O espaço da História

siteantigo

2 - O Acordo dos Três Imperadores

A Europa e a Alemanha unificada

No dia 18 de Janeiro de 1871 concretizou-se a unificação da Alemanha. Guilherme II da Prússia foi aclamado Imperador e, nesta qualidade, passou a ser designado por Guilherme I da Alemanha. Estava assim criada uma nova entidade política que assumia a supremacia no Continente europeu, qualidade que até aí tinha pertencido à França. A supremacia não significava, portanto, a impossibilidade de ser derrotado num confronto com outra ou outras potências. Se o poder militar da Alemanha era suficiente para enfrentar qualquer das outras potências europeias, já o mesmo não se poderia dizer se confrontada com uma coligação de potências e, muito especialmente, se essa coligação obrigasse a uma guerra em duas frentes, como poderia ser o caso de uma aliança entre a França e a Rússia.

Concluída a paz com a França nos termos do Tratado de Frankfurt (10 de Maio de 1871), Bismarck teve a preocupação de trabalhar no sentido de manter o status quo, ou seja, consolidar a unificação da Alemanha e a sua posição na Europa por forma a garantir a segurança e a continuação do desenvolvimento económico. A anexação das províncias da Alsácia e Lorena, por insistência dos generais prussianos por forma a tornarem mais defensável o Império Alemão, foi a última alteração de fronteiras. Bismarck não pretendia quaisquer outros ganhos territoriais à custa da França. As futuras alterações no mapa político da Europa, que ocorreram em 1878, 1908, 1912 e 1913, iriam verificar-se nos Balcãs.  Para os objectivos do chanceler alemão, no que respeitava a relações internacionais, manter o status quo envolvia:

  • O isolamento da França;
  • A manutenção de boas relações com a Áustria e a Rússia.

Com estes objectivos, Bismarck procurava, por um lado, evitar a ameaça de uma guerra em duas frentes contra uma aliança franco-russa e, por outro lado, não se envolver numa hipotética guerra entre a Rússia e a Áustria por causa dos conflitos de interesses nos Balcãs. Um acordo com a Áustria e a Rússia manteria a Alemanha num círculo de três Grandes Potências, num mundo de cinco, o que significava que não existia, fora desse acordo, capacidade para atacar a Alemanha. Por outro lado, Bismarck pretendia manter fortes as forças conservadoras, dominantes nos governos da Áustria e da Rússia, contra os movimentos socialistas e republicanos que constituíam uma ameaça para a estabilidade dos regimes destas potências.

Existiam ameaças aos objectivos de Bismarck. Era precisamente nas forças mais conservadoras de França, a ala direita da política francesa, onde a ideia de revanchisme se mantém mais forte. As forças conservadoras são mais agressivas e militaristas que as forças republicanas e por isso era mais fácil para a Alemanha desenvolver o seu relacionamento com uma república liberal.

A 4 de Setembro de 1870, a notícia da derrota francesa na Batalha de Sedan, três dias antes, e da captura de Napoleão III pelas tropas prussianas, provocou em Paris uma insurreição que teve como consequência a queda do Segundo Império e a proclamação da República. A guerra, com todas as suas consequências - políticas, institucionais, económicas e sociais - agravadas pela criação das comunas, em especial da Comuna de Paris (18 de Março a 28 de Maio de 1871), causaram na sociedade francesa um forte desejo de paz e estabilidade que se traduziu, nas eleições de Fevereiro de 1871 para a Assembleia Nacional, numa clara vitória dos partidos monárquicos: 415 representantes num total de 645 [COOK & PAXTON, European Political Facts 1848-1918, 1978, p. 121]. Contudo, os partidários da monarquia estavam divididos e a escolha - feita pela Assembleia Nacional - de um chefe do poder executivo para governar a nova República, ainda com um estatuto provisório, recaiu sobre Adolphe Thiers (1797-1877), antigo primeiro-ministro, monárquico, que se apresentou então como independente. Thiers tinha discordado da declaração de guerra à Prússia e acreditava que a unidade nacional exigia uma república.

Apesar dos resultados obtidos em 1871, as eleições parciais que se realizaram nas maiores cidades deram a primazia aos partidos republicanos. Quando os bonapartistas começaram a obter maior apoio popular, os republicanos e parte dos monárquicos uniram-se para redigirem uma Constituição que pudesse servir a ambos. Surgiu assim a Constituição Francesa de 1875, institucionalizando a Terceira República, com carácter provisório desde 1870. Nas eleições de 1876, a Câmara de Deputados, eleita por sufrágio universal, ganhou uma maioria republicana (371 lugares em 526, ou seja, 55,7%) [COOK & PAXTON, European Political Facts 1848-1918, 1978, p. 121].

