O espaço da História

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5 - A complexidade e o desmoronamento do sistema de Bismarck

A crise nos Balcãs

Pelo artigo II do tratado que instituía a Liga dos Três Imperadores (1881), a Áustria-Hungria e a Rússia comprometiam-se a só alterar o status quo territorial da Turquia na Europa (Balcãs) após estabelecerem um acordo entre elas. No entanto, ambas as Potências foram alterando em seu proveito a situação que tinha sido estabelecida no Congresso de Berlim (1878) e estas alterações abriram uma nova crise nos Balcãs. A Sérvia, a Roménia e a Bulgária foram o objecto da acção daquelas duas Grandes Potências influentes na região.

A Sérvia era um principado independente desde 1878 e Milan Obrenovich (1854-1901) era o seu príncipe. Quando, a seguir ao Tratado de Berlim (1878), a Rússia se tornou o Estado “protector” da Bulgária, o Governo de Milan Obrenovich aceitou o Império Austro-Húngaro como seu patrono e a 28 de Junho de 1881, em Belgrado, a Áustria-Hungria e a Sérvia assinaram uma convenção secreta que colocava a Sérvia numa posição de quase vassalagem perante a Áustria-Hungria. A 6 de Abril desse ano tinha sido assinada uma Convenção para a construção do troço de caminho de ferro entre Belgrado e Niš, no sul da Sérvia. Este troço de caminho de ferro fazia para da linha que ligava Viena a Constantinopla e que mais tarde faria parte dum conjunto que ficou conhecido como a “linha férrea Berlim-Bagdad”. Ainda nesse ano, a 6 de Maio, foi assinado um tratado de comércio que quase transformava a Áustria-Hungria no mercado para a quase totalidade dos produtos agrícolas da Sérvia.

A Áustria-Hungria passou a subsidiar e a apoiar politicamente o Príncipe sérvio que, em troca, se comprometeu a não concluir nenhum tratado político com outro governo sem um prévio entendimento com Viena. Além deste compromisso, o Governo da Sérvia aceitou proibir qualquer movimento contra a Áustria-Hungria, a partir do seu território. O Império Austro-Húngaro englobava uma comunidade sérvia numerosa e, em 1878, com o Tratado de Berlim, acrescentou a que vivia no território da Bósnia-Herzegovina. Por outro lado, na Sérvia existia uma grande oposição ao acordo com a Áustria-Hungria. Milan Obrenovich terá afirmado que era «o único Sérvio a favor da Áustria» [MILZA, 2007, p. 37, citação não referenciada]. Além disto, a Convenção de 28 de Junho preocupava a Rússia pois transformava a Sérvia num posto avançado dos interesses austríacos nos Balcãs.

O Tratado de Berlim de 1878 reconhecia a Roménia como um Estado independente. O príncipe da Roménia, rei a partir de 1881, Carol I (1839-1914), pertencia à Casa de Hohenzollern, e era primo do Imperador da Alemanha. Carol I era muito ligado à Alemanha, mas não tanto à Áustria-Hungria já que este Império englobava as regiões da Transilvânia e da Bucóvina onde existiam grandes comunidades romenas, maioritárias na primeira. A Roménia encontrava-se na rota dos Russos se estes voltassem a atacar a parte europeia do Império Otomano. Em 1878, em consequência do conflito entre a Rússia e a Turquia e por decisão das Grandes Potências, a Roménia teve de ceder a Bessarábia do Sul à Rússia recebendo em troca a região de Dobruja. Se a Roménia continuasse isolada, num futuro conflito não teria capacidade para se opor aos Russos e, por essa razão, necessitava de encontrar aliados. Com o apoio de Bismarck, em Outubro de 1883, a Roménia e a Áustria-Hungria assinaram um tratado secreto de aliança. O Artigo II do Tratado estabelecia a ajuda a prestar em caso de guerra [SCHMITT, 1945, p. 21]:

«Se a Roménia, sem qualquer provocação da sua parte, for atacada, a Áustria-Hungria é obrigada a prestar assistência contra o agressor pelo tempo que for necessário. Se a Áustria-Hungria for atacada nas mesmas circunstâncias, numa parte dos seus territórios que tenham fronteira com a Roménia, o casus foederis será imediatamente aplicado pela última Potência.»

