O espaço da História

Capítulo XII - Progressos no campo económico e cultural na Roma do período antigo

A AGRICULTURA.

 

No Lácio e nas outras regiões que os romanos ocuparam a agricultura continuou a ser a principal ocupação económica: cereais e vinha, oliveiras, árvores de fruta e hortaliças.

A criação de gado, como actividade dominante, só teria sido importante, neste período, nas colónias romanas do Sâmnio e da Itália meridional. Nestas regiões, mas já nos séculos II e I, desenvolver-se-á uma economia ganadeira de grandes rebanhos.

A técnica agrícola era muito primitiva. De início o arado era feito de um só tronco, como o testemunha a arte figurativa etrusca. O arado composto aparece mais tarde, e só na época imperial surgirá o arado com rodas, importado da Gália.

Os outros instrumentos agrícolas em uso no período primitivo terão sido, provavelmente, a foice, a gadanha, a grade e o ancinho, a enxada, o podão, etc.

O uso do adubo era bem conhecido. Ao que parece, ter-se-á começado a praticar cedo o sistema de rotação ternária das culturas. E a abundância das culturas de legumes faz supor que se tenha aplicado também a rotação quaternária. A drenagem de terras era largamente praticada.

Bois e vacas serviam como força de tracção. Cavalos, asnos e mulas eram usados como animais de carga.

De início o grão era trilhado pelos cascos de cavalos e asnos, numa eira plana. Depois surgiu um aparelho rudimentar, formado por tábuas com pedras fixadas na face inferior, que se arrastava pela eira.

Para macerar o grão, nos tempos mais antigos, empregavam grosas e almofarizes. Surgem depois mós de roda, primeiro accionadas à mão, depois com a ajuda de alavanca. O moinho de água só começará a ser usado na época imperial.

Para a azeitona e as uvas usavam prensas simples de alavanca. Mas, ao que parece, terão criado muito cedo um tipo particular de mó (trapetum), que separava da polpa o caroço da azeitona.

 

A nossa fonte mais antiga para a técnica agrícola é a “De agri cultura” (ou “De re rustica”) de Catão, escrita na primeira metade do século II.

A obra revela uma antiga e vasta experiência agronómica, com referências aos usos nos dois séculos anteriores. Mas é praticamente impossível definir, com base na exposição de Catão, quando é que este ou aquele instrumento começou a ser usado, quando é que um determinado aperfeiçoamento passou a ser aplicado.

 

Dadas as escassas referências das fontes, deparamos com idêntica dificuldade quando se tenta seguir o processo de desenvolvimento das relações sociais na agricultura.

Apenas se pode afirmar, sobre o período mais antigo da história de Roma, que houve um lento processo de decomposição das formas de propriedade comum da terra.

Dado que a comunidade romana se apresentava como uma cidade-estado, uma polis, essa propriedade comum assumiu uma forma estatal, com a maior parte das terras cultiváveis e prados, bosques e pastagens a pertencerem ao Estado (ager publicus). No início as terras estatais eram poucas, porém, com o estender do domínio de Roma sobre a Itália, o ager publicus foi crescendo.

A terra estatal converteu-se na principal “geratriz” do processo de formação (e incremento) da propriedade privada da terra.

Nos princípios, a propriedade privada que era permitido transmitir por herança estava limitada à pequena parcela de duas jugera em torno da casa. Mas cada gens e, mais tarde (quando as relações gentílicas se começaram a dissolver), cada família, na medida das suas forças produtivas, tinham o direito de explorar terras do Estado a título de possessio (“ocupação”);isto no que respeita aos patrícios.

Os plebeus (já no período de conquista da Itália) provavelmente receberiam do Estado, em propriedade privada, a terra de que necessitavam, ou seja, com o direito de a alienar. Mas não tinham acesso ao ager publicus. Só com a lei de Licínio e Séxtio é que os plebeus (pelo menos os ricos) obterão o direito à occupatio de terras do Estado.

Na segunda metade do século IV, em consequência dessa lei, quando após uma guerra vitoriosa novos territórios eram acrescentados ao ager publicus, os censores publicavam um édito especial convidando aqueles que o desejassem a ocupar essas terras. As parcelas assim apropriadas eram chamadas possessiones, os seus ocupantes, possessores. Como não eram proprietários, mas sim usufrutuários, tinham de pagar uma taxa a título de renda (vectigal), que era estabelecida pelos censores.

A ocupação das terras do Estado levou a inúmeros abusos. Os ricos tratavam de ocupar extensas áreas e a lei de limites de Licínio e Séxtio na prática nunca foi observada.

Ilustrando o estado de coisas de então, Lívio conta que em 357, Licínio, um dos promotores, foi condenado a uma multa de 10.000 libras de cobre por infracção à “sua” própria lei.

Os possessores trataram de transformar as terras ocupadas em sua propriedade privada plena. Em meados do século III, essas antigas terras estatais ocupadas já não se destrinçam das terras privadas. Aos pobres apenas eram atribuídas pequenas parcelas de duas a sete jugera. Juridicamente, essas parcelas tornavam-se propriedade sua, não sendo oneradas com impostos: era a chamada assignatio. Foi assim que surgiu e se expandiu a grande propriedade rural, à custa dos territórios itálicos espoliados pela guerra, o chamado ager captivus.

Os pequenos agricultores não podiam resistir ao processo de concentração da terra e eram com frequência obrigados a vender. Se não o faziam, caíam sob o jugo das dívidas, acabando igualmente por perder as suas terras. Por outro lado, a exiguidade das parcelas que lhes eram atribuídas obrigava-os a arrendarem terra aos seus vizinhos ricos. No período primitivo não existiu este arrendamento. O que havia então era a outorga de um usufruto da terra temporário e condicional, fundado sobre as relações de clientela.

No século IV, Roma era ainda um país de pequenos proprietários. Havia-os entre os próprios membros da classe dirigente.

 

As bases do sistema económico romano da escravidão já se apresentavam consolidadas nos inícios do século III. Atestam-no a escravatura por dívidas, abolida só nos finais do século IV; a venda como escravos dos habitantes das cidades vencidas (os de Veii, por exemplo, em 396); a exploração do trabalho dos prisioneiros de guerra (servi publici); a introdução, em 357, de uma taxa de 5% sobre o valor dos escravos voluntariamente libertados pelos amos.

As contínuas guerras dos séculos V, IV e inícios do III impulsionarão o processo económico esclavagista.

Mas ele estava ainda bem longe das dimensões que irá atingir no século II, sobretudo no campo agrícola, dado o relativamente débil desenvolvimento à época da grande propriedade. As extensas propriedades, a base para a aplicação em larga escala do trabalho dos escravos, eram então em pequeno número. O número de escravos que trabalhavam a terra para os ricos proprietários era muito inferior ao dos clientes. Até os poucos grandes proprietários de então preferiam entregar a terra, em pequenas parcelas, aos seus clientes. Isso não significava apenas um acréscimo das suas receitas, mas também o aumento da sua influência política, tanto maior quanto o fosse o número dos seus clientes.

 

O ARTESANATO.

