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Livro VIII

LIVRO VIII

Cedendo às tuas instâncias, Balbo...Acrescentei aos comentários da guerra das Gálias do nosso César o que ali faltava e liguei-o aos seus escritos seguintes. Terminei também o último destes, que havia ficado por acabar, desde os acontecimentos de Alexandria até ao fim, não da guerra civil, a que não vemos o termo, mas da vida de César.

Lúcio Cornélio Balbo, nascido em Gades, na Espanha, recebeu de Pompeu, por recomendação de Lúcio Cornélio Lêntulo, o direito de cidadania romana pelos serviços que havia prestado ao exército na guerra contra Sertório. Serve às ordens de César desde 61, na qualidade depraefectus fabrum; como intermediário, tentou reconciliar, sem êxito, Pompeu e César. Segue então César, mas sem empunhar armas contra Pompeu. Foi cônsul em 40 e deixou à sua morte somas consideráveis ao povo romano. Defendeu Cícero junto de César (anteriormente, Cícero, em sua defesa, pronunciara o Pro Balbo.

Aulo Hírcio, que redigiu este oitavo livro, apesar de amigo de Cícero, abraçou o partido de César, de quem foi legado na Gália. Cônsul em 43 com Caio Víbio Pansa; morre com este emMutina.

I – Depois de haver vencido toda a Gália, César, que não cessara de se bater desde o Verão anterior (o de 53), queria ver os seus soldados recompostos de tantas fadigas, no lazer dos quartéis de Inverno; é então sabido que muitos Estados, ao mesmo tempo, recomeçavam a fazer planos de guerra e a entrar em acordo.

Os gauleses reconheceram que reunindo num só local fosse que número de homens fosse não podiam resistir aos romanos; porém, decidiram que se vários Estados entrassem em guerra em diversas regiões simultaneamente, o exército do povo romano não teria suficientes recursos nem tempo nem tropas para fazer frente a todos; que nenhuma cidade se devia recusar a suportar uma prova penosa, se por tal demora as outras pudessem conquistar a sua liberdade.

II – César entrega então ao questor Marco António o comando dos seus quartéis de Inverno e parte de Bibracte com uma escolta de cavalaria, nas vésperas das Calendas de Janeiro, para ir ao encontro da XIII legião, no país dos Bituriges; ali junta-se-lhe a XI legião, que era a mais próxima (invernava entre os Ambivareti).

Deixando duas coortes de cada legião de guarda às bagagens, leva o resto do exército aos campos mais férteis dos bitúriges: possuindo este povo um vasto território e um grande número de praças-fortes, a invernagem de uma só legião não seria suficiente para os impedir de preparar a guerra e organizar conjuras.

III – com a chegada súbita de César, surpreendidos e dispersos, cultivando então os seus campos sem desconfiança alguma, foram esmagados pela cavalaria antes de haverem podido refugiar-se nas suas praças.

O incêndio das construções fora proibido por César: para evitar que faltasse forragem e trigo se quisesse avançar mais longe; e para não dar o alarme com os incêndios.

Fizeram-se vários milhares de prisioneiros; os que puderam escapar refugiaram-se nos Estados vizinhos, fiando-se nos laços de hospitalidade ou na aliança que os unia. Mas foi em vão, porque César, em marchas forçadas, a todo o lado acorreu, não dando a nenhum Estado tempo de pensar na salvação.

Esta rapidez reteve no dever os povos amigos e reconduziu pelo terror aqueles que hesitavam em aceitar a paz. Postos perante tal situação e vendo que os Estados vizinhos não tiveram de suportar outra pena que não fosse a de entregar reféns e declarar a sua submissão, os bitúriges imitaram-lhes o exemplo.

IV – Para recompensar os seus soldados de tanta fadiga e paciência e por terem suportado com tanta constância estas fadigas na estação dos dias curtos, por caminhos muito difíceis e por frios intoleráveis, César prometeu-lhes como gratificação, a título de saque, duzentos sestércios por cabeça, e mil aos centuriões. Depois enviou as legiões para os seus quartéis de Inverno e voltou, após uma ausência de 40 dias, a Bibracte.

Como ali administrasse justiça, os bitúriges enviam-lhe deputados a pedir-lhe ajuda contra os carnutos, que, diziam eles, lhes tinham declarado a guerra.

Ainda que não houvesse ficado senão dezoito dias em Bibracte, retira dos seus quartéis no Saône a XIV e a VI legiões, partindo com elas em perseguição dos Carnutes.

V – Os carnutos abandonam as suas aldeias e praças-fortes e fogem, dispersando-se. César, não desejando expor os seus soldados aos rigores da estação má, então no seu auge, estabelece o seu campo em Genabum, onde apinha os seus soldados: parte nas casas dos gauleses, parte em tendas apressadamente cobertas de colmo.

Entretanto, envia os cavaleiros e a infantaria auxiliar a toda a parte onde se dizia que o inimigo se havia acolhido; medida que não foi vã, pois que quase sempre os nossos voltaram com um grande saque.

Os Carnutes, esmagados pelo rigor do Inverno, aterrorizados pelo perigo, expulsos das suas moradas, sem ousarem parar em parte alguma por muito tempo, espalharam-se pelos Estados vizinhos, depois de terem perdido grande parte dos seus.

VI – César pôs então Caio Trebónio, com as duas legiões que tinha com ele (VI e XIV), em quartéis de Inverno em Génabo.