A Bulgária era um principado autónomo. O príncipe regente da Bulgária, Alexandre de Battenberg (1857-1893), era sobrinho do Czar Alexandre III da Rússia. No Governo da Bulgária, os ministros da Guerra e dos Negócios Estrangeiros eram oficiais russos. Da mesma forma, muitos cargos administrativos da Bulgária estavam ocupados por Russos. Esta situação provocou descontentamento nos meios nacionalistas e na opinião pública. Em 1883, Alexandre de Battenberg libertou-se dos dois ministros russos e dois anos mais tarde proclamou a união do principado da Bulgária com a Rumélia Oriental (criada pelo Tratado de Berlim, 1878) onde tinham deflagrado revoltas contra o Governo otomano.

Quando a Bulgária se uniu com a Romélia Oriental, Milan Obrenovich, rei da Sérvia, exigiu uma compensação territorial, o que foi recusado pela Bulgária. Em consequência desta recusa, no dia 13 de Novembro de 1885, a Sérvia declarou guerra à Bulgária. Entre 17 e 19 desse mês, as tropas sérvias foram derrotadas pelas forças da Bulgária na Batalha de Slivnitza. Em seguida, as forças da Bulgária invadiram a Sérvia e, nos dias 26 e 27 do mesmo mês, obtiveram uma nova vitória contra as forças da Sérvia na Batalha de Pirot. Os Sérvios foram salvos por uma intervenção austríaca em Janeiro de 1886.

Tinha havido um claro afastamento da Bulgária em relação à Rússia. Quando a Bulgária anexou a Rumélia Oriental, a Rússia não ofereceu o seu apoio porque viu este território a eximir-se à sua influência. Por outro lado, a Áustria-Hungria e o Reino Unido, que tinham apoiado a divisão da Bulgária, passaram a apoiar a sua união. A Alemanha manteve-se distante da questão. Os Russos reagiram em patrocinaram uma conspiração em Agosto de 1886 em virtude da qual Alexandre de Battenberg foi obrigado a abdicar. Em Julho do ano seguinte, o Parlamento búlgaro elegeu um novo príncipe. O escolhido foi Fernando de Saxe-Coburg e Gotha (1861-1948), um príncipe alemão.

As relações entre a Rússia e a Áustria-Hungria tornaram-se cada vez mais tensas, ao ponto de Bismarck avisar a Áustria-Hungria de que se atacassem ou provocassem a Rússia ficariam por sua conta pois a Alemanha não consideraria que essa situação obrigasse à aplicação das disposições do Tratado da Aliança Dual. Os Russos, que tinham elegido a Bulgária como a sua principal zona de influência nos Balcãs, perderam esta vantagem obtida no Congresso de Berlim (1878). Por outro lado, os Eslavos da Sérvia, do Montenegro e, principalmente da Bósnia-Herzegovina estavam cada vez mais sujeitos à influência austro-húngara.  Descontente com a situação, Alexandre III decidiu não renovar, em 1887, o Tratado que tinha criado a Liga dos Três Imperadores (1881).

 

A crise franco-alemã

Bismarck incentivou a França a empenhar-se na expansão colonial. Esta era uma forma de afastar parte importante dos recursos franceses e até a sua atenção da questão da Alsácia-Lorena. Quando Jules Ferry (1832-1893) ocupou o cargo de primeiro-ministro, Bismarck tentou uma aproximação à França, chegando a declarar que «a aliança franco-alemã não é impossível.» [MILZA, 2007, p. 38] Em Janeiro de 1885, propôs a Jules Ferry um encontro a realizar em país neutro. O primeiro-ministro francês concordou em discutir as questões coloniais, mas não pretendeu estreitar mais as relações com a Alemanha porque, ao fazê-lo, estaria a admitir a perda definitiva da Alsácia-Lorena. O encontro acabou por não se realizar. Como Jules Ferry desconfiava, o verdadeiro objectivo de Bismarck era «tratar bem os desentendimentos entre a França e a Grã-Bretanha.» [MILZA, 2007, p. 39] No entanto, apesar das desconfianças entre a França e a Alemanha, enquanto Jules Ferry foi Primeiro-ministro houve um período de desanuviamento entre aquelas Potências.