Adolphe Thiers negociou o Tratado de Frankfurt (10 de Maio de 1871) e ordenou a supressão da Comuna de Paris. No governo da República, «fez um jogo político ambíguo e súbtil» [NÉRÉ, O Mundo Contemporâneo, 1976, p. 223] de que os republicanos souberam tirar proveito. No cargo de Presidente da República Francesa, Thiers definiu-se cada vez mais próximo dos republicanos, defendendo uma república liberal. Num discurso proferido a 13 de Novembro de 1872, declarou a sua ligação ao regime republicano. A 23 de Maio de 1873, Thiers discursou na Assembleia Nacional e afirmou que a República era o único regime viável em França. A maioria de representantes monárquicos reagiu e aprovou legislação que reduziu as competências do Presidente. Thier demitiu-se a 24 de Maio de 1873.

O sucessor de Thier foi o Marechal Patrice de Mac Mahon, monárquico convicto. Para président du Conseil escolheu Albert de Broglie, uma das figuras do catolicismo liberal. O objectivo deste governo formado por uma coligação de direita chamada Ordre moral era preparar a restauração da monarquia o que, no entanto, foi um fracasso e, no dia 9 de Novembro de 1873, a Assembleia Nacional legislou no sentido de estabelecer a duração do mandato do Presidente da República em sete anos, estabelecendo para esta figura política um carácter mais de acordo com a República. Mac Mahon demarcou-se dos partidos políticos e declarou a 4 de Fevereiro de 1874 que faria respeitar a ordem estabelecida, isto é, a da República. Foi neste cenário que a Assembleia Nacional aprovou a Constituição de 1875.

Europe 1871 map en

 A Europa em 1871. Ver mapa em tamanho original (2,284 × 1,503 pixels) em https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/dd/Europe_1871_map_en.png

A vitória republicana nas eleições de Fevereiro/Março de 1876 levou à nomeação de um governo dominado por republicanos. No ano seguinte, na sequência dos incidentes provocados pelo movimento do ultramontanisme (doutrina política católica, com origem em França, que procura em Roma a sua principal referência), Mac Mahon nomeou um governo conservador chefiado por Broglie, convenceu o Senado a dissolver a Câmara dos Deputados e marcou novas eleições. Estas foram realizadas de 14 a 28 de Outubro de 1877 e os partidos republicanos obtiveram 318 lugares em 526, isto é, 54,4% [COOK & PAXTON, European Political Facts 1848-1918, 1978, p. 121] dos lugares e Mac Mahon viu-se obrigado a formar um governo de esquerda. Sem o apoio de uma maioria conservadora, Mac Mahon demitiu-se a 30 de Janeiro de 1879.

Tanto o Império Austro-Húngaro como o Império Otomano continham comunidades eslavas (Eslavos do Sul) nos seus domínios dos Balcãs. Croatas, Eslovenos e Sérvios habitavam a região sul do Império que pertencia à Hungria. Montenegro e Sérvia eram principados autónomos que se apoiavam fundamentalmente na Rússia, onde o movimento pan-eslavista era utilizado pelo governo do Czar com a finalidade de alargar as suas zonas de influência. A Bulgária só iria conquistar a autonomia (não a independência) em 1878. Dos restantes territórios da Península Balcânica, a Grécia era um Reino Independente desde 1830, a Roménia – que, como a Grécia, não era nem é eslava - era formada pelo Principado da Roménia, um Estado independente, mas sujeito à suserania do Sultão, e tudo o mais encontrava-se sob domínio directo do Império Otomano.

A Rússia era um dos Estados mais subdesenvolvidos da Europa, em todos os aspectos. Politicamente, era um Estado quase feudal, uma autocracia, onde o liberalismo ocidental era fortemente reprimido. Existiam grupos de intelectuais que defendiam a "ocidentalização". A derrota na Guerra da Crimeia (1853-1856) levou o Czar Alexandre II, que reinou de 1855 até 1881, a implementar uma série de reformas: abolição da servidão (1861), reforma do governo local (1864 a 1870), reforma do sistema judicial (1864), criação do Ministério das Finanças (1860), reformas da educação e a reforma das forças armadas. Todas estas reformas foram implementadas com grandes limitações porque as infra-estruturas base não existem ou têm grandes deficiências e por causa da oposição vinda dos movimentos niilistas, populistas e pan-eslavistas. O resultado foi uma escalada de repressão. Em Março de 1881, Alexandre II mandou preparar uma Constituição que não chegou a ser implementada porque foi assassinado no dia 13 desse mês.

