O espaço da História

siteantigo

4 - A Tríplice Aliança

A 28 de Janeiro de 1859, foi assumido um acordo verbal e secreto, em Plombières-les-Bains, França, entre o Conde Cavour (1810–1861), Primeiro Ministro do Reino da Sardenha (também designado por Reino do Piemonte) e o Imperador dos Franceses Napoleão III (1808-1873). O Acordo de Plombières destinava-se a reunir os esforços da França e Piemonte por forma a expulsarem os Austríacos da Península Italiana. Este acordo foi estabelecido no âmbito do processo de unificação de Itália e, a curto prazo, previa a libertação do Reino da Lombardia-Venécia e a formação do Reino de Itália no norte da Península. Nada tinha sido acordado quanto aos restantes territórios da Península Italiana. Em troca do apoio prestado, a França receberia Nice e Sabóia. O conflito que se seguiu, a Segunda Guerra da Independência Italiana (26 Abril - 12 Julho 1859), proporcionou a acção conjunta das forças francesas e italianas contra o Império Austríaco.

Quando ainda decorria aquela guerra, os movimentos católicos em França manifestaram-se contra o apoio ao Piemonte porque as tropas italianas tinham lançado ataques contra os Estados Pontifícios. Por outro lado, perante as sucessivas derrotas da Áustria, a Prússia começou a concentrar tropas na fronteira com a França e Napoleão III, com receio de envolver o território francês na guerra, reuniu-se com Francisco José, Imperador da Áustria, em Villafranca di Verona, na actual província de Verona e então sob controlo austríaco, onde assinaram um armistício sem consultar os Piemonteses. Também chegaram a acordo sobre os territórios italianos: a maior parte da Lombardia foi entregue ao Piemonte com excepção para as fortalezas de Mântua e Peschiera; a Áustria manteve Venécia em seu poder. Os termos deste armistício foram confirmados pela França, Áustria e Piemonte no Tratado de Zurique (10 Novembro 1859).

A partir destes acontecimentos e para conseguir manter alguma estabilidade interna, Napoleão III seguiu uma política externa mais conservadora que, até certo ponto poderíamos considerar “anti italiana”, transformando-se no garante da integridade dos territórios da Igreja Católica. Com esta alteração, a França afastou-se do Reino da Sardenha e passou a ser o grande aliado dos Estados Pontifícios. Em 1867, perante a ofensiva das forças italianas em direcção a Roma, sob a liderança de Giuseppe Garibaldi (1807-1882), a França enviou uma expedição que derrotou as forças italianas na Batalha de Mentana (3 Novembro 1867). No entanto, a derrota da França na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) obrigou os franceses a retirarem as suas tropas de Roma e a cidade foi formalmente anexada à Itália a 2 de Outubro de 1871.

O Papa Pio IX (1792-1878) manteve a esperança de conseguir o apoio dos países de maioria católica para recuperar pelo menos parte dos territórios que agora faziam parte do Reino de Itália. Com a coligação conservadora e de tendência monárquica Ordre Moral a ganhar força em França, o Governo italiano temia uma possível intervenção da República Francesa em defesa dos interesses da Igreja Católica. Este sentimento de insegurança levou a Itália a procurar outros apoios, apesar de a França ser detentora de 80% da sua dívida externa. A Áustria-Hungria ainda mantinha territórios de cultura e língua italianas em seu poder – os territórios que os Italianos designavam por terre irredente – o que tornava mais problemática a aproximação entre os dois países. Por outro lado, a Alemanha era o principal fornecedor de carvão e outras matérias-primas e um grande importador dos produtos agrícolas italianos. Os Italianos concluíram que a Alemanha, económica e militarmente forte, com crescente influência internacional, lhes proporcionaria o prestígio necessário a um papel mais activo na vida política internacional. No entanto, a animosidade que nasceu entre os Italianos e os Franceses agravou-se por questões coloniais.

