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Livro IV

LIVRO IV

I – Nesse Inverno (56/55), no ano do consulado de Gneu Pompeio e de Marco Crasso, os germanos usípetes (parece terem habitado o Nassau) e também os tencteros (Tenchteri ou Tencteri)atravessaram o Reno em grande número, não longe do sítio onde se lança no mar (na direcção de Clèves).

A razão desta travessia foi que, havia muito anos, os suevos lhes faziam uma guerra sem quartel e os impediam de cultivar os seus campos.

O povo dos suevos é de longe o maior e o mais belicoso de toda a Germânia. Diz-se que formam cem cantões, de cada um saindo todos os anos mil homens para ir guerrear no exterior. Os outros, os que ficam no país, providenciam à sua alimentação e à do exército; no ano seguinte, empunham as armas por sua vez, enquanto os primeiros ficam no país. Assim, nem a agricultura nem a ciência ou a prática da guerra são interrompidas. De resto nenhum deles possui terra própria, e para a cultivar não podem permanecer mais de um ano no mesmo lugar. Consomem pouco trigo e vivem em grande parte do leite e da carne dos rebanhos; são grandes caçadores. Este género de vida, a sua alimentação, o exercício quotidiano, a sua independência que, desde a infância, nunca conheceu o jugo de nenhum dever, de nenhuma disciplina, este hábito de nada fazer contra o seu agrado, tudo isso os fortifica e faz deles homens de uma estatura prodigiosa. Além disso ganharam o hábito, com um clima muito frio, de terem por único vestuário as peles (cuja exiguidade deixa a descoberto uma grande parte do corpo) e de se banharem nos rios.

II – Consentem que os mercadores vão até eles, mais para vender o saque da guerra que fizeram que por desejo de importar. Eles nem sequer utilizam aqueles cavalos estrangeiros que tanto agradam na Gália e que se pagam ali tão caros; mas à força de exercitarem todos os dias os do seu país, que são pequenos e mal feitos, tornam-nos muito resistentes. Nos combates de cavalaria acontece muitas vezes que desmontem e se batam a pé; ensinaram os cavalos a continuar no lugar e depressa os alcançam se for necessário; nada na sua ideia é mais vergonhoso e dá prova de mais moleza que fazer uso de selas. Assim, seja qual for o seu pequeno número, atacam sem hesitar uma força numerosa cujos cavalos tenham selas. A importação do vinho é completamente proibida entre eles, porque acreditam que esta bebida enerva os homens e enfraquece a sua resistência.

III – São vizinhos dos Ubii (os úbios viviam na margem direita do Reno do Lahn, abaixo de Colónia), povo outrora numeroso, tão florescente quanto o pode ser um Estado germano: são um pouco mais civilizados que os outros povos da mesma raça, porque estão junto do Reno e porque os mercadores vão muito ao seu território, e também porque a vizinhança dos gauleses os amoldou aos seus costumes. Os suevos atacaram-nos muitas vezes no decorrer de numerosas guerras, mas não puderam, por causa do seu poder e do seu número, expulsá-los do seu território; fizeram-nos, no entanto, seus tributários e reduziram-nos a um estado de grande abatimento e enfraquecimento.

IV – O mesmo aconteceu com os Usipetes e os Tencteri, que resistiram muito tempo aos ataques dos suevos; mas que, por fim, foram expulsos do seu território; depois de terem errado três anos por muitas regiões da Germânia, (esses povos) chegaram ao Reno. Deu-se isso nas regiões habitadas pelos menápios, que tinham numa e noutra margem do rio campos, casas e burgos; assustados pela chegada de tal multidão, abandonaram as casas que tinham para lá do rio e levantaram fortes deste lado do Reno, barrando o caminho aos germanos. Estes, depois de tudo terem tentado, não podendo atravessar à viva força, por falta de barcos, nem às escondidas, por causa dos guardas, fingiram voltar para o seu país; contudo, após três dias de marcha, voltando pelo mesmo caminho, fizeram apenas numa noite com os cavalos todo este trajecto, e caíram inesperadamente sobre os menápios, que tinham voltado sem receio aos seus burgos do outro lado do Reno; estes foram massacrados, os seus navios, tomados, e o rio foi atravessado, antes que os menápios da outra margem pudessem ter sido avisados; todas as suas casas foram ocupadas e as suas provisões alimentaram as tropas (invasoras)durante o resto do Inverno.

