilados.
Neste episódio da tradição há um facto a destacar: o carácter particular das acções de guerra de então. Neste caso, a acção terá sido conduzida com as forças de uma única gens.
A primeira guerra com Veios terá terminado em 474, com a conclusão de um armistício por 40 anos.
Na segunda guerra com Veios, que terá começado por volta de 430, a luta travou-se em torno de Fidena.
Em 428, o cônsul A. Cornélio Cosso mata em duelo o rei de Veios, oferecendo ao templo de Júpiter a armadura do vencido. Dizem as fontes que essa armadura ainda existiria no tempo de Augusto.
Em 426 é concluído entre Roma e Veios um novo armistício, por 20 anos. A cidade de Fidena terá passado definitivamente ao domínio romano.
A terceira guerra com Veios, que terá decorrido de 406 a 396, tomou a forma de um longo cerco de dez anos. Por fim Veios é conquistada, graças a um estratagema de Marco Fúrio Camilo, então ditador.
Os habitantes de Veios são reduzidos à escravidão e um extenso território na margem direita do Tibre, acompanhando o rio até à sua foz, torna-se romano.
O cerco de dez anos a Veios parece haver-se inspirado na lenda de Tróia.
Bem mais digna de crédito é a notícia de haver sido introduzido nesta época o pagamento do soldo às tropas. Até então, já o sabemos, o serviço militar era prestado a título gratuito. O prolongamento das operações militares em território inimigo e a longa permanência dos soldados sob as muralhas da cidade assediada terão tornado inevitável tal medida.
Este foi o primeiro passo no processo que transformou a milícia irregular de uma pequena cidade-estado num exército permanente de grande potência territorial.
Só as cidades de Capena e de Falerii (Falérios), situadas a norte de Veios, a apoiaram activamente na luta contra os romanos.
Após a queda de Veios, os romanos marcharam contra estas cidades. No ano de 395, Capena e Falerii são forçadas a reconhecer o domínio de Roma. Por volta de 390, são submetidas as cidades etruscas de Sútrio (Sutrium), Népete (Nepi), e Volsinii, cidade santa dos etruscos, também terá sido obrigada a reconhecer a supremacia romana.
A GUERRA CONTRA OS VOLSCOS, OS ÉQUOS E OS SABINOS.
Contemporaneamente à guerra com Veios, continuaram os recontros com estes três povos. Foram lutas de fronteira, de carácter secundário, a que a tradição exagerou a importância.
A LEGENDA DE CINCINATO.
Conta Lívio (III, 26) que durante uma difícil luta contra os équos e os sabinos, em 458, o senado nomeou ditador Lúcio Quíncio Cincinato. Os enviados encontraram-no a lavrar as suas quatro jugera. Limpando o pó e o suor e colocando a toga que a esposa lhe trouxera, recebeu os mensageiros. De imediato se dirigiu a Roma, bem depressa derrotando os inimigos. Após haver ocupado por apenas dezasseis dias aquelas funções, Cincinato abandona o cargo, regressando às suas quatro jugera.
A INVASÃO DOS GALOS.
Durante a invasão, parte considerável da Itália é saqueada e a cidade de Roma em grande parte destruída.
Os gauleses terão forçado os passos alpinos pelos finais do século V, espalhando-se em vagas sucessivas pela Itália setentrional, então habitada por lígures e etruscos. Terão em parte destruído, em parte expulso para as regiões montanhosas dos Alpes e dos Apeninos e em parte assimilado a população local.
Ao longo da costa do Adriático, a tribo gaulesa dos sénones ocupou o território até à Úmbria setentrional. Só o território dos vénetos, a norte do curso inferior do Pó, escapou à invasão.
Por volta do ano de 390, uma tribo gaulesa (ou uma coligação de tribos) com algumas dezenas de milhares de homens, ao mando de Breno, surge na Etrúria central e põe sítio à cidade de Clúsio (Clusium; actual região de Chiusi). Não se conhece o nome desta tribo. Clusium haveria pedido ajuda a Roma.
Há muitos historiadores que consideram ser o mencionado pedido de auxílio aos romanos uma invenção dos últimos analistas, dado que Roma não teria então qualquer interesse na Etrúria central.
O governo romano terá enviado aos gauleses uma embaixada composta por três membros da estirpe dos Fábios. Mas estes rompem a sua neutralidade, tomando parte na luta ao lado dos habitantes de Clusium. Um dos Fábios haveria até morto um chefe gaulês.
Irritados, os galos rompem as negociações e exigem de Roma a entrega dos Fábios. O governo romano, sob pressão da nobreza, recusa-se a fazê-lo (e no ano seguinte os Fábios serão eleitos tribunos militares).
Os celtas levantam o cerco a Clusium e marcham sobre Roma. Armados de grandes escudos e longas espadas, soltando gritos selvagens que infundiam pavor, desbaratam numa única batalha o exército romano, a 18 de Julho de 390, nas margens do Ália (Allia), um pequeno afluente da margem esquerda do Tibre, num local não longe de Fidena.
Lívio fixa a batalha no ano de 390. Políbio e Diodoro dizem que terá sido em 387. Quanto ao dia, sabemos que o 18 de Julho (dies alliensis) era em Roma um dia de luto popular.
O exército dispersou-se pelas cercanias. A maior parte da população romana tratou de buscar refúgio nas cidades vizinhas, levando consigo os objectos de maior valor. Só uma pequena parte do exército, conduzida por jovens membros do senado, se fortificou no Capitólio.
Os galos terão aparecido na cidade já no dia seguinte à batalha (numa outra versão da tradição, três dias depois). A cidade foi saqueada e incendiada, os habitantes que haviam ficado, massacrados. O Capitólio é sitiado.
A legenda de Marco Mânlio:
Uma noite, um grupo de gauleses escala silenciosamente a escarpa. Nem a sentinela nem os cães dão pela sua presença. Só as gansas sagradas da deusa Juno se agitam. O seu barulho faz despertar o cônsul Marco Mânlio. Este acorre à escarpa a tempo de lançar no abismo o primeiro gaulês a atingir o cimo. As sentinelas acodem em ajuda de Mânlio e todos os gauleses sofreram a mesma sorte.
Marco converte-se em herói popular, recebendo o sobrenome de Capitolino.
O sítio do Capitólio prolongou-se por sete meses. A canícula favoreceu a eclosão de enfermidades entre os bárbaros e chegam-lhes notícias de um ataque dos vénetos aos seus territórios. É então pactuado que os gauleses, contra a entrega de 1.000 libras de ouro, abandonariam o território de Roma.
(a libra romana correspondia a 327 gramas. Mil libras eram para aquela época uma soma excessiva. Tratar-se-á provavelmente de um exagero dos últimos analistas).
Havendo partido os gauleses com o resgate, são atacados durante a marcha pelo exército romano, que entretanto se recompusera. Na batalha, comandados por M. Fúrio Camilo, os romanos conseguem provocar algumas perdas aos gauleses.
Segundo a lenda tradicional “patriótica”, surgida já em época bem posterior, quando se procedia à pesagem do ouro, os representantes dos romanos reclamaram dos pesos usados pelos gauleses. Em resposta aos seus protestos, Brennus atirou a sua pesada espada para o prato da balança, exclamando: “Ai dos vencidos!” (Vae victis!). E é precisamente nesse momento que chega Camilo, que derrota por completo os gauleses e recupera o ouro...
Houve depois mais arremetidas gaulesas no Lácio e na Itália meridional. A partir de 330 as incursões celtas cessam. Até à terceira guerra samnítica, a “frente” gaulesa deixará de ser uma preocupação para os romanos.
CONSEQUÊNCIAS DA INVASÃO.
As velhas muralhas dos tempos dos reis, arruinadas já antes do ataque dos gauleses, deram lugar a novas. Ainda hoje se conservam os restos dessas fortificações de meados do século IV.
Camilo deu o seu nome a toda a reforma militar, mas esta excedeu largamente os limites de uma vida humana e mesmo os de toda uma época. A “reforma militar de Camilo” foi o produto do desenvolvimento da arte militar romana durante quase todo o decurso do século IV.