 

Diz a tradição que o rei Numa Pompílio terá fundado oito uniões de ofícios: as dos músicos, ourives, carpinteiros, tintureiros, curtidores, sapateiros, caldeireiros e oleiros (Plutarco, “Numa”, XVII).

As leis das XII tábuas (VIII, 27) também referem as uniões: «A lei permite aos membros da sociedade praticar acordos de conveniência mútua, desde que não estejam em contradição com qualquer lei do Estado.»

É certo que as uniões já existiam na época dos reis, mas desconhecemos a forma que então assumiam. Mais tarde serão conhecidas pela designação de colégios.

A existência nesses tempos de artesãos de profissão é testemunhada pelas numerosas pinturas encontradas em Roma e em outras cidades do Lácio, pelos restos de muralhas, de canalização urbana, pelos templos (as fundações do de Júpiter Capitolino, construído em boa parte no reinado de Tarquínio o Soberbo, medem 62 m por 52 m; era pois maior que qualquer templo etrusco), pelos grandes trabalhos de irrigação (exemplo: as galerias de descarga do Lago Albano), os labores em terracota, etc.

As escavações puseram a descoberto, em Roma, catorze a quinze grandes edifícios que teria sido impossível construir sem o contributo de artesãos altamente qualificados. É provável que parte deles fosse grega ou etrusca (as ornamentações arquitectónicas de Satricum e Velitrae, a estátua de Apolo em Veii e outras obras atestam a presença de artesãos etruscos e gregos).

 

A intensa actividade de construção do final do período dos reis decai consideravelmente nos primeiros tempos da República. Mas o artesanato continuou a desenvolver-se nos séculos V e IV. No século IV o desenvolvimento será já bem mais intenso. A construção de templos nesse século e nos inícios do III é disso exemplo.

A reconstrução da cidade, após a sua destruição parcial pelos gauleses, exigiu grandes volumes de mão-de-obra. Por si só, a construção das muralhas da cidade, que demorou 20 anos, representa uma colossal quantidade de trabalho.

Nos finais do século IV iniciam-se as grandes obras de Ápio Cláudio, o aqueduto e a Via Appia. Nestas obras empregou-se sobretudo mão-de-obra não qualificada, porém, sem a participação de hábeis pedreiros e de outros artesãos de profissão não teria sido possível levá-las a cabo.

 

As fontes literárias afirmam que alguns dos templos edificados nos finais do IV e inícios do III foram ornamentados com pinturas murais (de estilo etrusco). Assim, o templo de Salus (= “a Salvação”), no Quirinal, foi embelezado com murais feitos por um antepassado do analista Fábio Pictor. No templo da deusa da guerra, Bellona, Ápio Cláudio mandou colocar medalhões com retratos dos seus antepassados.

 

Nas tumbas de Preneste encontraram-se objectos em bronze habilmente trabalhados. São espelhos e pequenos cofres ornamentais (cistae). Apresentam cenas mitológicas gravadas com singular arte.

Ao que parece, estas produções serão sobrevivências da velha arte etrusca, transmitida agora aos artesãos greco-campânios. Sobre um dos mais belos cofres está a assinatura de um artesão romano, «Novius Plautius fez-me em Roma.»

 

As frequentes guerras dos dois primeiros séculos da República reclamavam grande quantidade de armas ofensivas e defensivas, meios de transporte, etc. Estas necessidades terão sido satisfeitas, quase por completo, pela produção artesanal local. É bem pouco provável que alguns destes objectos pudessem ter sido importados em grandes quantidades.

O mesmo se pode dizer para os instrumentos agrícolas e os objectos domésticos. Parte deles seria confeccionada pelos seus próprios consumidores; porém, os objectos metálicos e a vasilha eram adquiridos no mercado, sendo fabricados por artesãos de profissão.

 

Qual seria então o grau de emprego dos escravos no artesanato? Nas grandes obras públicas eram usadas grandes massas de prisioneiros de guerra. Também é provável que tenham sido eles quem extraiu do subsolo de Veii a pedra (tofus; travertino) para a construção das muralhas do século IV. Mas no artesanato, de um modo geral, prevalecia ainda o trabalho livre.

As reformas de Ápio Cláudio serão o testemunho da existência em Roma, nos finais do século IV, de uma numerosa camada de artesãos e comerciantes livres, pois só a eles poderiam essas reformas interessar.

Neste período, quantitativa e qualitativamente, o trabalho dos escravos ainda não se tornara predominante no artesanato. Mas já se fariam sentir as tendências de desenvolvimento económico que iriam levar ao seu uso generalizado.

 

O COMÉRCIO.

 

A progressiva diferenciação entre o artesanato e a agricultura, nos primeiros quatro séculos da história de Roma, esteve intimamente ligada com o crescimento do comércio interno.

O artesão de profissão, regra geral, vendia ele próprio o seu produto.

As fontes referem a existência de mercados já nos tempos antigos. A cada oito dias, nas chamadas nundinae (a semana era de oito dias; só no império se passa à semana de sete dias, de origem oriental), o camponês vinha à cidade, ao mercado, trocar os seus produtos pelos objectos de que necessitava. Na época primitiva o mercado semanal tinha lugar no forum. Mais tarde, é transferido para junto ao Tibre, onde apareceram depois o mercado de víveres, o de verduras, etc. Também perto do Tibre, a oeste do Palatino, já se fazia o forum boarium (mercado de gado).

Os mercados semanais, de comércio local, existiam em todas as cidades da Itália.

 

Cedo aparecem centros de intercâmbio mais amplo, os mercatus, que normalmente coincidiam com os grandes festejos. Era natural, pois, que os mais famosos santuários se convertessem em centros dos mercados anuais, dado que eram sede das federações político-religiosas.

Conhecem-se feiras junto ao santuário de Júpiter Lacial, no Monte Albano; do templo de Diana, no Aventino, em Roma; do templo de Voltumna, no território de Volsinii; no bosque sagrado de Feronia, junto ao monte Soracte, no território dos faliscos, etc.

Aos mercatus afluíam os comerciantes de todos os territórios vizinhos.

 

Como já vimos, o comércio exterior alcançara no final do período dos reis um nível relativamente alto, graças às relações com os etruscos. Testemunha-o o tratado com Cartago de 508.

Depois, com a consolidação da República e a consequente decadência política da Etrúria, as relações de Roma com as regiões além-mar diminuem. Nos séculos V e IV (e mesmo depois, provavelmente) o comércio exterior romano era parte insignificante no intercâmbio mediterrânico (lembremos o que fizeram às naves de guerra capturadas em Antium).

A presença de navios romanos em Tarento, em 287, terá sido a primeira incursão de uma frota romana nas águas do sudeste de Itália. E só nos começos da primeira guerra púnica os romanos irão construir a sua primeira grande frota de guerra. Tudo isto, bem como o segundo tratado de 348 com Cartago, diz-nos que Roma não era então uma potência comercial.

É certo, no entanto, que se procedeu à fortificação do porto de Óstia pelos meados ou segunda metade do século IV.

