Capítulo XXVIII - A cultura romana nos finais da República e no início do Império
NA ÉPOCA DAS GUERRAS CIVIS.
À época do começo das guerras civis, a sociedade romana já absorvera muitas das realizações da cultura helénica, reelaborando-as numa forma própria, itálica. Vimos como os preceptores e mestres estrangeiros (muitas vezes escravos) desempenharam um papel essencial neste processo de evolução cultural. “Helenizando” os romanos, eles próprios se foram “romanizando”, integrando-se organicamente na sociedade e na cultura do vencedor.
Após as grandes conquistas e a “importação” de elementos culturais exteriores, vieram épocas de tensão política e de luta aberta das classes, a guerra dos socii, as lutas pelo poder entre facções da classe dominante. Todas estas convulsões sociais tiveram forçosamente de se reflectir no processo cultural e, ao mesmo tempo, “acicataram-no”.
Posteriormente, o largo período de paz que se seguiu às guerras civis trouxe consigo a predominância dos círculos intelectuais esclavagistas mais conservadores. O “século de ouro” de Augusto dar-nos-á a poesia de Ovídio, a historiografia conservadora de Tito Lívio, a lírica epicurista de Horácio.
A ORATÓRIA POLÍTICA E FORENSE.
É no período das guerras civis que a língua literária latina atinge o seu pleno desenvolvimento (ela será mais tarde um poderoso instrumento na evolução da cultura europeia). A oratória, imprescindível nas vivas lutas políticas de então, teve nisso um papel determinante.
Recordemos os Gracos, Tibério e Caio, oradores políticos de excepção. Depois deles encontramos, na política e na actividade forense, toda uma série de eminentes oradores.
Lúcio Licínio Crasso (140 – 91), que já na sua juventude se distinguia na oratória, terá sido, ao que parece, o que mais eminente orador de então. A sua intervenção contra C. Papírio Carbão (um trânsfuga do campo dos Gracos) ficou célebre: arrasando Carbão, levou-o ao suicídio.
Crasso, ao serviço do governo romano no Oriente, vivera algum tempo em Atenas, onde pôde escutar os maiores oradores e mestres de oratória. Após o seu regresso a Roma tomou parte em alguns processos judiciais e na vida política, como homem do partido senatorial. Cícero considerava-o um dos maiores oradores romanos, que sabia juntar a elegância de expressão à acutilância nos seus discursos.
A arte oratória romana foi depois muito influenciada pela retórica da escola asiática, com o seu “rebuscamento”, o seu gosto pela forma, pela enfática, o sentido do ritmo no discurso, etc. O maior representante da corrente “moderada” desta oratória foi Molão de Rodes, mestre de todos os grandes oradores romanos do século I ae. Ao que parece, terá sido seu aluno Q. Hortênsio (114 – 50), advogado e membro do “partido” dos optimates, considerado o melhor orador do seu tempo até ao advento de Cícero.
Com Marcus Tullius Cicero a oratória romana atinge o seu apogeu, mas perdendo em sinceridade e arrebatamento emocional. Cícero teve uma excelsa instrução retórica, primeiro em Roma, depois em Atenas, onde frequentou as aulas de famosos mestres e pôde escutar os mais brilhantes oradores da época. A agitada época em que viveu deu-lhe a oportunidade de pôr à prova e de exercitar os seus conhecimentos e talento. Além de grande número de discursos políticos e forenses, chegaram até nós algumas das obras que escreveu sobre teoria da arte oratória: “De oratore”, Brutus”, etc.
O seu estilo pode caracterizar-se como “moderadamente asiático”. Os discursos são de elaboração muito esmerada e compostos sempre segundo a mesma estrutura. A premissa (exordium). A exposição dos factos (narratio). Parte principal (probatio). Em seguida uma síntese desta peça principal (repetitio). Por fim, a conclusão (peroratio).
Orador extraordinariamente multifacetado, com a mesma facilidade passava do tom comovente à ironia ou ao ataque violento. O seu vocabulário é vastíssimo. Usa a metáfora, a comparação e outras figuras de estilo. Recorre amplamente à prosa rítmica (tal como a escola retórica grega de que foi “aluno”).