É modificada a disposição dos combatentes nas legiões. Em lugar das antigas categorias fixadas pelo censo (na primeira fila os mais ricos e melhor armados, na segunda, os menos ricos, etc.), é introduzido um novo princípio de subdivisão, segundo a idade e o grau de instrução militar. A infantaria pesada era disposta sobre três linhas: na primeira linha os jovens (hastati); na segunda linha, os soldados mais maduros (principes); na terceira, como reserva, os veteranos (triarii).
Na infantaria ligeira, recrutada entre as classes mais baixas, manteve-se o princípio de organização com base no censo.
É criado o manípulo, como pequena unidade táctica. Composta por 30 manípulos, a legião adquire maior rapidez e poder de manobra.
Moderniza-se o armamento ofensivo e defensivo. O velho elmo de couro é substituído pelo de metal, os escudos e os venábulos (introdução do pilum) são melhorados.
As reformas militares foram-se sucedendo até aos finais do século IV.
Com a invasão gaulesa a posição de Roma voltou a debilitar-se. Todos os velhos inimigos, etruscos, équos, volscos, de novo erguem a cabeça. Até aliados, os hérnicos e algumas cidades latinas, procuram libertar-se da hegemonia romana. A luta de Roma para restaurar a sua posição durará 50 anos.
A força das armas e a reforma militar foram um dos meios da luta, com o governo romano a também se socorrer de medidas políticas.
A fundação de colónias nos territórios inimigos e nas regiões recentemente anexadas revelou-se um poderoso meio de domínio. Eram formadas por cidadãos romanos e, nalguns casos, também com elementos da liga latina. Estas últimas eram chamadas “colónias latinas”.
Na primeira metade do século IV fundaram-se quatro “colónias latinas” em território etrusco e volsco. Na Etrúria meridional, Sutri (Sútrio) e Nepi, em 383. Em território dos volscos, Sátrico (Satricum) em 385 e Sétia (Setia) em 382.
(Já eram anteriormente “colónias latinas”, mas no Lácio: Velitras (Velitrae), Sígnia (Signia), Norba, desde cerca de 495; Ardea desde 442. As cartas assinalam ainda Circeios (Circeii), no extremo sul do Lácio, muito próximo de Tarracina, como colónia latina desde 393.
Há cartas que referem ainda: Lábico (Labicum), entre Túsculo e Preneste, desde 418 e Vitélia (Vitellia), próxima da fronteira com o território de Preneste, colónia desde 395.
Mostrou-se de uma enorme eficácia a política de concessão do direito de cidade romana às comunidades submetidas ou aliadas. Essa política visava manter divididas as diversas cidades-estado itálicas. Foi aplicada pela primeira vez em 381, quando Tusculum, a cidade que encabeçava a federação de Aricia, recebeu o direito de “município”, ou seja, o pleno direito de cidade romana. Os tusculanos, tornados cidadãos romanos, abandonavam de facto a liga latina, debilitando-a consideravelmente. Logo Roma aplicaria medidas análogas a todos os seus ex aliados.
Mas a guerra foi a principal arma na luta pela hegemonia no Lácio e territórios adjacentes.
Os etruscos foram os primeiros a revoltarem-se. Fidena subleva-se. Os romanos ocupam-na e metem-na a saque.
Em 389 um exército etrusco põe cerco a Sutri. A cidade havia pedido ajuda aos romanos, mas teve de render-se. Por fim Camilo acorre, derrota os etruscos e devolve Sutri aos seus habitantes.
Em 388 é Roma que toma a ofensiva contra o seu inimigo principal, a cidade de Tarquínios (Tarquinii). Os romanos ocupam-lhe dois pontos-chave no seu território.
Em 387 a Etrúria meridional é unida ao território romano, com a constituição de quatro novas tribos.
As cidades da Etrúria central respondem com uma nova ofensiva, dirigida desde Tarquínios. Em 386 os etruscos assaltam Sutri (Sutrium) e Nepi (Nepete). Graças ao partido anti-romano da cidade, logram tomar Nepi. Sutri esteve também a ponto de cair, com uma parte da cidade já ocupada pelos etruscos, mas os romanos derrotam-nos e expulsam-nos. Recuperada também Nepi, os seus revoltosos são executados. Como já vimos, em 383 são fundadas duas colónias nestas cidades.
A paz entre Tarquinii e os romanos durou 25 anos. Em 358 os etruscos passam à ofensiva, invadindo e devastando território romano. O cônsul C. Fábio é derrotado e 307 prisioneiros romanos, segundo o costume etrusco, são sacrificados aos deuses.
No ano seguinte Tarquínios conclui uma aliança com a cidade de Falerii, o centro da tribo dos faliscos (Falisci), um povo de origem latina. É apoiada na luta por toda a federação etrusca.
C. Márcio Rútilo, o primeiro ditador plebeu, derrota e expulsa os etruscos do território romano.
Em 355 os romanos devastam o território de Tarquínios, massacram grande quantidade de etruscos e levam para Roma trezentos e quarenta e oito dos seus “notáveis”, que são flagelados e executados publicamente no forum.
Também a cidade de Cere, antiga aliada de Roma (onde parte da população de Roma se refugiara aquando da invasão celta), se coligou com Tarquínios. Caere é submetida, sendo-lhe imposto um armistício de 100 anos.
No ano de 351 dá-se a ofensiva decisiva. Um dos exércitos consulares irrompe no território de Tarquinii, o outro saqueia a região de Falerii. Os etruscos solicitam a paz ao senado. É celebrado um armistício de 40 anos.
Ao fim de cerca de 40 anos, Roma não só restaurara o seu domínio sobre a Etrúria meridional como o ampliara consideravelmente.
Em 389 Camilo derrotara os Aequi em Bola (Bolae), conquistando esta cidade. Em 388 toda a região é devastada.
Os Hernici haviam-se coligado com os latinos e os volscos. Em 386 e 385, os romanos derrotam essa coligação por duas vezes. Depois disso os hérnicos permanecerão em paz com Roma durante mais de 20 anos.
Em 360 os romanos tomam a ofensiva. Nos primeiros recontros, um cônsul romano e todo o seu exército caem numa emboscada. O cônsul é morto. Mas depressa os romanos desbaratarão os hérnicos, ocupando uma das suas cidades mais importantes, Ferentinum (actual Ferentino). Os hérnicos serão ainda derrotados em mais duas batalhas.
Em 358 os Hernici solicitam a paz e são admitidos de novo na aliança com Roma, em condições bem mais desfavoráveis do que as de 486.
Os Volsci foram nesta época o inimigo mais encarniçado e perigoso. A crer na tradição, a guerra com os volscos prolongou-se, se bem que com intervalos, durante cinquenta anos, de 389 a 338.
Dirigiram a luta contra os romanos as cidades de Âncio (Antium; actual Anzio) e de Satricum, apoiadas pela colónia latina de Velitrae (actual Velletri).
Já em 389 os volscos haviam passado à ofensiva, penetrando até Lanuvium, quase no centro do Lácio. Camilo derrota-os e devasta-lhes os campos.
Em 386 os volscos aliam-se com os latinos e os hérnicos. Camilo vence-os perto de Satricum, que toma por assalto. Preparava-se para cercar Antium quando é desencadeada a ofensiva etrusca.
Em 385, apoiados pelos latinos e os hérnicos, os volscos iniciam nova campanha e de novo são derrotados. É então formada em Satricum uma colónia com 2.000 romanos. Três anos mais tarde, os volscos e os latinos de Praeneste tomam-na. No ano seguinte é reconquistada por Camilo.
Em 379 os volscos assaltam o acampamento romano e ocupam-no, graças à inexperiência dos comandantes, dois tribunos militares. O exército romano a custo escapa à destruição completa.
No ano seguinte, dois exércitos romanos lançam uma ofensiva paralela, um ao longo da costa, em direcção a Antium, o outro pelo interior do país. O país volsco é implacavelmente devastado e saqueado.
Em 377 os volscos de novo atacam em Satricum, mas são rechaçados até Antium. Por fim, exaustos, os combatentes de Antium decidem render-se. Os seus aliados latinos, que queriam prosseguir a guerra, retiram para as suas regiões, e os de Antium submetem-se aos romanos.
Em 358 os romanos estabelecem-se solidamente na planura pontina (o Agro Pontino actual), no sul do Lácio, ali formando duas novas tribos. Os Volsci, inermes, não puderam impedir a penetração em profundidade do seu território.
Em 348 lançam-se na derradeira tentativa de defender a sua independência. A guerra prolongou-se até 338, quando se dá a queda de Antium e a completa submissão dos Volsci.
