Capítulo II - Quadro geral dos acontecimentos internos em França
1. A CONSOLIDAÇÃO DA REPÚBLICA. O CARÁCTER DA CONSTITUIÇÃO.
Ao longo de todo o período que estamos a considerar, a França continuou a ser um país em que a economia rural prevalecia sobre a indústria e em que o artesanato e os pequenos estabelecimentos predominavam sobre as grandes fábricas. O capital bancário, os juros dos depósitos nos bancos, a pequena propriedade mobiliária e imobiliária, eis os traços característicos da economia francesa da época. Em 1869, a população de França era de 38.400.000 habitantes, de 39.100.000 em 1903, e, em 1906, de 39.250.000. Nos primeiros anos do século XX a população activa (com retribuição directa) atingia o número de 15.880.000. Por sua vez, este número incluía donos de estabelecimentos industriais, comerciais e artesanais, donos de propriedades agrícolas e, em geral, pessoas que dirigiam esta ou aquela unidade económica independente, além dos empregados públicos, tudo num total de 4.870.000 homens; jornaleiros e, em geral, os chamados trabalhadores “isolados” (serviço doméstico, criados rurais, etc.), que somavam 4.130.000 pessoas; e, por fim, os operários e empregados dos estabelecimentos industriais, mineiros, comerciais e artesanais, em número de 6.880.000. É interessante fazer a análise mais detalhada da primeira destas cifras, a que inclui as pessoas com uma actividade independente: deste número, 42% ocupava-se na economia rural, 29% no comércio, 12% na indústria e no artesanato, e os restantes 17% correspondiam aos empregados públicos, profissões liberais, etc. O que significa que a economia camponesa independente continuava a ser, tal como no passado, uma camada numerosíssima e socialmente importante. A pequena burguesia rural conservava-se firmemente numa sólida posição social.
Feito este quadro da população, prossigamos com a nossa análise. Já a partir de meados do século XIX se iniciara, em França, um rápido crescimento quer na cifra absoluta dos capitais “excedentes”, quer no total de possuidores de pequenos capitais; na última década do século XIX e nos primeiros anos do século XX, estes dois fenómenos continuaram a desenvolver-se duma forma paralela. Os bancos franceses, que haviam concentrado os depósitos duma imensidade de pequenos aforradores, exportavam o capital em proporções gigantescas, colocando-o ora na forma de empréstimos a governos e entidades administrativas locais doutros países, ora em empreendimentos industriais privados, em negócios fiscais e em caminhos-de-ferro no estrangeiro. Calculou-se que em meados da última década do século XIX estavam investidos cerca de 40.000 milhões de francos de capitais franceses em empresas e empréstimos estrangeiros, e que, aquando do começo da I guerra mundial, essa cifra atingira já um total de 47-48 mil milhões. Também foram invertidas somas consideráveis em empréstimos internos e em empresas francesas. Todavia a produção industrial crescia, em França, de um modo muito mais lento que os capitais disponíveis. Na sua incessante expansão, o capital francês aumentava a quantidade de operários no país, mas em menos do que crescia o número de pequenos e médios depositantes. Quanto ao predomínio político, ele pertencia, na França, mais que aos industriais, aos bancos e à bolsa.
Assente nesta base social, o regime da república burguesa resultara bem mais sólido do que aquilo que seria de esperar, tanto por amigos como inimigos. Após o soçobrar da Comuna, consolidou-se definitivamente em França um regime republicano fortemente centralizado, “uma república com instituições monárquicas”, como a definiam os teóricos ingleses de Direito Constitucional.