Mas também os restos arqueológicos confirmam o baixo nível do comércio exterior romano. É manifestamente pequena a quantidade de objectos gregos encontrados em Roma e no Lácio, se a compararmos com as descobertas nas cidades etruscas. Outra confirmação desta tese é dada pela tardia aparição da moeda em Roma.

 

AS MOEDAS.

 

O mais antigo meio de troca em Roma, tal como entre todos os itálicos, foi o gado: bois e ovelhas. O valor de um boi equivalia ao de dez ovelhas. Depois começam a usar o bronze em pedaços, aes rude (= “metal não trabalhado”, bronze em bruto), que se pesava cada vez que se fazia uma troca.

 

Nas leis das XII tábuas, a unidade de dinheiro é “fixado” (“padrão do dinheiro”) no peso da libra de bronze (VIII, 3-4).

Segundo uma lei de 454 ou de 430, para as multas aplicadas pelos magistrados foi estabelecida a seguinte relação: 1 boi = 10 ovelhas = 100 asses ou libras oscas de 273 gramas (mais tarde, a libra equivalerá a cerca de 327 gramas; é a chamada “libra romana”).

Este incómodo sistema manteve-se até meados do século IV, quando em consequência das necessidades do Estado e do desenvolvimento das relações económicas entre a cidade e o campo se começa a fundir “moeda”, seguindo o exemplo grego, com a forma de discos de peso determinado e com uma dada figura moldada. Aparece assim a libra de bronze, chamada aes grave ou simplesmente as (o asse = 1 libra de bronze osca), com as suas subdivisões, semis (1/2 libra), uncia (1/12 de libra), etc. Numa das faces estava representado Jano Bifronte e, no reverso, a proa de uma nave. É provável que o as haja sido fundido pela primeira vez logo após 338 (queda de Antium).

Posteriormente, quando a prata substitui a liga de cobre na circulação monetária, o as (asse) será fixado em 1/12 do seu peso (ou seja, em uma onça de uma libra de bronze “romana”).

Mais ou menos pela mesma época em que surge o aes grave, com base em acordos, Roma usou as casas de moeda de algumas cidades campânias para emitir peças de prata do tipo grego (drachma; = cerca de 3,5 gramas; didrachma, o dobro), com as legendas “romano” ou “Roma”. Estas moedas serviam para o comércio na Itália meridional.

A moeda de prata começa a ser cunhada em Roma em 268. Era o denarius (literalmente, “que contém o número 10”). De início equivalia a 10 asses de 54,5 gramas. Ulteriormente, 10 asses de 27,3 gramas e, ainda depois, a 16 asses. A mais usada das subdivisões do denário era o sestertius (equivalente de início a 2,5 asses).

A moeda de ouro começará a ser emitida já no último quartel do século III.

 

ARTE MILITAR.

 

A longa série de reformas militares, iniciada no século V com a introdução do soldo, conclui-se no século III. No substancial, a organização militar romana não será objecto de novas alterações de vulto até à reforma militar de Mário, nos finais do século II.

 

Ao que parece, as guerras samníticas terão sido de uma importância decisiva nos progressos da técnica e da arte militar romanas.

As operações em região montanhosa terão posto a nu as debilidades da velha falange, obrigando a adoptar uma formação mais elástica, mais capaz de manobra: a dos manípulos. E os romanos também aprenderam com os seus inimigos. Assim, por exemplo, é provável que o pilum haja sido tomado dos samnitas.

 

Manipulus tem o sentido literal de “punhado de palha ou de feno”. Já vimos que cada legião era composta por 30 manípulos e já vimos também como se dispunham em combate. Apenas há a acrescentar que, em cada manípulo, a distância entre os soldados seria provavelmente de 4 passos.

Os hastati deviam o seu nome ao facto de nos inícios combaterem com lança (hasta). O termo principes significa “os primeiros”, “os principais”.

O número de soldados não era o mesmo em todos os manípulos. Nas duas primeiras linhas o seu efectivo era de 120 soldados, com armamento pesado. Na terceira linha, 60 soldados. Mais tarde os manípulos serão divididos em centúrias de 60 ou 30 homens. Cada centúria dispunha ainda de 20 velites (vélites), soldados com armamento ligeiro.

À legião eram ainda agregados 300 ginetes, divididos em 10 esquadrões de 30 homens.

A vantagem sobre a antiga falange era manifesta, pois que se obteve, graças à independência dos manípulos e à formação em 3 linhas, uma capacidade de manobra muito maior.

 

Os velites, colocados na frente ou nos flancos da legião, iniciavam normalmente o combate. Quando se retiravam era a vez de intervirem os hastati. Se o inimigo exercia uma grande pressão, os hastati recuavam para os intervalos da segunda linha, formando uma frente compacta com os principes. Em caso extremo, «res ad triarios rediit», como dizia o adágio. As armas dos legionários eram o gladius, a espada curta de duplo fio e ponta, o punhal e a lança. A hasta passou a ser usada pelos triarii, sobretudo para o choque no combate corpo a corpo. Os hastati substituíram-na pelo pilum, pesado venábulo de cerca de 2 metros e longa ponta metálica. Antes de iniciarem o corpo a corpo, os hastati faziam cair sobre o inimigo uma “chuva” de pilos. O golpe do pilum era tão forte que podia trespassar escudo e couraça; se apenas penetrava o escudo, impedia-lhe o uso.

A cabeça do legionário era protegida por um elmo metálico; o peito, por uma couraça de couro com chapas metálicas incrustadas; as pernas, com polainas. Na mão esquerda sustinha um grande escudo semicilíndrico de madeira forrada a couro, também incrustado de chapas metálicas.

A infantaria ligeira não usava nem couraça nem polainas, apenas se protegendo com um elmo de couro e um escudo leve redondo. As suas armas eram a espada e alguns dardos.

 

O núcleo principal da legião, formado exclusivamente por cidadãos romanos, era composto normalmente por 4.200 homens de infantaria pesada e ligeira e 300 ginetes: Hastati, 10 manípulos de 120 homens, num total de 1200 homens; um número idêntico de principes; 600 triarii em 10 manípulos de 60 homens; 1.200 velites, 20 por cada uma das 60 centúrias; e os 10 esquadrões da cavalaria. Mas este número não era rígido. Na prática, o número de combatentes numa legião oscilava entre 3.000 e 6.000.

Normalmente, a uma legião eram agregados 5.000 infantes e 900 ginetes aliados. Em combate as tropas aliadas nunca actuavam sós, mas alinhando sobre os flancos da legião. A infantaria aliada dividia-se em cohortes e centúrias (de cerca de 500 homens); a cavalaria, em alae e esquadrões.

O alto mando sobre as tropas aliadas cabia a chefes romanos, nomeados pelos cônsules. Os quadros inferiores de comando eram preenchidos pelos próprios aliados.

 

Seis tribunos comandavam uma legião, revezando-se por turno no mando. Parte deles era eleita pelo povo; os restantes, nomeados pelos cônsules. Estes eram os comandantes supremos, tendo os legados por ajudantes.