A 6 de Abril de 1885, Eugène Henri Brisson (1835-1912) substituiu Jules Ferry e as questões coloniais perderam peso na agenda do Governo francês. A questão que então afastava mais a Alemanha e a França prendia-se com algumas figuras ou movimentos franceses. Por um lado, a Ligue des patriotes, fortemente nacionalista, defendia um poder autoritário e organizado segundo o modelo militar. O seu objectivo era tornar a França mais forte para preparar a vingança (revanche) contra a Alemanha e reconquistar os territórios perdidos. Por outro lado, a 7 de Janeiro de 1886, o Ministério da Guerra foi entregue ao General Georges Boulanger (1837-1891), apoiado pela Ligue des patriotes. Boulanger foi responsável por uma série de medidas provocatórias para a Alemanha como, por exemplo a construção de um quartel na região de Belfort, junto à fronteira da Alta Alsácia, então em poder dos Alemães, ou a proibição de venda de cavalos para a Alemanha. O Estado-Maior do Exército Francês, por sua parte, também não escondeu a sua hostilidade à Alemanha.

Estes movimentos e outras questões de natureza idêntica inquietaram Bismarck que, para a defesa da fronteira, convocou cerca de 70.000 reservistas. O próprio Governo francês também mostrou alguma preocupação com as medidas accionadas pelo seu Ministro da Guerra e o embaixador francês na Alemanha tentou tranquilizar Bismarck. No entanto, surgiu um problema mais grave quando, no dia 20 de Abril de 1887, Guillaume Schnaebelé, comissário da Polícia em Pagny-sur-Moselle e agente do serviço de informações francês, foi preso por polícias alemães em Ars-sur-Moselle que então se situava na Alsácia-Lorena sob domínio alemão. Tratou-se de uma cilada montada pela polícia alemã e pelo comissário Gautsch de Ars-sur-Moselle. Tratou-se de uma questão provocada pela actividade de recolha de informações e que mereceu imediatamente o protesto da parte do Governo francês que exigiu da imediata libertação de Schnaebelé.

No dia 23 de Abril, na reunião do Conselho de Ministros, Boulanger propôs a mobilização parcial na região das fronteiras, mas esta medida foi recusada pelos outros ministros com receio que pudesse desencadear um conflito armado. O embaixador da França em Berlim intercedeu junto de Bismarck que ordenou a libertação de Schnaebelé. A crise foi assim encerrada, mas o ambiente continuou muito tenso entre a França e a Alemanha. Para os nacionalistas franceses, as declarações de Boulanger obrigaram Bismarck a recuar. A opinião pública francesa ficou convencida de que a questão Schnaebelé foi uma provocação da Alemanha para justificar uma guerra com a França. Entretanto, Boulanger foi afastado do Governo a 18 de Maio de 1887. Bismarck aproveitou a crise para exigir mais recursos militares e para renovar o seu sistema de alianças.

 

A renovação do Tratado da Tríplice Aliança

Tal como a Liga dos Três Imperadores, a Tríplice Aliança tinha de ser renovada em 1887. No entanto, o relacionamento entre as Potências tinha sido alterado. A Rússia não renovou o tratado que instituía a Liga dos Três Imperadores e, desta forma, surgiu o perigo de poder estabelecer algum acordo ou aliança com a França. A Alemanha tinha de estar vigilante em duas frentes. A crise na Bulgária teve como consequência o agravamento das relações entre a Áustria-Hungria e a Rússia aumentando a probabilidade de um conflito armado. Neste contexto, Bismarck valorizou o papel da Itália na Tríplice Aliança, procurou uma forma de manter a Rússia no seu círculo de alianças e de atrair o Reino Unido para o seu sistema.

