O espaço da História

Capítulo XI - A Itália sob o domínio Romano

No decurso da conquista da Itália foi-se formando um complexo político original: a federação de Estados e de tribos itálicas sob a hegemonia de Roma.

 

Numa classificação com base na forma jurídico-política, podemos dividir a população livre da Itália em seis categorias.

1) OS CIDADÃOS ROMANOS.

 

Nos cives romani incluíam-se os que possuíam o conjunto dos direitos políticos e civis. Viviam em Roma ou nos territórios vizinhos (ager Romanus), adquiridos por direito de conquista. Estavam inscritos em tribos. No século III havia 35 tribos. Dividiam-se ainda em classes e em centúrias.

Eram também cidadãos romanos os membros das colónias (coloniae civium romanorum).

 

De início as colónias tiveram carácter predominantemente militar, sendo fundadas de acordo com objectivos estratégicos.

No século II, a partir da época dos Gracos, as colónias formam-se para atribuir terras a cidadãos não possidentes, e algumas já para além dos confins da Itália, em território das províncias.

A partir de Sila, nos começos do século I, elas constituem-se para recompensar os soldados desmobilizados (veterani).

 

Os habitantes das colónias romanas tinham todos os direitos de um cidadão romano: estavam inscritos nas tribos, podiam tomar parte nos comícios e serem eleitos para qualquer cargo estatal, prestavam serviço militar nas legiões, etc.

Idealmente, as colónias eram um todo único com a sociedade romana, não gozando por isso de qualquer autonomia. A partir dos finais do século IV começam a surgir nas colónias órgãos de governo local: magistrados eleitos, senado (conselho comunal), etc.

Antium foi a primeira colónia a gozar de autonomia, em 317, sistema que logo se estendeu a outras colónias do mesmo tipo.

 

2) OS MUNICÍPIOS OU COMUNIDADES COM DIREITO DE VOTO.

 

Designavam-se pelo termo municipia, e eram também chamadas civitates cum suffragio, as comunidades estrangeiras que gozavam dos plenos direitos da cidadania.

Haviam sido cidades latinas independentes. Agora, como membros da federação romana, mantinham uma ampla autonomia.

Os cidadãos dos municípios (municipia civium romanorum), como todos os outros cidadãos romanos, estavam inscritos numa tribo, participavam nos comícios, serviam nas legiões, etc.

O seu governo autónomo local era constituído à semelhança do romano: comícios, senado, magistrados.

O primeiro municipium foi Túsculo, em 381. Pouco tempo depois, também Aricia e outras comunidades do Lácio passam a gozar dos mesmos direitos.

 

3) COMUNIDADES SEM DIREITO DE VOTO.

 

As civitates sine suffragio eram comunidades estrangeiras submetidas a Roma. Gozavam de uma autonomia limitada.

Os seus habitantes podiam contrair matrimónio com cidadãos romanos, as suas propriedades estavam protegidas pela lei romana, mas não podiam participar nos comícios nem ser eleitos para cargos estaduais e prestavam serviço militar em unidades auxiliares próprias.

A cidadania sem direito de voto foi concedida pela primeira vez em meados do século IV, às comunidades dos auruncos. Depois, a Caere (Etrúria), a Nápoles e a outras comunidades da Campânia.

Com o correr do tempo as civitates sine suffragio foram passando à categoria de municipia.

 

4) AS COLÓNIAS LATINAS.

 

As coloniae latinae eram povoados de carácter militar, fundadas por comunidades pertencentes à federação latina. Não obstante essa federação ter sido dissolvida após 338, estas colónias não só continuaram a existir como aumentaram em número. Apesar da sua denominação, muitas dessas colónias eram povoadas quase exclusivamente por cidadãos romanos.

Os direitos de colónia latina foram igualmente concedidos a algumas comunidades não latinas.

Eram consideradas como comunidades independentes, com plena autonomia, ao ponto de algumas poderem cunhar moeda (tal direito foi muito raro na primeira metade do século III).

Os seus habitantes prestavam serviço militar em unidades especiais (cohortes), submetidas ao mando supremo dos chefes romanos. Estas unidades eram pagas a expensas das suas comunidades.

As colónias latinas estavam por vezes sujeitas a um imposto especial.

Os seus habitantes não eram cidadãos romanos. Contudo, se transferiam a sua residência a Roma, adquiriam o pleno direito de cidadania.