É preciso recordar que o regime republicano, na França, só se conseguiu afirmar através duma árdua luta. Os monárquicos das mais diversas tendências e matizes estavam em maioria na Assembleia Nacional eleita em Fevereiro de 1871; e a república então só se salvou porque, em primeiro lugar, temiam que o restabelecimento da monarquia viesse a provocar a agitação popular e novas revoltas (as recordações da Comuna mantinham-se vivas na forma de um terrível e ameaçador espectro), e, em segundo lugar, porque era impossível aos monárquicos unificar as forças em torno dum único candidato. O chefe do poder executivo, Thiers, que decidira apoiar a República, foi derrubado pelo voto da Assembleia a 24 de Maio de 1873, sucedendo-lhe, na qualidade de presidente da República, o marechal Mac-Mahon. Este, apesar de monárquico declarado, não se atreveu todavia a restaurar a monarquia. Ano após ano, tornava-se mais evidente que as camadas mais numerosas e influentes da burguesia, nada interessadas a arriscar-se em novas aventuras políticas, davam o seu apoio à República. Em 1875 a Assembleia aprovou a nova Constituição francesa (a que vigora, com ligeiras modificações, ainda nos nossos dias [esta constituição teve vigência até 1940]). A 16 de Maio de 1877, Mac-Mahon tentou governar sem tomar em consideração a maioria republicana que se formara na Câmara de Deputados após as eleições de 1876 (inversamente, no Senado, eram os monárquicos que detinham uma muito ligeira maioria). Mac-Mahon, contrariando a vontade da Câmara – que dissolveu de seguida para convocar novas eleições –, mantivera em funções o gabinete; as eleições, que tiveram lugar em Outubro de 1877, deram por resultado cerca de 320 deputados republicanos e 210 monárquicos. Em Janeiro de 1879 gerou-se um novo conflito entre o presidente e a Câmara, e Mac-Mahon teve de demitir-se. A 30 de Janeiro de 1879 Jules Grévy, um velho republicano, é eleito presidente. Assim terminou esse primeiro período difícil da luta da III República pela sua própria existência.
Debrucemo-nos agora sobre as principais características desta Constituição republicana. A República francesa configura-se como a mais centralizada de todas as grandes potências militares; no seu ordenamento jurídico e na sua prática administrativa mantêm-se em pleno vigor, até hoje, inúmeras leis e disposições dos tempos de Napoleão I, da Restauração e de Napoleão III. Todo o esqueleto administrativo, toda a estrutura do aparelho governativo, todos os hábitos e procedimentos judiciais e administrativos permaneceram quase iguais ao que foram no Império. A centralização mais rígida, a absoluta impotência dos governos locais, a enorme influência do prefeito, não só na administração do departamento como ainda em todos os aspectos da vida local, eis o traço essencial da actual vida pública nas antigas “províncias” francesas. Igualmente ilusória se revela a “independência” da magistratura judicial perante o ministro da Justiça, ou seja, o governo, do qual outro membro – o ministro do Interior – superintende e dispõe de modo arbitrário no que concerne a nomeações, transferências e suspensões dos prefeitos. A mesma centralização impera no âmbito das finanças, das vias de comunicação, do ensino público. A “soberania do povo”, exercitada a cada quatro anos nas eleições directas para a Câmara de Deputados, e nas assembleias de sufrágio indirecto de eleitores do Senado (eleito pelos colégios de eleitores locais – os “conselhos gerais”), constitui esses dois corpos legislativos superiores, que, reunidos em sessão comum a cada sete anos (o “congresso”), elegem o chefe de Estado: o presidente da República. O presidente nomeia o gabinete de ministros, que responde perante as duas câmaras legislativas ou, para ser mais exacto, ante a Câmara de Deputados, porquanto houve casos em que o governo, estando em minoria no Senado, se manteve no poder enquanto dispôs da confiança daquela Câmara. Qualquer lei, para ser aprovada, tem de passar por ambas as câmaras. Tal é, nas suas linhas fundamentais, a Constituição actualmente em vigor na III República francesa.