Os seus discursos e obras literárias, apesar do carácter artificioso, patético e rebuscado, tiveram grande influência na evolução posterior da prosa latina. Já bem depois da sua época, Cícero será tido em grande apreço pelos “padres da Igreja” (os primeiros teólogos, na tradição católica). No Renascimento, os criadores dos idiomas literários da nova Europa inspirar-se-ão na sua obra. Ainda mais tarde, na grande revolução burguesa francesa, vemos que os “tribunos” de então lhe estudaram os discursos, procurando imitá-los.
A PROSA HISTÓRICA.
Aqui interessa-nos a sua contribuição no processo de desenvolvimento da língua latina. A retórica grega, “importada” para a historiografia pelos analistas menores, é superada pelos mestres do estilo que foram Salústio e César. O primeiro tomou por modelos Tucídides e Catão, que estudou a fundo. O segundo, excelente literato e orador, “racionalizou” a prosa latina. A sua linguagem é clara e simples, tal como a construção sintáctica. Despreza a ornamentação retórica, em especial o discurso rítmico. O idioma literário de César converteu-se em exemplo para os autores do “latim áureo”, na época imediatamente posterior.
A FILOSOFIA.
CÍCERO.
A especulação filosófica foi, por muito tempo, algo de estranho ao carácter prático da cultura romana. Ela veio “importada” da Grécia, pela mão de Cícero, numa época em que as correntes dominantes foram o cepticismo académico “moderado” e o estoicismo (séculos II e I). O ecléctico Cícero recolheu nesses “sistemas” as teses que lhe pareceram mais razoáveis.
Aos da sképsis (= indagação) foi buscar a doutrina (da Nova Academia; Carnéades de Cirene) do maior grau de probabilidade como “critério de verdade”. Não sabemos qual seja a representação verdadeira de um objecto, isto é, qual a representação que de facto lhe corresponde. Mas podemos dizer qual é a representação desse objecto que parece ser verdadeira para o sujeito. Se esta representação plausível ou que persuade o sujeito (pitanon) não é contraditada por outras representações sobre o mesmo género de objectos, ela tem um grau maior de probabilidade de verdade. A título de exemplo, assim os médicos diagnosticavam uma doença, por constatação de vários sintomas concordantes.
Aos estóicos, algumas ideias que achava serem comuns a todos os homens. A da imortalidade da alma, a da existência de Deus, etc.
Entre os escritos filosóficos de Cícero destacam-se: “De finibus bonorum et malorum”; “Tusculunae disputationes” (uma exposição crítica do que Cícero considerava serem os principais ensinamentos da filosofia grega); “De officiis”; “De natura deorum”; “De divinatione”.
As suas obras “De Republica” e “De legibus”, célebres na antiguidade, se bem que contenham alguns elementos de tema filosófico, pertencem ao tipo dos tratados políticos.
Cícero visou com os seus escritos um propósito de divulgação, e não propriamente uma crítica científica. Num idioma simples e grácil, realizou um magnífico labor de tradução à língua latina da terminologia filosófica grega. Porém, por falta de um conhecimento aprofundado sobre o pensamento filosófico grego, comete muitos erros na exposição das diversas doutrinas e noções filosóficas.
Já na Idade Média, as obras de Cícero de divulgação de temas filosóficos gregos serão uma das primeiras fontes para os homens da nova Europa.
LUCRÉCIO.
De Tito Lucrécio (ap. 98 – 54) apenas conhecemos um poema em seis livros, “De rerum natura”, escrito em hexâmetros, inacabado e insuficientemente elaborado.
Se as suas concepções filosóficas são colhidas no epicurismo, já o seu poema se apresenta como único na literatura mundial. Lucrécio conseguiu fundir nele, de modo harmónico, a ciência, a filosofia e a poesia. Em quadros de vivas cores, apresenta-nos a natureza e sociedade humana em incessante processo de desenvolvimento, como mundo de matéria em eterno movimento segundo leis próprias e imutáveis.
Tendo vivido uma época de tremendos conflitos civis, em que imperou a descrença no amanhã, o espectro da morte e o medo aos deuses, Lucrécio pretendia libertar os homens desses temores através da filosofia de Epicuro, que negando a imortalidade da alma, as recompensas e as punições divinas de uma vida além-túmulo e a intervenção dos deuses na vida dos homens – os deuses só existem nos espaços entre os mundos; com os mundos os deuses nada têm a ver –, afirmava ser possível alcançar a felicidade humana.