A Itália tinha consciência da sua posição no quadro do sistema de alianças de Bismarck e procurou tirar partido da situação. O ministro dos Negócios Estrangeiros de Itália, Carlo Felice Nicolis, conde de Robilant (1826-1888), levantou a possibilidade de uma ligação franco-italiana o que, do ponto de vista de Bismarck, agravava o estado de incerteza em relação às relações com a França. Por isso, a Alemanha aceitou as condições apresentadas pela Itália para a renovação do Tratado da Tríplice Aliança. As condições apresentadas por Robilant foram [MILZA, 2007, p. 41]:

  • Garantia de que a Itália seria protegida contra uma eventual expansão colonial da França na Tripolitana (actual Líbia);
  • Promessa de compensações no caso de a Áustria-Hungria ocupar novos territórios nos Balcãs.

As negociações que se seguiram resultaram na renovação antecipada do Tratado a que foram anexadas duas convenções. A primeira, assinada pela Itália e pela Áustria-Hungria garantia a manutenção do status quo nos Balcãs e estabelecia que se a Áustria-Hungria tivesse a iniciativa de alterar a situação naquela região, deveria consultar a Itália e proporcionar-lhe uma compensação. O Artigo I desta Convenção estabelecia que se «a manutenção do status quo nas regiões dos Balcãs ou das costas otomanas e ilhas nos Mares Adriático e Egeu se tornar impossível, e se, em consequência da acção de uma terceira Potência ou por a Áustria-Hungria ou Itália se virem na necessidade de o modificar por uma ocupação temporária ou permanente, esta ocupação deverá ter lugar apenas depois de um acordo prévio entre as duas Potências supracitadas, baseado no princípio de uma compensação recíproca para cada vantagem, territorial ou outra». [SCHMITT, 1945, p. 29]

A segunda Convenção, entre a Itália e a Alemanha, garantia o apoio militar à Itália no caso de esta entrar em guerra com a França por causa da expansão colonial no Norte de África. O Artigo III estabelecia ainda que no caso de tal conflito deflagrar entre a Itália e a França e a Itália ter necessidade de agir «nos territórios do Norte de África ou até recorrer a medidas extremas em território francês na Europa», o estado de guerra entre aquelas duas Potências constituiria, a pedido da Itália, o casus foederis que faria accionar os termos do Tratado.

Enquanto o Tratado da Tríplice Aliança, tal como foi assinado em 1882, tinha um carácter estritamente defensivo, as Convenções de 1887 dotaram-no de uma índole mais agressiva. O Artigo IV da Convenção entre a Itália e a Alemanha previa que, se em consequência da guerra a Itália pretendesse obter garantias territoriais para manter a segurança das suas fronteiras ou da sua posição marítima, a Alemanha ofereceria o seu apoio. Estas disposições assim como a possibilidade de serem negociadas previamente alterações territoriais nos Balcãs contribuíram para alterar o carácter inicial do Tratado. A Alemanha não procurou obter ganhos com as Convenções de 1887, mas a verdade é que participou e aprovou as alterações introduzidas. Esta renovação do Tratado foi feita em Fevereiro de 1887 embora este só expirasse em Maio. Também foi feita antes de o Tratado ser do conhecimento público, o que permitiu tratar o assunto sem pressão da opinião pública.

 

Os Acordos do Mediterrâneo

«A precipitação, ou em alguns meios, o medo de uma ligação franco-russa, foi equilibrada pela possibilidade de uma ligação anglo-alemã.» [ALBRECHT-CARRIÉ, 1958, p. 198] A França e o Reino Unido estavam em desacordo relativamente ao Egipto que, com uma elevada dívida, dependia completamente dos seus credores. Para Bismarck, esta era uma boa oportunidade para conseguir uma aproximação do Reino Unido ao seu sistema de alianças. O Chanceler pressionou a Itália para que esta apresentasse as suas propostas em Londres. Sob sua mediação, foram estabelecidos e assinados três acordos em 1887:

  • Entre a Itália e o Reino Unido, assinado a 12 de Fevereiro. A frota britânica do Mediterrâneo protegeria a Itália contra a marinha francesa o que significava apoiar a Itália a opor-se à ocupação da Tripolitana pela França. A Itália apoiaria os Britânicos no Egipto. Estabelecia-se o princípio do fecho dos Estreitos em caso de conflito militar;
  • Entre a Áustria-Hungria e o Reino Unido, assinado a 24 de Março; as duas potências apoiariam a Turquia em caso de guerra contra a Rússia;
  • Entre a Espanha e o Reino Unido, assinado em 4 de Maio.