2. PRINCIPAIS MOMENTOS DA LUTA POLÍTICA NESTA ÉPOCA DA III REPÚBLICA.
Esta Constituição veio a ser (em completa consonância lógica com os traços característicos deste período histórico, traços que já antes assinalámos) a mais estável de todas as que houve em França desde o início da grande Revolução de 1789. Porém os seus defensores tiveram que defendê-la, em quatro ocasiões, dos violentíssimos e apaixonados ataques da direita, dos partidos monárquicos e, também, do extremismo nacionalista: no tempo do marechal Mac-Mahon, no decurso do chamado “golpe de Estado” de 16 de Maio de 1877, de que já falámos; a partir de1887, na época do general Boulanger; já no início dos anos 90, durante o chamado “Escândalo do Panamá”; e, por último, a partir de 1898, com o processo de Dreyfus. Mas todos estes ataques quase que se reduziram a campanhas de imprensa, aos debates no parlamento e a comícios públicos, apenas conseguindo chegar, por vezes, às manifestações de rua; se excluirmos a tentativa do célebre anti-semita Déroulède, aquando das exéquias de Félix Faure, que aliás não teve qualquer êxito, os acérrimos inimigos da República nem uma só vez encontraram oportunidade de contra ela organizar um ataque armado. Nem os monárquicos nem os nacionalistas mais extremistas foram suportados por qualquer força com uma influência séria. Os restos da nobreza, uma parte do clero católico, uma parte dos generais e da restante oficialidade, eram os sectores em que se apoiavam os “opositores de direita” que desejavam a destruição da república parlamentar. Mas estes apoios revelavam-se insuficientes.
Quando estas forças se unificaram em torno do general Boulanger, que se convertera numa espécie de personificação da ideia “revanchista”, isto é, duma futura guerra contra a Alemanha, nem mesmo os seus partidários mais próximos se mostraram capazes de definir com precisão em nome de que objectivo se haveria de derrubar a República: em nome do novo César, isto é, desse mesmíssimo general Boulanger, ou em prol de um regresso ao trono da dinastia (a dos Orleães, porque a dos Bourbons franceses já não era deste mundo)?
Do mesmo modo, aquando da grande bancarrota da Companhia de Panamá, que provocou uma tremenda agitação entre a burguesia e as camadas mais abastadas do campesinato, e apesar de haver-se descoberto que não apenas uns poucos membros do parlamento mas até mesmo alguns ministros se tinham comprometido num tráfico de influências infame, tampouco os monárquicos conseguiram fazer triunfar, através da sua propaganda, a ideia de que era necessário substituir por um outro o “pútrido” regime parlamentar.
E por fim chegamos à época do processo Dreyfus – um capitão do exército francês, judeu de nascimento, acusado em 1894 de espionagem por conta da Alemanha –, quando vieram a conhecimento público os factos que provavam o infundado da acusação e a falsidade das pretensas provas aduzidas, dividindo-se então a França toda em dois campos, e também quando, a partir de 1898, os monárquicos e os nacionalistas, que gozavam do total apoio tanto da Igreja (no princípio) como duma considerável parte da oficialidade, desenvolveram com êxito a sua propaganda, conseguindo de início fazer inclinar para o seu lado amplos sectores da burguesia e do campesinato. Quanto à classe operária, no seu seio disputavam-se duas correntes. Alguns compartilhavam do ponto de vista de Jules Guesde, o veterano dirigente da ala esquerda, que afirmava ser o “caso Dreyfus” um conflito entre capitalistas, um litígio de família no seio da burguesia; que, para os operários, Dreyfus era um estranho, e tão hostil quanto os coronéis e generais que o haviam condenado; e que o “caso”, além de desnecessário para a condução com êxito da luta de classes, não era possível de ser aproveitado. Jean Jaurès, pelo contrário, afirmava que a classe operária, ao defender Dreyfus das falsas acusações que lhe imputavam, ao lutar contra o atropelo e a violação, na pessoa de Dreyfus, dos direitos do homem e do cidadão, estava a lutar pela sua própria causa; que a aliança dos monárquicos e nacionalistas com a Igreja e os altos comandos do exército ameaçava a própria existência da República; e que, assim sendo, para a classe operária, não lhe era de maneira alguma indiferente conhecer em que quadro estadual havia de passar a desenrolar-se a luta de classes: se no seio duma República, se no duma monarquia. De um modo geral, foi o ponto de vista de Jaurès que prevaleceu. Logo a partir de 1899 começa-se a assistir a uma manifesta reviravolta, se bem que de início lenta, na opinião publica – na pequena e na média burguesia, nos membros das profissões liberais, entre os homens de ciência e nos círculos literários – contra a ameaça duma vitória dos partidos reaccionários, que se haviam aliado. Por fim triunfaram os radicais, e os gabinetes de Waldeck-Rousseau (1899-1902) e de Émile Combes (1902-1905) não só liquidaram o affaire Dreyfus, mediante a completa reabilitação do condenado, como levaram a cabo uma campanha contra o clericalismo militante e os círculos reaccionários da chefia do exército.