Embora a Rússia não dispusesse dos meios necessários para agir com eficácia, não deixou de ter o acesso ao Mediterrâneo como o principal objectivo estratégico. O Império Otomano estava em desagregação e os sucessivos governos russos foram agindo sempre por forma a tentarem controlar os Estreitos do Bósforo e de Dardanelos e a expandirem-se na Península Balcânica, o que lhes facilitaria esse controlo. Justificando-se com os movimentos pan-eslavistas, mas sem deixar de ter em vista a expansão territorial ou a expansão das suas zonas de influência, o Czar assume-se como protector das populações cristãs dos Balcãs que procuram a independência. No entanto, os objectivos russos encontram dois obstáculos importantes: os Austríacos que tinham os Balcãs como zona de expansão e os Britânicos que não desejavam permitir que a frota russa tivesse acesso ao Mediterrâneo oriental, especialmente depois da inauguração do Canal de Suez em 1869.

A Áustria tinha sido derrotada na Guerra Austro-Prussiana (1866) e, um ano depois, foi criada uma monarquia dual, o Império Austro-Húngaro. A criação desta entidade política não resolveu minimamente o problema das nacionalidades no Império, numerosas para além dos povos de língua alemã e magiar. O problema fundamental para a Alemanha, no que respeitava à Áustria, eram as nacionalidades que, nos Balcãs, podiam ser causa de colisão dos interesses austríacos e russos. A questão dos Sérvios instalados no sul do território do império Austro-Húngaro, aliciados pelo Principado da Sérvia que sonhava em reunir num único Estado todos os povos eslavos do Sul, era a principal preocupação austríaca. Era um conflito entre estas duas Grandes Potências, Rússia e Áustria-Hungria, que Bismarck considerava essencial evitar.

A Itália completou a sua unificação em 1870, quando a derrota sofrida na Guerra Franco-Prussiana obrigou a França a retirar as que defendiam o poder temporal do Papa. Os Franceses retiraram, os Italianos ocuparam Roma e o Papa ficou «prisioneiro no Vaticano» para utilizar as palavras do Papa Pio IX. A Itália era um Reino com grandes atrasos no domínio da economia, um Estado fraco que não dispunha dos meios necessários para atingir o objectivo que considerava prioritário: libertar do domínio estrangeiro todos os territórios de língua e sentimento italianos. Sem atingir esse objectivo, poder-se-ia dizer que a unificação estava incompleta. Aqueles territórios eram o Trentino e a região de Trieste, ocupados pela Áustria. Além deste objectivo, a Itália desenvolveu, por questões de prestígio, a vontade de participar na expansão colonial. Foi neste quadro, em que a Itália encontrou a hostilidade da Áustria nos territórios irredentos e nos Balcãs, e também da França no Mediterrâneo.

O Reino Unido era a primeira potência económica do mundo. Possuía o império colonial mais vasto e, para assegurar a ligação com os seus domínios ultramarinos, dispunha da Royal Navy, a maior armada do mundo. O reino Unido é uma ilha, facto que, aliado às capacidades da Royal Navy, lhe permitiram desenvolver um sentimento de segurança e preferir o isolamento. O Reino Unido evitava qualquer acordo diplomático que o obrigasse ao envolvimento nos conflitos em que os seus interesses directos não estivessem ameaçados. Em 1871, ainda não existiam rivais à potência industrial do Reino Unido. Os números seguintes mostram-nos quanto o Reino Unido se encontrava à frente na produção de minérios como o hard coal (carvão mineral de alto rendimento, antracite) ou o ferro e na produção industrial em que o ferro e o aço são sempre indicadores importantes [MITCHELL, European Historical Statistics 1750-1970, 1976, pp. 362-364, 388, 393-394 e 399, valores de 1871]:

Valores em milhares de toneladas métricas

 Hard Coal   

Minério de ferro

Ferro gusa   

Aço bruto   

 Áustria-Hungria

 4.970

864 

292 

36 

 França

 13.259

1.852 

860 

80 

 Alemanha

 29.373

3.376 

1.424 

143 

 Reino Unido

 119.235

16.902 

6.733 

334 

O sistema de "comércio livre" adoptado pelo Reino Unido permitiu que a indústria britânica se abastecesse de produtos agrícolas e matérias-primas no estrangeiro e que colocasse os produtos das suas indústrias em todo o mundo. Para manter esta corrente de trocas era necessário desenvolver uma política a nível mundial e assegurar o domínio dos mares. Assim, os principais objectivos da diplomacia britânica eram: «manter na Europa continental o equilíbrio das potências, assegurar grandes mercados exteriores, não permitir nenhuma ameaça à sua hegemonia naval» [MILZA, As Relações Internacionais de 1871 a 1914, 2007, p. 18]. A Alemanha fazia sentir a sua crescente supremacia na Europa continental e o Reino Unido exerci-a no mundo.

