Capítulo XIX - as primeiras rebeliões de escravos
A REBELIÃO NA SICÍLIA.
As fontes assinalam-lhe antecedentes noutras regiões. Em 199, referem uma grande conjura de reféns cartagineses, procurando sublevar os escravos em Setia e nas cidades vizinhas; dois escravos terão traído, dando-a a conhecer às autoridades. Em 196 rebenta um motim de escravos na Etrúria que teve de ser reprimido pelas armas. Nos anos de 186 e 185 será a vez da Apúlia e da Calábria, com um levantamento de escravos.
A Sicília era o país “clássico” da escravatura. Já assim moldado por cartagineses e gregos, os romanos acabarão de o “afeiçoar” durante as I e II guerras púnicas. Nos meados do século II os escravos concentravam-se ali em enorme quantidade. Diodoro (fragmentos dos livros XXXIV e XXXV): «Os escravos que havia na Sicília eram tão numerosos que quem ouvia falar disso não o acreditava, pensando tratar-se de um exagero».
Os poucos camponeses que haviam sobrado arrastavam uma existência miserável. A concorrência da enorme quantidade de escravos condenava-os a uma agricultura de mera sobrevivência. Acresce que muitos amos tinham o “curioso” costume de deixar a alimentação e o vestuário dos seus escravos à própria conta destes. Diodoro (ibidem) narra que alguns escravos, praticamente nus, se dirigiram ao grande proprietário Damófilo (considerado o responsável pelo eclodir da rebelião), rogando-lhe que lhes proporcionasse vestimentas. Respondeu-lhes este: «Acaso os viajantes que caminham pela comarca não são fonte de aprovisionamento para os que carecem de vestimenta?» Após o que os mandou espancar e escorraçar.
Parte considerável dos escravos sicilianos seria proveniente da Síria. Euno, o chefe da revolta, era um sírio de Apamea; a sua esposa era também oriunda dessa cidade; Eunus chamava “sírios” aos escravos rebeldes; foi graças à traição de um escravo sírio que os romanos se apoderaram de Tauromenium.
A ser assim, na Sicília haviam descuidado uma das “leis” básicas da escravatura: a de não permitir a reunião dos escravos de uma mesma tribo ou origem (Platão, “Leis”, VI).
A rebelião terá decorrido entre os anos de 136 e 132 (alguns historiadores assinalam-lhe o início em 135, outros em 138). O seu foco principal foi a cidade de Enna (ou Henna).
Estrabão (VI, 272): «No centro da Sicília está Ena, situada sobre uma colina e rodeada de amplas planuras cultivadas». Nos arredores localizavam-se as ricas villae dos grandes latifundiários, que também possuíam as suas mansões na urbe.
A revolta foi preparada cuidadosamente. Diodoro (ibidem): «reunindo-se...nos momentos mais oportunos, começaram a combinar a traição contra os seus amos». Durante a fase de preparação, Euno, escravo doméstico de um citadino, desenvolve uma grande actividade. Gozava de uma grande influência sobre os seus companheiros, que o acreditavam capaz de “interpretar” os sonhos e de “prever” o futuro. Ao que parece, Euno teria algum conhecimento dos cultos sírios, da “Mãe dos deuses” em particular. Durante a preparação da revolta, dizia que a deusa lhe havia aparecido, augurando-lhe que seria rei.
Iniciaram a rebelião os escravos de Damófilo. Cerca de 400 escravos reuniram-se nos arredores da cidade, fazendo os sacrifícios propiciatórios e jurando-se mútua fidelidade. Penetram depois de noite na urbe, sob o mando de Euno, e começa o massacre. Quase toda a população livre é morta. Por ordem expressa da Euno, são poupados os armeiros: aprisionados, fabricarão armas para os revoltosos. Também alguns esclavagistas, os que haviam tratado de modo humano os seus escravos, conservaram a vida. A filha de Damófilo, uma jovem bondosa e solidária com os escravos, escapou ilesa, sendo entregue a parentes seus na cidade de Catina.
Os escravos revoltosos, tomada a cidade, reúnem-se no anfiteatro. Damófilo e a sua esposa, Megálida, capturados na sua propriedade dos subúrbios, são para ali conduzidos. O primeiro é imediatamente executado e Megálida é entregue às suas ex-criadas escravas, para que se vingassem.
Nessa reunião elegem Euno rei, com o nome de Antíoco e investido dos atributos do poder real. A sua esposa é proclamada rainha.