Estes acordos foram estabelecidos com a finalidade de as Potências envolvidas reconhecerem o status quo no Mediterrâneo e, caso tal não fosse possível, comprometiam-se a negociar as alterações que fossem consideradas pertinentes. No entanto, não ficava claramente definida a ajuda a prestar por cada uma das partes. Não estava definido, por exemplo, se o apoio do Reino Unido à Itália era militar ou apenas diplomático. Esse seria um assunto a ponderar pelo Governo britânico, quando aplicável. A Alemanha não estabeleceu nenhum acordo com o Reino Unido porque dessa forma se encontrava liberta para tentar reactivar os laços com a Rússia.

 

O Tratado de Resseguro ou Contra-Segurança

Como temos vindo a ver, uma das preocupações constantes de Bismarck foi a de manter a França isolada e, principalmente, impedir uma aliança entre a França e a Rússia. Foi por esta razão, muito mais do que pelas questões dos Balcãs, que Bismarck considerou essencial manter uma aliança com a Rússia. Tendo esta manifestado a intenção de não renovar o Tratado que instituía a Liga dos Três Imperadores (18 de Junho de 1881), qualquer situação de confronto entre a Rússia e a Áustria-Hungria, mesmo que apenas no campo diplomático, poderia levar a primeira a procurar o apoio de outra Grande Potência e, neste grupo restrito, era a França que se encontrava disponível. Ultrapassadas as barreiras da diferença de regimes políticos, esta hipótese poderia vir a concretizar-se e a colocar a Alemanha em risco de enfrentar a tão temida guerra em duas frentes. Era urgente, portanto, que a Alemanha reatasse os laços com a Rússia.

Europa 1887

Mapa executado sobre imagem obtida em https://d-maps.com/carte.php?num_car=6030&lang=en

 Na realidade, a França procurou essa aproximação e, ao contrário do que antes sucedera, encontrou alguma abertura por parte do Governo russo. Na Rússia existem duas facções que apontam rumos distintos: de um lado o movimento pan-eslavista chefiado por Mikhail Nikiforovich Katkov (1818-1887), professor de filosofia na Universidade de Moscovo e jornalista conservador, favorável a uma aliança com a França; do outro lado, o ministro dos negócios Estrangeiros, Nikolay Karlowitsch de Giers, germanófilo e que prefere manter a ligação à Alemanha. Alexandre III considerava que a aliança com a Alemanha não o tinha ajudado a atingir os seus objectivos nos Balcãs, mas continuou a nutrir um grande sentimento de desconfiança em relação à França republicana e preferiu manter-se num sistema conservador. A questão que se colocava era a de estabelecer um tratado com a Alemanha, mas não com a Áustria-Hungria porque é com esta Potência que a Rússia acabará por se confrontar se quiser atingir os seus objectivos nos Balcãs.

No dia 18 de Junho de 1887, em Berlim, Bismarck, que também detinha a pasta dos Negócios Estrangeiros, e Pavel Schouvaloff (1830-1908), embaixador russo em Berlim, assinaram um tratado secreto (Artigo V) que foi designado por Tratado de Resseguro. Este tratado, válido por três anos (Artigo IV), previa a neutralidade benevolente por uma das “Altas Partes Contratantes” se a outra entrar em guerra com uma outra Grande Potência [Texto completo do Tratado, em inglês, em https://wwi.lib.byu.edu/index.php/The_Reinsurance_Treaty]:

«ARTIGO I

No caso de uma das Altas Partes Contratantes entrar em guerra com uma terceira Grande Potência, a outra manterá uma neutralidade benevolente em relação ao conflito e desenvolverá os seus esforços para manter o conflito localizado. Esta disposição não se aplicará a uma guerra contra a Áustria ou a França no caso de a guerra resultar de um ataque dirigido contra uma destas duas últimas Potências por uma das Altas Partes Contratantes.»