V – Tem-se o hábito, na Gália, de forçar os viajantes a parar, mesmo contra sua vontade, e de interrogá-los sobre tudo o que cada um deles soube ou conheceu. Nas cidades o povo rodeia os mercadores, obriga-os a dizer de que país vêm e o que de lá souberam. É sob o efeito desses mexericos e desses boatos que muitas vezes decidem as questões mais importantes, para bem depressa se arrependerem por terem cedido a notícias incertas e as mais das vezes inventadas para lhes agradarem.

VI – César partiu para junto do exército mais cedo que o habitual. Uma vez lá chegado, soube que muitos Estados haviam enviado embaixadas aos germanos, convidando-os a abandonar o Reno e declarando-lhes que estavam dispostos a fornecer-lhes tudo o que pedissem.

Os germanos começavam já a espalhar-se e tinham chegado ao território dos eburões e dos condrusos.

César convocou os principais da Gália, ordenando-lhes que fornecessem cavalaria; e resolveu fazer guerra aos germanos.

VII – Depois de se ter munido de provisões de trigo e de ter recrutado os seus cavaleiros, pôs-se a caminho em direcção aos lugares onde se dizia que estavam os germanos. Não ia a mais que uns dias de marcha quando eles lhe enviaram delegados: «declaram que vieram contra a sua vontade, porque os expulsaram das suas casas. Se os romanos quiserem a sua aliança, eles podem ser amigos úteis; que lhes concedam terras ou que lhes deixem aquelas que conquistaram pelas armas. Eles não cedem senão aos suevos, que os próprios deuses não poderiam igualar; não existe nenhum outro povo na terra que eles não possam vencer.»

VIII – César respondeu-lhes que não podia haver amizade entre eles e os romanos se continuassem na Gália; que não era justo que aqueles que não tinham podido defender as suas terras se apoderassem das de outrem; que não havia na Gália terreno vago que se pudesse dar sem injustiça, sobretudo a uma multidão tão numerosa; mas que podiam, se quisessem, fixar-se no território dos úbios, que se lamentam das violências dos suevos e que pedem o seu socorro; que para tal obteria a permissão dos úbios.

IX – Os deputados partiram a informar os seus, dizendo que voltariam ao cabo de três dias; mas rogaram-lhe que não avançasse mais. César recusou o pedido. Sabia que, já há algum tempo, eles tinham enviado uma boa parte da sua cavalaria para lá do Mosa, aos ambivaritos (pequeno Estado belga que se estendia pelas duas margens do rio Ivara, tanto no Brabante holandês como nas terras baixas do Limburgo), para lá obterem saque e trigo.

X –Mos tem a sua nascente nos Vosegus Mons (os Vosges; é um erro: o Meuse desce do planalto de Langres), que estão no território dos língones (outro erro: os Lingones não iam além dos Faucilles); depois de haver recebido um braço do Reno, que se chama o Vahalis (ou Vacalus; Váal; Waal), forma a ilha dos Batavi (batavos) e, a 80.000 passos, no máximo, lança-se no oceano.

Quanto ao Reno, tem nascente nos lepôncios (Lepontii; povo da Provincia Citerior habitando entre o Saint-Gothard e o Lago Maggiore, no cantão de Ticino), habitantes dos Alpes, e atravessa com rapidez, no seu curso extenso, as regiões dos nantuates, dos helvécios, séquanos, Mediomatrici(acantonados no Mosela, entre os tréveros e os leucos; capital, Divodurum; mais tarde, Mettis; actual Metz), tribocos e tréveros. Ao aproximar-se do mar, divide-se em muitos braços e forma numerosas e grandes ilhas, na maior parte habitadas por povos ferozes e bárbaros, entre os quais existem homens que vivem, assim se crê, de peixes e de ovos de pássaros; por fim lança-se por muitas bocas no Oceano.

XI – César não estava a mais de doze mil passos do inimigo, quando os deputados voltaram no dia fixado; encontraram-no em marcha e suplicaram-lhe novamente que não avançasse mais. Não conseguindo demovê-lo, pediam-lhe que, pelo menos, não desse à cavalaria, que formava a vanguarda, ordem de travar combate; que lhes desse tempo para enviar deputados aos úbios, protestando que, se os principais e o senado desta nação a tal se comprometessem por juramento, eles aceitariam as condições propostas por César; para isso não pediam mais que três dias.