Quanto a ele, prevenido por constantes embaixadas dos remos de que os belóvacos, havendo-se juntado aos Estados vizinhos, reuniam exércitos sob as ordens do belóvaco Corréus e de Cómio, o atrébate, e as concentravam para caírem em massa sobre as terras dos suessiões – que César colocara sob a autoridade dos remos –, chama a XI legião dos seus quartéis; escreve a Caio Fábio para trazer ao país dos suessiões as suas duas legiões; e pede a Labieno uma das suas.

Assim, tanto quanto o permitiam a localização dos quartéis e as exigências da guerra, e sem ele próprio repousar, distribuía o fardo das expedições sucessivamente pelas várias legiões.

VII – Uma vez reunidas estas tropas, marcha contra os belóvacos e acampa no seu território, enviando em todas as direcções os seus esquadrões. Os cavaleiros relatam que encontraram poucos habitantes nas casas; que esses que ficaram não o fizeram para cultivar os campos, mas para espiar, pois que se procedera com cuidado a uma emigração geral.

Por esses cativos César soube que todos os belóvacos em estado de empunhar armas se haviam reunido num mesmo local, e que com eles estavam os ambianos, os aulercos, os caletos, os veliocasses e os atrébates; haviam escolhido para seu campo um local elevado, num bosque cercado por pântanos; que tinham reunido todas as suas bagagens em bosques situados à sua retaguarda.

Os chefes eram em grande número, mas a massa obedecia sobretudo a Corréus, porque conheciam o seu violento ódio ao nome romano. Poucos dias antes, Cómio deixara o acampamento para ir procurar reforços entre os germanos, cuja vizinhança era próxima e a multidão imensa.

Os belóvacos, por opinião unânime dos chefes e segundo o vivo desejo da multidão, resolveram que, se César, como se dizia, viesse com três legiões, lhe dariam combate, de modo a não serem obrigados, depois, a lutar contra o exército inteiro, em condições mais desvantajosas e mais duras: se trouxesse forças em maior número, manter-se-iam na posição que haviam escolhido e impediriam, por emboscadas, aos romanos a forragem, que a estação tornava rara e disseminada, e de obter o trigo e outros víveres.

VIII – César trouxera consigo as suas mais velhas legiões, de uma coragem incomparável: a VII, a VIII e a IX; depois, a XI, composta por elementos de elite e de grande esperança, contando já com oito campanhas, mas não tendo ainda a mesma reputação e valor das demais.

Convoca um conselho; expõe tudo quanto lhe deram a saber e encoraja as suas tropas. Para tentar atrair o inimigo ao combate, não lhe deixando ver mais do que três legiões, ordena assim a marcha da coluna: as VII, VIII e IX legiões na frente; depois as bagagens, não formando senão uma modesta coluna, como é de uso numa simples expedição; a XI fechava a marcha.

Por esta ordem, formando quase uma coluna em quadrado, conduz o seu exército até ao inimigo, bem mais cedo do que este esperava.

IX – Os gauleses, vendo inesperadamente as legiões a avançar como que em formação de batalha e em passo seguro, formam as tropas em frente do seu campo e não abandonam a elevação.

César, surpreendido com tal massa de inimigos, sendo deles separado por um vale mais fundo do que largo, estabeleceu o seu campo em frente ao do inimigo.

Manda fazer uma muralha de doze pés, com um parapeito em proporção com essa altura; cavar um duplo fosso de quinze pés de largo de paredes verticais; erguer um grande número de torres de três andares, lançar entre elas pontes, de que a frente era munida de parapeitos de vime. De tal sorte que o inimigo pudesse ser detido por um duplo fosso e por uma dupla fila de defensores: uma, que do alto das pontes, menos exposta em razão da altura, pudesse lançar os seus dardos mais ousadamente e mais longe; a outra, colocada mais em contacto com o inimigo, na própria muralha, onde as pontes a protegiam da queda dos dardos. Colocou batentes e torres mais altas às portas do campo.

X – A finalidade desta fortificação era dupla: a importância das obras devia fazer acreditar no seu medo (dos romanos) e aumentar a confiança dos bárbaros; por outro lado, como era preciso ir procurar longe forragem e trigo, podia-se, graças a estas fortificações, defender o campo com poucas forças.

Pequenas escaramuças tinham lugar entre os dois campos. Também acontecia, no decorrer das corveias quotidianas de forragem, que, em locais difíceis, forrageadores acabassem por ser envolvidos; incidentes que não nos causavam mais que uma ligeira perda de animais e serventes.

Cómio havia voltado, com cerca de 500 cavaleiros germanos.

XI – César, vendo que o inimigo se mantinha há vários dias no seu campo, defendido pelos pântanos e pela sua posição; e que não podia levar a cabo o assalto desse campo sem uma luta mortífera nem cercá-lo sem tropas de reforço, escreve a Trebónio (em Cénabo com a VI e a XIV legiões) para que chame o mais depressa possível a legião do legado Tito Sêxtio, com quartéis entre os bitúriges, e que venha, com essas três legiões, ao seu encontro a grandes etapas.

Entretanto, emprega sucessivamente os cavaleiros dos remos, dos língones e de outros Estados, de que lhe haviam fornecido grande número, para a guarda das corveias de forragem, suportando estes os bruscos ataques do inimigo.