 

O Acordo dos Três Imperadores (Dreikaiserabkommen)

O interesse da Alemanha nos Balcãs relacionava-se com a necessidade de manter o equilíbrio entre a Áustria-Hungria e a Rússia. Por outro lado, era do interesse de Bismarck manter a Monarquia Dual, isto é, evitar a desintegração do Império Austro-Húngaro o que levaria os Austríacos, de língua alemã e católicos, a procurar juntar-se à Alemanha, não existindo então razão para que uma população germânica o não fizesse. Uma situação como esta poria em risco a preponderância da Prússia protestante no Império Alemão. Por outro lado, a Alemanha perderia o seu único aliado de confiança já que a França era o seu potencial inimigo, o Reino Unido mantinha a sua política isolacionista a menos que os seus interesses fossem ameaçados e a posição da Rússia era dúbia porque mantinha um conflito latente com a Áustria por causa dos interesses antagónicos nos Balcãs. Bismarck desejava preservar o Império Austro-Húngaro, mas não desejava desafiar a Rússia.

A fórmula encontrada foi a construção de um sistema de alianças entre a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Rússia. Este sistema deixaria a França isolada já que o Reino Unido manteria o seu isolamento. No entanto, essa política implicava não apoiar a Rússia contra os interesses britânicos. Existiam duas áreas de conflito geoestratégico entre o Reino Unido e o Império Russo: A Ásia Central e os Estreitos do Bósforo e de Dardanelos. Na Ásia Central, a Rússia desejava expandir-se para Sul com o objectivo de adquirir um porto nas águas quentes do Oceano Índico. O Reino Unido receava que a Rússia criasse bases na Ásia Central, de onde podiam ameaçar a Índia Britânica. Sem entrarem directamente em confronto com os Russos, os britânicos viram-se envolvidos nas Guerras do Afeganistão (1839-1842 e 1878-1880) e a situação na região foi sempre uma fonte de atritos entre as duas Potências. Se o foco das preocupações de Bismarck era a Europa, a questão do “Grande Jogo”, nome que os Britânicos utilizavam para designar este confronto de interesses com a Rússia, podia ficar fora dos acordos que viessem a ser concluídos para a Europa. Já o mesmo não se passava em relação aos Estreitos porque a sua utilização era (e é) feita de acordo com normas internacionais estabelecidas então pelas Grande Potências, o que incluía a França. O que o Reino Unido receava era que a Rússia viesse a dominar os Estreitos e, dessa forma, utilizasse o seu poder naval para ameaçar a livre circulação dos navios britânicos no Mediterrâneo Oriental e, especificamente, o acesso ao Canal de Suez.

Para manter a paz na Europa era, portanto, necessário não ameaçar a supremacia naval do Reino Unido e manter a França afastada da Áustria-Hungria e da Rússia com quem a Alemanha estabeleceria laços de aliança. O Acordo dos Três Imperadores começou por ser um acordo entre a Rússia e a Alemanha para ajuda mútua se um ou outro fosse atacado. A este acordo foi adicionado outro, entre a Rússia e a Áustria-Hungria em que concordavam em estabelecer um processo de consultas em caso de ameaça de agressão. Para estes acordos não foi estabelecido nenhum prazo de vigência. Tratava-se de uma nova Santa Aliança, conservadora como as três monarquias que a integravam.

Reconhecendo as consequências da vitória da Prússia em 1870-1871, Francisco José, Imperador da Áustria-Hungria, concluiu que teria toda a vantagem numa reconciliação com o Império Alemão. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Áustria-Hungria, Gyula Andrássy, era partidário de uma aliança com a Alemanha, mas desejava que esta aliança englobasse um terceiro parceiro, o Reino Unido. A estratégia que Andrássy propunha criava uma aliança, ou conjunto de alianças, contra a Rússia, o que ia contra os objectivos de Bismarck. No decorrer das negociações com a Alemanha, Andrássy chegou a propor a independência da Polónia por forma a criar uma barreira contra a Rússia. Bismarck manteve os seus objectivos pois considerava que a ligação com a Rússia era essencial para manter a segurança da Alemanha contra a França. O principal argumento utilizado por Bismarck para convencer Andrássy a aceitar o acordo foi o da «solidariedade monárquica, para fazer face a uma França republicana e agressiva.» Na realidade, este é um falso argumento em que nem Bismarck acredita. Os três imperadores reuniram-se em Berlim, em Setembro de 1872. Não foi escrito nenhum acordo e «a reunião foi apresentada como uma demonstração contra "a revolução".» [TAYLOR, The Struggle for Mastery in Europe 1848-1918, 2001, pp. 218-219]