Entre os quadros inferiores, o posto mais elevado era o de centurião. O centurião da primeira centúria era também o comandante do manípulo. O da segunda centúria actuava como seu ajudante. Regra geral, os centuriões eram escolhidos entre os próprios soldados, por mérito de guerra.

 

No período antigo da República, o exército era formado normalmente por 4 legiões, divididas em 2 exércitos consulares.

 

O acampamento (castra) foi uma das peças mais importantes do sistema militar romano. Era levantado após cada marcha. Podia ser provisório ou permanente, convertendo-se, neste último caso, num centro de operações para uma dada região.

A constituição do acampamento estava regulada ao detalhe. Um rectângulo de terreno circundado por vala e paliçada, com quatro saídas, uma de cada lado, protegidas por portões. No interior, caminhos perpendiculares entre si, ao longo dos quais se montavam as tendas de campanha. Cada contingente ocupava um lugar já pré-estabelecido. Na parte central, junto à tenda do chefe e do altar, um terreiro para as reuniões da tropa.

O castra tornava impossível o ataque por surpresa e era um local seguro de refúgio em caso de desaire.

 

No século III a técnica de assédio romana apresenta-se já muito desenvolvida. É-nos impossível dizer quando é que apareceu esta ou aquela máquina bélica, pois as fontes revelam-se a esse respeito plenas de anacronismos. Mas podemos supor que na época das grandes conquistas já estivessem em uso todas as máquinas de guerra de que falam as fontes. Muitas delas foram copiadas da técnica militar helénica.

O aríete (aries = carneiro), um tronco longo e pesado com ponta em ferro, normalmente forjado em forma de carneiro, suspenso de um travejamento. Após lhe imprimirem um movimento oscilatório, faziam-no embater violenta e repetidas vezes contra a barreira que pretendiam derrubar.

O aríete muitas vezes formava parte de uma torre móvel de assalto, sendo colocado na sua parte inferior. Esta máquina era um conjunto de andaimes montado sobre rodas, de vários pisos. Os pisos superiores eram guarnecidos de soldados com armamento ligeiro e armas de arremesso, visando flagelar o inimigo sobre os muros. As torres maiores levavam pontes de assalto.

Entre os mecanismos de tiro, as balistas (ballistae) e as catapultas, em que se usava um torsor para as cordas de fibras vegetais ou animais. A catapulta lançava projécteis com pequenos ângulos de tiro. A balista, pedras e projécteis maiores, mesmo troncos inteiros, com um ângulo de 45º.

 

A RELIGIÃO.

 

A da Roma antiga, tal como em geral a dos itálicos, era um politeísmo primitivo, com forte dose de animismo.

Cada objecto e cada fenómeno tinha o seu “espírito”, a sua própria divindade. Cada riacho, bosque, caminho, encruzilhada, cada entrada de casa e porta possuía o seu deus próprio. Cada homem tinha o seu génio ou espírito protector, cada casa a sua Vesta, a deusa do lugar doméstico, e cada momento de qualquer processo vital também se apresentava votado a uma dada divindade. O grão, ao ser semeado, estava sob a protecção de Saturno; em crescimento, era Ceres que dele cuidava; quando em flor, protegia-o Flora, etc. Existiam 43 deuses para a infância: havia o deus do primeiro vagido, o deus do nono dia, o do primeiro passo, o deus do berço...

Era um pensamento primitivamente concreto, incapaz de abstracção, incapaz de se elevar acima da multiplicidade.

Depois, começa-se a generalizar o divino. Ao lado dos deuses singulares aparece um deus comum dos bosques, Silvano. Dos numerosos deuses das portas e entradas singularizam Jano, que se tornou o protector de todo o começo. Ao lado das muitas Vestas locais surge a Vesta oficial, deusa do lugar da nação. Mas os deuses comuns não eliminaram o culto das suas formas particulares.

 

Também rasgo característico era a ausência de imagens dos deuses. As divindades não se distinguiam dos processos e fenómenos a que estavam unidas. Por exemplo, a protectora do grão em crescimento, Ceres, não existia fora desse fenómeno, nele se fundando.

As primeiras representações dos deuses aparecem já relativamente tarde. De início, apenas havia os seus símbolos. Marte era representado por uma lança, Júpiter por um projéctil de pedra, etc. No século VI, por influência de gregos e etruscos, começam a fazer-se representações humanas das divindades.

 

O culto religioso familiar, na esfera das relações gentílicas, teve um importante papel na conservação da família patriarcal. As almas dos antepassados eram honradas sob as designações de lares, manes e penates (os próprios romanos não estabeleciam diferenças precisas entre estes espíritos).

 

A religião romana tinha um carácter essencialmente prático. É natural em toda a religião um certo elemento de utilitarismo, que é tanto maior quanto mais primitiva é a própria religião (a relação entre o homem e a divindade existe com base no princípio do ut des = “dou para que dês”). Mas em nenhum outro povo, como entre os romanos, esse utilitarismo se conservou na religião num grau tão elevado.

Os deuses não estavam separados dos homens, circundavam-nos por todo o lado, estavam presentes em cada objecto, presidiam a todo o fenómeno natural, a qualquer momento da vida social. Os homens sentiam-se sujeitos a uma constante acção directa das forças divinas e a sua relação com estas tinha de assumir, por isso, um carácter prático e prosaico.

Também em nenhuma outra religião foi tão evidente o contrato formal entre o homem e a divindade. Tudo se resumia ao cumprimento formal de certos ritos. Se um rito era exactamente cumprido o que rogava convencia-se que a divindade, pela sua parte, seria obrigada a fazer o que fora pedido. Mas era necessário saber qual a divindade a que dirigir-se em cada situação concreta, que palavras pronunciar, pois que o mais pequeno erro tornava inútil a prece.

Esse carácter formal, de cunho contratual, da religião, permitia até o embuste. Bastava unicamente respeitar a forma. Se era feito o voto de oferecer em sacrifício um certo número de cabeças, uma vez feita a oração, podia-se substituir, por exemplo, cabeças de ovelhas por cabeças de perus, pois que na oração não se especificara de que animal se tratava.

Tais usos nas relações com as divindades aparentam-se com a magia, na medida em que também esta se funda sobre palavras e acções preestabelecidas e que qualquer pequeno erro de procedimento compromete o “êxito da acção”.

 

A religião romana possuía, pois, uma parte ritual muito elaborada, requerendo numerosos especialistas, os conhecedores das fórmulas mágicas religiosas. Em Roma os sacerdotes formavam um grupo bem mais numeroso e diferenciado do que na Grécia. Gozavam também de uma maior autoridade social. Os colégios sacerdotais eram em grande número. O mais importante era o colégio dos Pontífices. A origem deste nome é muito discutida. A tese dominante deriva-o das palavras pons (ponte) e facere (fazer). É possível que a sua designação tenha surgido com a construção da velha ponte de madeira sobre o Tibre.

Os Pontífices detinham a alta tutela sobre os rituais religiosos, velando pela sua correcta execução. Resolviam as questões que surgissem no campo do direito sagrado e familiar. Cuidavam do calendário e ocupavam-se da conta dos anos.