Euno formou o seu conselho com os escravos que mais se distinguiam pela inteligência. Entre eles, o grego Aqueu, que em três dias terá organizado uma divisão armada de 6.000 escravos.
A revolta teve eco noutras regiões da Sicília. Agrigento converte-se no seu segundo centro, sob o comando de um ex-pirata da Cilícia, Cléon.
Depois de ocupar a cidade e todo o território adjacente, formando um contingente de 5.000 escravos, Cléon reconheceu voluntariamente Euno, unificando as forças dos revoltosos.
Um exército romano de 8.000 homens ao mando de um pretor é derrotado. A revolta espalha-se, afirmando Diodoro que o seu número terá atingido os 200.000 sublevados. Todas as cidades importantes do centro e do oriente da ilha caem nas mãos dos escravos: Ena, Agrigento, Tauroménio, Messina, Catânia, talvez mesmo Siracusa.
Forma-se assim na Sicília um peculiar Estado de ex-escravos, apoiado num numeroso exército. Euno Antíoco fez mesmo emitir moeda com o seu nome e título de rei.
Diodoro apenas nos dá uma breve nota sobre o regime social dos ex-escravos nos territórios da revolta (ibidem): «o mais notável de tudo isto é que os escravos rebeldes, preocupando-se sabiamente com o futuro, não incendiaram as pequenas fazendas e não destruíram nem as coisas nem as provisões aí conservadas, e não molestaram aqueles que continuavam a ocupar-se do trabalho dos campos, enquanto que a ralé impelida pela inveja, que se misturou com os escravos, se lançou sobre as aldeias e não só saqueou as propriedades, como também queimou as villae».
Podemos pois deduzir que apenas as grandes villae esclavagistas terão sido destruídas pelos escravos. As pequenas propriedades dos camponeses e dos rendeiros escaparam a essa sorte. É de assinalar que Diodoro distingue perfeitamente entre a acção dos escravos e o comportamento de banditismo do lumpem, chegando a implicitamente acusá-lo de haver prejudicado a causa dos escravos.
Roma teve de enviar para a ilha um exército consular. O cônsul de 134, C. Fúlvio Flaco, não obteve qualquer êxito. O seu sucessor, Calpúrnio Pisão, cônsul de 133, chegou até às muralhas de Ena, mas não consegue tomar a cidade.
Em 132 o cônsul Públio Rupílio põe cerco a Tauroménio (em 133 caíra Numância; as forças romanas ali estacionadas foram enviadas para a Sicília).
Tauromenium é tomada após um longo cerco, sendo os sitiados reduzidos ao último extremo. Diodoro (ibidem): «depois de terem começado por comer as crianças, passaram às mulheres, e acabaram a comer-se entre eles próprios». Mesmo assim, a cidade só cairá graças à traição de um escravo.
Ena teve o mesmo destino, com Rupílio a rodeá-la e a vencer pela fome os revoltosos. Cléon fez uma surtida com uma pequena unidade e morreu em combate. Euno caiu vivo nas mãos dos romanos, para logo ser morto no cárcere.
Rupílio “varreu” depois toda a ilha com pequenas unidades punitivas, eliminando os restos dos revoltosos e os bandidos.
OS ECOS DA REBELIÃO DA SICÍLIA.
As notícias da revolta depressa se espalharam em todo o mundo greco-romano. Orósio, no seu “Contra os pagãos” (V, 9, 5), compara a revolta siciliana a uma mecha ardente que fez brotar incêndios em diversos locais.
Diodoro fala de uma conjura de 150 escravos em Roma; de um levantamento de mais de 1.000 escravos na Ática; de motins em Delos e em outras localidades.
Orósio noticia a crucificação de 450 escravos em Minturnas (Minturnae), no Lácio; de uma rebelião de 4.000 escravos em Sinuessa (ao sul de Minturnas, sobre o limite com a Campânia); fala ainda de um levantamento de escravos nas minas atenienses (Ática); e que em Delos foi possível desbaratar uma conjura de escravos, «ensoberbecidos pela recente rebelião», graças à vigilância dos cidadãos (estes dois últimos casos provavelmente repetem referências já indicadas em Diodoro).
A REBELIÃO DE ARISTONICO.
Esta revolta decorreu na Ásia Menor, de 132 a 130.