Humanista (e optimista), Lucrécio acreditava no futuro da humanidade. Sublinhava que, do estado animal, o homem soubera erguer-se até ao cume da civilização.
Na segunda parte do livro V, numa notável descrição do desenvolvimento da sociedade humana, curiosamente, toma para base desse processo a evolução verificada nos instrumentos de trabalho.
A CIÊNCIA.
A tentativa de Lucrécio de fazer uma síntese teórica científica sobre a vida na natureza e na sociedade foi única no mundo do pensamento romano. Os outros estudiosos romanos da época ficaram-se pelas simples recompilações de conhecimentos, elaboradas de um modo empírico primário.
A engenharia militar romana nunca descurou as inovações científico-técnicas alheias e ela própria foi geradora de soluções originais. Porém, na comum vida social, em geral, as ciências naturais foram descuradas (a peculiar economia de Roma e da Itália “explicam” esse desinteresse). Relembremos a título de exemplo que César, para a reforma do calendário, teve de se valer de um astrónomo alexandrino.
Varrão foi o máximo representante da ciência romana (e dos seus “recompiladores”) nesta época.
No campo das ciências sociais (além da história), os eruditos romanos continuaram a dar atenção à ciência jurídica e à linguística latina.
A POESIA.
A SÁTIRA.
Com o correr do tempo, a sátira, de composição ligeira de tema variado em prosa ou verso, adquire a sua forma final, a de poesia de crítica sarcástica e mordaz dos usos sociais).
O primeiro representante desta nova sátira é Caio Lucílio (ap. 180 – 100), um rico cavaleiro romano que foi amigo de Cipião o Jovem. Tendo vivido a época de reacção política posterior aos Gracos, foi testemunha da decadência e corrupção que as camarilhas oligárquicas trouxeram então a Roma. Escreveu trinta livros de sátiras, de que nos chegaram cerca de 600 fragmentos, em parte em versos hexâmetros, em parte em jâmbicos e troqueus. O elemento satírico não é constante em Lucílio, porém, nos trechos poéticos onde surge, tem um claro carácter de crítica e denúncia. O poeta usou largamente do falar popular nos seus versos, o que também contribuiu para lhe suscitar uma grande adesão do público.
De Varrão, que compilou uma grande colecção de “Sátiras Menipeias”, em cento e cinquenta livros, apenas se conservaram alguns fragmentos em mau estado (a Menipo, um grego do século III, foram os poetas romanos buscar a forma da sátira poética).
A LÍRICA.
CATULO.
Género literário intimista, a lírica não se coadunou, por muito tempo, com a mentalidade das camadas cultas da população romana. Com a crise social e a decadência da vida pública ela faz a sua aparição, tomando por base a lírica grega e, em particular, a rebuscada poesia alexandrina.
No século I ae, em Roma, um grupo de jovens poetas aristocráticos (Valério Catão, Licínio Calvo, Valério Catulo, etc.) forma o seu círculo literário e iniciam a reforma da poética latina, abandonando os arcaísmos de Énio e introduzindo as variedades métricas da lírica grega.
O mais famoso desses poetas foi Caio Valério Catulo (ap. 87 – 54), nascido em Verona (nordeste da Itália) numa rica família de equites. Seguindo o “alexandrinismo”, então em voga, algumas das suas obras estão redigidas num estilo artificioso, pleno de referências eruditas.
Escreveu também versos de carácter político. Inflamados epigramas contra César e a sua camarilha, denunciando-lhes a pilhagem da Gália (Catulo, todavia, depressa se reconciliou com o futuro ditador).
Mas é nos versos inspirados pelo seu ardente e atormentado amor por Clódia (irmã do já nosso conhecido Públio Clódio) que o grande poeta melhor se revela. Neles pinta todas as etapas e peripécias da sua paixão, desde o primeiro encontro até ao trágico desfecho... «Odi et amo, quare id faciam, fortasse requiris / Nescio, sed fieri sentio et excrucior» (Odeio e amo, porquê, perguntar-me-ás / Não o sei, mas é assim que o sinto e sofro).