Durante estes anos os radicais gozaram do pleno apoio do partido socialista. Triunfava então, sustentada por Jaurès, a ideia de “colaboração de classes” na luta comum contra a reacção. A luta contra as congregações religiosas e a questão da separação entre a Igreja e o Estado (levada à prática em 1906, durante o ministério Rouvier, mas já preparada por Combes) foram problemas que o governo radical pôde resolver com a activa colaboração e o apoio dos socialistas. Mas, a partir de 1906, essa colaboração finda. No governo de Sarrien, a pasta do Interior foi confiada a Clemenceau, que depressa se converteria em chefe do gabinete, mantendo-se neste cargo até meados de Julho de 1909.
Esta época de Clemenceau configurou, no dizer de Jaurès, uma era de “conservadorismo social”. Dado que ela é muito importante para a compreensão da natureza real das relações sociais e políticas na III República, vamo-nos deter nesse ministério de Clemenceau um pouco mais detalhadamente.
Georges Clemenceau, quando desempenhou pela primeira vez o cargo de ministro, em 1906, tinha 65 anos de idade, contando no seu haver com já perto de quarenta anos de actividade política. Maire de uma das freguesias de Paris aquando da Comuna de 1871, não se havia juntado a esta, porém tampouco prestara apoio aos que a esmagaram. Tendo ingressado na Assembleia Nacional nesse mesmo ano de 1871, inicia então a sua longa carreira parlamentar, que lhe traria nomeada no plano histórico ainda antes da guerra de 1914. Torna-se dirigente do partido radical, de início uma pequena força política, que, mais tarde (a partir dos finais da última década do XIX e, em especial, após o “caso Dreyfus”), viria a ganhar uma grande e duradoura influência. O radicalismo da pequena e média burguesia assentava numa tradição longa e sólida. Os jacobinos de 1793 eram considerados seus predecessores, e Clemenceau cognominou-se a si próprio, em mais duma oportunidade, “filho da grande Revolução Francesa”.
Nascido na família de um médico rural (e também ele médico), Clemenceau pertencia de corpo inteiro à camada intelectual da pequena burguesia provinciana. A aristocracia e o clero por um lado, a classe operária por outro, eram-lhe completamente estranhas, e quaisquer reivindicações destas classes que se opusessem aos interesses, às ideias feitas e hábitos da burguesia eram vistas por Clemenceau como intentos de destruir o seu ideal: o de uma república radical baseada nos princípios individualistas da liberdade e da propriedade.
Até meados da primeira década do século XX, ou mais concretamente, até à Revolução Russa de 1905, a direita foi o seu inimigo principal; e Clemenceau, revelando com frequência uma inteligência brilhante, óptimo talento jornalístico, espírito aguçado e mordaz, uma esplêndida veia oratória e uma vontade de ferro, lutou então incansavelmente contra os clericais e monárquicos; a política seguida pelos radicais no “caso Dreyfus” foi, em grande parte, obra sua.