No ano seguinte, em Maio, Guilherme I visitou São Petersburgo e, em Junho, Alexandre II visitou Viena. Em cada uma destas visitas foram estabelecidos acordos. Em São Petersburgo, Moltke e o Marechal de Campo Rembert von Berg, conselheiro de estado russo, assinaram uma convenção que previa ajuda militar mútua em caso de um dos Impérios ser atacado por outra potência europeia. Da visita a Viena resultou um acordo, a que Guilherme I se juntou mais tarde, que estabelecia a promessa de consulta mútua entre os Imperadores no caso em que alguma questão ameaçasse dividi-los. Este acordo entre os três soberanos tinha, pois, uma estrutura frágil, mas permitiu a Bismarck atingir o seu principal objectivo: o isolamento diplomático da França. As suas fraquezas foram postas à prova nas crises que se seguiram: a crise franco-alemã de 1875 e a crise balcânica de 1875-1878.

 

A Crise Franco-Alemã de 1875

Uma das cláusulas do Tratado de Frankfurt (1871) foi o pagamento pela França de uma indeminização à Alemanha no valor de cinco mil milhões de francos. Tratava-se de uma quantia muito avultada e Bismarck associou esse pagamento a dois objectivos: dificultar a recuperação francesa e financiar o desenvolvimento da indústria alemã. O prazo para pagamento terminava em Março de 1874, mas a França negociou o pagamento antecipado em troca de uma saída mais rápida das tropas de ocupação. Em 1871 tinham-se verificado incidentes entre franceses e ocupantes, que provocaram a ameaça de intervenção por parte de Bismarck. Foi para evitar este tipo de conflitos que Adolphe Thiers, negociou a antecipação do pagamento e da evacuação das tropas alemãs. A 29 de Junho de 1872 foi assinada a convenção que autorizou a antecipação dos pagamentos. No ano seguinte, em Março, foi assinada uma segunda convenção em que se estabelecia o acordo para os últimos pagamentos e a retirada das últimas tropas de ocupação, seis meses mais cedo que o que tinha sido estabelecido no Tratado de Frankfurt.

Thiers, forçado por uma coligação de partidos monárquicos, resignou ao cargo de Presidente a 24 de Maio de 1873 e sucedeu-lhe o Marechal Mac Mahon. A chegada dos monárquicos ao poder desagradou profundamente a Bismarck por duas razões: porque uma França republicana encontraria maiores obstáculos ao estabelecimento de alianças com as monarquias europeias e porque a ideia de revanche estava muito mais presente nos meios monárquicos. Com a formação do governo da coligação conhecida como Ordre Moral surgiram outras causas de atrito entre a França e a Alemanha. 

Com raízes mais antigas, agudizou-se na década de 1870, na Alemanha, o conflito entre o Governo alemão e a Igreja Católica pelo controlo de escolas e nomeações para a hierarquia da Igreja, conflito que ficou conhecido como Kulturkampf. Para o governo de Bismarck tratava-se de fortalecer o poder central do Império Alemão, predominantemente prussiano e protestante, no qual o sul da Alemanha, a Alsácia-Lorena e as províncias polacas eram predominantemente católicas. Em 1871 foi abolido o departamento católico no Ministério dos Cultos. Em 1873 o controlo da Educação passou a ser exclusivo do Estado e os Jesuítas foram expulsos do Império. No ano seguinte foi igualmente decretada a expulsão de outras ordens. Em Maio deste ano foram publicadas as leis que regulavam a nomeação para os cargos eclesiásticos, que restringiam os poderes disciplinares da Igreja e facilitavam os procedimentos para aqueles que desejassem abandonar o seu serviço. Estas leis não só restringiam os poderes da Igreja Católica como previam as sanções a aplicar para as situações de incumprimento e tiveram como consequência a perseguição a muitos clérigos. Estas perseguições infligidas aos católicos provocaram os protestos dos bispos de Nîmes e de Angers. Bismarck exigiu ao governo francês que agisse contra esses bispos.