XII – Esta manobra (a guarda aos forrageadores) repete-se todos os dias. Os belóvacos, já conhecedores dos postos habituais dos nossos cavaleiros, armam então uma emboscada com forças de infantaria de elite em dois lugares arborizados; no dia seguinte, os seus cavaleiros atraem para ali os nossos, que cercados, sofrem o ataque da infantaria. A má sorte calhou aos remos, de serviço nesse dia: havendo avistado de súbito os cavaleiros inimigos e estando em superioridade numérica, perseguem-nos com demasiado entusiasmo e acabam envolvidos por todo o lado. Vertisco, o primeiro magistrado da sua nação, comandante da cavalaria, morre no combate; devido à sua idade, mal se podia ter no cavalo; no entanto, segundo os usos dos gauleses, não quisera que esta razão o dispensasse do comando nem do combate.

O inimigo anima-se e exalta-se com este triunfo; os nossos aprendem a expensas suas a reconhecer com mais cuidado os locais, antes de lá colocar postos, e a perseguir com maior prudência um inimigo que recua.

XIII – Não se passa dia sem que se travem combates à vista dos dois campos, nas passagens e nos vaus do pântano. No decorrer de um desses recontros os germanos, que César fizera atravessar o Reno para os misturar com os cavaleiros nos combates, com audácia, transpõem todos juntos o pântano; matam o pequeno número que lhes resiste e perseguem com vigor a massa dos outros. Aterrorizados, não só os que eram acossados de perto ou atingidos de longe, mas também os soldados de reserva, postados como era habitual a alguma distância, se lançam vergonhosamente em fuga e, expulsos de elevação em elevação, só pararam quando se encontraram ao abrigo do seu campo.

XIV – Quando são informados da aproximação das legiões de Caio Trebónio, os chefes, temendo um cerco semelhante ao de Alésia, mandam embora durante a noite todos aqueles que são idosos, fracos ou não têm armas e, com estes, todas as bagagens. Esta coluna mal se põe em movimento e já o dia a surpreende.

Os gauleses formam em frente do campo as suas tropas, tratando de dar tempo à coluna das bagagens para que se distancie.

César não pretende atacar estas tropas, dado o escarpado da colina; porém, manda avançar as legiões o bastante para que as forças bárbaras não possam retirar sem perigo. Vendo que o pântano que separava os dois campos podia atrasar a perseguição; vendo ainda que a elevação que estava para lá do pântano (o monte Collet) quase chegava ao campo inimigo, de que era separada apenas por um pequeno vale, manda lançar pontes de caniçados sobre o pântano. Fazendo passar (por ali) as legiões, estas rapidamente atingem o planalto no cimo da colina, protegida nos seus dois flancos por declives pronunciados.

Ali volta a formar as legiões; chega ao extremo da colina e alinha as suas tropas para batalha, numa posição de onde os dardos das máquinas podiam cair sobre as fileiras inimigas.

XV – Os bárbaros estavam confiantes das suas posições, mostrando-se dispostos ao combate se os romanos tentassem subir a colina.

César, deixando vinte coortes em armas, marca o campo naquele local e ordena que o entrincheirem. Terminados estes trabalhos, forma as legiões diante da fortificação e coloca os cavaleiros na vanguarda.

Vendo os romanos prontos a persegui-los, os belóvacos recorreram na retirada ao seguinte meio: passando da mão em mão os fardos de palha e as faxinas que lhes serviam de assento, de que havia no campo uma grande quantidade, dispuseram-nos diante da sua linha de batalha e, no último instante do dia, lançaram-lhes ao mesmo tempo o fogo: então uma barreira de chamas furtou subitamente as suas tropas à vista dos romanos. Aproveitando a cortina de chamas, os bárbaros retiram a toda a pressa.

XVI – César manda avançar as suas legiões; envia esquadrões em perseguição dos inimigos; mas, temendo uma emboscada e que o inimigo tivesse permanecido no mesmo local, avança lentamente; se alguns dos cavaleiros, mais ousados, entravam na barreira de chamas, era com dificuldade que viam as cabeças dos seus cavalos. Assim, deu-se aos belóvacos tempo para operarem a retirada.

O inimigo avançou, sem nenhuma perda, a mais de dez milhas de distância, estabelecendo acampamento numa posição muito bem defendida. Daí, com frequência colocando infantaria e cavaleiros de emboscada, causava muitas perdas aos nossos forrageadores.

XVII – Já se haviam dado muitos destes ataques, quando César soube por um prisioneiro que Corréus havia escolhido 6.000 infantes dos mais bravos e mil cavaleiros seleccionados, colocando-os de emboscada num lugar onde suspeitava, pela sua abundância de trigo e forragem, que os romanos iriam.

César manda então sair mais legiões do que era habitual, enviando na frente a cavalaria a escoltar os forrageadores; misturou também entre estes auxiliares ligeiramente armados; ele próprio avança tão perto quanto lhe é possível com as legiões.

XVIII – O local da emboscada era uma planície (a de Choisy-au-Bac) que não tinha mais de mil passos de extensão, sendo rodeada por todos os lados de bosques cerrados; havia ainda um rio de águas profundas a defendê-la; os inimigos tinham-na rodeado de armadilhas. Os nossos entram na planície esquadrão por esquadrão; Corréus começa por se mostrar com poucos homens, carregando sobre os esquadrões mais próximos. Os nossos aguentam o choque dos adversários sem se reunirem em massa (manobra vulgar nos combates de cavalaria, num momento de alarme; mas prejudicial, devido ao seu próprio número).

XIX – enquanto se iam batendo esquadrão contra esquadrão (de cavalaria), em pequenos grupos que se rendiam constantemente no ataque e que evitavam deixar-se apanhar de flanco, os outros gauleses começam a sair dos bosques; travam-se vivos combates de forma dispersa (na planície). A massa da infantaria gaulesa, saindo pouco a pouco dos bosques, avança em ordem de batalha e obriga os nossos cavaleiros a recuar; a (nossa) infantaria ligeira socorre-os, misturando-se com os esquadrões.