Em 1881, a Tunísia era uma província do Império Otomano, embora mais no sentido nominal do que real. Era de facto um país com a sua própria bandeira. Estava limitada a norte pelo Mediterrâneo, a sul pelo deserto do Saara, a Oeste pela Argélia, uma colónia francesa, e a Leste por Trípoli, outra província otomana (que deu origem à actual Líbia). Na Tunísia tinham-se estabelecido muitos europeus e a colónia italiana era a mais numerosa com cerca de 10.000 pessoas. Por esta razão, era natural que a Itália tivesse um interesse especial naquele território, mas o mesmo sucedia com o Reino Unido e a França.

A localização da Tunísia permitia controlar a passagem do Mediterrâneo Ocidental para o Mediterrâneo Oriental, o que era de grande importância para os Britânicos que utilizavam a rota Mediterrâneo – Suez – Mar Vermelho para chegarem à Índia. Por seu lado, a França, com o domínio da Argélia, tinha todo o interesse em dominar o Mediterrâneo Ocidental e, nesse sentido, o território da Tunísia assumia particular relevância. Além disso, os Franceses tinham emprestado muito dinheiro a Ahmed I (1805-1855) com a finalidade de modernizar a Tunísia e estavam preocupados com o retorno desse investimento. Um incidente de fronteira deu o pretexto para a intervenção francesa. No dia 24 de Abril de 1881, um corpo expedicionário francês entrou na Tunísia a partir da Argélia. No dia 12 de Maio, o corpo expedicionário francês entrou em Tunes e nesse mesmo dia Muhammad III (1813-1882) assinou o Tratado do Bardo que pôs fim de facto à independência da Tunísia que passou a ser um protectorado francês. Nenhuma das outras Grandes Potências fez uma intervenção a favor da Itália.

À Alemanha interessava-lhe encorajar a França a projectar as suas forças para as empresas coloniais e, desta forma, afastar a sua atenção e parte das forças militares da fronteira entre os dois Estados. O Reino Unido tinha, com o Tratado de Berlim de 1878, adquirido o controlo de Chipre e, querendo compensar a França por este ganho territorial, manteve-se distante do problema da Tunísia. Nem a Alemanha nem a Áustria-Hungria tinham interesses na região, assim, era com a Alemanha que aos Italianos convinha ligarem-se por uma aliança o que implicava, pelo seu posicionamento geográfico e pela sua aliança com a Alemanha, estabelecer laços idênticos com a Áustria-Hungria. Esta ligação, por seu lado, obrigava os Italianos a renunciarem, para já, aos territórios irredentos, isto é, Trentino, Tirol e Trieste.

Ainda em 1881, a Itália declarou à Alemanha o seu interesse em entrar no círculo da Aliança Dual e que, para isso, se dispunha a não reivindicar os territórios irredentos. Para Humberto I de Itália (1844-1900), esta aliança constituía uma segurança contra a ameaça da França onde os Republicanos tinham já adquirido uma minoria muito confortável. Numa demonstração de boa fé no que respeita ao conflito de interesses nos territórios irredentos, Humberto I fez uma visita a Viena. Bismarck avaliou a utilidade da aliança com a Itália. Em caso de um conflito na Europa, a Itália seria sempre útil à Alemanha porque, no mínimo, obrigava a França a manter uma força militar na fronteira dos Alpes. Assim, no dia 20 de Maio de 1882, em Viena, os representantes da Alemanha, da Áustria-Hungria e da Itália assinaram um tratado que ficou conhecido como Tríplice Aliança. Desse Tratado interessa-nos ter em atenção os primeiros quatro artigos [Texto completo do Tratado, em língua francesa, em «WWI Document Archive», https://wwi.lib.byu.edu/index.php/The_Triple_Alliance_(The_French_Original), visto em 2019-05-26]:

«ARTIGO I

As Altas Partes contratantes prometem mutuamente paz e amizade e não entrarão em nenhuma aliança ou acordo dirigido contra um dos seus estados.