Estes acontecimentos criaram um momento de tensão grave nas relações entre a França e a Alemanha, mas não devemos considerar que só por si eles poderiam desencadear uma nova guerra. Já a reorganização do Exército Francês foi vista como uma ameaça para a Alemanha. Esta reorganização resulta de duas leis, uma de 1872, que instaurou um serviço militar obrigatório em geral de cinco anos, e outra de Março de 1875 que, embora mantendo os mesmos efectivos, aumentava o número de batalhões em tempo de paz e permitia a formação de mais oficiais e sargentos. Com estas leis e um sistema que permitisse uma rápida mobilização das reservas, a França conseguiria aprontar para uma campanha um número maior de unidades militares e com maior rapidez. A lei de Março de 1875 foi entendida por Bismarck como uma preparação da França para uma guerra contra a Alemanha, possibilidade que aproveitou para, utilizando a imprensa, mobilizar a opinião pública alemã e fazer crer aos Franceses que não deviam prosseguir com aquela reorganização militar.

Este mal-estar nas relações entre a Alemanha e a França foi motivo de conversa entre Élie de Gontaut-Biron, embaixador francês em Berlim, e Joseph Maria von Radowitz, embaixador alemão em Atenas. Gontaut-Biron explicou que a lei de Março de 1875 não pretendia possibilitar um ataque da França à Alemanha, mas Radowitz retorquiu: «se a vingança está no pensamento íntimo da França - e é seguramente o que se passa - porque havemos de esperar que recupere as suas forças e faça alianças, para atacar? Terá de concordar que [...] estas deduções têm fundamento e que a Alemanha tem de reflectir sobre elas.» [Citação, sem mencionar a fonte, em MILZA, As Relações Internacionais de 1871 a 1914, 2007, p. 22] 

O facto de Radowitz ser familiar de Bismarck deixou Gontaut-Biron ainda mais preocupado com esta resposta e deu conhecimento dela ao seu Ministro dos negócios Estrangeiros, Louis Decazes. O Governo Francês tomou consciência da gravidade da situação, pois a ideia transmitida por Radowitz teria, muito provavelmente, sido considerada pelo Governo Alemão e não seria apenas fruto de um pensamento pessoal lançado sem intenção numa conversa de salão. O Governo Francês considerou a possibilidade de suspender a lei de Março de 1875 a fim de não dar qualquer pretexto à Alemanha, mas não o fez e pediu o apoio do Reino Unido e da Rússia.

O Primeiro-ministro britânico, Benjamin Disraeli, garantiu o apoio diplomático à França e solicitou ao Governo Alemão que assegurasse à Europa que não existia nenhuma intenção de iniciar uma guerra. Disraeli tentou, portanto, esclarecer as intenções da Alemanha por forma a manter um clima de paz na Europa. O Czar Alexandre II, no entanto, assumiu uma atitude mais activa. O problema de Alexandre II eram as consequências de uma guerra entre a França e a Alemanha. A França continuava isolada e o mais provável seria a guerra resultar numa vitória alemã, o que implicaria a hegemonia alemã no Continente, ou seja, um desequilíbrio do poder militar entre as potências europeias. Sendo assim, Alexandre II desloca-se a Berlim, onde chegou a 10 de Maio de 1875 na companhia do seu chanceler, Mikhail Alexandrovich Gorchakov. Houve uma reunião em que estiveram presentes Alexandre II, Gorchakov e Bismarck. Não existem registos da conversa entre estas personalidades, mas Gorchakov deu a garantia a Gontaut-Biron de que a Alemanha não iria desencadear uma guerra preventiva contra a França.

A República Françesa continuou a implementar as reformas por forma a reconstruir o seu poder militar. Também não é credível que Bismarck pretendesse mais do que pressionar a França por forma a evitar que esta se tornasse uma potência militarmente mais forte e pudesse, no futuro, desencadear uma guerra com a finalidade de recuperar a Alsácia-Lorena. Bismarck teria certamente consciência de que as outras potências, tal como a Rússia, não aceitariam um ataque à França desencadeado pela Alemanha. Com esta crise, Bismarck ficou bem ciente das fraquezas reveladas pelo Acordo dos Três Imperadores.

 

A Crise Balcânica, 1875-1878

A crise que se desenvolveu nos Balcãs em 1875 e se prolongou até 1878 foi muito complexa e esteve relacionada com os movimentos de autonomia das comunidades cristãs que se encontravam sob domínio do Império Otomano, com os interesses da grandes potências na região, incluindo os Estreitos do Bósforo e de Dardanelos, muito em especial com os interesses da Rússia e da Áustria-Hungria.