No Lácio, a invasão gaulesa provocara a dissolução da velha liga de 493. As polis latinas mais fortes, Tibur e Praeneste, tratam de formar a sua própria aliança, com o apoio da colónia latina de Velitrae. Mas a maioria dos antigos aliados, Tusculum, Ardea, Aricia, Lanuvium, Lavinium (Lavínio), Cora, Norba e outras cidades, permaneceu fiel a Roma.
A guerra entre Roma e as cidades latinas “separatistas” durou mais de 30 anos.
Já vimos o que aconteceu com os latinos e os seus aliados hérnicos e volscos. Após 377, desesperando de vencer os romanos com as próprias forças, os latinos celebram uma aliança com os gauleses, que haviam feito a sua reaparição no Lácio.
Em 360, o ditador Quintus Servilius Ahala derrota os gauleses numa sangrenta batalha junto aos muros de Roma. Os derrotados refugiam-se em Tibur. Esta batalha decidiu a sorte do Lácio.
Em 358 os latinos rebeldes são obrigados a aceitar o “velho tratado de 493”. A aliança alargar-se-á a parte considerável do Lácio nos anos seguintes (tratar-se-ia de um novo acordo, pelo menos no que respeita às comunidades do Lácio meridional).
Mas é pouco provável que o tratado de 358 tenha sido uma mera reprodução do documento de 493, apesar de Lívio (VI, 12), a nossa única fonte a este respeito (numa breve referência), afirmar que foi renovado o antigo tratado.
Em meados do século IV, Roma era o maior Estado da Itália central, ocupando com os seus aliados um território de mais de 5.000 km2 (Diakov diz «quase 6.000 km2»).
(Deitemos uma “olhadela” ao que diz Diakov sobre este período:)
Os celtas haviam povoado toda a Europa ocidental e central até ao curso médio do Danúbio. Mais tarde atingirão mesmo o seu curso inferior.
Diz Lívio, a propósito da invasão gaulesa: «Um inimigo nunca visto e de que nunca se ouvira falar avançava, das margens do oceano e dos últimos limites do mundo».
O termo “Breno” poderia não ser um nome próprio, mas uma designação celta para “chefe” ou um nome derivado desse termo.
AS REFORMAS MILITARES DOS SÉCULOS V E IV.
Os patrícios haviam convertido em bens de família hereditários os lotes de terra outrora concedidos pela gens.
Nos territórios das novas tribos, ao longo da margem direita do Tibre e para sul, até aos montes Albanos e nos pântanos pontinos, instalam-se colonos para cultivar a terra. Com um labor tenaz, irão secar os terrenos pantanosos, transformando o Lácio num fértil região que se irá manter até ao final da Idade Média.
Segundo a tradição, os “pais senadores” amanhavam as próprias terras, abriam os canais de drenagem e executavam todo o género de labores. Um positivismo terra a terra e um espírito laborioso e prático: eis os traços ancestrais e as virtudes próprias do povo romano na Antiguidade.
É então que o exército romano cria «o sistema mais aperfeiçoado de táctica de infantaria de toda a época em que era desconhecido o uso da pólvora» (Engels, “Army”, in “The New American Cyclopaedia”, 1858).
O núcleo do exército passa a ser formado por 4 legiões, de modo a poder conduzir operações simultâneas em diferentes regiões.
Cada legião dispunha, em linha de batalha, de um efectivo de 4.200 homens (1.200 deles ligeiramente armados), sem contar com os cavaleiros e os elementos extra-fileiras;.
A cada legião era agregado um contingente com um número idêntico de homens de tropas aliadas, mas dispondo geralmente do dobro de cavaleiros.
A guerra desenrolava-se com frequência em terreno montanhoso e acidentado, contra um adversário muito versátil. A legião foi por isso dividida em pequenas unidades de acção independente: os manípulos.
Havia 30 em cada legião, cada um composto por duas centúrias. Cada manípulo tinha a sua trombeta e o seu porta-estandarte.
A legião transforma-se assim num corpo muito articulado e complexo de pequenas unidades de combate, agindo com autonomia no plano geral de batalha. Não formava um único corpo, como a falange grega, mas dispunha-se em “tabuleiro”, com um certo intervalo entre os manípulos (uma distância correspondente ao comprimento da frente de um manípulo).
Atrás da primeira linha de dez manípulos, formava a segunda, com outros dez, nos intervalos dos manípulos da primeira. Estas forças travavam batalha progressivamente, com o choque esmagador das tropas frescas (os triarii; outros dez manípulos) a dar o golpe de misericórdia num inimigo já enfraquecido e esgotado pela luta com as duas primeiras linhas.
Dada a escassez de metal à época, as armas defensivas são então fabricadas com couro não curtido, espesso e resistente, reduzindo-se as peças metálicas ao estritamente necessário. Isso concorreu para uma maior mobilidade das tropas: mais aptas agora a longas marchas e a incursões na retaguarda do inimigo.
Surge o pilum, simultaneamente virote e lança, arma de arremesso e de contusão, e também a espada curta, de 60 a 75 cm (contando com o punho), de dois gumes e de ponta de aço temperado, permitindo acometer de talhe e de ponta.
Fixa-se definitivamente a técnica de construção de fortificações de campanha: o acampamento rodeado por fosso e por paliçada (vallum).
Todas as infracções à disciplina e aos deveres militares eram rigorosamente punidas. Os actos de bravura eram louvados em alocuções perante as tropas reunidas. Presentes valiosos e insígnias de distinção recompensavam os melhores.
A REPÚBLICA MILITAR E PATRÍCIA DOS INÍCIOS DO SÉCULO V.
É levada a cabo uma completa reorganização da máquina governativa, militarizando-a.
O governo torna-se “coisa do povo” (res publica). Mas nesta época o povo é o povo armado, é o exercitus dos romanos.
No início, os comitia centuriata eram convocados duas vezes por ano, na Primavera e no Outono. O chefe que convocava os comícios encerrava a sua alocução formulando ao exército a rogatio «quereis vós cidadãos, ordenais vós? (quirites?)»
Do mesmo modo o chefe recomendava à assembleia aqueles que deviam exercer o mando. Após a sua alocução, era dada a ordem de se entrar de imediato na votação, sem mais nenhum discurso. Nenhum debate era admitido.
As primeiras 18 centúrias a votar eram chamadas “prerrogativas” (praerogativa).
Praetor tem por étimo praeeo (prae eo) = ir à frente. Originariamente, os pretores eram os generais comandantes do exército, sendo igualmente investidos de poderes ilimitados na ordem civil.
Castigavam as violações ao “édito do pretor”, o decreto que promulgavam ao entrarem em funções. Se a sentença era de morte, os lictores executavam-na imediatamente, in loco, sendo o culpado vergastado com as varas de olmo ou bétula e decapitado a machado.
(Esta “coisa” do “édito do pretor” no início da República é “capaz” de ser imaginação de Diakov. Ele “projecta” no passado instituições que apenas conhecemos posteriormente.)
Só diante do povo reunido em comício os lictores inclinavam os fasces, em sinal de reconhecimento da soberania do povo e da origem popular dos poderes do pretor.
(É: fascismo vem mesmo de fascio, fasces. Mas trata-se apenas de um “amor” fetichista. Os “fascios” do século XX não se inclinavam perante o povo.)
Com o tempo, cada um dos pretores ganhou o direito de intercessio nas decisões do outro, o que os obrigava a entrar em acordo prévio. E como eram obrigados a conferenciar entre si (consilium), começaram a ser designados por consules, título que foi progressivamente suplantando o anterior, praetor.
(E eis uma outra explicação, bem mais prosaica e genérica do que a de Kovaliov, para o consulado.)
Os questores começam a ser eleitos a partir da segunda metade do século V. Em 421 passam a ser em número de quatro.
Nenhum reembolso, nenhum pagamento em dinheiro, nem mesmo aos cônsules, podia ser feito sem passar pelos questores. As suas atribuições alargaram-se à percepção de tributos e impostos, das multas e emolumentos, à cunhagem da moeda, etc.
Em caso de perigo, a autoridade absoluta da antiga magistratura militar era restaurada (tese polémica), com a nomeação do ditador (o autokratés dos gregos). O costume exigia que o ditador depusesse voluntariamente os poderes quando cessassem os motivos que haviam levado à sua investidura.