César disse-lhes que nesse dia não avançaria mais de quatro milhas, para encontrar água; convidou-os a voltar no dia seguinte, tão numerosos quanto possível... pronunciar-se-ia então sobre os seus pedidos. Entretanto ordenou aos prefeitos que marchassem em frente com toda a cavalaria; que não atacassem o inimigo e que, se fossem atacados, se mantivessem firmes até que ele chegasse com o exército (a sua intenção é clara como a água).

XII – Mas logo que os inimigos avistaram os cavaleiros, que eram em número de cinco mil, quando eles mal dispunham de oitocentos, caíram sobre eles e não tardaram em lançar a desordem nas nossas fileiras; recompondo-se os nossos, os inimigos desmontam e começam a estripar-lhes os cavalos, atirando abaixo um grande número de cavaleiros e pondo os outros em fuga, lançados num tal terror que só pararam à vista do nosso exército. Neste combate setenta e quatro dos nossos cavaleiros encontraram a morte, entre eles o aquitano Pisão, nascido de uma família notável, cujo avô tinha obtido a realeza no seu Estado e recebido do nosso senado o título de amigo.

XIII – Depois de ter estabelecido bem as suas disposições e comunicado o seu desígnio aos seus lugar-tenentes e ao seu questor, César resolveu não adiar mais a batalha.

No dia seguinte, de manhã, um grande número de chefes e anciãos dos germanos vieram procurar César no seu campo. Alegrando-se por os ver assim oferecerem-se, ordenou que os prendessem; depois fez sair do campo todas as suas tropas e pôs à retaguarda a cavalaria, que julgava ainda aterrorizada pelo último combate.

XIV – Tendo disposto o seu exército em três linhas, e feita rapidamente uma caminhada de oito milhas, chegou ao campo dos inimigos antes que eles pudessem saber o que se passava. Assustados pela rapidez da nossa chegada, pela ausência dos seus chefes, faltando-lhes o tempo para deliberar ou pegar em armas, não sabiam, na sua perturbação, se deviam marchar contra nós, se defender o campo ou procurar a salvação na fuga.

Os nossos soldados irromperam pelo acampamento. Ali, os que foram suficientemente rápidos para empunhar as armas opuseram aos nossos alguma resistência e travaram combate entre os carros e as bagagens. Mas o restante, a multidão das crianças e das mulheres, pôs-se a fugir para todos os lados; a cavalaria foi enviada em sua perseguição.

XV – Os Germanos, ouvindo um clamor atrás deles, e vendo que massacravam os seus, deitaram fora as armas, abandonaram as suas insígnias militares e fugiram do campo. Chegados à confluência do Mosa e do Reno, desesperando de prosseguir a fuga e tendo perdido um grande número dos seus, os que restavam atiraram-se ao rio e ali pereceram, vencidos pelo medo, pela fadiga e pela força da corrente.

Aos que retivera no acampamento, César concedeu-lhes a liberdade.

XVI – César resolveu atravessar o Reno; vendo a facilidade com que os germanos se decidiam a passar à Gália, queria inspirar-lhes os mesmos temores pelos seus bens, mostrando-lhes que um exército do povo romano podia e ousava transpor o Reno.

Aqueles cavaleiros que haviam passado o Mosa e não haviam participado no combate retiraram para lá do Reno, para junto dos sugambros (ou sicambros) e com eles se tinham unido. César enviou-lhes deputados a pedir que lhos entregassem. A resposta foi que «o império do povo romano acabava no Reno; se não achava justo que os germanos passassem para a Gália, mau grado seu, por que pretendia ele ter algum poder ou alguma autoridade para além do Reno?”