O Império Otomano encontrava-se em declínio e as Grandes Potências tinham posições diferentes sobre as consequências deste facto. Só o Reino Unido tem interesse em manter a integridade do Império porque através dos Balcãs, a Rússia poderia conseguir a hegemonia no Mediterrâneo oriental o que seria considerada uma ameaça sobre a "rota das Índias" já que os navios britânicos utilizavam o Canal de Suez, em funcionamento desde 1869, para chegarem à Ásia Central, onde os interesses russos e britânicos entravam em colisão. A França não tinha interesses territoriais nos Balcãs. Bismarck afirmava que os Balcãs não valiam os ossos de um soldado da Pomerânia, mas a realidade era que naquela região existia o isco de confronto entre a Áustria-Hungria e a Rússia, já que ambas as potências procuravam tirar o máximo partido das dificuldades que o Império Otomano mostrava em controlar as zonas da Península Balcânica que iam adquirindo diferentes graus de autonomia.

Os povos cristãos da Península dos Balcãs, animados pelos movimentos nacionalistas, mostravam cada vez mais intolerância ao domínio otomano. Estes movimentos, em especial os movimentos nacionalistas eslavos, recebem apoio do exterior, da Rússia, mas também dos territórios que já tinham conquistado a sua independência. Estes, para além do apoio que procuram prestar às minorias dependentes (do Império Otomano, mas também do Império Austro-Húngaro), procuram também expandir o seu território por forma a abarcar comunidades com que se identificam étnica e religiosamente ou por forma a reviverem os antigos impérios que ali se desenvolveram em tempos anteriores à conquista otomana. É o caso de reviver o Império Sérvio (1346–1371), o Primeiro Império Búlgaro (632 a 1018) ou o Segundo Império Búlgaro (1185 a 1396), entidades históricas que pretenderam justificar, a par de outros factores, os conceitos de Grande Sérvia ou Grande Bulgária.

Quando foi estabelecido o compromisso austro-húngaro de 1867 - o Ausgleich - os povos eslavos do Império viram com grande preocupação os Alemães e os Magiares (Austríacos e Húngaros) alcançarem posições preponderantes. Croatas, Eslovenos e Sérvios do Império ficaram sob domínio Magiar. Nesta situação, no seio destes povos desenvolveram-se fortes movimentos nacionalistas atraídos pelo exemplo de um Estado eslavo semi-independente, o Principado da Sérvia. A este ambiente não era estranha a propaganda pan-eslavista com origem na Rússia. Esta propaganda era considerada perigosa tanto para os interesses austro-húngaros como para os interesses otomanos.

 

Revoltas na Bósnia e Herzegovina e na Bulgária. Apoio da Sérvia e Montenegro. Intervenção do Império Otomano

A Bósnia e a Herzegovina foram sujeitas, durante muito tempo, a governos muçulmanos que usufruíam de grande independência de Constantinopla. Neste território desenvolveu-se uma estrutura social e económica antiquada, com um governo rude sobre um campesinato maioritariamente cristão em que muitos dos seus membros tinham o estatuto de servos. esta situação já tinha provocado revoltas na região, a última das quais em 1861-1862. A influência do Principado da Sérvia não era estranha a estas revoltas. Em Julho de 1875, os impostos foram agravados e os camponeses cristãos revoltaram-se contra os seus senhores muçulmanos. Esta revolta causou inquietação nas Grandes Potências e manifestações de simpatia na generalidade das comunidades eslavas, em particular do Montenegro que apoiou os rebeldes desde o início da revolta.

Alexandre II avisou os Sérvios sobre os perigos de uma intervenção militar em apoio dos rebeldes, mas a opinião pública sérvia teve mais poder sobre Milan Obrenović, Príncipe da Sérvia (Milan I), que decidiu prestar ajuda aos revoltosos da Bósnia e da Herzegovina. Os Turcos tinham começado a reunir forças para agirem contra os revoltosos e, em Outubro, registaram-se vários confrontos entre as forças turcas e o exército sérvio. A declaração de guerra da Sérvia à Turquia foi feita a 2 de Julho e, no dia 10, a Sérvia e o Montenegro assinaram um tratado de aliança e uma convenção militar. A Áustria-Hungria e a Rússia, as grandes potências com interesses directos na região, estabeleceram um acordo. A 8 de Julho de 1875, em Reichstadt, Boémia, Gorchakov e Andràssy concordaram verbalmente em não intervir na guerra. Concordaram que, se a Turquia viesse a derrotar os Montenegrinos e os Sérvios, ela não seria autorizada a beneficiar da sua vitória pois a Rússia e a Áustria-Hungria exigiriam que a Sérvia fosse restaurada nas suas fronteiras anteriores à guerra, exigiriam o reconhecimento do Montenegro como um Estado independente e a Bósnia e Herzegovina veria reconhecida a sua autonomia.