Este artigo garantia que, no caso de um ataque da França à Alemanha, a Rússia manter-se-ia neutral, não tendo a Alemanha de enfrentar uma guerra em duas frentes, mas no caso de um ataque da Alemanha à França já o Tratado não se aplicaria e a Rússia estaria livre assumir uma atitude diferente da neutralidade. No que respeita à possibilidade de um ataque da Áustria-Hungria ou do Reino Unido à Rússia, a Alemanha manter-se-ia neutral de acordo com o estabelecido neste Tratado. No entanto, no caso de um ataque da Rússia à Áustria-Hungria já não se aplicaria o presente Tratado, mas seria posto em vigor o Tratado da Aliança Dual assinado em 7 de Outubro de 1879 que estipulava que se «um dos dois impérios for atacado pela Rússia, as Altas Partes Contratantes são obrigadas a prestar ajuda mútua com todo o potencial de guerra de seus impérios e de acordo com o objectivo de concluir a paz em conjunto e por mútuo acordo.» [Ver o texto do artigo «3 - A Aliança Dual e a Liga dos Três Imperadores»] Deste ponto de vista, existiam motivos suficientes para que nem a Alemanha nem a Rússia iniciarem uma guerra contra qualquer uma das outras Grandes Potências.

Os restantes cinco artigos respeitavam ao reconhecimento dos «direitos históricos adquiridos pela Rússia na Península dos Balcãs e particularmente a legitimidade da sua influência preponderante e decisiva na Bulgária e na Rumélia Oriental» (Artigo II), à aceitação da lei internacional em vigor sobre a utilização dos Estreitos do Bósforo e dos Dardanelos (Artigo III) e às questões da aplicação do Tratado (Artigos IV e V). Ao texto do Tratado foi anexado um protocolo adicional, assinado na mesma data, segundo o qual a Alemanha daria apoio à Rússia por «forma a restabelecer um governo regular e legal na Bulgária» pondo de parte qualquer possibilidade de apoiar o Príncipe de Battenberg (parágrafo 1) e assegurava a neutralidade alemã e apoio moral e diplomático no caso de a Rússia ser obrigada a defender a entrada no Mar Negro para salvaguardar os seus interesses (parágrafo 2).

A França estava realmente isolada. A Alemanha e a Áustria Hungria estavam ligadas pela Aliança Dual (7 de Outubro de 1879). A Alemanha e a Rússia estavam ligadas pelo Tratado de Resseguro (18 de Junho de 1887). A Alemanha, a Áustria-Hungria e a Itália formavam a Tríplice Aliança (20 de Maio de 1882). A Áustria-Hungria, a Itália, a Espanha e o Reino Unido tinham estabelecido os Acordos do Mediterrâneo (12 de Fevereiro, 24 de Março e 4 de Maio de 1887). Este sistema era demasiado complexo e uma indiscrição sobre os tratados secretos poderia fazer que alguma das Grandes Potências desta rede de alianças abandonasse esta rede de tratados e convenções abrindo uma brecha num sistema pensado por Bismarck para garantir, acima de tudo, a segurança da Alemanha. Em 1889 a Rússia aceitou a renovação do Tratado de Resseguro, não porque Alexandre III estivesse satisfeito com os resultados obtidos, mas porque temia que a Alemanha apoiasse a Áustria-Hungria nos Balcãs.

 

O fim do sistema de Bismarck

Bismarck mostrou sempre capacidade para manipular o Imperador Guilherme I. Por vezes fê-lo com dificuldade, mas conseguiu sempre prosseguir a sua própria política. Guilherme I da Alemanha morreu a 9 de Março de 1888, com 90 anos de idade. Sucedeu-lhe seu filho Frederico III que, por motivo de doença, faleceu a 15 de Junho de 1888. Por este motivo, o trono alemão foi ocupado por Guilherme II, com 29 anos, que governou desde aquela data até ao final da Primeira Guerra Mundial. Guilherme II não aceitou o domínio que Bismarck pretendia manter sobre a direcção política do Império. Gradualmente, o Imperador e o Chanceler foram pondo em evidência as suas discordâncias tanto em matéria de política interna como externa. No dia 20 de Março de 1890, Guilherme II dispensou os serviços de Bismarck.