Por algum tempo, os contentores lutam de igual para igual; depois, como o quer a lei das batalhas, aqueles que haviam aguentado o primeiro choque superiorizam-se, justamente pelo facto de a emboscada, não os tendo surpreendido, não lhes haver causado qualquer mal. Entretanto as legiões aproximam-se, o que os nossos e o inimigo conhecem ao mesmo tempo. Os inimigos perdem a coragem e procuram fugir em direcções opostas, mas em vão o tentam: os obstáculos que semearam para os romanos voltam-se agora contra eles próprios; vencidos, em desordem, havendo perdido grande parte dos seus, fogem uns para os bosques, outros para o rio; e são ardorosamente perseguidos pelos nossos, que os massacram.

Corréus, convidado pelos nossos a render-se, recusou-se a fazê-lo e continuou a combater com a maior coragem, ferindo grande número dos nossos; foi abatido pelos dardos.

XX – César pensou que o inimigo, acabrunhado pelo desastre, procuraria abandonar o seu campo, que, dizia-se, não distaria mais de 8.000 passos do local da carnificina. Faz o exército transpor o rio e marcha em frente.

Os belóvacos e os outros Estados, informados da derrota pelo pequeno número que escapara, convocam de imediato a assembleia ao som de trombetas e ali proclamam que é preciso enviar a César deputados e reféns.

XXI – Sendo esta medida unanimemente aprovada, Cómio foge para a região dos germanos de onde trouxera os auxiliares para esta guerra. Os outros enviam imediatamente deputados a César, pedindo-lhe que seja clemente... «Corréus era o responsável pela guerra, o agitador do povo...nunca, com efeito, como quando era vivo, o senado tivera tanto poder no Estado quanto (o tivera) a plebe ignorante».

XXII – César lembra-lhes que «no passado os belóvacos lhe declararam guerra; que foram os mais obstinados de todos os seus adversários, e que a rendição dos outros não os trouxera à razão; que sabia muito bem que nada era mais fácil do que lançar à conta dos mortos a responsabilidade pelo erro...no entanto, contentar-se-á com o castigo que a si próprios atraíram».

XXIII – Na noite seguinte, os deputados levaram aos seus a resposta de César; reúnem-se os reféns. Os deputados dos outros Estados, que esperavam para ver o resultado que os belóvacos obteriam, apressam-se a ir ter com César; entregam reféns e submetem-se às ordens que recebem; à excepção de Cómio, que não podia confiar na palavra dos romanos.

No ano anterior, enquanto César administrava justiça na Gália Citerior, Tito Labieno preparara-lhe uma cilada; como pensava que Cómio não aceitaria convite para vir ao seu campo, enviou Caio Voluseno Quadrato, a pretexto de uma entrevista, com a missão de o matar; acompanhavam-no centuriões escolhidos para essa tarefa. Cómio foi ferido gravemente na cabeça à espada, mas os seus companheiros defenderam-no.

XXIV – César, vendo que um grande número de habitantes deixava as cidades e fugia dos campos, decide distribuir o seu exército por diversas regiões. Mantém junto de si o questor Marco António, com a XI legião; Caio Fábio, com 25 coortes, é enviado para o extremo oposto da Gália, onde ouvia dizer que certos Estados se haviam levantado em armas e onde Caio Canínio Rebilo assentara quartéis com duas legiões das mais fracas; chama para junto de si Tito Labieno e envia a XV legião, que havia invernado com o legado, para proteger as colónias de cidadãos romanos na Gallia Togata: temia alguma infelicidade semelhante à dos tergestinos (Tergesto; hoje, Trieste), que no Verão anterior haviam sofrido as depredações e o súbito ataque dos bárbaros.

No que lhe toca, parte para devastar e saquear o país de Ambiorix.

XXV – César espalhou as suas legiões e os seus auxiliares por todo o território dos eburões, ali tudo devastando pelo massacre, pelo incêndio e pela pilhagem, matando ou aprisionando um grande número de homens.

Enviou depois Labieno com duas legiões ao país dos tréveros, cujo Estado, arrastado para contínuas guerras pela sua vizinhança com a Germânia, não diferia pelo género de vida e selvajaria dos germanos, só se submetendo às ordens recebidas sob a opressão de um exército.

XXVI – Enquanto isso, Canínio, informado por carta e mensageiros enviados por Durácio (rei dosPictones e aliado dos romanos; obteve de César o direito de cidadania romana) – sempre fiel à amizade dos romanos, não obstante a defecção de uma parte do seu Estado – de que uma considerável multidão de inimigos se havia reunido naquele país, dirigiu-se para a praça deLemonum.

Ao aproximar-se da cidade Canínio soube que Durácio, encerrado em Lemonum, era assediado por milhares de homens ao mando de Dumnaco, chefe dos Andes.

Não ousando atacar o inimigo com as suas legiões, ergueu o seu campo numa forte posição.

Dumnaco, à notícia da chegada de Canínio, volta todas as suas forças contra os romanos e ataca-lhes o acampamento. Bom número de dias depois, havendo sofrido perdas consideráveis sem poder abrir a menor brecha nos nossos entrincheiramentos, Dumnaco desistiu e voltou a assediar Lemonum.

XXVII – Caio Fábio, ocupado então a receber a submissão de numerosos Estados, que reforçava com reféns, é informado por carta de Canínio do que se passava no país dos Pictones; e parte em socorro de Durácio.