O rei Átalo III, que iniciara o seu reinado em 138, falece em 133, em consequência de uma insolação. Foi um déspota cruel. Como os conselhos dos amigos de seu pai (Êumenes II) lhe eram fastidiosos, depois de os haver convidado a vir ao palácio, fá-los massacrar pelos seus mercenários. As esposas e os filhos dos assassinados tiveram a mesma sorte.
Misantropo, entretinha-se a modelar cera e numa peculiar jardinagem de plantas venenosas. Escreveu tratados sobre venenos, enquanto lhes ia testando a eficácia nos seus próximos.
À sua morte, deixa em testamento o reino de Pérgamo ao povo romano. Tentou-se explicar isto pela sua misantropia e também como o reconhecimento do domínio de facto de Roma, num reino à época numa situação sem saída.
Quando Átalo morre, havia agitação entre os escravos e crescia o descontentamento entre os pobres das cidades e a população camponesa. Prova desse estado de coisas é terem então as autoridades concedido o direito de cidadania aos mercenários. Melhoraram também a situação legal dos escravos. As autoridades terão pretendido com essas medidas travar o iminente movimento revolucionário. Talvez Átalo, com o seu testamento, visasse o mesmo objectivo.
Haverá mais tarde outros casos análogos em Estados helénicos: a entrega da Cirenaica a Roma, por testamento de Ptolemeu; e a da Bitínia, também por testamento do seu monarca, Nicomedes III, em 75 (ambas foram anexadas como províncias em 74).
O senado envia a Pérgamo uma comissão de cinco membros, com o encargo de tomarem possessão da herança. A sua chegada (ao que parece, nos inícios do ano de 132) fez precipitar o levantamento.
Aristonico, filho de Êumenes II e de uma cortesã de Éfeso, apresentando-se como pretendente ao trono de Pérgamo, toma a pequena cidade costeira de Leuce (entre Esmirna e Foceia). Depois, diz Estrabão (XIV, 646) que, «derrotado pelos efésios numa batalha naval em Cyme, fugiu de Leuce para as regiões do interior, onde bem depressa logrou juntar uma grande quantidade de deserdados e escravos, chamando-os à luta pela liberdade».
O movimento ganha grandes proporções. As cidades gregas de Tiatira (Thyatira) e de Apolónis (Apollonis), na Lídia, são conquistadas. A vaga revolucionária estende-se para sul, até Halicarnassos, na Cária. Os trácios, no outro lado do Helesponto, intervêm em seu apoio (entre os escravos da Ásia Menor havia muitos trácios).
O filósofo estóico Blóssio de Cumas, amigo de Tibério Graco (já falecido), juntou-se a Aristonico.
Segundo Estrabão, «Aristonico chamava aos seus partidários heliopolitas». É bem possível que o movimento tenha possuído um programa social de carácter utópico com contornos religiosos, como reza a lenda: “O Estado do Sol” seria o reino da liberdade e da igualdade, onde não existiriam nem ricos nem pobres, nem escravos nem amos.
A população livre aderiu em grande número ao movimento, não só nos seus estratos mais pobres, como também nas camadas sociais médias.
O senado teve de enviar à Ásia Menor grandes forças, comandadas pelo cônsul de 131, Públio Licínio Crasso. Os romanos foram apoiados pelos reis do Ponto, Bitínia, Capadócia e Paflagónia.
Aristonico é sitiado em Leuce. Mas, com uma surtida feliz, os revoltosos obrigam os romanos a retirar. Crasso é aprisionado e morto.
Chega o sucessor de Crasso, Marco Perperna, cônsul de 130. Aristonico, derrotado numa grande batalha, retira para Estratoniceia (Stratonicea), onde os romanos o cercam e obrigam a render-se pela fome. Blóssio suicida-se.
Os últimos focos da rebelião serão dominados pelo cônsul de 129, Mânio Aquílio (Perperna falecera logo após a rendição de Aristonico).
Assistido por uma comissão senatorial, Aquílio reestrutura a Ásia Menor. O reino de Pérgamo transforma-se na província romana da Ásia. Os seus territórios orientais são entregues aos reis aliados, mas logo o senado anulará essas concessões (fez-se constar que Aquílio e os membros da comissão haviam sido corrompidos por esses reis).
A província da Ásia, rica e evoluída, foi a primeira a ser entregue aos publicanos (pela lei de Caio Graco). Tornar-se-á um importante ponto estratégico do domínio romano no Oriente. Mas o ódio a Roma permaneceu bem vivo, como o demonstrou a rebelião dos anos de 88 a 85.