O presidente deste colégio, o Pontifex Maximus, era o chefe de todo o grupo sacerdotal romano. Pertencia-lhe ainda o rex sacrorum.

Gozavam de grande influência os colégios de sacerdotes adivinhos, pois a adivinhação ocupava lugar de primeiro plano nos rituais religiosos. Nenhuma empresa era iniciada sem se conhecer previamente a vontade dos deuses, do que se ocupavam os áugures e os arúspices.

Os áugures compunham um colégio. A sua tarefa principal era encontrar os auspícios no voo das aves. O áugure, acompanhado por um magistrado, dirigia-se a um local isolado, aí dividindo mentalmente a abóbada celeste em quatro sectores e, consoante o lado donde surgiam as aves, estabelecia se os auspícios eram ou não favoráveis. Também procuravam os auspícios no comportamento das galinhas sagradas; por exemplo, no modo como debicavam o alimento. E ainda noutros “sinais”: nos raios e trovões, nos fenómenos anormais, etc.

Os arúspices não constituíram um colégio até à época do Império. De origem etrusca, tratavam de extrair os auspícios das vísceras dos animais mortos, do seu sangue em particular. Também tinham por função dirigir súplicas aos deuses na ocorrência de fenómenos “ameaçadores”. Por exemplo, se um raio caía sobre a terra, havia que “sepultá-lo”. O local onde o raio tombara era coberto com um túmulo de terra, colocando-se-lhe no cimo um pedaço de silício, como símbolo do raio, e circundando-o depois com estacas.

Gozavam também de grande autoridade as virgens vestais. Eram as guardiãs do lugar da nação, velando para que se conservasse sempre aceso o fogo no interior do templo de Vesta. O seu serviço religioso durava 30 anos. No caso de infringirem o voto de castidade a que estavam obrigadas, sepultavam-nas vivas. Muito respeitadas (se uma vestal se cruzava com um cônsul este cedia-lhe a passagem), as vestais eram as únicas mulheres que podiam dispor com plena independência dos seus bens. Eram-lhes dados a guardar importantes documentos; os testamentos, por exemplo.

Havia ainda outras corporações sacerdotais. A dos Sálios (Salii), sacerdotes do deus da guerra, Marte, encarregue da organização anual de uma procissão solene em Roma. Os arvales fratres (irmãos arvais), um colégio sacerdotal muito antigo da deusa da terra (Bona Dea ou Bona Diva). Os Lupercos, sacerdotes do deus Fauno, protector dos bosques e dos rebanhos. Os Feciais (fetiales), encarregues de cerimónias religiosas rituais que precediam ou acompanhavam a declaração da guerra, a conclusão da paz e a celebração de tratados.

Os Flâmines, sacerdotes de diversas divindades, procediam aos sacrifícios diários. Não estavam organizados em colégio. Entre eles o primeiro posto era ocupado pelo flamen Dialis, o sacerdote de Júpiter.

 

O sacerdócio não constituía uma casta fechada. Os sacerdotes eram funcionários civis, sendo alguns deles eleitos nas assembleias populares. Alguns eram nomeados pelo Pontífice Máximo; outros, nos seus próprios colégios.

Na maioria das vezes o cargo de sacerdote era atribuído vitaliciamente. O sacerdócio não era incompatível com o desempenho simultâneo de um cargo civil.

 

Não obstante o carácter politeísta da religião romana cedo se distinguem divindades maiores. Surge primeiramente o trio latino masculino: Júpiter, Marte, Quirino. Júpiter era o deus do céu e da tempestade, confundindo-se mais tarde com Zeus. Marte e Quirino formavam uma hipóstase do mesmo deus da guerra (Mars “acumulava” com a função guerreira a de deus da fecundidade e da Primavera). Junto a este trio havia um outro, de origem etrusca, o de Júpiter, Juno e Minerva. Juno depressa se converte na mulher de Júpiter. Minerva, identificada com Atena, era a protectora do artesanato.

Divindade puramente latina foi Diana, de início a protectora das mulheres grávidas, sendo depois identificada com a grega Ártemis, deusa dos bosques e da caça.

 

Nos inícios do século V e, sobretudo, no século IV, começa a fazer sentir-se a influência religiosa grega, oriunda da Campânia. O mundo poético e fabuloso da mitologia grega veio enriquecer com muitos elementos a seca e chã religião dos romanos. É então que aparecem os mitos de Eneias, Hércules e muitos outros.

No século V, os romanos tomam de Cumas o culto de Apolo e do seu oráculo, vinculado ao culto da Sibila. A lenda diz que uma compilação das profecias da Sibila (Livros Sibilinos) foi trazida para Roma na época dos Tarquínios, passando então a ser usada na adivinhação.

Os deuses romanos começam a ser identificados com os deuses gregos, perdem o seu carácter primitivo, ganham aspecto humano, caracteres individuais e uma tradição mitológica. Júpiter consubstancia-se com Zeus, Juno com Hera, Minerva com Atena, Diana com Ártemis, Vénus com Afrodite, etc.

 

O DIREITO.

 

O direito romano foi uma das maiores criações do génio humano, tendo exercido uma enorme influência sobre as concepções jurídicas da Europa, tanto na época feudal como na era capitalista.

Engels, “Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã”: «...o primeiro Direito universal de uma sociedade produtora de mercadorias, o Direito romano, com a sua formulação insuperavelmente precisa de todas as relações jurídicas essenciais que podem existir entre os simples possuidores de mercadorias (comprador e vendedor, credor e devedor, contratos, obrigações, etc.).»

É certo que a completa elaboração deste direito se faz já na época imperial, mas as suas bases foram assentes durante a República e, em certa medida, logo nos primeiros séculos.

As leis das XII tábuas são o seu ponto de partida. O seu carácter fragmentário e as suas contradições, a sua inevitável incompletude num período de grandes mudanças sociais, obrigaram a um intenso exercício do sentido jurídico, para as interpretar e completar, e também a uma prática jurídica mais complexa.

Os primeiros comentadores do direito foram os pontífices. Apesar de jamais terem sido juízes, constituíram durante muito tempo uma corporação versada nas questões do direito. Os seus commentarii pontificum foram a primeira expressão da literatura jurídica.

Como já vimos, o direito pontifício era privilégio de uma restrita casta sacerdotal, inacessível aos profanos, mantendo um carácter sagrado.

As fórmulas das acções e a lista dos dias em que os juízos tinham lugar, que Flávio divulgou, formaram o chamado jus civile Flavianum e deram início à jurisprudência pública, acabando com o monopólio sacerdotal. A actividade dos juristas públicos alcançará a sua máxima expressão nos séculos II e I.

O desenvolvimento do direito pela interpretatio (a interpretação) foi acompanhado da introdução de novas normas, complementando e tornando mais vasto o direito anterior; normas essas que resultaram da actividade legislativa das assembleias populares. Se bem que a maior parte das leis aprovadas pelos comícios tratassem de direito público, parte delas respeitava também ao direito privado.

Foram ainda importantes, no campo do direito privado, várias decisões do senado (senatus consulta).