Ao senado, para o preenchimento das vagas, passaram a ser chamados os antigos magistrados militares. Só esses senadores “consulares”, “pretorianos”, “questorianos”, possuirão o direito de discursar e o direito de propor medidas. Os outros, por troça, devido à forma como votavam, eram chamados “a infantaria”.
A república romana, desde os seus inícios, foi dominada pela aristocracia militar patrícia do senado. A natureza do regime exprimia-se limpidamente na abreviatura que o designava e que figurava nas insígnias de guerra, nos edifícios e nos actos oficiais: as quatro letras sacramentais SPQR (senatus populusque Romanus).
(Para que “a coisa” se entenda melhor, citemos o Dicionário de Latim-Português da Porto Editora: «populus (em Roma): povo, oposto ao senado (senatus populusque Romanus).»)
DESENVOLVIMENTO ULTERIOR DAS CLASSES E DO ESTADO EM ROMA.
Patrícios e clientes haviam-se apoderado das pastagens e dos lotes de terra de lavoura que antes eram da gens. Essas terras têm agora o carácter de propriedades privadas, hereditárias e inalienáveis.
Assim, as únicas terras disponíveis são as do ager publicus: as que não haviam sido submetidas à occupatio das gentes e as que foram sendo adquiridas por conquista. E os patrícios defendiam tenazmente os seus direitos ancestrais ao monopólio do usufruto destas terras.
(Diakov diz que, entre 494 e 342, as “retiradas” ou êxodos” dos plebeus foram numerosas, isto segundo as fontes. E descreve-as com um ritual próprio, assim género “manif”. Dado o pitoresco da “coisa”, não resisto a transcrever:)
A parte plebeia do exército reunia-se no Aventino, no bairro onde se erguia o templo de Ceres, ali formando “batalhões sagrados”, com os seus chefes eleitos. Depois de se ligarem por juramentos e fórmulas invocatórias (as cerimónias ou “invocações” a Ceres), desfilavam pela cidade, que abandonavam pela porta Colina, para acamparem a 3.000 passos dali (passo = 1,5 m), no monte que depois se chamou “sagrado”.
Vão-se formando ricas famílias plebeias, a família Licinius, a Minucius, a Sempronius, etc.
Os tribunos da plebe adquiriram o poder, por via da intercessio, de interromper qualquer acção judiciária. Tinham assim o direito de se opor à aplicação de uma pena ou à a acusação de um cidadão (por magistrado).
Quando patrícios e plebeus vêm a formar a classe dos livres cidadãos romanos (cives romani = populus), o termo plebs começa a ser usado para designar a população pobre da cidade, os cidadãos indigentes.
O termo nobilitas possuía o sentido de “dignos de serem conhecidos”, “ilustres”. Mais tarde os nobiles passarão a ser designados optimates (“os melhores”).
Vai crescendo a classe servil. Os escravos são propriedade plena daquele que deles se apoderou, podendo ser vendidos ou trocados, como o restante saque oriundo da guerra ou do roubo. «Escravos ou qualquer outro gado» é como os referirá o direito romano de épocas posteriores.
Nos séculos V e IV terá predominado em Roma a escravatura doméstica, dado que a economia natural era então dominante.
Os traços característicos da máquina estadual: a militarização das instituições e uma democracia fictícia.
Neste Estado pressupunha-se que o poder emanava do “povo romano”, e em todas as questões importantes era necessário pedir-lhe o consentimento. Mas já vimos como funcionavam as assembleias, que, aliás, de modo nenhum intervinham nos assuntos administrativos e de política corrente.
No início do século IV existiriam 17 tribos rurais e 4 urbanas. Mas os pequenos agricultores raramente vinham a Roma tomar parte nas eleições e restantes votações.
Em caso de “necessidade”, os magistrados supremos podiam invocar, com os auspícios, uma razão de ordem religiosa para a suspensão ou anulação de uma decisão ou até para a dissolução de uma assembleia.
Tendo na mão o Tesouro, o senado tinha os generais na sua dependência, dado que o fornecimento dos víveres e o pagamento dos soldos não se podia fazer sem ordem sua.
Tinha ainda competências na atribuição de funções e postos aos magistrados. Podia prorrogar-lhes os poderes para além do prazo normal de um ano, como pro consules e pro praetores; aprovava-lhes os relatórios; conferia-lhes ou negava-lhes o triunfo e a ovação.
Nesta época o Estado romano era uma organização política de camponeses guerreiros, não menos bellatores do que agricultores. O exército era essencialmente camponês. A base do censo era a posse de um lote de terra e era de acordo com o censo que se fazia o recrutamento das legiões.
Questão de pormenor: os candidatos a cônsul tinham de ter 43 ou mais anos de idade.
(Voltando aos textos-base:)
O SEGUNDO TRATADO COM CARTAGO
A crescente importância de Roma é-nos revelada pela “renovação” do tratado com Cartago em 348 (Políbio, III, 24). Entre outras cláusulas menos vantajosas, estava a que proibia aos romanos a navegação ao longo das costas espanholas para lá de Mastia (próxima do Cabo de Palos). Esta cláusula não era importante para os romanos, pois que os seus interesses comerciais não se estendiam para tão longe, mas era-o para a sua aliada Massilia, uma colónia grega. Todo o comércio com a África e também com a Sardenha era agora proibido aos romanos. Mas o novo tratado confirmava os direitos de Roma sobre a faixa costeira do Lácio, desde a foz do Tibre até Tarracina.
A CONQUISTA DA ITÁLIA CENTRAL. A CHAMADA “PRIMEIRA GUERRA SAMNÍTICA”.
O território romano faz agora fronteira com as populações samnitas que viviam no vale do Liri e com os campânios.
Os campânios eram uma população miscigenada, o resultado de um longo processo de migrações.
A população originária da Campânia, que os gregos chamavam “ausones” (Ausonii), fundiu-se primeiramente com elementos gregos e etruscos.
Na segunda metade do século V, a etrusca Cápua, a principal cidade da Campânia, é conquistada por sabélio-samnitas vindos das montanhas da Itália central, a que os gregos chamavam “oscos” (Osci). Cumas, a mais antiga colónia grega na Itália, também é tomada. Aos gregos, na Campânia, restou apenas Neapolis (Nápoles).
Os oscos assimilaram rapidamente a civilização local, formando uma aristocracia dirigente que já nada tinha em comum com os samnitas das regiões montanhosas.
Estes últimos encontravam-se ainda no estádio da democracia militar, constituindo uma federação muito instável de pequenas tribos.
Em 354 Roma conclui uma aliança com os samnitas. Não se tratava das tribos do Sâmnio propriamente dito, mas do grupo ocidental, o que ocupava a região do Liri.
Onze anos depois, em 343, vem a Roma uma embaixada de Cápua propor amizade e aliança. Pediam aos romanos protecção contra os samnitas do Liri.
Para o senado, a aliança com Cápua era por demais sedutora. Simula-se uma “rendição” dos de Cápua, que passam a gozar do direito de cidade romana, mantendo a sua autonomia interna. E de imediato o senado envia uma embaixada aos aliados samnitas, exigindo-lhes que não molestassem os novos “súbditos” do povo romano.
Os romanos estavam a violar o tratado de 354 e a resposta que os embaixadores receberam não foi nada agradável. Bandos de samnitas partem para razias na Campânia. O governo romano reage, declarando a guerra...aos seus aliados.
Assim descreve a tradição o começo da primeira guerra samnítica (343 a 341).
Segundo Lívio (VII, 32-37), terão entrado então em acção os dois exércitos consulares, travando três batalhas em território do Sâmnio e da Campânia. Mas o relato da tradição é aqui tão incongruente que alguns historiadores chegam a negar que esta guerra haja ocorrido.
Contudo, é provável que a guerra tenha sido efectivamente declarada e que os exércitos consulares tenham marchado através da Campânia, até Suéssula (Suessula), aí deixando uma guarnição.
Posteriormente as negociações com os samnitas do Liri são reatadas, restabelecendo-se a antiga aliança, e a guarnição de Suessula é retirada.
Em 343 os exércitos dos aliados latinos estavam prontos a cair sobre a retaguarda dos romanos. Em tais condições, uma campanha no Samnium e na Campania haveria sido de risco extremo.
A GUERRA LATINA.