(Passamos a uma breve “revisão da matéria”, com Diakov:)
AS PROVÍNCIAS E OS MÉTODOS DA SUA EXPLORAÇÃO POR ROMA.
No ano de 130, as províncias “propriedade do povo romano” (praedium populi Romani) eram dez: Sicília, Sardenha, Córsega, Gália Cisalpina, Espanhas, África, Ilíria, Macedónia (com a Acaia) e Ásia.
Conquistada uma cidade ou região, aos seus habitantes era ordenado que entregassem todo o ouro e prata num dado prazo. Terminado este, os soldados eram autorizados a saquear o restante. Políbio (X, 16): «nunca se empregava mais de metade do exército neste serviço, conservando-se as restantes tropas em armas...Os soldados designados para a pilhagem são obrigados a trazer para a sua legião o despojo, e os tribunos procedem em seguida à partilha...não só pelos que ficaram de reserva, como pelas sentinelas e os doentes».
Todas as minas, pedreiras, salinas, estaleiros navais, instalações portuárias; os grandes domínios fundiários, os olivais e demais plantações, as florestas eram confiscados em benefício do Estado romano.
Estes bens eram postos em hasta pública pelos censores, em arrendamento ou venda.
O dízimo era pago por vezes em espécie (annona), era esse o caso da Sicília. O seu montante variava anualmente, em função dos valores dos contratos celebrados com os publicanos concessionários da cobrança. Os governadores provinciais cobravam ainda diversas prestações, bem como tributos arbitrários.
AS FONTES DA ESCRAVATURA. O NÚMERO DE ESCRAVOS. O SEU PREÇO.
Os juristas romanos diziam que “nasce-se escravo ou cai-se na escravidão”. Os que nela nasciam eram chamados vernae (de ver = Primavera). Como a grande maioria era reduzida pela força à escravatura, designavam-nos por mancipia (de manus capere = “lançar a mão a”).
A escravatura por dívidas foi mantida entre os itálicos que não gozavam do direito de cidade romano.
Os mercadores por grosso de escravos acompanhavam as legiões, comprando nos acampamentos os prisioneiros de guerra, que os questores vendiam sub hasta (“sob a lança”; porque a lança era o símbolo da propriedade quiritária e a venda pública era anunciada por uma lança espetada no local onde iria decorrer) ou sub corona (“sob a coroa” de flores; à semelhança das vítimas oferecidas em sacrifício).
Os traficantes de escravos também os compravam na periferia do Império. Aí os cativos eram um “produto” das incursões e das guerras intestinas entre as tribos “bárbaras”. Grandes centros deste tráfico foram Massília, Aquileia (na Ístria; costa setentrional adriática) e as cidades do Quersoneso Táurico.
Em Roma, ao longo da via Sacra (a mais importante e antiga rua da cidade, que ia do forum ao Palatino), junto ao Capitólio, havia um mercado permanente de venda a “retalho” de escravos.
Um escravo para trabalhos pesados custava, em média, 500 denários. Um escravo instruído (servus litteratus), 2.000. Um bom cozinheiro, 2.500 denários.
No século II antes da era, o número de escravos já excederia o dos homens livres, tanto em Roma como na Itália.
Os escravos de elevada categoria chegaram a ter os seus próprios escravos às ordens (servi vicarii, peculiarii).
Segundo Catão (56, 59), só duas vezes no ano a familia rustica era dispensada do trabalho: nas festas das Compitais, no início de Janeiro, e nas Saturnais, em finais de Dezembro.
A ração mensal média do escravo era de 25 a 30 kg de espelta (que ele próprio moía num almofariz, com ela fazendo pão ou comendo-a em caldo), meio litro de azeite e uma libra de sal.
Os autores antigos referem com frequência castigos a látego e varas; as palmas das mãos queimadas com ferro em brasa para os ladrões; aos que falassem “demais”, as línguas queimadas; os fugitivos eram marcados a ferro em brasa com as letras “FGV”.
Quanto ao pecúlio do escravo, a doutrina dos juristas romanos era a de que “o pecúlio nasce e morre consoante a vontade do amo.
O APARECIMENTO DO LATIFÚNDIO: OS CAMPONESES SÃO DESAPOSSADOS DAS SUAS TERRAS.