Extremamente importante foi a actividade dos magistrados, em particular a dos pretores. Os seus éditos mostraram-se um meio muito prático e flexível tanto na interpretação como no desenvolvimento das normas. A vida, com a sua infinita variedade de casos, cria sempre situações não previstas. Intervinham então os pretores, os responsáveis pela prática judicial, expondo nos éditos o novo normativo.

Um édito era um compêndio de normas relativas a um cúmulo de questões diversas e vigorava pelo tempo que o pretor permanecia no cargo.

No entanto cada novo pretor, ao compor o seu édito, levava em conta as normas já dadas pelos seus antecessores. Forma-se assim uma compilação de leis que se transmite de édito em édito, o jus praetorium.

O mesmo aconteceu no âmbito das transacções comerciais com os éditos dos edis curules, que constituíram o jus aedilicium.

Todo este conjunto de normas jurídicas, elaboradas pela prática de pretores e edis, era chamado jus honorarium, ou seja, o direito dos magistrados (da palavra honores = magistraturas).

 

O processo judicial passara em 336 às mãos dos pretores. Também outros magistrados tinham poderes de jurisdição, cada um no campo das suas competências próprias; porém, se comparada com a dos pretores, a jurisdição desses magistrados era muito limitada.

 

Havia uma enorme diferença entre o processo civil e o penal.

 

O processo civil dividia-se em duas partes: a averiguação preliminar (procedimento in jure, relativo ao direito) e o exame da causa em juízo (procedimento in judicio).

A averiguação preliminar era feita perante o pretor, que decidia, com base no material apresentado (testemunhos, documentos, etc.), se o cidadão demandante estava no seu direito e se o pedido era fundamentado.

Em caso afirmativo, se ambas as partes se punham de acordo quanto ao conhecimento dos factos, era o próprio pretor a decidir o caso (in judicio). Se não, submetia a causa à decisão de um ou mais juízes. Nas causas civis os juízes eram escolhidos pelas partes, entre as pessoas constantes de uma lista que o pretor preparava anualmente. Esta escolha do juiz pelas partes estava sujeita à confirmação do pretor. Antes dos Gracos, os juízes eram escolhidos entre os senadores. Depois esses cargos tornam-se objecto de disputa entre senadores e cavaleiros.

Em processo civil, o demandante começava por reclamar do adversário que comparecesse perante o pretor. Se o adversário se recusava a fazê-lo o demandante podia usar da força. Em Roma a autoridade estatal não intervinha na citação a juízo, deixando-a ao encargo do cidadão.

Se por um qualquer motivo um cidadão demandado não podia apresentar-se no dia de audiência era-lhe facultado nomear um abonador, que garantia a sua comparência na data ulterior que fosse fixada.

 

A forma processual civil mais antiga, usada até ao século II, foi o chamado processo de legis actio. Consistia numa declaração solene do demandante sobre o direito que lhe assistia, feita ante o pretor. Era composta com palavras preestabelecidas, por vezes acompanhadas de determinados gestos “rituais”. O mínimo erro no enunciado da fórmula levava à perda da causa. A título de exemplo, se alguém apresentava uma denúncia por lhe terem destruído cepas de vinha e pronunciava a palavra “cepa”, perdia o processo, isto porque a lei das XII tábuas apenas fazia referência a “árvores” em geral.

Havia cinco formas diversas de legis actio. A mais comum era a legis actio sacramento. Na primeira instância (in jure), as partes faziam as suas declarações solenes quanto aos direitos que lhes assistiam e, em garantia de quanto haviam afirmado, entregavam uma dada soma (summa sacramenti). Depois escolhiam o judex ou os judices, que o pretor confirmava.

O processo passava depois ao seu segundo estádio (in judicio), com o juiz a examinar a causa no seu mérito, já sem qualquer participação do pretor. Nesta segunda fase do processo as partes não tinham de enunciar quaisquer tipos de fórmulas. A tarefa dos juízes era a de decidirem qual das duas garantias seria perdida. A parte que perdia o seu “penhor” constituía-se em situação de ilícito, perdendo igualmente o processo, dado que o objecto da litigância se considerava decidido então também “de direito”.

 

Devido ao seu formalismo, mostrando-se com o passar do tempo manifestamente inadequada às necessidades da vida social, a legis actio será substituída no século II por um processo menos rígido, denominado per formulas, com as partes a poderem expor as suas razões usando das palavras e dos gestos que considerassem mais adequados.

Se não encontrava o pedido suficientemente fundamentado o pretor podia recusar-lhe provimento. Se, pelo contrário, a acção seguia o seu curso, o pretor dava ao pedido forma estritamente jurídica, redigindo uma nota (formula) dirigida ao juiz nomeado. A fórmula continha o pedido do demandante e as objecções da contraparte, a nomeação do juiz e a ordem do pretor para que examinasse a causa.

A tarefa do juiz era a de constatar os factos expostos na fórmula, através do interrogatório das partes, da verificação das provas, etc., não podendo sair dos limites que a fórmula lhe impunha. Se não chegava a formar uma ideia clara sobre a questão podia recusar-se a decidir.

Enquanto o velho processo, com o seu formalismo extremo, tinha lugar sem a intervenção de jurisconsultos, o processo per formulas exigia a intervenção de juristas, para a súmula nos pedidos e nas réplicas; e para a redacção da própria fórmula, assistindo aqui ao pretor. Deste modo, o processo per formulas favoreceu o progresso do pensamento jurídico.

 

As causas penais eram bem menos complicadas do que as civis.

Uma das características mais evidentes do direito romano foi a ausência de divisão clara entre direito privado e público. Nos tempos mais recuados poucos eram os crimes considerados na alçada do direito penal: o assassinato, o incêndio doloso, a destruição dolosa das colheitas e alguns mais. Todos os demais ilícitos eram considerados de carácter privado. Por exemplo, no dano à integridade física de alguém, previa-se a pena de talião, mas só no caso de não se chegar a acordo entre as partes. O talião é depois substituído pela multa, no entanto não se tratava de uma sanção de tipo penal, imposta pelo Estado, mas sim de uma soma posta à disposição do ofendido, que tinha aliás a faculdade de pretender ou não a indemnização do dano recebido. Mais tarde esta mescla grosseira de direito privado e público em parte desaparece; contudo o direito romano nunca chegará a estabelecer uma divisão clara entre os dois campos jurídicos.

Na época dos reis, era a estes que competia a jurisdição nas causas penais. Com a República, ela passa aos magistrados, que gozam inicialmente de um poder ilimitado na pronúncia das sentenças. Mas cedo terá surgido a provocatio ad populum, nos casos em que sobre o acusado pendia a pena de morte (e a privação de todos os direitos civis = caput) ou uma multa superior a uma dada quantia. O centro de gravidade das acções penais transfere-se então para as assembleias populares: aos comitia centuriata nos casos de pena de morte; aos comitia tributa tratando-se de multa superior a 3.020 asses (o montante inicial foi de 30 bois e 2 ovelhas. Pelas equivalências de 1 boi = 10 ovelhas e de 1 ovelha = 10 asses, obtém-se essa soma).