XVII – A travessia em barcos parecia-lhe um meio pouco seguro. Assim, não obstante a extrema dificuldade de construir uma ponte por causa da largura, da rapidez e da profundidade do rio, considerava no entanto que tinha de tentar a empresa ou, então, desistir de fazer passar o exército. Eis o sistema de ponte que instituiu: unia ao mesmo tempo, a dois pés uma da outra, duas traves de um pé e meio de grossura, um pouco afiadas na base, e de uma altura proporcional à do rio; descia-as no rio com máquinas e enterrava-as com bate-estacas, não numa direcção vertical, mas segundo uma linha oblíqua e inclinada de acordo com o movimento da água; em frente, e a quarenta pés de distância, a jusante, colocava duas outras reunidas da mesma maneira, mas voltadas contra a força e a violência da corrente; sobre este dois pares, colocava traves de dois pés, que se encravavam exactamente entre os postes emparelhados, e colocava-se de um lado e do outro duas cavilhas que impediam os pares de se aproximarem em cima; estes postes, assim afastados e detidos cada um em sentido contrário, davam muita solidez à obra e isso em virtude da própria natureza das coisas, porque, quanto maior era a violência da corrente, mais o sistema estava ligado estreitamente. Colocava-se sobre as travessas faxinas longitudinais e, por cima, fasquias e caniçados; além disso, enterrava-se na direcção da parte inferior do rio, estacas obliquas que, fazendo contraforte, e apoiando o conjunto da obra, quebravam a força da corrente; outras ainda eram colocadas a uma pequena distância antes da ponte, a fim de atenuar o choque dos troncos de árvores e dos barcos que os bárbaros pudessem lançar, tendo em vista atirar abaixo a obra.

XVIII – Toda a obra ficou acabada em dez dias, a contar daquele em que os materiais tinham sido trazidos; e o exército passou o rio (ignoramos aonde; provavelmente, entre Coblença e Colónia).

Deixando uma forte guarda nos dois extremos da ponte, marcha para o pais dos Sugambri, que se haviam escondido numa região coberta de florestas (os Sicambri pertenciam à confederação dos suevos, habitando a norte dos úbios, na região do Ruhr e do Lippe).

XIX – César, depois de ter parado uns dias no seu território, e de ali ter queimado todos os burgos e todas as construções e cortado o trigo, retirou para o país dos úbios. Prometeu-lhes o seu auxílio contra os suevos, se fossem atacados por eles.

Ao cabo de 18 dias passados para lá do Reno, julgando ter feito o bastante pela glória e interesse de Roma, voltou à Gália e destruiu a ponte atrás de si.

XX – Indo o Verão muito avançado, César, se bem que os Invernos sejam precoces nestas regiões, apesar disso resolveu partir para a Bretanha.

Se a estação não lhe consentisse tempo para fazer a guerra, ser-lhe-ia no entanto muito útil conhecer a ilha, ver o género dos seus habitantes, reconhecer os locais, os portos, os acessos; tudo o que era quase ignorado dos gauleses; porque ninguém mais a não ser os mercadores ousa abordar ali, e mesmo esses não conhecem senão a costa e as regiões que ficam em frente da Gália. Assim, tendo mandado vir mercadores de toda a parte, deles nada pôde saber sobre a extensão da ilha, nem sobre a natureza e o número de nações que a habitam, nem sobre a sua maneira de fazer a guerra ou as suas instituições, nem sobre os portos que eram capazes de receber uma quantidade de grandes navios.

XXI – Querendo ter estas informações antes de tentar a empresa, envia com um navio de guerra Caio Voluseno (tribuno do povo em 43; partidário então de António), ordenando-lhe que faça um reconhecimento de conjunto e volte o mais cedo possível.

Com todas as suas tropas, parte para o país dos mórinos, porque é de lá (do Portus Itius) que o trajecto para a Bretanha é mais curto. Ali reúne navios vindos de todas as regiões vizinhas e manda vir a esquadra que construíra no ano anterior.

Envia à Bretanha Cómio, que ele próprio fizera rei dos atrébates depois de ter vencido esta nação. Era um homem do qual apreciava a coragem e a prudência, que julgava fiel à sua pessoa e cuja autoridade era muito estimada nestas regiões. Ordenou-lhe que visitasse o maior número de povos que pudesse, que os exortasse a recomendarem-se ao povo romano e que lhes anunciasse a sua próxima chegada.

Voluseno, tendo reconhecido as regiões tanto quanto o pôde fazer e não ousando desembarcar nem dirigir-se aos bárbaros, voltou ao cabo de cinco dias.

XXII – Enquanto se aprestavam os navios, uma parte dos mórinos enviou-lhe deputados, para se desculpar da sua conduta passada; prometiam fazer o que César ordenasse. Este exigiu um grande número de reféns, que lhe são trazidos.