Mais tarde esse privilégio foi limitado, dado que as autoridades locais começaram a reclamar contra o crescente êxodo dos seus habitantes para Roma, o que dificultava o recrutamento dos contingentes locais. A cidadania romana passa então a ser concedida apenas aos que houvessem ocupado um cargo electivo anual na administração da sua cidade.

No século III havia cerca de 30 colónias latinas, entre as quais: Sutrium, Nepete, Ariminum, Adria, Beneventum, Venusia, Luceria, Brundisium e Circeii.

 

5) OS ALIADOS.

 

Os socii constituíam a categoria mais numerosa entre os itálicos.

 

Formavam-na os antigos Estados ou comunidades independentes vencidos na guerra, mas que haviam celebrado tratados de aliança com os romanos (o termo latino para “pacto” é foedus; foedus aequum era um “pacto em pé de igualdade”). Formalmente, eram considerados Estados independentes.

Os tratados de aliança eram muito diversos. Em geral, era-lhes interdita toda a actividade de política exterior, agora da competência exclusiva de Roma.

A principal obrigação dos aliados era de carácter militar. À semelhança das colónias, tinham de pôr à disposição de Roma determinados contingentes militares: cohortes de infantaria e unidades de cavalaria, chamadas alae (alas; cada ala era composta por cinco turmae de 60 cavaleiros). As cidades marítimas deviam fornecer naves de guerra, com as respectivas tripulações.

A organização estatal das comunidades aliadas era similar à romana: comícios, senado, magistrados, mas com algumas particularidades locais.

As tribos samnitas e as cidades gregas do sul contavam-se entre os socii.

 

6) OS DEDITICII.

 

Eram os itálicos sem direitos. Esta categoria era formada pelas tribos e comunidades que se haviam rendido incondicionalmente, entregando-se à mercê dos romanos. Eram comummente chamados dediticii.

Além de não possuírem quaisquer direitos, era-lhes proibido o porte de armas. Estavam sujeitos à autoridade dos magistrados e promagistrados com poderes em Itália.

Eram dediticii algumas tribos da Itália meridional, como os Bruttii.

 

Após a segunda guerra púnica o número de dediticii cresce consideravelmente, com a inclusão nessa categoria das tribos que se haviam colocado ao lado de Aníbal, castigadas com a perda da independência.

 

O CARÁCTER DO PODER POLÍTICO NA ITÁLIA.

 

A federação itálica recorda as federações gregas do tipo da ateniense. Porém, na Itália era bem mais vincada a diferenciação de direitos políticos das várias comunidades.

A Itália era então uma federação de tribos e de polis autónomas e semi-autónomas, submetidas de facto a Roma.

O carácter da sua organização estatal brotava da natureza da polis esclavagista, uma unidade fechada sobre si própria.

 

Por um lado, Roma tomava em conta a importância específica das cidades e tribos submetidas. Túsculo, que lhe era afim por civilização, ou a rica Cápua não se podiam pôr no mesmo plano dos bárbaros Bruttii. Por outro, ao colocar as comunidades itálicas em diferentes quadros jurídico-políticos, o governo romano praticava conscientemente uma política de divisão entre os itálicos.

O apoio de Roma às aristocracias locais também fez parte dessa política.

 

Em geral, Roma não impôs outros tributos além do “imposto do sangue”, ou seja, a obrigação de lhe fornecerem tropas auxiliares.

Era deixada às comunidades uma boa parte das suas terras. Normalmente, de metade a dois terços.

A terra restante era em parte tornada ager publicus, em parte vendida a quem a solicitasse (inclusive aos ex proprietários) e em parte dividida em pequenas parcelas, entregues a cidadãos romanos desvalidos.

 

Não foi esta a política mais tarde aplicada nas províncias, onde as populações não gozavam de quaisquer direitos e tinham de pagar pesados impostos.

A conquista das províncias deu-se sobretudo nos séculos II e I, já no apogeu da economia da escravatura, quando se tornaram necessárias grandes quantidades de escravos, de dinheiro, grão, etc.

No período da conquista da Itália a economia estava ainda num estádio pouco desenvolvido. Faltavam, pois, as razões para uma exploração intensa e implacável das populações submetidas, como mais tarde se veio a verificar.

Esta relativa tolerância de Roma nas suas relações com a população itálica foi um dos factores decisivos para a vitória sobre Aníbal, levando a Itália central a permanecer fiel aos romanos durante o conflito.