 

Até meados do século II, o processo penal decorria do seguinte modo:

Tomando conhecimento do crime, o magistrado ordenava uma averiguação (quaestio). Com base nela formulava a acusação, cominando a pena em que o réu devia ser condenado. Se este não prestava caução o magistrado podia ordenar o seu encarceramento.

Procedia-se com muito cuidado no exame da causa: as partes intervinham oralmente, interrogavam-se as testemunhas (sendo escravos, sob tortura), etc. Finalizado o exame, o magistrado ditava a sentença e fixava a pena.

A causa concluía-se se o acusado era absolvido ou se a sanção aplicada não admitia recurso de apelo.

Se era feito apelo, então tudo o que tivesse sido praticado durante o processo era levado ao conhecimento da assembleia popular, para se proceder a novo exame, também dirigido por um magistrado.

Normalmente esse reexame era feito em 3 sessões. No final da terceira, o magistrado pronunciava a sentença, marcando uma quarta sessão para a apelação. Nesta sessão, depois de escutar o acusador, o acusado ou o seu defensor e examinadas as provas, a assembleia popular votava a sentença definitiva, aceitando ou recusando a que o magistrado ditara. A assembleia não tinha, pois, a capacidade de ditar uma sentença própria.

O acusado, antes de terminada a votação, tinha a faculdade de se decidir pelo exílio voluntário.

 

A partir do século II, vão-se formando comissões judiciais (quaestiones extraordinariae) para o exame de vários crimes que não admitiam recurso.

Em meados do século II aparecem as comissões permanentes (quaestiones perpetuae). A primeira surgiu para se ocupar dos crimes de violência e extorsão praticados por magistrados, tendo sido criada em 149.

Estas comissões tiveram uma notável influência na evolução do direito penal, dado que a sua actividade exigia uma instrução mais detalhada, o que as levou a determinar tanto a forma processual quanto o próprio conceito de um dado crime, tal como a cominação das penas.

 

ARTE POPULAR ORAL.

 

Nas classes altas, a recordação das criações populares dos tempos mais antigos foi sufocada pela chegada da influência grega, de tal maneira que delas não ficou praticamente rasto na literatura.

A tradição oral influiu certamente sobre a poesia, o teatro e, em certa medida, na historiografia, mas não é fácil reconhecê-la. Mesmo quando se lhe detecta a presença, é-nos impossível isolar os elementos originais da arte popular. Apenas possuímos sobre ela indicações fragmentárias e uma ou outra referência nas obras literárias. Não nos chegou nenhuma colecção de canções, de relatos ou provérbios.

Sabe-se terem existido, nos tempos antigos, canções augurais e que nos banquetes, com acompanhamento de instrumentos musicais, sobretudo da flauta, se cantavam as gestas dos grandes homens. O mesmo teor apresentavam em parte as canções fúnebres (neniae), com que os pranteadores de profissão choravam nos funerais o defunto, exaltando-lhe simultaneamente os méritos.

Género distinto eram os Fescenninus ou sátiras, que se podem considerar a origem da sátira nacional romana, bem como do drama. Eram canções corais jocosas, acompanhadas por danças, pela altura da colheita. Ao que parece, eram dois os coros, cantando em alternância. A tradição romana liga os fesceninos com a cidade de Fescennia, na Etrúria. Lívio (VII, 2) conta que em 364, sofrendo os romanos uma epidemia e ansiando congraçar-se com os deuses, convidaram alguns actores etruscos a virem a Roma. Estes terão organizado um espectáculo de danças, ao som de flautas. A juventude romana terá ficado tão agradada com a representação dos etruscos que decidiu imitá-los, e fê-lo juntando à dança a tradição do canto jocoso. A estes espectáculos se chamou sátiras.

No género dos fesceninos, podem ainda incluir-se as canções nupciais e as canções dos soldados. Os soldados durante a marcha do triunfo, seguindo o chefe, cantavam-lhe a gesta e, simultaneamente, chacoteavam-no.

Os ditos populares só palidamente se reflectem nos provérbios e sentenças referidas nas obras literárias. É-nos quase impossível discernir o que será de criação popular daquilo que é produto do próprio autor. Mas já o obscuro mundo das crenças populares, estreitamente vinculadas com a magia, se revela nos esconjuros contra as enfermidades, alguns deles transmitidos pelos autores literários. Catão, por exemplo, refere um esconjuro contra a luxação, um conjunto de palavras sem sentido: «Huat, hanat, huat, ista pista sista damnabo dannaustra». E Varrão recomenda contra a gota que se pensasse, antes de comer, em alguém por três vezes nove, dizendo-se em seguida: «eu penso em ti; cura as minhas pernas. Terra, leva-te a enfermidade e deixa cá a saúde». Também os mais antigos cantos religiosos contêm fórmulas mágicas primitivas. Citemos, a título de exemplo, o já referido hino dos irmãos arvais. Estes cantos eram compostos metade de preces, metade por exorcismos.

Uma das provas de haver existido uma poesia popular romana, antes da recepção das formas gregas, é-nos dada pela presença de uma antiquíssima forma métrica itálica, o chamado verso satúrnio (saturnius numerus).

 

O NASCIMENTO DA LITERATURA.

 

O alfabeto terá sido introduzido ainda em época anterior à República, trazido pelos gregos da Itália meridional.

 

Da época antiga, podemos considerar uma massa heterogénea de textos, da qual a literatura se foi separando muito lentamente: as anotações sagradas (comentários pontifícios), o calendário, os anais, os elogios, o direito (leis das XII tábuas), os tratados internacionais (tratado com Cartago, tratado com os latinos).

Uma etapa do seu surgimento é representada pela actividade de Ápio Cláudio, que começa a dar forma literária aos seus discursos. Entre eles estava o famoso discurso contra Pirro, que se conservou até aos tempos de Cícero. Ápio terá também escrito um tratado jurídico e composto versos de carácter sentimental e moral (atribui-se-lhe a sentença «faber suae quisquae fortunae» = “cada um é o artífice da sua própria sorte”). Deve-se-lhe ainda uma importante reforma ortográfica, a da substituição da letra “S” pela letra “R”, em alguns casos. Por exemplo: Valerius em lugar do antigo Valesius; arboribus em lugar de arbosibus, etc. Tal reforma ortográfica deve ter reflectido uma mudança entretanto verificada na linguagem oral.

 

O NASCIMENTO DO TEATRO POPULAR.

 

Tal como aconteceu na Grécia, na sua origem estiveram os jogos lúdicos, por ocasião das festas das colheitas. As canções corais e as danças eram acompanhadas por acções cénicas de elemento burlesco ou dramático.

No século III esses germes da comédia popular latina e itálica serão suplantados pelo teatro oficial, de influência grega.

Algumas sobrevivências dos antigos Carnavais conservaram-se na festa das Saturnais, em Dezembro, dedicada ao deus das sementeiras, Saturno. Por sete dias reinava uma desenfreada alegria no meio de bebedeiras, grandes banquetes e libertinagem. Durante estas festas os escravos eram diariamente “libertados”, sendo sentados à mesa, com os amos a servi-los, em memória da “época de ouro de Saturno”, quando os homens eram todos iguais.