Dumnaco, ao saber da aproximação de Fábio, retira subitamente as tropas, pensando que só estará em segurança quando as fizer atravessar o Liger (só possível de cruzar por ponte, dada a largura do rio).

Fábio, de acordo com o relatório daqueles que conheciam o país, pensa poder interceptar a marcha ao inimigo; sem procurar a junção com as forças de Canínio, dirige-se com as suas tropas para o local onde os inimigos deverão passar (talvez em Saumur ou talvez em Ponts-de-Cé, perto de Angers). Ordena á cavalaria que tome a dianteira, mas sem fatigar os cavalos, de modo a poder retirar para junto das legiões em caso de necessidade.

Os nossos cavaleiros, respeitando estas ordens, perseguem e atacam o exército de Dumnaco; e, caindo sobre um inimigo em marcha, carregado de bagagens, matam-lhe muita gente e fazem um grande saque; depois voltam para o seu campo.

XXVIII – Na noite seguinte, Fábio de novo envia na frente os seus cavaleiros – ao mando do prefeito da cavalaria, Quinto Ácio Varo, homem de uma bravura e de um sangue frio notáveis (será prefeito da cavalaria de César durante a guerra civil) –, com a missão de atacar o inimigo e de o atrasar, até à chegada das legiões.

Alcançada a coluna inimiga, Varo divide os seus esquadrões; coloca uma parte deles em posições favoráveis e, com os restantes, inicia um combate de cavalaria. Os cavaleiros inimigos combatem com o apoio dos seus infantes.

XXIX – Combatendo-se encarniçadamente já há algum tempo, Dumnaco dispõe o seu exército em linha de batalha, preparando-se para o fazer avançar contra a nossa cavalaria. É então que, de súbito, marchando em filas cerradas, surgem as legiões.

À sua vista, os esquadrões e as linhas de infantaria dos bárbaros debandam, fugindo em todas as direcções; os nossos cavaleiros envolvem os fugitivos e matam quantos podem; mais de 12.000 homens são massacrados, quer de armas na mão, quer na fuga, e todo o seu comboio de bagagens cai em nosso poder.

XXX – Após esta derrota, 5.000 fugitivos são recolhidos pelo sénone Drappes, o mesmo que no começo da revolta da Gália havia reunido uma multidão de homens perdidos: escravos atraídos pela liberdade, exilados vindos de todos os Estados e bandidos, com os quais interceptava as bagagens e os comboios dos romanos.

Quando se soube que marchava contra a Provincia, em aliança com o cadurco Luctério, Canínio lança-se com duas legiões em sua perseguição.

XXXI – Com todas as suas forças, Caio Fábio dirige-se ao país dos Carnutes, e a outros Estados que sabia enfraquecidos com a derrota de Dumnaco.

Os carnutos, que muitas vezes batidos nunca haviam falado de paz, entregam agora reféns e afirmam a sua submissão; os outros Estados, situados nos confins da Gália, vizinhos do Oceano, e que se chamam Armoricanos, executam prontamente à chegada de Fábio as condições impostas.

Dumnaco, expulso do seu país, solitário, errando e escondendo-se, foi forçado a fugir para as regiões mais recuadas da Gália.

XXXII – Drappes e Luctério, sabendo que Canínio estava já muito próximo, fazem alto no país dosCadurci. Luctério, que na sua prosperidade tivera outrora grande influência entre os seus concidadãos, e que, sempre fautor de revoltas, gozava de grande crédito junto dos bárbaros, ocupa com as suas tropas e as de Drappes a praça de Uxellodunum (=“castelo alto; talvez o Puy d’Issolud, perto de Vayrac, no Lot), que havia sido da sua clientela; uma cidade notavelmente defendida pela natureza, da qual ganha os habitantes para a sua causa.

XXXIII – Caio Canínio depressa ali chega; vê que a praça é defendida de todos os lados por rochedos a pique. Sabendo que os seus ocupantes e os habitantes não poderiam tentar sair em segredo sem sofrerem o ataque da cavalaria e mesmo o das legiões, dividiu as suas coortes em três corpos; faz erguer três acampamentos em posições muito elevadas e dali começa, pouco a pouco, tanto quanto o permitia o número das suas tropas, a levantar uma linha de circunvalação em volta da praça.

XXXIV – Os sitiados, inquietos pela recordação de Alésia, temiam ter de suportar um cerco semelhante; Luctério, que assistira a esse desastre, é o primeiro a adverti-los quanto à necessidade de se abastecerem de trigo.

Decidem, pois, deixar na cidade uma parte das suas tropas e partir com as restantes, sem bagagens, para recolher trigo.

Na noite seguinte, deixando ali 2.000 soldados, Drappes e Luctério saem da praça com o resto das tropas.

Em poucos dias, obtêm grande quantidade de trigo no país dos cadurcos: os que desejavam ajudá-los, abasteciam-nos; quanto aos outros, não podiam impedi-los de fazer as suas provisões.

Por vezes também levavam a cabo ataques nocturnos contra os nossos fortes. Por tal razão, Canínio hesitava em acabar a linha de circunvalação, com receio de não poder defender o entrincheiramento ou de não ter, na maior parte dos pontos, senão postos demasiado fracos.

XXXV – Feita ampla provisão de trigo, Drappes e Luctério estabelecem-se a dez mil passos, quando muito, da praça-forte, para dali fazerem entrar o trigo pouco a pouco. Dividem as funções: Drappes, com uma parte das tropas, fica de guarda ao campo; Luctério conduz o comboio para a praça.