O TEATRO.
Após a época dos Gracos o teatro dramático entrará em rápida decadência. Lúcio Ácio (ap. 170 – 85), filho de um liberto úmbrio, foi o último grande dramaturgo da época republicana. Escreveu cerca de cinquenta tragédias, de que apenas nos chegaram alguns versos, onde imitava os gregos (sobretudo Ésquilo, Sófocles e Eurípides). Também redigiu dois praetextae, Bruto (com a expulsão dos Tarquínios de Roma por tema) e Aeneades (sobre a morte de Décio Mus na atalha do Sentino).
No século I ae a tragédia e a comédia serão “destronadas” por um género cénico menor, a “atelana” e o “mimo”. Estas pantominas (de que Sila era um “devoto”) ganham então uma elaboração literária. Nos começos desse século, os poetas romanos Pompónio e Nóvio dão à atelana uma forma literária precisa (deles se conservaram a referência a numerosos títulos e alguns pequenos fragmentos). Sob essas novas “vestes”, a atelana difundiu-se largamente. É considerada a forma “ancestral” da commedia dell’arte italiana.
O mimo romano terá usado por modelo composições gregas análogas da época helenística, não obstante haver existido em Itália um género próprio de farsa popular rústica, que lhe serviu de base. Também o mimo ganha forma literária no início do século I ae. Os mais famosos autores de mimos foram o cavaleiro romano Décimo Labério e o liberto Publílio Siro.
Enquanto a “atelana” se fundava em quatro personagens principais fixos (Papo, Dosseno, Maco e Bucão), actuando nas mais variadas situações e papéis (inclusive os femininos), o mimo oferecia uma maior liberdade tanto ao autor como aos actores. As personagens não eram “máscaras” e os papéis femininos eram representados por mulheres. A improvisação era constante. A vida quotidiana fornecia os temas para as peças, onde se “enxertavam” ainda quadros de episódios mitológicos ou de histórias de aventuras. A linguagem usada era a popular.
Correspondendo aos “gostos do dia” do espectador romano, o mimo manter-se-á sobre os palcos de Roma até aos finais do Império.
NO PRINCIPADO DE AUGUSTO.
O imperador protegeu as correntes literárias acordes com o seu programa conservador. Virgílio e Horácio foram protegidos como “poetas da corte”. A Tito Lívio foi perdoada a sua “veia republicana”, dado o carácter patriótico e conservador da sua obra.
Da mesma sorte não terá gozado Asínio Polião, apesar de amigo de Augusto, pois que terá sido obrigado a deixar inacabada a sua “História das guerras civis” (uma das prováveis fontes de Apiano). As obras de Labieno foram queimadas por ordem do senado. O mesmo acontecerá à obra de Cremúcio Cordo nos tempos de Tibério, por narrar de modo hostil as origens da nova monarquia romana.
No “arrebanhar” dos literatos, Augusto contou com o auxílio de vários “colaboradores”. O mais célebre deles, que deu o seu nome a este tipo de patrocínio, foi Caio Cílnio Mecenas, um amigo íntimo do imperator. Em sua casa reunia um círculo de escritores e poetas, entre os quais Virgílio, Propércio, Horácio. Ajudava-os generosamente, desde que conformassem a sua actividade aos desejos imperiais.
Um outro círculo literário formou-se à volta de Marco Valério Messala Corvino. Este, se bem que partidário de Augusto, terá mantido as suas antigas convicções republicanas. Frequentavam-no vários poetas importantes (Tíbulo, por exemplo).
VIRGÍLIO.
Públio Virgílio Maro (70 – 19 ae) nasceu numa aldeia perto de Mântua, nas margens do Pó. O pai era um rico proprietário de terras e proporcionou-lhe uma boa educação. Virgílio estudou em Cremona, em Milão e Roma. Já terminados os estudos, foi privado da propriedade da sua família, confiscada em 42 a favor dos veteranos de Octaviano. Conseguirá, mais tarde, que lhe restituam as terras.
Alcança pela primeira vez a notoriedade com as suas “Bucólicas”, dez éclogas, canções pastorais do tipo dos idílios de Teócrito de Siracusa. Em algumas das éclogas, sob o aspecto de pastores, o poeta representa personagens seus contemporâneos, e são frequentes as referências aos acontecimentos políticos de então.