Tendo reunido e posto coberta em cerca de oitenta navios de transporte, número que julgava suficiente para embarcar duas legiões, distribuiu o que para além disso dispunha de navios de guerra pelo seu questor, lugar-tenentes e prefeitos. A esta esquadra juntaram-se dezoito navios de transporte que estavam a 8 milhas dali (Ambleteuse, a 10 km a norte de Boulogne-sur-Mer); atribuiu-os aos seus cavaleiros. Ao resto da armada ordenou-lhe que partisse, sob o mando de Quinto Titúrio Sabino e Lúcio Aurunculeio Cota, para o território dos menápios e para a parte do país dos mórinos que não lhe haviam enviado deputados. A Públio Sulpício Rufo (legado desde 55; em 49 servirá César em Espanha; depois vai comandar uma esquadra na costa do Brútio; foi ainda governador da Ilíria), seu lugar-tenente, ordenou que guardasse o porto com a guarnição que considerasse necessária.

(Identificava-se Porto Ício com Boulogne-sur-Mer; porém, o Atlas Larousse designa o porto de Bolonha por Gesoriacum, situando Portus Itius cerca de 10 km a norte (Ambleteuse); a ser assim, César terá partido de Bolonha – Gesoriacum e os cavaleiros, provavelmente, de Portus Itius.)

XXIII – Aproveitando um vento favorável, levantou âncora pela terceira vigília. Havia ordenado aos cavaleiros que se dirigissem ao outro porto, ali embarcassem e o seguissem. Porém, tendo estes procedido com alguma lentidão, não os tinha consigo quando alcançou a Bretanha pela quarta hora do dia (pelas nove horas da manhã de 25, 26 ou 27 de Agosto). Aí viu, sobre todas as colinas, as tropas do inimigo em armas.

A configuração do lugar era tal, o mar estava tão apertado entre os montes (costa de Douvres), que das elevações podiam lançar-se frechas para a margem. Considerando o local absolutamente desadequado para um desembarque, César continuou fundeado até à nona hora, esperando a chegada do resto dos navios. Entretanto reuniu os seus lugar-tenentes e os seus tribunos militares.

Aproveitando uma maré e um vento favoráveis, deu o sinal e levantou âncora, dispondo os navios a cerca de 7.000 passos dali, numa praia lisa e descoberta (a noroeste de Douvres, na direcção de Walmer Castle).

XXIV – Apercebendo-se das intenções dos romanos, os bárbaros fazem avançar a sua cavalaria e os carros de que têm o costume de se servir nos combates, seguindo-os com o resto das suas tropas para se oporem ao nosso desembarque.

Os nossos barcos, dada a sua grandeza, só podiam deter-se em pleno mar; os nossos soldados, ignorando a natureza dos lugares, com as mãos embaraçadas, carregados com o peso considerável das armas, tinham ao mesmo tempo de se atirar dos navios, de lutar contra as vagas e de se bater contra o inimigo; enquanto este, combatendo com os pés em seco ou avançando muito pouco na água, inteiramente livre nos seus membros, conhecendo perfeitamente os lugares, lançava os seus dardos ousadamente e empurrava contra os nossos os seus cavalos, que tinham o hábito do mar. Os nossos soldados, pouco preparados para este tipo de combate, não tinham o mesmo ardor e o mesmo ímpeto que habitualmente mostravam nos combates em terra.

XXV – Apercebendo-se disso, César mandou avançar um pouco os navios de guerra, de mais fácil manobra e cujo aspecto era novo para os bárbaros; ordenou-lhes que à força de remos se fossem colocar no flanco direito do inimigo, de onde o podiam flagelar a tiro de fundas, de arcos e de balistas.

Esta táctica foi de grande socorro para os nossos, pois que os bárbaros detiveram-se e recuaram um pouco.

Os nossos soldados hesitavam ainda por causa da profundidade do mar; então aquele que levava a águia da X legião...atirou-se do barco e pôs-se a levar a águia em direcção ao inimigo. Vendo isto, os nossos, exortando-se entre si a não sofrerem desonra, todos como um só homem, saltaram do navio; os dos navios vizinhos, testemunhas da sua audácia, seguiram-nos e marcharam contra o inimigo.

XXVI – Combatia-se de um e outro lado com encarniçamento; no entanto, como os nossos não podiam manter as fileiras nem aguentar-se numa posição firme, nem seguir as suas insígnias e, porque saindo uns de um navio e outros de outro, formavam junto das insígnias que encontravam, a confusão era das maiores; os inimigos, esses, conhecendo todos os baixios, assim que viam da margem alguns soldados isolados saltando do seu navio, logo atiravam os cavalos contra eles e os atacavam. Muitos cercavam um pequeno grupo inferior em número; outros, apanhando o exército pelo flanco descoberto, acossavam-no com os seus dardos. Vendo isto, César mandou encher de soldados as chalupas e os batéis de reconhecimento e enviou-os em reforço daqueles que via em perigo.