Já nas proximidades da cidade, Luctério dispõe postos; depois, pela décima hora da noite, trata de fazer entrar o trigo por estreitos caminhos de floresta.

As sentinelas do nosso campo ouvem o barulho levantado pelos gauleses; são enviados batedores que relatam a Canínio o que se passa. Caio, agindo rapidamente, com as coortes que retira dos fortes mais próximos, cai sobre os fornecedores pela madrugada; estes fogem em direcção aos seus postos. Os nossos, perseguindo-os, encontram estes postos e aniquilam-nos, não querendo fazer prisioneiro algum. Luctério foge com um pequeno grupo dos seus, não voltando ao seu campo.

XXXVI – Canínio fica a saber pelos prisioneiros que Drappes e uma parte das tropas ficaram no acampamento, a uma distância de doze milhas, no máximo. Envia contra eles a cavalaria e os infantes germanos, que eram de uma extraordinária rapidez. No que lhe toca, depois de dividir uma legião pelos três campos, parte com a outra, sem bagagens, contra o campo inimigo.

Já muito perto do campo, os batedores informam-no que, segundo o seu uso, os bárbaros haviam negligenciado as elevações, levantando o seu campo à beira de um rio; dizem-lhe também que os germanos os haviam atacado de surpresa. Canínio manda então avançar a sua legião, armas prontas e em formação de batalha; a um sinal dado, os legionários, surgindo subitamente de todos os lados, apoderam-se das elevações. Germanos e cavaleiros, vendo as insígnias das legiões, redobram de vigor. Ao mesmo tempo, todas as coortes se lançam sobre os inimigos, que massacram ou capturam; apoderam-se de um grande saque; o próprio Drappes tomba prisioneiro.

XXXVII – Canínio volta então ao assédio a Uxeloduno. Desembaraçado do inimigo exterior, cujo receio até então o impedira de dispersar os seus postos e de concluir a sua linha de circunvalação, ordena que em toda a parte se apressem os trabalhos. No dia seguinte Caio Fábio chega com as suas tropas e encarrega-se de sitiar um lado da praça.

XXXVIII – César, entretanto, deixara o seu questor Marco António com quinze coortes no país dos belóvacos, partindo para os outros Estados, a que exige um maior número de reféns; tranquiliza com consoladoras palavras todos os espíritos perturbados pelo medo.

Chegando aos Carnutes, pede que lhe seja entregue Gutruato; depressa o trazem ao campo. César entrega-o ao suplício diante dos seus soldados, que lhe lançavam na conta todos os perigos que haviam corrido e todos as perdas que haviam sofrido; foi açoitado com verdascas até já não dar sinal de vida, sendo depois entregue ao machado.

XXXIX – Canínio informa César da sorte que coubera a Drappes e a Luctério, e da obstinada resistência dos sitiados.

César, ainda que o seu débil número merecesse o desprezo, achou que era preciso punir severamente aquela teimosia, pelo receio de que a Gália inteira viesse a acreditar que para resistir aos romanos não fora a força que faltara, mas a constância. Os gauleses sabiam, aliás, e ele não o ignorava, que apenas dispunha de mais um Verão na sua província e que, se pudessem aguentar até essa altura, dele nada mais teriam a temer.

Deixando duas legiões ao seu legado Quinto Caleno, com ordem de o seguir a etapas normais, César, levando consigo toda a cavalaria, partiu ao encontro de Canínio o mais depressa que pôde.

Quinto Fúfio Caleno, da ilustre família Fúfia; tribuno do povo em 61; pretor em 59; um apaniguado de Clódio. Na guerra civil segue César a Brundisium, depois a Espanha e ao Epiro. Cônsul em 47. Após a morte de César, enfileira ao lado de António. Comandava um exército na Gália Transalpina, quando morre subitamente no ano de 41.

XL – César chegou a Uxeloduno sem que ninguém o esperasse; encontrou a praça completamente cercada.

Informado pelos trânsfugas de que os sitiados se encontravam abundantemente providos de trigo, tenta privá-los da água.

Um rio atravessava o profundo vale que rodeava quase inteiramente a montanha aonde se erguia, por todo o lado a pique, Uxellodunum. A natureza do local impedia que se desviasse este rio: ele corria tão profundamente pelo sopé da montanha que era impossível cavar fossos para o desviar. Porém, a descida a este rio era tão difícil e abrupta que, montando os romanos postos, os sitiados não a podiam arriscar nem subir o declive escarpado sem serem feridos ou mortos.

Apercebendo-se dessa dificuldade, César dispõe ali archeiros e fundibulários, colocando até máquinas de guerra nos pontos onde a descida era mais fácil.

XLI – Assim, o único local onde a população agora se podia abastecer de água situava-se mesmo no sopé da muralha, jorrando ali uma fonte abundante, no pequeno sector de trezentos pés que o anel do rio não rodeava.

Quis-se também proibir esta fonte aos assediados: em frente da ponte mandaram-se empurrar manteletes contra a montanha e elevar um terrado, mas não sem grandes penas e constantes combates; os sitiados, descendo da sua posição dominante, combatiam de longe, sem perigo, ferindo muitos dos nossos, que, no entanto, iam obstinadamente avançando.

Ao mesmo tempo que se fazia o aterro, cavavam-se galerias na direcção dos regatos e da nascente; trabalho que se fazia sem incómodo e sem alarme do inimigo.