Estas éclogas constituem, em rigor, a primeira obra poética do “século de ouro” da literatura romana. A obra atraiu a atenção de Mecenas e, por intermédio deste, a de Octaviano.
Satisfazendo um “pedido” de Mecenas, surge a sua segunda obra importante, as “Geórgicas”. É consagrada à agricultura, que as guerras civis haviam arruinado. O poema compõe-se de quatro livros. O primeiro é dedicado à lavoura. O seguinte a criação de árvores e plantas. O terceiro, ao gado. O derradeiro, à apicultura. Virgílio trabalhou nesta obra durante sete anos, servindo-se de numerosas obras técnicas e literárias sobre estes temas.
A sua obra maior, que lhe trouxe a glória imortal, é a “Eneida”, um poema épico em doze cantos. Apesar de nele haver trabalhado durante dez anos, não conseguiu acabá-lo. A cumprir o testamento de Virgílio, a obra teria sido destruída após a sua morte. Augusto porém não o consentiu e ordenou a publicação do poema, tal como se encontrava à morte do poeta.
A “Eneida” imita os poemas homéricos pela composição, no “método” de episódios distintos, no género de linguagem. Se há muito de artificioso no poema, ele não deixa de ser, no entanto, uma das obras maiores da literatura mundial. Virgílio é o guia de Dante na “Divina Comédia”.Voltaire considerava-o superior a Homero. A “Eneida” foi o primeiro grande poema romano, escrito por um grande mestre da palavra na época de apogeu da literatura latina.
Virgílio não se propôs apenas um fim artístico, politicamente, visou glorificar o povo romano e afirmar-lhe o “destino providencial”, tratando de enaltecer simultaneamente a estirpe de Augusto. É por esta última razão que “escolhe” para base do poema a lenda da fuga de Eneias até Itália.
O poema começa com a descrição da tempestade que surpreende Eneias e os seus companheiros durante a travessia da Sicília para a Itália, no sétimo ano da sua “peregrinação”. A tormenta fora provocada por Juno, inimiga dos troianos, mas a mãe de Eneias, Vénus, aplaca a fúria do mar, dirigindo o navio para a costa africana. Dido, rainha de Cartago, recebe-os festivamente e, logo se enamorando de Eneias, pede-lhe que faça o relato das suas aventuras: da queda de Tróia e da sua fuga (livros II e III, que constituem os melhores cantos do poema).
Eneias e Dido celebram o seu matrimónio, porém, Mercúrio, enviado de Júpiter, ordena a Eneias que abandone a esposa e rume a Itália, onde havia de fundar um novo reino. Eneias submete-se à vontade dos deuses e Dido, em desespero, mata-se.
Desembarcando na costa itálica (livro VI), perto de Cumas, Eneias entra na caverna da Sibila e, juntamente com ela, desce até ao reino dos infernos. Ali encontra seu pai, Anquises, que lhe mostra o futuro destino de Roma. Ante Eneias desfilam os seus sucessores, de Rómulo a César e Augusto.
Da boca de Anquises, surge o célebre paralelo histórico entre os romanos e os outros povos, os gregos em particular: «Outros com mais primor rostos viventes / Farão de bronze duro ou fino mármore; / Oradores haverá mais eloquentes; / sábios poderão com mais seguro juízo / O céu esquadrinhar e as estrelas, / E os giros medir e o poder delas. / Tu, romano, reger deves o mundo; / Isto, e pazes ditar, te assina o fado...
Os cantos seguintes narram as aventuras de Eneias no Lácio. O rei Latino recebe e dá agasalho aos troianos, e quer dar a Eneias a sua filha Lavínia por esposa. Juno, porém, suscita a discórdia entre troianos e latinos. O principal inimigo de Eneias é Turno, rei dos rútulos, a quem Lavínia antes fora prometida. O poema interrompe-se à morte de Turno às mãos de Eneias.
HORÁCIO.
Bem diferente da lírica apaixonada e plena de contradições de Catulo será a de Horácio, serena e equilibrada, em poemas que “sabem” apreciar a vida e gozar plenamente da felicidade que ela lhe oferece.