Por volta de 340 a situação na Itália central apresentava-se assim: de um lado, a aliança romano-samnítica; do outro, uma vasta aliança de latinos, campanos, auruncos (Aurunci) e volscos.
Segundo a tradição, os latinos terão reclamado um dos cargos de cônsul e metade das cadeiras do senado. É provável que esta exigência dos latinos seja um “acrescento” dos analistas menores. A guerra deve ter sido travada pela restauração da antiga independência das comunidades latinas.
O conflito decorreu de 340 a 338, ficando conhecido pelo nome de “guerra latina”. A tradição relata sobre ela muitas invenções e inverosimilhanças.
Por exemplo, em Lívio (VIII, 6-10), encontramos as conhecidas lendas sobre os cônsules de 340, Titus Manlius Torquatus e Publius Decius Mus (genitivo: Muris).
Os cônsules haviam proibido qualquer relação com o inimigo latino, até mesmo os combates singulares. O filho de Manlius, durante um reconhecimento, trava um combate corpo a corpo com o comandante de um contingente latino, matando-o. Regressa e conta ao pai a sua façanha. O pai, na presença dos soldados, condena-o à morte por desobediência. Apesar do horror e das súplicas de todo o exército, a sentença foi executada
A segunda lenda conta que ambos os cônsules tiveram um mesmo sonho: um homem, de aspecto e estatura extraordinária, dizendo que a vitória seria da parte em que um comandante se viesse a entregar à morte. E os cônsules decidiram então que aquele dos dois cujo exército começasse a ceder, assim faria.
Na batalha junto ao Vesúvio, no momento decisivo, a ala esquerda comandada por Décio começa a ceder. De acordo com o decidido, depois de oferecer aos deuses infernais a sua pessoa e as dos seus inimigos, o cônsul lança-se no combate e é morto. À sua morte, os romanos redobram de fúria contra o inimigo e alcançam uma brilhante vitória.
Nessa grande batalha de Trifano, perto de Sinuessa, os romanos derrotam a coligação inimiga. Seguidamente celebram a paz por separado com os campânios, seduzindo-lhes a aristocracia com a promessa de concessão do direito de cidade romano.
Os latinos e os volscos continuaram em guerra por mais dois anos, acabando por render-se.
Às comunidades latinas foi proibido qualquer tipo de coligação. Foram privadas de manter relações económicas entre si (jus commercii). São também proibidos os matrimónios entre os habitantes das diferentes cidades (jus connubii).
As cidades maiores e mais perigosas como adversários potenciais, Tibur e Praeneste por exemplo, perdem uma parte dos seus territórios e são forçadas a celebrar com Roma tratados de aliança.
Diversas cidades, como as colónias latinas de Ardea, Circeii, Sutrium, Nepi, mantiveram a sua antiga posição de aliadas. As comunidades mais fiéis, Túsculo, Lanúvio, Arícia e outras, estão agora directamente unidas a Roma, havendo recebido o direito de cidadania. No Lácio são formadas duas novas tribos.
Como já sabemos, a guerra latina assestou o golpe de misericórdia nos volscos. Antium capitula e passa a colónia romana. A sua frota de grandes naves foi destruída. Os romanos apenas conservaram os esporões das proas, que foram ornamentar, como troféus, a tribuna dos oradores no forum.
Satricum e Tarracina também passam a colónias romanas (Satricum era já colónia, mas latina).
O pouco que restou dos volscos refugiou-se nas montanhas.
As comunidades dos auruncos foram colocadas numa situação jurídica particular, conhecida por civitas sine suffragio (“cidadania sem direito de voto”). Os seus habitantes tinham todos os deveres dos cidadãos romanos, como, por exemplo, o de serviço militar; gozavam dos direitos civis; mas estavam excluídos dos direitos políticos, não podendo participar nos comícios, quer para a aprovação de normas quer para a eleição dos magistrados.
Quanto à Campânia, uma região florescente, Roma tratou de vinculá-la a si da forma mais estreita possível. Os romanos deviam a esta região muito do seu desenvolvimento económico e cultural.
Às cidades, Cápua, Cumas, Suéssula e outras, foram concedidos direitos que em parte recordavam a posição dos aliados, em parte a situação das comunidades sem direito de voto. Por exemplo, os campânios eram considerados cidadãos romanos e prestavam serviço militar, mas as suas legiões estavam separadas das romanas.
Cápua, em particular, manteve uma ampla autonomia local, mas os seus habitantes não tinham o direito de participar em assembleias nem o direito de eleger magistrados. Estes direitos apenas eram concedidos à aristocracia da cidade, que se havia mantido fiel a Roma durante a guerra. A população estava-lhes subordinada e tinha de lhes pagar um imposto anual.
Em 330, Roma é o Estado mais importante em Itália. Domina a Etrúria meridional, todo o Lácio, o território dos Aurunci e a Campânia.
A SEGUNDA GUERRA SAMNÍTICA.
A série de recontros militares que se estendeu por cerca de quarenta anos, de 328 a 290, é convencionalmente designada como a segunda e a terceira guerra samnítica, mas muitas outras tribos da Itália central e setentrional nela participaram. Foi a etapa decisiva da luta pela hegemonia romana na Itália.
A segunda guerra samnítica (328 a 304) teve de início Nápoles (Neapolis) como objectivo principal.
Em Neapolis, os partidos democrático e aristocrático entram em luta, com os primeiros a pedir auxílio à cidade de Nola e os aristocratas a solicitá-lo a Cápua, aliada de Roma.
Um exército romano comandado por Quinto Publílio Filão, cônsul em 327, põe Nápoles sobre sítio, com o segundo exército consular a proteger-lhe a retaguarda.
O assédio prolongou-se até 326 e Publílio é nomeado pelo senado pro consule (pro = substituto), com a prorrogação dos seus poderes militares por mais um ano. Terá sido, na prática romana, o primeiro caso de proconsulado.
No decurso do cerco, o partido aristocrático assume o controlo da cidade e a guarnição samnita abandona-a. A cidade é então entregue aos romanos, a troco de uma “aliança”.
Mas a guerra com os samnitas ocidentais já havia começado em 328, após a fundação de uma colónia romana na cidade de Fregelas (Fregellae; actual Ceprano), no curso médio do Liri.
Os samnitas operavam em pequenos grupos, numa guerra de guerrilhas que desorientou de início os romanos.
No ano de 321, no Samnium central, é a catástrofe para o exército romano, mal preparado para uma guerra em região montanhosa. Os cônsules de 321, Tito Vetúrio Calvino e Espúrio Postúmio, enganados por falsas informações, crendo que os samnitas se encontravam então na Apúlia, marcham da Campânia para o interior do Sâmnio. Não longe da cidade de Cáudio (Caudium), no sudoeste do Samnium, caem numa emboscada que lhes preparara Pôncio Herénio, numa estreita garganta coberta por bosque (“Forcas Caudinas”). A situação apresentava-se-lhes sem saída: era-lhes impossível abrir um caminho pela força e já não tinham provisões.
Os cônsules tiveram de firmar uma paz vergonhosa, comprometendo-se a deixar o território samnita, a desmantelar ali as suas colónias e a cessar a guerra. Tiveram de entregar 600 reféns, escolhidos entre os nobres do exército. Os romanos foram obrigados a entregar todas as suas armas e a passar, um a um, sob o jugum (feito com três lanças; duas verticais, espetadas no solo, atravessadas transversalmente por uma terceira, atada em cima).
O senado teve de reconhecer esta paz, que durou cerca de 6 anos.
As operações militares são retomadas nos finais do ano de 316. Durante o período de 6 anos de paz, os romanos haviam começado a penetrar na Apúlia, na retaguarda dos samnitas. Formam também duas novas tribos no território dos auruncos e na Campânia setentrional.
Em 315, um dos exércitos consulares opera na Apúlia, enquanto que o segundo, ao mando de Publílio Filão, sitia a cidade de Satícula (Saticula), no sudoeste do Sâmnio.
Os samnitas, aproveitando a divisão das forças romanas, irrompem no vale do Liri e marcham contra o Lácio. As reservas romanas vão-lhes ao encontro, comandadas pelo ditador Quinto Fábio Ruliano, um dos mais conhecidos chefes militares da época. A batalha deu-se nos arredores de Terracina (Tarracina), num passo entre as montanhas dos volscos e o mar, com a derrota dos romanos. O comandante da cavalaria, que tratava de cobrir a retirada, é morto.