Construiu-se, pois, um terrado de sessenta pés de altura, nele se elevando uma torre de dez andares, não tão alta que atingisse a altura dos muros (nenhuma obra permitiria tal resultado), mas o suficiente para dominar o local da fonte. Do alto desta torre as máquinas lançavam projectos sobre as imediações da fonte. Como os sitiados já não podiam abastecer-se de água sem perigo, não só os animais e as bestas de carga, como também os próprios homens começaram a morrer de sede.

XLII – Os sitiados enchem então tonéis de sebo, pez e pequenas ripas e fazem-nos rolar em chamas contra as nossas obras. Ao mesmo tempo lançam uma surtida, para que os romanos não possam apagar o fogo.

Tudo o que era atirado por aquela inclinação abrupta, ao ser detido pelos manteletes e o terrado, abrasava-os.

Mas os nossos combateram com intrepidez, expondo-se aos dardos dos inimigos e à chama.

XLIII – César, vendo que havia já muitos feridos, dá ordem às coortes para escalarem a montanha de todos os lados; os sitiados chamam os soldados que atacavam as nossas obras e alinham-nos sobre as muralhas. Assim o combate cessou, e os nossos depressa apagaram as chamas.

Como a resistência dos sitiados se prolongasse, a despeito da perda de grande número dos seus, por fim, os nossos canais subterrâneos cortaram e desviaram os ribeiros da fonte.

Vendo seca a inesgotável nascente, os sitiados foram tomados de tão grande desespero que nisto viram, não a indústria dos homens, mas a vontade dos deuses; por conseguinte, renderam-se.

XLIV – César resolveu dar um exemplo que intimidasse os outros Estados: mandou cortar as mãos a quantos haviam empunhado armas, deixando-lhes a vida, para que melhor testemunhassem o castigo.

Drappes, prisioneiro de Canínio, talvez pela humilhação e a dor de estar a ferros, absteve-se de alimento durante dias e morreu de fome.

Luctério, que escapara do combate, caiu nas mãos do arverno Epasnacto, que o carregou de correntes e o entregou a César.

XLV – enquanto isso, Labieno, entre os Treveri, travara com êxito um combate de cavalaria, matando muitos tréveros, bem como germanos, que não recusavam a ninguém o seu socorro contra os romanos.

Apodera-se dos seus chefes; entre eles o éduo Suro, tão ilustre pela sua coragem quanto pelo seu nascimento, e o único dos éduos que ainda não depusera as armas.

XLVI – À notícia desta vitória de Labieno, vencida e submetida a Gália, César parte para a Aquitânia, onde nunca fora, mas de que Públio Crasso submetera uma parte; seguiu com duas legiões, para ali passar o resto da estação. Esta expedição foi conduzida de modo rápido e feliz: todos os Estados da Aquitânia lhe enviaram deputados e lhe entregaram reféns.

Parte depois para Narbona (fundada em 118 com o nome de Narbo Martius; capital da Gália Narbonesa) com uma escolta de cavaleiros. Havia colocado quatro legiões na Bélgica, sob o mando de Marco António, Caio Trebónio, Públio Vacínio (ou Vatínio?) e Quinto Túlio.

Públio Vacínio fora questor em 63; servira em Espanha com o procônsul Caio Coscónio. Legado de César no final da guerra das Gálias, seguiu-o na guerra civil; defendeu Brundisium contra Lélio; foi cônsul em 47; depois procônsul na Ilíria. Após a morte de César, entregou as suas legiões a Bruto e retirou-se para Epidamno. Obtivera o triunfo em 43, pelas suas vitórias sobre os Dalmatae.

Enviou duas legiões para os éduos, dada a sua grande influência política na Gália. Colocou outras duas entre os Turones, na fronteira dos Carnutes, para manter toda a região que está próxima do Oceano. As duas restantes, nos Lemovices, não longe dos arvernos.

Ficou poucos dias na Provincia, tendo percorrido rapidamente todas as assembleias: considerando as controvérsias políticas e recompensando os serviços prestados (na rebelião da Gália, a fidelidade e os socorros da Provincia haviam-no posto em estado de àquela poder resistir). Quando terminou, voltou para junto das suas legiões na Bélgica, invernando em Nemetocenna (hoje, Arras).

XLVII – Sabe ali que Cómio, o atrébate, dera batalha à sua cavalaria.

António chegara aos seus quartéis de Inverno sem qualquer percalço; o Estado dos Atrebatesmantinha-se no seu dever. Porém, Cómio, com um contingente de cavalaria, entregava-se a actos de banditismo, de que ele e os seus viviam: infestavam os caminhos e interceptavam os comboios que se dirigiam aos quartéis de Inverno dos romanos.

XLVIII – António tinha por prefeito de cavalaria Caio Voluseno Quadrato, e envia-o em perseguição dos cavaleiros de Cómio.

Voluseno, que unia a uma singular coragem um grande ódio a Cómio, arma-lhes emboscadas e obtém êxitos. Por fim, no decorrer de um recontro particularmente encarniçado, em que Voluseno, arrebatado pelo desejo de capturar Cómio, o persegue com demasiado ardor e fraca escolta, deixando-se levar para muito longe, o romano é gravemente ferido.

Advertência – O ano seguinte (o de 50), que foi o do consulado de Lúcio Emílio Paulo (filho de Lépido; um dos primeiros entre os acusadores de Catilina; foi depois comprado por César) e de Caio Cláudio Marcelo, não comporta na Gália qualquer operação militar digna de menção.