Quinto Horácio Flaco (65 – 8 ae) era filho de um liberto, possuidor de uma pequena propriedade na Itália meridional. Na sua juventude Horácio fora republicano. Em Atenas, onde terminou os seus estudos, ingressa no exército de Bruto como tribuno militar. Na batalha de Filipos, Horácio fugirá do campo de batalha.
Os seus bens foram confiscados e Horácio é obrigado a permanecer no exílio durante algum tempo. Amnistiado, regressa a Roma, onde trabalha como escrivão. As suas primeiras composições poéticas vão atrair a atenção de Mecenas, que acabará por o proteger. Presenteado com uma pequena propriedade nos montes Sabinos, levando ali uma existência amena, em contacto com a natureza e rodeado de amigos, o poeta viverá então o seu período mais criador.
Elevou a métrica latina à perfeição absoluta. Ele próprio, exagerando, diz (Odes, III, 30): «Fui o primeiro a transformar as canções eólicas em ritmos dos ítalos». Já antes Catulo e outros poetas se haviam dedicado à reforma da métrica latina, mas Horácio superou-os pela variedade métrica, pela riqueza da linguagem, pela elegância das imagens.
Nas odes a sua poesia alcança a plena maturidade. Os gramáticos romanos designavam por esse nome composições poéticas breves, de tema diverso. Horácio chama-lhes simplesmente carmina (“poesias”). Chegaram-nos cento e três poesias, reunidas em quatro livros. Além da perfeição da forma poética, sobressai nelas um aprazível humanismo e a concepção epicurista da vida.
Carpe diem (“aproveita o dia presente”): «Não te importe saber o que trará o amanhã, aceita contente a jornada de hoje que te foi concedida pela sorte e não descuides, amigo meu, nem a dança nem as carícias da amada».
É célebre a trigésima ode do livro III, designada “Monumento”: «erigi um monumento mais perene que o bronze, mais alto que as pirâmides reais...
Entre as suas outras obras têm particular importância as epistulae, um novo género poético por ele criado (todas as epístolas estão compostas em hexâmetros). A terceira epístola do livro II, dirigida aos irmãos Pisão e intitulada De arte poetica, é um tratado teórico sobre a arte poética, em especial, a dramática. Nela Horácio expõe com concisão as teorias estéticas gregas, fundando-se sobretudo em Aristóteles. Esta epístola foi durante muito tempo guia para a criação dramática. No século XVII, o poeta francês Boileau usará essas teorias estéticas para compor a sua “Art poétique” (1674), que serviu de fundamento teórico ao “classicismo” dos tempos modernos.
OVÍDIO.
Tendência muito diferente foi a seguida por Públio Ovídio Naso (43 ae – 17 da era), que provinha de uma velha e rica família de cavaleiros de Sulmona (Sulmo), no Bruttium. Como era de uso à época nas famílias ricas, recebeu uma excelente educação retórica. Depois dos estudos em Roma, para os complementar, faz a “habitual” viagem até à Grécia e à Ásia Menor.
Regressando a Itália, a instâncias do pai, tenta iniciar uma carreira política, no que fracassa rotundamente. Atraído desde muito jovem pela poesia, decide então dedicar-se inteiramente a essa sua paixão, e a uma existência de rico ocioso. Através da sua terceira esposa, de ascendência nobre (da primeira divorciara-se e a segunda, ao que parece, terá morrido), Ovídio conseguiu fazer-se acolher pelos altos círculos da sociedade romana.
A sua obra literária divide-se em três períodos. Um primeiro, de elegias amorosas, de intensa carga erótica, granjeou-lhe a fama entre as camadas cultas da sociedade romana. As suas obras desta época são: os Amores, compostos por três livros; as Heroides, cartas de amor “escritas” por heroínas míticas e pelos seus amantes; “A arte de amar” (três livros); e o pequeno poema “Remédios de amor”.
Com o passar do tempo, Ovídio vai dedicar-se a outros temas. Para isso terá contribuído a “censura” de Augusto, descontente com o carácter amoroso e erótico das primeiras obras do poeta. Assim, nos anos anteriores ao seu exílio, Ovídio trabalhará nos seus “Fastos” e nas “Metamorfoses”.