Porém os tempos tinham mudado. A formação de um partido socialista unificado, o carácter revolucionário do movimento sindical, a revolução russa de 1905 e o seu influxo nos ânimos da classe operária na Europa (e, em particular, em França), tudo isso levara parte considerável do partido radical a dar uma brusca guinada à direita. E foi Clemenceau que a encabeçou. Nem todos o seguiram. Nem Combes nem Camille Pelletan se dispuseram a apoiar essa dupla reviravolta política: a ruptura dos radicais com os seus aliados de ontem e a sua aliança de facto com os recentes adversários. Mas a maioria seguiu Clemenceau, e quando este se tornou em 1906 ministro do Interior, para logo em seguida ascender a primeiro-ministro (1906-1909), toda a sua actividade passou a ser dirigida, no essencial, ao combate contra a classe operária, contando para tal com o apoio obediente da maioria radical do parlamento.
No período de 1906 a 1909, no decurso de conflitos de natureza exclusivamente económica entre os trabalhadores e os patrões, as tropas por repetidas vezes abriram fogo sobre os operários, tendo Clemenceau, em cada uma dessas ocasiões, assumido a total responsabilidade pelos disparos e considerado ser plenamente justificada a actuação das tropas. A ruptura com o partido socialista foi rápida e completa. A feroz polémica conduzida por Clemenceau contra Jaurès na imprensa e, mais tarde (em 1906), no parlamento, foi a sua mais evidente manifestação.
O ministério Clemenceau demitiu-se em Julho de 1909, cinco anos antes da guerra começar, e todos os governos que lhe sucederam no poder, independentemente de quem os encabeçava, fosse ele o “radical-socialista moderado” Briand, o radical Doumergue, o muito chegado aos republicanos de direita Raymond Poincaré ou o ex-socialista Viviani, todos eles, dizíamos, revelaram num grau crescente, fosse na sua composição, fosse na sua actividade, dois traços essenciais: por um lado, um cada vez maior nervosismo face ao iminente cataclismo internacional (acompanhado, de forma explícita, pela esperança na vitória); e, por outro, o sentimento de absoluta impotência e, nalguns casos, uma também total falta de vontade para levar a cabo, por fases, a necessária reforma financeira que, evidentemente, teria de prejudicar com alguma seriedade os interesses dos grandes capitalistas. O poderio dos grandes bancos e da bolsa de valores era de tal ordem que os seus hierarcas provocavam o derrube de qualquer governo tão-só este se atrevesse a pensar num justo e efectivamente democrático imposto progressivo sobre a renda. O ministro das Finanças, Caillaux, considerado, à época (desde 1907), o mais tenaz defensor da ideia do imposto progressivo sobre os rendimentos, viu-se acossado por uma campanha jornalística feroz, conduzida pelos órgãos da imprensa conservadora, clerical e republicana moderada e inspirada pelos grandes bancos. Levada ao estado de desespero por esta campanha, que já assumira a forma duma escandalosa devassa à vida privada do ministro, a esposa de Caillaux assassinou, em Março de 1914, o director do jornal diário Le Fígaro, Calmette, e Caillaux viu-se obrigado a demitir-se.
Esta incapacidade, da parte dos governos radicais, em levar adiante a reforma financeira, bem como uma série de novas leis, já redigidas, respeitantes à salvaguarda e promoção dos interesses dos trabalhadores, provocava, nos círculos da esquerda do partido socialista e nas massas operárias, a ira geral e o descrédito do regime parlamentar. Neste ambiente de desilusão foi ganhando forças, no período de 1905 a 1914, tanto em alguns sindicatos operários como na organização sindical central (CGT), um estado de ânimo revolucionário. A ideia duma “acção directa” (action directe) – isto é, duma acção que, fazendo uso da greve geral, logo viesse a desembocar na conquista do poder pela via revolucionária – começava a ganhar adeptos. O dirigente da fracção parlamentar dos socialistas, Jean Jaurès, foi sujeito, por vezes, a violentos ataques da parte dos sindicalistas. Os teóricos da ideia da acção directa insistiam, sobretudo, na consigna de que só “uma greve dos mobilizados” e a greve geral no momento em que fosse decretada a mobilização geral poderiam, de facto, conjurar o perigo duma guerra; Jaurès defendia que tal meio devia ser levado à prática, simultaneamente, em todas as potências que se dispunham a entrar em guerra, pois, de contrário, certamente que pereceria aquele país em que a greve geral viesse a ter lugar; em resposta, os alemães declararam categoricamente, pela boca de Bebel, que não se comprometiam a realizar no seu país semelhante greve. Até 1914, inclusive, uns e outros continuarão a fazer finca-pé nos respectivos pontos de vista.