Os operários agrícolas livres eram chamados politores (= “os que dão o último amanho à terra”). Recebiam como pagamento de 1/8 a 1/5 da colheita.
As parcelas de mais difícil amanho ou em zonas insalubres eram dadas em arrendamento a camponeses pobres, os colonos, que as cultivavam com as suas famílias. Os arrendamentos celebravam-se por um período de 5 anos, sendo renováveis pelo mesmo prazo.
Ao que parece, nesta época (a de Catão) todo o cidadão romano podia ocupar uma parcela no ager publicus, desde que entregasse anualmente ao Estado uma prestação em espécie, que ia até 1/10 da colheita e a 1/5 da apanha da fruta. Também os criadores de gado que usavam as terras públicas pagavam em espécie.
Catão dá conselhos sobre a lavra temporã, a respeito do uso de diversas espécies de adubos, quanto à enxertia de árvores novas, etc., etc. Mas Catão também fala, entre outras coisas, do pavor que os escravos infundiam aos seus amos (Capítulo IV): «Sede benevolentes com os vizinhos e não deixeis que os vossos escravos cometam contra eles faltas. Se a vossa vizinhança lhes for agradável, encontrareis mais facilidade em vender...em contratar os vossos operários...e se vier a acontecer alguma coisa, assim não o permita a divindade, eles virão de bom grado em vosso auxílio”.
Plínio o Velho escreverá no século I da era: «Os latifúndios perderam a Itália...»
Plutarco (“Tibério Graco”): «Os ricos tinham-se posto a arrendar, por intermédio de testas de ferro, as parcelas dos pobres, que acabaram por ocupar na sua maior parte...os pobres haviam sido expulsos das suas terras».
A Campânia, o Lácio e a Etrúria mantinham ainda um considerável número de pequenas explorações agrícolas, se bem que muitas delas se apresentassem agora enfraquecidas e claudicantes.
No norte, a Cisalpina era uma região de pequena e média propriedade rural, de colonos latinos e romanos.
(A faina numa propriedade média, já eram os escravos a assegurá-la; aliás, podemos considerar estas propriedades médias como “pequenos latifúndios”.)
Entre os samnitas, os pelignos e os marsos, habitando rudes regiões de montanha, a pequena propriedade rural estava ainda intacta.
Quanto aos cidadãos romanos em idade de prestação do serviço militar, possuidores de uma propriedade fundiária, o censo diz-nos que o seu número diminuiu de 20.000 entre os anos de 169 e de 135. No entanto, eram ainda cerca de 300.000 nesse ano de 135.
Dos “deserdados”, uns tornaram-se “colonos”; outros, jornaleiros, trabalhando por um salário ou por uma porção da colheita e ganhando a vida ao sabor das estações. Muitos, já o sabemos, migram para as cidades.
Em meados do século II, surgem em Roma numerosas padarias, tinturarias, forjas, oficinas de sapateiros e outros pequenos ofícios.
A turba passava os seus dias no forum e nos mercados, à espreita de um trabalho ocasional ou de uma qualquer oportunidade de ganharem o seu dia. Os comediantes “infelizes” ali alugavam os claquistas; e ali se compravam os votos para as eleições.
A REVOLUÇÃO CULTURAL EM ROMA DOS FINAIS DO SÉCULO III E COMEÇOS DO II
Roma é agora uma cidade imensa em extensão e no número de habitantes. A ela afluem pessoas de toda a Itália e muitos estrangeiros. São particularmente numerosos os gregos, sírios e judeus.
As mansardas eram construídas com tijolo cru, sobre armação de madeira. Estreitas escadas davam acesso aos diversos pisos. Exíguos eram também os compartimentos onde viviam em promiscuidade as famílias pobres. Atiravam-se as imundícies para os pátios e ruas.
Do Palatino se originou a palavra “palácio”. Aqui as luxuosas residências possuíam peristilos e jardins de teixos e buxos artisticamente aparados, pavimentos de mosaico, paredes revestidas de mármores preciosos e decoradas a frescos; móveis dourados, marfins. Também de um luxo extraordinário eram as casas de campo da aristocracia, situadas em locais afamados pelas suas belezas naturais, como Tibur, ou nas estâncias balneares, como Baias (Baiae), na Campânia.
A nobreza romana deixou-se seduzir por todos os prazeres dos sentidos; por exemplo, pelas modas dos leques de plumas de pavão e dos fantásticos penteados femininos.