ARTIGO II

No caso de a Itália, sem haver uma provocação directa da sua parte, vier a ser atacada pela França, por qualquer razão, as outras duas Partes contratantes estão obrigadas a prestar auxílio e assistência com todas as suas forças à Parte atacada.

Esta obrigação será também da Itália no caso de qualquer agressão sem provocação directa da França contra a Alemanha.

ARTIGO III

Se uma, ou duas, das Altas Partes contratantes, sem provocação directa da sua parte, vier a ser atacada ou empenhada numa guerra com duas ou mais Grandes Potências não signatárias do presente Tratado, verificar-se-á o casus foederis, simultaneamente para todas as Altas Partes Contratantes.

ARTIGO IV

No caso de uma Grande Potência não signatária do presente tratado ameaçar a segurança de uma das Altas Partes Contratantes, e a Parte ameaçada se vir forçada por essa razão a fazer guerra contra ela, as outras duas obrigam-se a observar em relação ao seu Aliado uma neutralidade benevolente. Cada uma delas reserva para si, neste caso, o direito de tomar parte na guerra, se entender conveniente, fazendo causa comum com o seu Aliado.»

Os restantes artigos respeitavam aos territórios dos Balcãs, às ilhas do Mar Adriático e do Mar Egeu e outros territórios do Império Otomano no Mediterrâneo Oriental.

O sistema de alianças em 1882

Este Tratado deveria ser mantido secreto e teria uma duração de cinco anos. Como podemos ver pela leitura dos artigos acima transcritos, a principal preocupação era a defesa de cada uma das Potências e os termos em que cada uma prestava apoio às outras. No entanto, é especificada a França como possível agressor da Itália ou da Alemanha. A Rússia, que tinha fronteira com a Alemanha e a Áustria-Hungria, mantinha a ligação a estas duas Potências através da Liga dos Três Imperadores (1881), mas na eventualidade de uma guerra entre a Rússia e a Áustria-Hungria, esta não teria que combater em duas frentes (Rússia e Itália).

A Itália tinha grandes vantagens neste tratado porque poderia, caso fosse atacada pela França, reclamar o apoio das outras duas potências, mas apenas tinha obrigação de prestar ajuda à Alemanha caso esta Potência fosse igualmente atacada pela França (ARTIGO II). No caso de uma guerra entre a Áustria-Hungria e a Rússia, a Itália apenas seria obrigada a manter uma posição neutral (ARTIGO IV). Apenas perante um ataque lançado por duas ou três das Grandes Potências não signatárias do Tratado obrigava todas as potências a intervirem (ARTIGO III). Este era o caso, por exemplo, de um ataque lançado pela França e pela Rússia. As três potências signatárias trocaram entre si declarações nas quais se estabelecia que o tratado não poderia «em caso nenhum, ser interpretado como dirigido contra o Reino Unido.» [SCHMITT, 1945, p. 18]

A Tríplice Aliança tinha um carácter estritamente defensivo e permaneceu em vigor até ao início da primeira Guerra Mundial.

 

Bibliografia

ALBRECHT-CARRIÉ, René, A Diplomatic History of Europe Since the Congress of Vienna, © 1958, Harper & Brothers, New York, 1958.

MILZA, Pierre, As Relações Internacionais de 1871 a 1914, © 1995, Edições 70, Lisboa, 2007, ISBN 978 972 44 1334 1.

SCHMITT, Bernadotte E., Triple Alliance and Triple Entente, © 1934, Henry Holt and Company, New York, 1945.

WESSELING, Henri, Les Empires coloniaux européens 1815-1919, © 2004, Éditions Gallimard, France, 2009, ISBN 978-2-07-036450-3.

 

 

Torres Vedras, 14 de Fevereiro de 2019

Manuel F. V. G. Mourão