Em resultado da batalha, os samnitas conquistam a região dos auruncos e a Campânia; Cápua dispõe-se a passar para o seu lado.
Mas em 314 os samnitas são por sua vez derrotados, sofrendo cerca de 10.000 mortos (não se conhece o local da batalha, mas é provável que também se haja travado nas proximidades de Terracina).
Os chefes do partido democrático de Cápua, que haviam propugnado a ruptura com Roma, foram entregues aos romanos e executados.
Os auruncos são quase por completo destruídos e é formada uma colónia latina em Suessa (actual Sessa Aurunca).
Muitas cidades que se haviam separado de Roma ou que os samnitas tinham conquistado, Sátrico, Fregelas, Sora e outras, são reunidas a Roma.
Fundam-se novas colónias, uma delas na pequena ilha de Pôncia (Pontiae; grupo de ilhas em face do Lácio meridional), em 313. Foi a primeira base naval romana.
Em 313 é instituído um novo cargo, o dos duoviri navales (depressa foi abolido), que superintendiam à construção naval e na manutenção das naves. É provável que haja sido fundada então a colónia de Óstia, na foz do Tibre (há quem defenda que ela se formou um pouco mais cedo, em 338).
Em 312 é iniciada a construção da Via Appia, que iria ligar Roma à Campânia e facilitar a ulterior expansão para sul.
Em 311 terminou o armistício de 40 anos celebrado com os etruscos. Aproveitando o facto dos exércitos consulares estarem em operações no sul, as tropas de Tarquínios e das polis da Etrúria setentrional lançam o assédio a Sutrium.
O cônsul de 310, Quinto Fábio Ruliano, numa manobra envolvente, atravessa a Úmbria e surge no norte da Etrúria, que devasta. Entretanto os etruscos tomam Sutrium.
Em 309, os romanos de novo incursionam na Etrúria do norte.
Estes sucessos levaram ao poder nas cidades etruscas o partido favorável a um entendimento com os romanos. São enviados embaixadores a Roma a solicitar paz e aliança. Mas o senado apenas lhes concedeu um armistício de 30 anos.
Durante a luta na Etrúria do norte, os romanos celebraram tratados de aliança com duas das cidades da Úmbria.
Enquanto isso, na frente samnita, os romanos haviam sido obrigados a passar à defensiva.
Em 308, as tropas samnitas invadem a região dos marsos, limítrofe com o Lácio. É enviado contra eles o veterano Fábio Ruliano, enquanto o outro exército consular operava na Apulia do norte.
Instigados pelos samnitas, os hérnicos e os équos revoltam-se. A Itália central torna-se palco de uma guerra encarniçada.
Por volta de 304 os romanos alcançam êxitos decisivos, obrigando os samnitas a pedir a paz. O Sâmnio manteve as suas fronteiras, mas os samnitas ocidentais tiveram de abandonar a região do Liri, que é unida ao Lácio.
Os hérnicos perdem quase todo o seu território. Apenas três das suas cidades manterão as velhas relações de aliança com Roma.
Os équos foram quase totalmente destruídos. Todo o seu território, até ao Lago Fúcino (Fucinus lacus), é unido ao Lácio.
Nas regiões conquistadas surgem novas colónias e formam-se duas novas tribos.
São estabelecidas relações de aliança com as pequenas tribos de origem samnita da Itália central, marsos, pelignos (Peligni), frentanos (Frentani) e outras.
A TERCEIRA GUERRA SAMNÍTICA.
Os seus limites cronológicos convencionais vão de 298 a 290. Apesar da sua denominação, o centro de gravidade do conflito situou-se a norte, na Etrúria, e não no sul.
A guerra começou de facto em 299, quando contingentes de gauleses, reforçados por tropas etruscas, levam a cabo uma incursão em território romano, devastando-o e recolhendo um rico saque. Estes movimentos resultaram da chegada à Itália setentrional de novas massas de celtas, vindas de além Alpes.
Os samnitas, aproveitando a situação, tratam de reforçar a sua influência na Lucânia. Mas o senado romano declara-lhes a guerra em 298.
O cônsul Lúcio Cornélio Cipião Barbado invade o sudoeste do Sâmnio, ocupa ali dois pontos de pouca importância e faz os Lucani entregar-lhe reféns, em garante da sua fidelidade a Roma.
Os romanos alcançam importantes vitórias no Sâmnio do norte. O segundo cônsul de 298, Gneu Fúlvio, derrota as forças samnitas e ocupa Boviano (Bovianum), o centro da sua federação.
Os cônsules de 297, Quinto Fábio Ruliano e Públio Décio Mus (filho do cônsul de 340), prosseguem com êxito as operações. Parecia que a última hora dos samnitas havia chegado.
Mas em 295, os gauleses, de novo unidos aos etruscos, voltam ao ataque. E depressa se lhes juntaram os samnitas. Roma defrontava pela primeira vez as forças reunidas dos seus principais adversários.
Fábio e Décio são enviados contra o inimigo. O primeiro recontro, na Úmbria central (talvez próximo de Camerinum, cidade que logo se tornou aliada de Roma), foi desfavorável aos romanos, com a sua vanguarda a ser derrotada. Mas, alguns dias depois, o grosso do exército consegue desbaratar a coligação inimiga numa encarniçada batalha junto a Sentino (Sentinum, no Piceno).
Os historiadores gregos dizem que na batalha caíram 100.000 homens, entre gauleses e os seus aliados, e um famoso chefe samnita, Gélio Egnácio.
Em Lívio (X, 28), encontramos o relato da morte heróica de Públio Décio, que não é senão uma “cópia” da lenda relativa a seu pai, na batalha junto ao Vesúvio de 340 (há ainda um relato análogo sobre a morte do terceiro Públio Décio, na batalha de Ausculum (actual Ascoli), contra Pirro).
A batalha de Sentino decidiu o curso da guerra e a sorte da Itália. A aliança inimiga desfez-se, com os restos dos gauleses e dos samnitas a retirarem em direcções opostas. As cidades etruscas que haviam participado na aliança anti-romana, Volsinii, Perusia e Aretium (também designada Arretium), são obrigadas a aceitar um armistício de 40 anos, tendo pago previamente uma elevada compensação de guerra.
No Sâmnio a luta continuou ainda por mais alguns anos. Os romanos levaram a cabo ofensivas sistemáticas, concentrando as forças sobre a região que atacavam. Sofreram alguns desaires parciais, mas que já não podiam alterar o curso da guerra.
Em 293, os samnitas são duramente derrotados pelo exército do cônsul Lúcio Papírio Cursor.
Três anos depois, Mânio Cúrio Dentado, cônsul de 290, derrota-os por completo.
Só um pequeno território, com a cidade de Boviano, é deixado aos samnitas, tendo-lhes sido concedidos os direitos de aliados de Roma.
Ainda em 290, usando como pretexto os sentimentos amistosos dos sabinos para com os samnitas, Mânio percorre e submete todo o território sabino. Às tribos que restaram foi concedido o direito de cidadania sem voto.
No sul deste território, não longe da costa, é fundada a colónia latina de Hádria (Hadria ou também Adria), o primeiro ponto fortificado romano sobre o Adriático.
Em 285, a tribo gaulesa dos sénones, que vivia a norte do Piceno, põe-se em movimento. Baixando até à Etrúria do norte, ali cercam Aretium (actual Arezzo), que se mantinha partidária de Roma, enquanto que as outras comunidades etruscas apoiaram os sénones.
O exército romano enviado em auxílio dos sitiados é derrotado, sofrendo enormes perdas. O seu comandante, o cônsul L. Cecílio Metelo, cai no combate (ano de 284). Cúrio Dentado, que o substituiu, envia aos gauleses uma embaixada para tratar da sorte dos prisioneiros, mas os embaixadores são mortos.
Os exércitos romanos invadem o território dos sénones (ager Gallicus), derrotando-os. Os sénones são massacrados; os que escapam são expulsos da região. Sobre a costa é fundada a colónia de Sena Gálica (actual Senigallia).
Após a destruição dos sénones, os gauleses que viviam para lá dos Apeninos, a norte da Etrúria, deslocam grandes forças para o sul, unem-se com os etruscos e marcham directamente sobre Roma.