Logo que os nossos se agruparam na margem e se viram reunidos, caíram sobre o inimigo e puseram-no em fuga; mas não puderam persegui-lo muito longe, porque a cavalaria não pudera velejar na boa direcção e alcançar a ilha.

XXVII – Após a fuga, os inimigos enviaram deputados a César pedindo-lhe a paz, prometendo reféns e executar-lhe as ordens.

Com eles veio Cómio, o atrébate; aquando do seu desembarque haviam-no detido e posto a ferros; depois, após o combate, enviaram-no e, pedindo a paz, atiraram a responsabilidade dos sucessos para cima da multidão.

César declarou-lhes que desculpava a sua imprudência e exigiu reféns; entregaram-lhe uma parte imediatamente; devendo os restantes vir de bastante longe, seriam entregues, prometeram eles, dentro de poucos dias. Entretanto recolheram os seus soldados aos campos e de todos os lados começaram a chegar os principais, para confiarem a César os seus interesses e os dos seus Estados.

XXVIII – Havia-se chegado há quatro dias à Bretanha quando os dezoito navios quetransportavam a cavalaria largaram do porto do norte, com um vento ligeiro. Já se aproximavam da Bretanha e eram avistados do acampamento (no planalto de Walmer) quando, de súbito, se levantou tão violenta tempestade que nenhum deles pôde manter a direcção: uns foram levados para o seu ponto de partida; outros, não sem correrem grande perigo, empurrados para a parte inferior e ocidental da ilha; ali lançaram âncora, mas bem depressa, inundados pelas vagas, foram forçados a voltar ao alto mar em plena noite e a alcançar o continente.

XXIX – Quis a sorte que essa mesma noite fosse de lua cheia (30-31 de Agosto de 55), dia em que as marés do Oceano são habitualmente as mais altas. Os nossos soldados (e César) ignoravam-no. Assim, num instante, os navios longos, de que César se servira para o transporte do exército e que pusera em seco na praia, se viram cheios de água, enquanto os navios de transporte, que estavam ancorados, eram batidos pela tempestade, sem que os nossos tivessem alguma maneira de os manobrar ou de os socorrer. Um grande número de navios ficara partido; os outros, tendo perdido cabos, âncoras e outros aparelhos, não estavam em condições de navegar: esta situação, como era inevitável, espalhou uma grande consternação por todo o exército. Com efeito, não havia outros navios que nos pudessem transportar, faltava-nos quanto era necessário para os reparar e, como todos pensavam que se devia invernar na Gália, não se fizera nenhuma provisão de trigo para passar o Inverno nestes lugares.

XXX – Quando isto foi deles conhecido, os principais dos Britones reuniram-se em conselho: vendo os romanos desprovidos de cavalaria, de barcos e de trigo, acreditaram que o melhor partido a tomar era o de nos cortar o trigo e os víveres.

XXXI – Os prometidos reféns não vieram. César todos os dias mandava trazer trigo dos campos para ocastra; e utilizava a madeira e o bronze dos navios que mais haviam sofrido para reparar os outros; ordenando trazer do continente tudo o que era útil para estes trabalhos. E foi assim que o zelo demonstrado pelos nossos soldados pôs, sacrificando doze navios, todos os outros em condições de navegar.

XXXII – Entretanto uma legião, segundo o costume, fora enviada ao trigo (era a sétima) e até então nada fazia suspeitar das hostilidades; uma parte dos bretões ficava nos campos, outros vinham mesmo muitas vezes ao acampamento. Quando os soldados que montavam guarda em frente das portas anunciaram a César que viam levantar-se mais poeira do que era habitual do lado para onde a legião se dirigira, César, suspeitando do que se passava, ou seja de algum ataque imprevisto por parte dos bárbaros, dá ordem às coortes de guarda que partam com ele para aquele lado; a duas outras, que ocupem o lugar delas; e às que restavam que se armassem e o seguissem imediatamente. Tendo avançado a alguma distância do campo, viu os seus acossados pelo inimigo e resistindo a custo; a legião, fileiras cerradas, era crivada de todos os lados pelos dardos do adversário. Como este lugar era o único onde o trigo não fora ceifado, os inimigos, suspeitando que nós ali iríamos, haviam-se escondido durante a noite nos bosques; depois, vendo os nossos soldados dispersos sem armas, ocupados a ceifar, tinham-nos assaltado de repente; mataram alguns e puseram os restantes, que não conseguiram formar regularmente, em grande desordem; ao mesmo tempo, a sua cavalaria e os seus carros tinham-nos envolvido.