Desde os inícios do século II, o preceptor grego é “acessório” obrigatório de toda a família rica. Horácio dirá que «a Grécia cativa conquistou o seu indomável vencedor e deslumbrou com as suas artes o rústico Lácio».
Gneu Névio morrerá no exílio, expulso que foi de Roma.
Énio chega a Roma em 204. Ele troçava abertamente do “rústico” Névio. Nos “Anais”, cantou os heróis romanos, de Eneias a Fábio Cunctator. Foi-lhe concedido o direito de cidade. Quando morre, em 169, é-lhe erigido no cemitério da família dos Cipiões um monumento fúnebre.
É de Terêncio a célebre sentença homo sum: humani nihil a me alienum puto (“sou homem, nada do que é da humanidade me é alheio”).
Para satisfazerem a moda de coleccionar obras de arte, como os originais não bastassem, passam à cópia dos modelos gregos. O Apolo do Belveder é uma dessas reproduções.
Eram particularmente apreciados os quadros de batalhas, que se encomendavam aos pintores gregos.
Na escultura, o antigo costume de moldar em cera as máscaras dos defuntos levou à reprodução do rosto na pedra ou no mármore. A fidelidade ao modelo ia ao ponto de lhe reproduzir até os defeitos fisionómicos. É essa a origem do impressionante realismo do busto romano.
Praefecti fabrum se designavam os arquitectos e os engenheiros (em rigor, de início: os mestres de obra).
Não se conhece o nome de qualquer matemático, físico ou mecânico romano desta época. Apenas se sabe que um oficial romano terá previsto o eclipse solar do ano de 168.
No campo da religião, mencionemos mais uns quantos deuses, em jeito de achega: Reparator era deus do trabalho. Proserpina, a deusa da germinação; Flora, a da floração; Matura “ocupava-se” da maturação das plantas.
O epíteto de Júpiter, Optimus Maximus (= “muito bom, muito grande”) era também atribuído a algumas outras divindades.
Quando os romanos se dirigiam a um ou outro dos seus deuses, consoante as circunstâncias da situação, tratavam de estabelecer com o deus um laço contratual (religio), vinculativo para a parte humana e para a divina. Se todas as formalidades do acto religioso eram observadas a rigor, se todas as cláusulas da fórmula haviam sido enunciadas, então a divindade estaria obrigada a cumprir o que se lhe pedia.
OS PRIMEIROS LEVANTAMENTOS DE ESCRAVOS.
Tito Lívio (32, 36) situa no ano de 198 a conjura dos reféns púnicos em Sétia. Os cartagineses tencionariam apoderar-se de navios, no porto vizinho de Circeios. Após a denúncia, o pretor urbano de Roma deslocou-se a Sétia com tropas. Muitos dos conjurados foram de imediato supliciados. Quinhentos deles terão tentado a fuga, acabando por serem capturados.
Tito assinala também a revolta de 196 na Etrúria. Terá sido necessária uma legião para a reprimir. Os chefes do levantamento foram crucificados; os escravos sobreviventes, depois de castigados, restituídos aos seus donos.
O levantamento na Apúlia de 185 levou muito tempo a ser dominado. Lívio (39, 29): «Infestavam com os seus ataques de salteadores os caminhos e as pastagens públicas». Cidades do sul terão mesmo chegado a estar isoladas. Uma expedição punitiva é enviada desde Tarento contra os escravos rebeldes. Depois de os esmagar, o pretor condenou à morte 7.000 escravos...mas a sentença não pôde ser integralmente executada, pois um grande número deles fugira.
Os escravos sírios tinham fama de serem hábeis operários e bons agricultores. Agrigento, onde Cléon seria escravo palafreneiro, era à época da revolta um centro da produção de azeite. Numa outra versão da tradição, Cléon não seria um ex-pirata cilício, mas ter-se-ia entregue na juventude ao roubo à mão armada nas montanhas do Taurus.
Orósio diz que Rupílio chacinou em Ena mais de 20.000 escravos.
Em Pérgamo existiam grandes oficinas reais de fabrico de tapeçarias e de pergaminho. Os operários que ali trabalhavam eram livres.
As opulentas cidades da Ásia Menor, com Éfeso à cabeça, participaram na coligação contra Aristonico.
Após a sua captura, Aristonico foi levado para Roma, onde é estrangulado no cárcere, em 129.
(Finda aqui a “revisão”.)