A fusão de duas fracções dos socialistas franceses num único partido (Secção Francesa da Internacional Operária) deu-se em 1905, sendo, em grande parte, uma obra de Jaurès. Em Dezembro de 1913, no ano que precedeu a guerra, este partido contava, oficialmente, 72.765 membros inscritos com as suas quotas regularmente pagas, mas, por esta mesma época, para as eleições parlamentares e cantonais votaram nos candidatos socialistas (por exemplo, em Abril de 1914) cerca de 1.400.000 pessoas. Depois da guerra, o número de membros do partido registrados oficialmente cresceu com rapidez, chegando a 180.000 em 1920.
Todavia, quer antes, quer após a guerra, o número de deputados do partido socialista unificado (cerca de 1/10, 1/8, 1/6 e 1/9, respectivamente, do total de parlamentares nas eleições legislativas de 1906, 1910, 1914 e 1919) nunca lhe permitiu exercer uma influência decisiva sobre a orientação da política exterior. Por outro lado, no que concerne aos partidários da “acção directa”, estes não dispunham, na realidade, de forças que lhes possibilitassem organizar a greve geral no momento em que a mobilização fosse declarada. Acerca dos êxitos do movimento antimilitarista na França do anteguerra falava, mais do que ninguém, a imprensa ao serviço dos círculos do grande capital e próxima do ministério dos Negócios Estrangeiros; e fazia-o com o propósito nada dissimulado de provocar da parte do governo, se possível, ainda maiores represálias. Tudo isto veio a resultar em que, de facto, no anteguerra, as posições do movimento antimilitarista em nada eram tomadas em conta pelo governo francês.
É verdade que os movimentos grevistas haviam começado a repetir-se com uma certa frequência, e que nos últimos dez a doze anos anteriores à guerra assumiram por vezes dimensões gigantescas, nada habituais em França. Este fenómeno ganhou especial dimensão após a revolução russa de 1905. As greves dos mineiros, dos trabalhadores portuários, dos marítimos e empregados da marinha mercante, dos trabalhadores da electricidade, etc, sucediam-se uma após outra durante os anos de 1906 a 1913. E o que mais irritava e alarmava a classe governante era a rápida sindicalização e as greves dos empregados públicos como, por exemplo, a dos empregados dos correios e telégrafos. Também a greve ferroviária de 1910, ainda que haja fracassado, produziu forte impressão [é de notar que estes sectores, comunicações e transportes, se paralisados pelas greves, tornariam impossível uma rápida mobilização militar geral]. Mas o certo é que esta última greve foi vista pelos operários como uma derrota e, de acordo com o posterior testemunho da revista comunista “La Vie Ouvrière” (nº 65, 20-07-1920), o número de membros da Federação Ferroviária, que chegara a ser de 57.000 nesse ano de 1910, baixou de imediato para 14.000 (pouco tempo depois, em 1913, esse número voltou a subir, chegando aos 23.000). Contudo este movimento grevista não foi capaz de se transformar, ganhando um carácter geral, num factor determinante no período de anteguerra.
Pode dizer-se que tanto a militância como os sentimentos revolucionários se achavam então presentes entre a classe operária francesa, todavia não eram tão poderosos que pudessem influir com eficácia na política exterior da França.