Nos “Fastos”, quis descrever as principais festividades romanas e a sua origem. O poema devia compor-se de doze livros, tantos quanto os meses do ano, mas Ovídio apenas deu forma aos seis primeiros (até ao mês de Junho).
Em “As metamorfoses”, a sua obra principal, em quinze livros, “narra” as fabulosas transformações que se operam nos deuses, nos homens e nas coisas, desde o Caos (chaos: a massa confusa donde se formou o Universo), do qual nasce o mundo, até Júlio César, cuja apoteose (divinização) canta.
A prodigiosa variedade dos temas, a sua fervilhante imaginação, a pureza do seu latim literário (por vezes a raiar o discurso retórico), assegurou um grande êxito à obra ainda em vida do poeta.
O filho do Sol, Phaeton (Faetonte), que quis conduzir o carro de fogo e, pela sua inexperiência, quase destrói a Terra, incendiando-a. Philemon e Baucis (Báucide). Pygmalion, que se apaixona pela estatueta de mulher que esplendidamente talhara num dente de elefante. Daedalus (Dédalo) e Icarus (Ícaro), os primeiros homens a elevarem-se aos céus com as asas que eles próprios haviam construído, bem como muitos outros episódios de “As metamorfoses” serão a partir daí “glosados” na literatura e na arte mundial.
Ovídio ainda não havia terminado a sua obra-prima quando cai na desgraça de Augusto. Em desespero, o poeta queimou o manuscrito de “As metamorfoses”. O seu texto será reconstruído através das cópias que já antes circulavam em Roma.
Em 8 da era, por ordem de Augusto, Ovídio é condenado ao exílio na pequena cidade fortificada de Tomos (Tomi, antiga Mésia; junto à actual Constança, na Roménia;), na costa do Mar Negro. Por algumas referências do próprio Ovídio, o poeta ter-se-á envolvido numa das muitas “histórias” amorosas de Júlia, a neta do imperador, exilada também nessa época. De nada valeram a Ovídio os rogos dos amigos e da esposa, nem Augusto nem o seu sucessor, Tibério, lhe perdoaram, e o poeta irá morrer em Tomos, no ano 17 da era.
No desterro vai escrever “Os (versos) tristes” (em cinco livros) e as “Cartas do Ponto” (quatro livros), onde podemos encontrar “momentos” de grande valor poético. Por exemplo, o relato da sua última noite em Roma, a descrição da tempestade que o surpreendeu na viagem, os belíssimos quadros da natureza “selvagem” no país de exílio.
A HISTORIOGRAFIA.
Já conhecemos o maior historiador da época, Titus Livius. Entre os escritores menores há a destacar Pompeio Trogo, originário da Gália Narbonense. Escreveu a Historiae Philippicae (em quarenta e quatro livros), dedicada em especial à história da Macedónia, de que só nos chegaram breves sumários (de todos os livros) e uma sucinta relação sobre toda a obra, escritos pelo reitor Marco Juniano Justino no século II.
As grandes personagens da época, Agripa, Mecenas, Messala, o próprio Augusto, escreveram as suas “memórias”, infelizmente para nós perdidas.
A CIÊNCIA.
A ciência mantém o carácter empírico, descritivo e de aplicação concreta que lhe assinalámos nos tempos das guerras civis. É disso exemplo o famoso trabalho “Sobre a arquitectura” (em dez livros) de Vitrúvio Polião.
A obra não refere apenas a arquitectura propriamente dita, expondo também matérias de mecânica aplicada. Vitrúvio descreve, por exemplo, os mecanismos de elevação em geral; processos de elevação das águas; de medir as distâncias percorridas por um veículo.
Entre as outras ciências, desenvolve-se significativamente a geografia. Agrippa (66 – 12 ae), o genro de Augusto, elaborou uma grande carta geográfica do mundo então conhecido.
O grego Estrabão (66 ae – ano 24 da era), natural do Ponto, escreve em língua grega a sua “Geografia” (em sete livros), baseada em grande parte em observações pessoais. A obra chegou-nos quase completa e é a nossa fonte principal para a geografia da antiguidade.
Um continuador da tradição dos eruditos polígrafos romanos foi Marco Vérrio Flaco.