 

Um outro género do teatro popular eram as chamadas “atelanas” (da cidade de Atella, na Campânia). Eram breves farsas que faziam lembrar os mimos gregos, interpretadas pelos artesãos citadinos. Os papéis representados eram muito simples, estando a acção carregada de argúcias rústicas e de trapaças. Eram improvisadas, não havendo texto escrito.

Só muito mais tarde, na época de Sula, as atelanas passam a ser objecto de produção literária.

As personagens “fixas” das atelanas: Papo, o velho avarento que todos enganam; Dosseno, charlatão e batoteiro; Maco, engenhoso e intrigante; Bucão, inoportuno, fala-barato e parasita.

 

ARQUITECTURA E ARTES FIGURATIVAS.

 

Os romanos foram construtores práticos. As muralhas da cidade, os templos, os palácios, os jardins, os anfiteatros, os arcos de triunfo, as termas, as ruas, pontes, os aquedutos, visavam proporcionar um máximo de comodidade ao populus romanus, dono de escravos.

 

O apogeu da actividade de edificação deu-se muito mais tarde, nos finais da República e, sobretudo, com o Império. No entanto, já os restos das muralhas de Roma, que datam na sua maior parte do século IV, dão ideia de grandiosidade. O sistema defensivo da cidade compreendia então um talude, um fosso e um cerco de muralhas, em blocos maciços de pedra calcária cortados em quadrado.

 

Noutras zonas de Itália encontram-se restos de muralhas bastante mais antigos, os “muros ciclópicos” (os gregos atribuíam-nos ao trabalho dos Gigantes), compostos por enormes blocos de pedra de forma irregular, assentes um sobre o outro, com os intervalos cheios a pedra e argila.

Aparecem depois os muros de blocos de pedra cortados em forma de polígonos, que se encastravam fortemente uns nos outros. Surge também o sistema de corte dos blocos de pedra em forma cúbica. Em alguns casos, os dois últimos processos de corte dos blocos aparecem associados.

 

A arquitectura romana, ao que parece, por influência da etrusca, levou ao máximo desenvolvimento o sistema do arco de volta perfeita.

Formas rudimentares deste arco, anteriores, foram encontradas no antigo Oriente e na Grécia.

Nas construções romanas mais antigas, por exemplo, no chamado Tullianum, o subterrâneo da prisão do Estado, o é arco ainda primitivo, formado por pedras salientes (“falsa volta”). Nas construções do século IV já aparece o verdadeiro arco de volta, com as pedras cortadas em cunha e com a “chave” central de fecho.

 

A influência etrusca é evidente na arquitectura dos templos. O templo etrusco era muito diferente do grego: de forma quase quadrada, com um grande pórtico de várias filas de colunas bem afastadas entre si; o local do santuário era fechado de três lados por muros. O templo sobre o Capitólio, dedicado a Júpiter, Juno e Minerva, que a tradição afirma ter sido concluído em 509, apresenta esse plano. O mesmo tipo se encontra noutros templos romanos da época mais antiga.

A partir da segunda metade do século IV entra em crescendo a influência grega, vinda da Campânia. Os templos ganham profundidade, a distância entre as colunas do pórtico diminui.

Encontraram-se ainda vários templos circulares: o dos Penates, o de Vesta, etc. Supõe-se que a sua forma será derivada das primeiras habitações itálicas, que se apresentavam redondas ou ovais.

 

A casa rural foi o ponto de partida do processo de desenvolvimento da habitação urbana.

A casa de campo dos ricos, de um único piso, compunha-se de um edifício quadrangular, em cujo centro estava um grande espaço comum, o átrio (a palavra derivará talvez de ater = “negro”, “enfumaçado”). Era no meio do átrio que se preparava e aquecia a comida, saindo o fumo por uma abertura na cobertura plana (compluvium). No pavimento, por baixo do complúvio, havia uma cavidade para receber e conservar a água da chuva (impluvium). A abertura do compluvium deixava também entrar a luz solar, iluminando o átrio. Era ainda no átrio que se encontrava o altar dos deuses domésticos. Era também ali que se realizavam os labores domésticos, se recebiam os hóspedes, etc. Ao redor do átrio dispunham-se os dormitórios e as outras divisões. Junto da casa, o jardim, o horto e as instalações dos servos.

Foi a partir desta casa que se desenvolveu, nos primeiros séculos da República, um tipo de habitação urbana mais complexo, com três elementos principais, átrio, tablinum e peristilo.

O átrio transforma-se num luxuoso salão de recepção, a que se acedia, pela rua, através do vestíbulo e de uma antecâmara (ostium). Ao átrio seguia-se a divisão particular do proprietário da casa, o tablinum. A seu lado passava um pequeno corredor, ligando o átrio com o peristilo: a parte mais interior e fechada da habitação, circundada por uma colunata. No centro do peristilo era frequente haver um pequeno jardim, com uma fontezinha. Nas alas da casa, os dormitórios, a sala de refeições (triclinium), a cozinha, os banhos, as divisões dos servos, etc.

As casas de cidade dos mais ricos compunham-se de dois e até de três pisos.

 

Supõe-se que nas origens o átrio não era outra coisa senão o pátio camponês, rodeado de todos os lados por construções, pátio que, por fim, é coberto.

A casa de Quirurgo, em Pompeia, que remonta ao século IV, já possui as três partes principais: átrio (antigo pátio com construções à volta), tablinum e jardim.

 

Os poucos dados de que dispomos quanto aos progressos nas artes figurativas (escultura e pintura) revelam também influência etrusca e grega. As estátuas em argila do templo capitolino foram feitas por um mestre etrusco de Veii. O templo concluído em 493, em honra de Ceres, Liber e Libera, é de estilo etrusco, mas os relevos e as ornamentações em argila são obra de dois mestres gregos. As estátuas são fundidas em bronze. Os murais de Fábio Pictor, que embelezavam o templo de Salus, foram pintados no estilo etrusco. Os relevos em argila pintada encontrados no Esquilino e em Velitrae são de manifesta influência grega.

A influência grega tornar-se-á cada vez maior a partir do século III. Além das representações dos deuses, surgem neste século as estátuas em bronze das personagens mais famosas.

A escultura romana viria a alcançar, em épocas posteriores, um extraordinário grau de realismo artístico.

 

OS COSTUMES.

 

A partir da segunda metade do século IV também eles começam a mudar sob a influência grega.

Nas classes altas começa-se a generalizar o uso do idioma grego. Aparece o costume de comer recostado, o de cortar os cabelos, o de rapar a barba. Aumentam as comodidades domésticas.

Nos inícios do século III a nobreza romana já usa baixela de prata e dispõe de numerosos objectos domésticos de grande refinamento.

No entanto, à data do começo das guerras púnicas, a vida dos romanos continuava a ser marcada por uma grande simplicidade, com a moda grega a influenciar apenas algumas famílias da nobreza.