Os romanos, comandados pelo cônsul de 283, Cornélio Dolabela, defrontaram-nos próximo do Lago de Vadimão (Vadimonis lacus), a oeste do curso médio do Tibre, com os gauleses a serem desbaratados.
No ano seguinte os celtas atacam de novo, havendo chamado toda a sua juventude às armas. Mas são vencidos de novo e pedem a paz aos romanos. Não tendo qualquer interesse pela Itália do norte, Roma concedeu-a.
As cidades da Etrúria foram obrigadas a concluir tratados de paz por separado com Roma. Apenas Volsinii e Vulci continuaram a resistir por mais dois anos, acabando por render-se.
A CONQUISTA DA ITÁLIA MERIDIONAL.
A GUERRA COM PIRRO.
Nos começos do século IV, muitas das cidades gregas da Itália haviam saído debilitadas da luta contra o tirano de Siracusa, Dionísio I.
Nos inícios do século III, com os contínuos ataques das tribos indígenas dos Lucani, Bruttii, Messapii e outras, a sua situação piora ainda mais.
Durante o longo conflito, toda uma série de cidades gregas havia passado às mãos dos bárbaros. Na costa ocidental, só Régio e Élea mantêm a independência. Na oriental, a situação dos gregos era bem melhor, com a rica cidade de Tarento a dirigir a luta.
Não possuindo forças suficientes para resistir à pressão dos lucanos e dos messápios, Tarento começa a tomar ao seu serviço chefes de contingentes mercenários gregos.
O primeiro foi o rei espartano Arquídamo, que combateu contra os messápios em 338.
Os tarentinos chamam depois Alexandre, rei do Epiro e tio de Alexandre da Macedónia, que obteve grandes vitórias sobre os Lucani e os Bruttii, libertando várias cidades. Mas surgem desavenças entre ele e os tarentinos, que lhe retiram o seu apoio. Alexandre é morto pelos lucanos em 330.
Em 303 é a vez do espartano Cleónimo, que obtém triunfos importantes e obriga os lucanos a aceitar a paz. Surgem as já habituais discrepâncias com os gregos locais e Cleónimo depressa abandonará a Itália.
Em 300 é Agátocles, o tirano de Siracusa, que acorre. Consegue apoderar-se de parte considerável da Itália meridional. Pretendia criar uma grande monarquia, mas o seu reino desfaz-se em 289, à sua morte.
Após 285, os lucanos atacam a cidade grega de Túrio (Thurii). Não desejando recorrer à sua adversária Tarento, Túrio pede a protecção de Roma, com quem vinha mantendo desde há três anos relações amistosas.
O cônsul de 282, Gaio Fabrício Lucino, acorre, destrói os lucanos que assediavam a cidade e coloca ali uma guarnição romana, o que não agradou nem aos de Túrio nem aos tarentinos.
Quando surgem no golfo de Tarento dez naves romanas, a população ataca-as, apoderando-se de cinco delas. As suas tripulações são em parte massacradas, em parte reduzidas à escravidão, com o comandante da frota a ser morto durante a luta. Os tarentinos marcham depois sobre Túrio e, com o auxílio do partido local que lhes era favorável, obrigam a guarnição romana a abandonar a cidade.
O senado enviou a Tarento uma embaixada exigindo explicações, mas esta é insultada e obrigada a regressar sem haver obtido qualquer concessão. Roma declara a guerra em 281.
O cônsul Emílio Bárbula, partindo do Sâmnio meridional, ataca a região tarentina. Tarento dispunha de forças relativamente poderosas, a que se juntaram como aliados lucanos e messápios. Mas o veterano exército romano depressa derrota os adversários. O território de Tarento é devastado.
Entretanto decorriam negociações entre o governo de Tarento e Pirro, rei do Epiro. É concertado um tratado e, nos inícios da Primavera de 280, Pirro desembarca em Itália com um exército de escol: 20.000 infantes com armamento pesado (a falange), 2.000 arqueiros, 3.000 ginetes tessálicos e 20 elefantes de batalha, então uma novidade em Itália.
Educado na “escola” de Alexandre da Macedónia, de quem era parente afastado, Pirro tinha então cerca de 40 anos. Era rei do Epiro desde 295. No decurso da sua já atribulada “carreira” política chegara a ocupar por algum tempo o próprio trono macedónio, até dele ser expulso por Lisímaco.
Pirro era um chefe muito hábil, conhecedor tanto da teoria como da prática, e escreveu obras sobre arte militar (mais tarde, o próprio Aníbal gostará de dizer-se seu discípulo). Porém a constância não se contava entre os seus dotes: concebia planos grandiosos, sonhava converter-se num novo Alexandre, iniciava as suas empresas com grande entusiasmo e energia, mas não conseguia levar nada a termo.
No seu novo plano propunha-se submeter toda a Itália meridional e a Sicília (Pirro era genro de Agátocles); talvez também Cartago. No entanto, no tratado celebrado com os tarentinos, ele comprometia-se a não permanecer em Itália mais do que o tempo necessário.
Investido do comando supremo de todas as forças de Tarento e dos seus aliados, podia manter em Tarento uma guarnição e todos os gastos da guerra corriam por conta da cidade.
Enquanto Pirro adestrava as tropas locais, o cônsul de 280, P. Valério Levino, tratava de formar guarnições nas cidades gregas que permaneciam fiéis a Roma: Regium, Locri (Locros) e Thurii.
O primeiro recontro travou-se junto a Heracleia (Heraclea). Os manípulos das legiões sustiveram o choque com a falange macedónica, mas a cavalaria tessálica e os elefantes, que semearam o pânico entre a cavalaria romana, decidiram a batalha. Os romanos tiveram de retirar, perdendo 7.000 homens entre mortos e feridos graves e cerca de 2.000 prisioneiros. Pirro perdeu 4.000 homens, entre os quais muitos oficiais. Pirro terá então exclamado: «Outra vitória como esta e não sei com quem regressarei ao Epiro!»
Com a derrota romana, Crotona submete-se e Locri entrega a Pirro a guarnição romana.
Em Régio, a guarnição de soldados campânios, temendo a mesma sorte, massacra e expulsa os cidadãos ricos e influentes, apodera-se da cidade e declara-se como facção independente no conflito.
Procurando explorar o seu êxito, Pirro marcha sobre Roma. E, não encontrando resistência, chega até cerca de 10 km da cidade.
Na sua retaguarda, Levino já refizera e completara o exército derrotado em Heraclea; Cápua e Nápoles mantinham-se fiéis a Roma. A norte, o exército romano que havia operado contra Volsinii e Vulci marchava em socorro da cidade. Em Roma adoptavam-se medidas defensivas de carácter extraordinário.
Pirro retrocede. Mudando de táctica, trata de entabular negociações de paz. Envia a Roma como embaixador o tessálico Cíneas, um hábil orador e diplomata. Pirro dizia que conquistava mais cidades com o auxílio de Cíneas do que pelo recurso das armas. O embaixador levou consigo ricos presentes, destinados aos membros influentes do senado.
Declarando-se disposto a acabar com a guerra e a devolver os prisioneiros, Pirro queria que os romanos se comprometessem a respeitar a autonomia das cidades gregas e a restituir os territórios tomados aos samnitas, aos lucanos e aos brúcios (Bruttii). Este último ponto concernia às importantes colónias de Lucéria (Luceria) e de Venúsia (Venusia), na Apúlia e no Sâmnio meridional (actuais Lucera e Venosa).
Se bem que os presentes de Pirro não hajam sido aceites, as suas propostas terão sido seriamente discutidas, existindo então no senado uma forte corrente favorável à paz. Durante a discussão é ali conduzido o ancião Ápio Cláudio, e este terá convencido os senadores a não aceitarem negociações enquanto o inimigo permanecesse sobre solo itálico. Os tratos são interrompidos.
Mas enviam a Pirro uma embaixada, encabeçada por Fabrício, para tratar do resgate dos prisioneiros.
As operações militares são retomadas em Abril de 279. Os exércitos romanos eram comandados por ambos os cônsules; um deles é Públio Décio Mus, filho do cônsul morto em Sentino.
A batalha travou-se junto à cidade de Ausculum (actual Ascoli), na Apúlia, num terreno acidentado e de bosque, onde Pirro não podia aproveitar plenamente a falange, a cavalaria e os elefantes.