XXXIII – Eis a maneira de combater destes carros: primeiro fazem-nos rolar de todos os lados lançando frechas; só o temor que inspiram os cavalos e o barulho das rodas já lança habitualmente a desordem nas fileiras (adversárias); depois, quando já penetraram entre os esquadrões, apeiam-se dos carros e combatem a pé. Entretanto, pouco depois, os condutores saem da refrega e colocam os seus carros de tal maneira que, se os combatentes são acossados pelo número, podem comodamente retirar para os carros. Reúnem assim no combate a mobilidade do cavaleiro e a solidez do infante; e o efeito do seu treino e do exercício diário é tal que sabem parar os cavalos lançados em corrida rápida, moderá-los e fazê-los voltar rapidamente.

XXXIV – À chegada dos reforços os inimigos recuaram. Julgando a ocasião pouco favorável para atacar e travar batalha, César reconduziu as suas tropas para o campo.

Os dias que se seguiram foram de mau tempo, retendo os nossos no acampamento e impedindo o inimigo de atacar.

Entretanto os bárbaros enviavam a todo o lado mensageiros, dando a conhecer aos seus a fraqueza dos nossos efectivos e a mostrar-lhes a facilidade que teriam em fazer saque. Desta maneira, bem depressa reuniram uma cavalaria e uma infantaria numerosa e marcharam contra o nosso campo.

XXXV – César dispôs as suas legiões diante do campo. Travado o combate, o inimigo não pôde aguentar durante muito tempo o embate dos nossos soldados e pôs-se em fuga. Perseguido tão longe quanto os nossos tiveram força para correr, perdeu um grande número de soldados; em seguida, depois de tudo terem destruído e queimado numa vasta extensão, as nossas tropas regressaram ao acampamento.

XXXVI – No mesmo dia, vieram deputados procurar César da parte dos inimigos para lhe pedirem a paz. César duplicou o número de reféns já exigidos e ordenou que lhos levassem para o continente: estando o equinócio próximo, não queria expor a uma navegação de Inverno navios pouco sólidos.

Aproveitando um vento favorável, levantou âncora pouco depois da meia-noite e voltou ao continente com todos os seus navios intactos; mas dois navios de transporte não puderam entrar no mesmo porto dos outros e foram empurrados um pouco mais para baixo.

XXXVII – Estes navios transportavam cerca de trezentos soldados, que desembarcaram e marcharam para o acampamento. Os mórinos, seduzidos pela esperança de saque, rodearam-nos com um grupo de homens, de início pouco considerável, e ordenaram-lhes que depusessem as armas, se não queriam ser mortos. Tendo os nossos formado em círculo para se defender, logo, aos gritos dos seus, 6.000 mórinos acorrem. Informado, César enviou-lhes em socorro toda a cavalaria. Entretanto os nossos soldados aguentavam o ataque do inimigo e, durante mais de quatro horas, combateram com notável coragem; receberam poucos ferimentos e mataram muitos inimigos. Assim que a nossa cavalaria apareceu os inimigos deitaram fora as armas e fugiram; foram massacrados em grande número.

XXXVIII – César, no dia seguinte, enviou Tito Labieno com as legiões trazidas da Bretanha contra os mórinos que se haviam revoltado. Como os pântanos estavam secos, eles viram-se privados do refúgio que os protegera no ano anterior e caíram quase todos entre as mãos de Labieno.

Ao invés, os lugar-tenentes Quinto Titúrio e Lúcio Cota, que tinham conduzido as legiões pelo território dos menápios, depois de terem devastado todos os seus campos, cortado o trigo, queimadas as habitações, retiraram para junto de César, porque os menápios se haviam escondido todos na espessura das florestas.

César estabeleceu entre os belgas os quartéis de Inverno de todas as suas legiões. No total, apenas dois Estados da Bretanha lhe enviaram para ali os seus reféns; os outros negligenciaram fazê-lo.

Terminadas estas campanhas, e em consequência de uma carta de César, foram decretados pelo senado vinte dias de acções de graças.