Guilherme II tinha concordado em renovar o Tratado de Resseguro, mas o Governo russo recusou continuar a negociar enquanto não fosse nomeado o novo Chanceler do Império Alemão. O sucessor de Bismarck foi Georg Leo von Caprivi (1831-1899), nos cargos de chanceler e de ministro dos Negócios Estrangeiros, mas nesta última área o diplomata Friedrich von Holstein (1837-1909) teve também um papel de primeira importância.

Holstein considerava que o tratado com a Rússia era incompatível com a aliança com a Áustria-Hungria e conseguiu persuadir Caprivi, general sem experiência diplomática, a não renovar o Tratado de Resseguro. Do lado da Rússia, Giers propôs que fosse estabelecido algum tipo de acordo entre as duas Potências. Tanto Giers como o Czar não desejavam uma aliança com a França e também queriam evitar o isolamento. A Alemanha não renovou o Tratado de Resseguro. A saída de Bismarck marcou o fim de uma época. Era difícil para os novos governantes, sem experiência política, compreenderem o «intricado sistema» de acordos e tratados pelo qual Bismarck, durante vinte anos, «manteve a posição da Alemanha incontestada no centro da Europa.» [SCHMITT, 1945, p. 37]

No período de 1871 até ao afastamento de Bismarck, a Europa viveu duas décadas marcadas pela ausência de guerras entre as Potências europeias, enquanto num período idêntico anterior a 1871, houve quatro guerras. «Factor de instabilidade enquanto preparava a realização da unidade alemã, ele (Bismarck) tornou-se o agente da estabilidade assim que ela foi realizada.» [DUROSELLE, 1975, p. 140] Os sistemas criados por Bismarck evoluíram efectivamente numa crescente complexidade, mas a sua simplificação colocou a Alemanha numa posição difícil porque a Rússia, isolada, ficava liberta para outros acordos. Por outro lado, a Alemanha de Guilherme II enveredou por uma política mundial (Weltpolitik) e isto significou entrar em áreas onde era muito maior a probabilidade de confronto com outras Potências, especialmente a França e o Reino Unido.

O historiador francês Jean-Baptiste Duroselle, na sua obra L'Europe, de 1815 a nos jours, no breve retracto que traçou de Bismarck, afirmava que «é raro que os homens de Estado vitoriosos saibam escapar à intoxicação do sucesso e não estendam as suas ambições progressivamente à medida das suas vitórias.» A atitude de Bismarck e o sistema por si criado proporcionaram à Europa duas décadas de paz, mas «a Europa de Bismarck assentava mais na sabedoria e na habilidade de um homem do que numa estrutura sólida.» [DUROSELLE, 1975, pp. 140-141]

 

Bibliografia

ALBRECHT-CARRIÉ, René, A Diplomatic History of Europe Since the Congress of Vienna, © 1958, Harper & Brothers, New York, 1958.

COOK, Chris & PAXTON, John, European Political Facts 1848-1918, © 1978, Macmillan Press, 1978, London, ISBN 0-333-15100-3.

DUPUY, Richard Ernest & DUPUY, Trevor Nevitt, The Encyclopedia of Military History, from 3500 B.C. to the present, © 1970, Harper & Row, New York, 1986, 1524 p., ISBN 0-06-181235-8.

DUROSELLE, Jean-Baptiste, L'Europe, de 1815 a nos jours, © 1964, Presses Universitaires de France, Paris, 1975.

MEDLICOTT, W. N., "The Mediterranean Agreements of 1887", The Slavonic Review 5, no. 13 (1926), pp. 66-88, http://www.jstor.org/stable/4202031, visto em 2019-02-27

MILZA, Pierre, As Relações Internacionais de 1871 a 1914, © 1995, Edições 70, Lisboa, 2007, ISBN 978 972 44 1334 1.

SCHMITT, Bernadotte E., Triple Alliance and Triple Entente, © 1934, Henry Holt and Company, New York, 1945.

 

Torres Vedras, 30 de Maio de 2019

Manuel Francisco V. G. Mourão