XLIX – César, ao invernar na Bélgica, não tinha outro objectivo que não fosse o de manter os Estados na nossa aliança e não lhes dar esperança nem pretexto para a guerra. Não havia nada, com efeito, que desejasse menos que ver-se na necessidade de fazer a guerra no momento da sua partida e deixar atrás de si, na altura em que ia levar o exército, uma guerra que toda a Gália empreenderia de boa vontade por nada lhe ter a temer.

Assim, tratando honrosamente os Estados, cumulando de recompensas os principais cidadãos, não impondo nenhum novo encargo, manteve facilmente a paz na Gália, esgotada por tantos revezes.

L – No fim dos seus quartéis de Inverno partiu para Itália, fazendo as etapas o mais rápido possível, a fim de falar aos municípios e às colónias, para lhes recomendar a candidatura ao sacerdócio do seu questor Marco António.

César apoiava-o com todo o seu crédito, havendo-o enviado pouco antes a preparar a sua candidatura.

Lutava com ardor contra uma facção poderosa, que desejava, pondo António em causa, abalar o poder de César no momento em que ele abandonava o proconsulado.

Soube pelo caminho, antes mesmo de chegar a Itália, que António fora nomeado áugure; mas não deixou por isso de percorrer os municípios e colónias, agradecendo-lhes o apoio dado a António e, ao mesmo tempo, recomendando-lhes a sua própria candidatura para as eleições do ano seguinte(eleições de 49, para o consulado em 48).

Os seus adversários exultavam então por haverem conseguido nomear (para 49) Lúcio Lêntulo e Caio Marcelo como cônsules, arrebatando a eleição a Sérvio Galba, porque este estava ligado a César como amigo e lugar-tenente.

Caio Cláudio Marcelo era primo do cônsul homónimo de 50. Lúcio Cornélio Lêntulo, o outro cônsul de 49, declarou-se por Pompeu; seguiu-o até ao Egipto, onde também morreu degolado.

LI – César foi acolhido por todos os municípios e por todas as colónias com grandes honras e afecto. Era a primeira vez que ali voltava desde a guerra geral da Gália.

LII – Depois de ter percorrido todas as regiões da Gallia Togata, César voltou com a maior rapidez para junto do exército, em Nemetocenna. Retirou todas as legiões dos seus quartéis de Inverno e enviou-as para o país dos Treveri; para aí partiu e ali passou revista ao exército.

Confiou a Labieno o comando da Togata Gallia, contando que ele apoiasse a sua candidatura ao consulado. Ainda que frequentemente lhe viessem dizer que os seus inimigos intrigavam junto de Labieno e soubesse que alguns obravam para que lhe fosse arrebatada, por intervenção do senado, uma parte do exército, manteve a sua confiança em Labieno.

Caio Curião, tribuno da plebe, que defendia a causa de César, muitas vezes apresentou perante o senado o seguinte compromisso: «se havia alguma desconfiança dos exércitos de César, e já que também o domínio e as armas de Pompeu provocavam no forum um medo que não era medíocre, ambos deviam desarmar e licenciar as suas tropas; a cidade, desse modo, seria livre e retomaria os seus direitos». E não só tomou este compromisso como quis ainda, por sua própria iniciativa, submetê-lo a votos. Os cônsules e os amigos de Pompeu a isso se opuseram e o senado, para apaziguar o caso, interrompeu as suas sessões.

Caius Scribonius Curio salvara a vida a César, ameaçado de morte pelos cavaleiros por haver defendido os partidários de Catilina. Seguira de início o partido de Pompeu; depois, cheio de dívidas, vendeu-se a César, do qual se tornou um agente muito hábil. Durante a guerra civil, expulsou Catão da Sicília, daí passando a África. Aqui, batido por Juba e Varo, trespassou-se com a própria espada.

LIII – Marco Cláudio Marcelo (irmão do cônsul de 49), já no ano precedente (o de 51), procurando abater César, contrariamente à lex Pompeia Licinia (de 55), levara à ordem do dia no senado, antes de tempo, a questão das províncias de César. Após a discussão, Marcelo submeteu a sua proposta a voto, e viu um grande número de senadores ser-lhe adverso.

Mas estes desaires, longe de desencorajar os inimigos de César, levaram-nos a buscar meios mais poderosos, de modo a levarem os senadores a aprovar as medidas que desejavam.

LIV – De seguida é aprovado um senatusconsultum ordenando que uma legião de Gneu Pompeu seja enviada para a guerra contra os partos; e Caio César teria de fornecer uma outra.

Pompeu dá, como sendo do seu contingente, a legião que enviara a César, depois de a ter recrutado na Cisalpina. Contudo, ainda que as intenções dos seus adversários não lhe oferecessem qualquer dúvida, César restituiu a Pompeu aquela legião e, de acordo com a decisão do senado, enviou em seu nome a XV legião, aquartelada na Gália Citerior. Para ocupar os postos que a XV ocupava, envia para Itália a XIII legião.

Atribui quartéis de Inverno ao seu exército: coloca Caio Trebónio na Bélgica, com quatro legiões; envia Caio Fábio para o país dos éduos, com outras quatro; e parte para Itália.

LV – À sua chegada, fica a saber que as duas legiões que enviara, em vez de terem seguido para aAsia, haviam sido entregues pelo cônsul Caio Marcelo a Gneu Pompeu, ficando retidas na Itália.

Se bem que este facto já não deixasse dúvidas a ninguém quanto ao que se preparava contra César, este resolveu, no entanto, tudo suportar enquanto lhe restasse alguma esperança de resolver o diferendo mais pelo direito do que pelas armas. Esforçou-se...