No primeiro dia de confrontos nenhum dos contendores conseguiu prevalecer. No segundo dia, logrando ocupar melhores posições, as forças de Pirro vencem os romanos, mas não conseguem tomar-lhes o acampamento.
Os romanos perdem 6.000 homens; o cônsul Décio está entre os mortos. As perdas de Pirro ascendem a 3.500 homens, com o próprio Pirro a ser ligeiramente ferido. As suas forças retiram para Tarento. O entusiasmo do rei esfriara.
Algumas cidades sicilianas tinham-lhe pedido ajuda contra os cartagineses, que haviam passado à ofensiva após a morte de Agátocles.
No Inverno de 279/278, Fabrício de novo visita Pirro e acorda com ele um projecto de tratado de paz, que apenas reconheceria a independência de Tarento, Cíneas retorna a Roma.
É então que ancora em Ostia uma frota cartaginesa de 120 naves, ao mando de Magão (Mago). O governo cartaginês propunha ao romano a celebração de um tratado dirigido contra Pirro. Segundo Políbio (III, 25), a um ataque de Pirro a território de uma das partes, a outra comprometia-se a enviar tropas em auxílio da zona ameaçada, correndo os gastos de manutenção dessas tropas à conta do agredido. Cartago comprometia-se a fornecer naves de transporte e a ajudar os romanos com a sua frota de guerra, mas as tripulações cartaginesas não estavam obrigadas a combater em terra firme ao lado dos romanos.
Os romanos poderiam agora, com a ajuda da frota cartaginesa, atacar Tarento e isolar Pirro na Itália ou na Sicília. O tratado com os cartagineses foi concluído e Cíneas teve de voltar a partir de mãos vazias.
Em 278 os romanos desencadeiam uma nova campanha em território de Tarento, com os exércitos de ambos os cônsules; um deles é Fabrício. Foi uma “guerra estranha”: Pirro ocupava-se dos preparativos para a expedição à Sicília e os romanos não tinham forças suficientes para o cerco a Tarento.
No Outono de 278, com um exército de 10.000 homens, Pirro embarcou para a Sicília, deixando fortes guarnições em Tarento e em outras cidades gregas.
Aproveitando a anarquia reinante após a morte de Agátocles, os cartagineses haviam bloqueado com a frota o porto de Siracusa.
Pirro é recebido triunfalmente e proclamado “rei e hegemon” (de “hegemonia”). Obtêm-se com rapidez grandes êxitos: os cartagineses são obrigados a levantar o bloqueio de Siracusa e quase todas as cidades são retomadas.
Só Lilibeu (Lilybaeum), na costa ocidental, ficou nas mãos dos cartagineses. Situado num promontório, este porto só por mar podia ser atacado.
Os cartagineses propõem um acordo de paz. Comprometiam-se a abandonar toda a Sicília, à excepção de Lilibeu. O rei, pressionado pelos gregos sicilianos, recusa-o.
Após várias vezes tentativas fracassadas de tomar Lilibeu por terra, Pirro decide fazer construir uma poderosa armada, visando infligir em África um golpe decisivo a Cartago. Os gregos desaprovaram o novo plano, que apenas lhes acarrearia enormes despesas: a construção da frota seriam eles a pagá-la.
Pirro era autoritário, manifestando um aberto desdém pelas instituições democráticas das cidades gregas e favoritismo para com os seus oficiais mercenários. Os gregos acabaram por compreender que ele perseguia os seus próprios objectivos; que, nos seus planos, não passavam de um mero instrumento.
Algumas cidades sicilianas, buscando apoios contra Pirro, chegam ao ponto de pedir auxílio ao inimigo da véspera, os cartagineses.
Por fim a Pirro só restou Siracusa.
Na Primavera de 275 deixa a Sicília. Os gregos itálicos de novo haviam solicitado a sua ajuda. No estreito é atacado pela frota cartaginesa, que lhe destrói mais de metade das naves.
Durante a sua ausência os romanos haviam ocupado Crotona e Locri e submetido as tribos de lucanos e de samnitas aliadas de Pirro. Porém o desembarque dos gregos obriga-os a retirar.
Apoiando-se mais uma vez em Tarento, Pirro marcha para norte, juntando a si todas as forças disponíveis. A batalha teve lugar junto a Beneventum, no Sâmnio, no ano de 275. Os romanos eram comandados por Manius Curius Dentatus, o general da terceira guerra samnítica (o segundo cônsul, que operava na Lucânia, não conseguiu chegar a tempo de participar na batalha).
Pirro, procurando alcançar uma posição vantajosa, enceta uma marcha nocturna, mas engana-se no caminho. Mânio pôde assim dispor as suas forças do melhor modo.
Os elefantes, espantados pelo tiro dos arqueiros romanos ocultos no terreno, lançam-se no meio das próprias fileiras gregas. O acampamento de Pirro é ocupado pelos romanos, que fazem mais de 1.000 prisioneiros e capturam 4 elefantes (em Roma, onde nunca se tinham visto, produziram uma extraordinária impressão).
À notícia da aproximação do outro exército consular, Pirro retira para Tarento.
Sem dinheiro e sem exército, parte de Itália com os restos das suas tropas no Outono de 275, de regresso à Grécia, deixando uma guarnição em Tarento.
A vitória do povo “bárbaro” sobre Pirro despertou a atenção do mundo helenístico. Sinal disso foi a embaixada enviada em 273 a Roma por Ptolemeu Filadelfo, então o monarca mais poderoso do Oriente.
A CONQUISTA DEFINITIVA DA ITÁLIA.
No ano em que Pirro morre é posto cerco a Tarento. O partido pró-romano, aristocrático, quer entregar a cidade; o comandante da guarnição epirota, de início, opõe-se. Por fim é o próprio comandante a entabular negociações com os romanos. A cidade é-lhes entregue e a guarnição pôde embarcar de regresso ao Epiro, nesse ano de 272.
Tarento ingressou na federação romana na qualidade de aliado “marítimo”, mas com a sua autonomia limitada. A sua cidadela foi ocupada por um contingente romano. Tarento tornou-se o principal ponto de apoio romano na Itália meridional.
Como aliadas marítimas, ou seja, com a obrigação de prover naves de guerra, com as respectivas tripulações e armamento, são incorporadas na federação outras cidades do sul: Crotona, Locri, Thurii, etc.
A guarnição campânia de Régio terá sido destruída em 271 (ou em 270), sendo a cidade tomada por assalto. Cerca de 300 campanos, os únicos sobreviventes, foram levados para Roma e decapitados no forum. A cidade, devolvida ao que restava da sua aristocracia, entrou na federação romana como “aliada marítima”, com plena autonomia.
As tribos de samnitas, lucanos e brúcios que se haviam aliado a Pirro perdem parte dos seus territórios. Nos pontos estratégicos fundam-se colónias latinas ou romanas: Beneventum, Paestum; Brundisium (Brundísio, actual Brindisi) na região dos messápios, já mais tardiamente (em 244).
Na Etrúria, Úmbria e no ager Gallicus fundam-se grandes colónias. Uma delas é Ariminum (Arímino; actual Rimini), no extremo norte do antigo território dos sénones, defendendo o limite italiano de então, sobre o rio Rubicon.
Um episódio particular ocorreu em Volsinii, onde a aristocracia havia libertado os seus escravos durante as guerras samníticas, incorporando-os no exército.
Estes libertos apropriaram-se do poder e instituíram uma democracia. Para reforçarem a sua posição dirigente, contraíram matrimónios com as filhas dos antigos amos.
Em 265 os ex amos pedem o auxílio de Roma. Ao saberem disso, os libertos massacram-nos.
Os romanos tomaram a cidade de assalto e destruíram-na até às fundações.
Os aristocratas sobreviventes farão erguer uma outra povoação, “Nova Volsínios”, sobre a margem setentrional do Lago de Vadimão, não longe do local da antiga cidade.
Em 265, a federação romana dominava desde o Rubicon até ao estreito de Messina.
É então que nasce o uso do termo “Itália”, como designação para toda a península. Anteriormente esse nome, que advem do osco “Vitellium” (= país de touros), era usado pelos gregos para designar a extremidade ocidental da península. Depois passou a significar toda a Itália do sul. Por fim a própria península. Augusto, ainda mais tarde, incluirá dentro dos seus limites o vale do Pó.