Aqueles dois diplomatas também chegaram a acordo sobre as acções a desenvolver no caso de a Turquia perder a guerra. Neste caso, a Rússia recuperaria o sul da Bessarábia e poderia ocupar Batumi (na actual Geórgia) e outros territórios na fronteira asiática com a Turquia, sem a oposição da Áustria-Hungria. Este foi um acordo não escrito em que foram estabelecidas várias outras cláusulas para o caso de um colapso do Império Otomano e, sendo assim, o exame dos documentos posteriores encontrou várias discrepâncias entre a versão russa e a versão austríaca.

Em Maio de 1875, o general russo Mikhail Grigorievich Chernyayev foi nomeado comandante do Exército Sérvio e as expectativas criadas pelo apoio da Rússia encorajaram a Sérvia a declarar guerra ao Império Otomano. Esse apoio, em Novembro de 1875, somava três milhões de rublos, uma grande quantidade de abastecimentos e entre dois e três mil voluntários russos que se juntaram às forças sérvias. O apoio enviado da Rússia, conseguido principalmente num sistema de doações particulares ao movimento pan-eslavista, era apesar de tudo insuficiente para impedir a vitória das forças otomanas. No final de Outubro, os Turcos estavam em posição de avançar sobre Belgrado, o que só não aconteceu porque a Rússia lançou um ultimato que obrigou a um armistício.

Perante a fraqueza da Sérvia, a Rússia decidiu desenvolver o seu esforço em direcção à Bulgária, passando esta a ser a principal zona de influência russa nos Balcãs. Os Búlgaros eram então uma comunidade autónoma dentro do Império Otomano sendo a religião cristã ortodoxa o principal elemento aglutinador sob a liderança do Patriarca de Constantinopla. Os líderes desta comunidade eram claramente russófilos e a comunidade mostrava-se pouco permeável às influências ocidentais. Neste processo desenvolveu-se a ideia da criação de uma "Grande Bulgária" que seria criada à custa dos territórios que eram os que materializavam as ambições territoriais da Sérvia. Por outro lado, a intervenção da Rússia para proteger os habitantes da Bósnia e Herzegovina, da Sérvia e do Montenegro, levaria a atritos ou mesmo A uma situação de guerra com a Áustria-Hungria.

Esta era a situação que Bismarck mais queria evitar porque, mesmo que o conflito entre a Áustria-Hungria e a Rússia se mantivesse no patamar dos conflitos diplomáticos, a Alemanha seria obrigada a fazer uma escolha, apoiando um dos seus parceiros do Acordo dos Três Imperadores e antagonizando o outro. Neste caso, estaria criada uma oportunidade para a França sair do isolamento em que se encontrava desde 1871, conseguindo uma aliança com a parte não apoiada pela Alemanha. Para Bismarck, a solução óbvia era a partilha do Império Otomano, o que iria mitigar o antagonismo entre a Áustria-Hungria e a Rússia. Para as outras Grandes Potências serem compensadas dos ganhos austríacos e russos, podiam ser-lhes feitas concessões no Próximo Oriente ainda dominado pelo Império Otomano.

A Áustria-Hungria dominaria a Bósnia e Herzegovina e a parte ocidental dos Balcãs. A parte ocidental da Península ficaria aberta ao controlo da Rússia que exerceria controlo sobre a Roménia e uma Bulgária autónoma. O Reino Unido ocuparia o Egipto e algumas ilhas turcas no Mar Egeu e a França seria compensada com a Síria. Para implementar esta partilha, Bismarck necessitava da cooperação do Reino-Unido cujo governo não se decidiu sobre a posição a tomar. Durante o ano de 1876 foram tentadas negociações entre as Grandes Potências sem que alguma se tenha comprometido com o projecto de Bismarck. O Reino Unido assumiu a posição de preservar o Império Otomano.

Em Maio de 1876, a insurreição que tinha começado na Bósnia e na Herzegovina chegou aos territórios da Bulgária. Com o apoio de agentes russos e uma organização que vinha a ser criada desde 1873, os Búlgaros revoltaram-se contra o domínio otomano. As represálias exercidas foram de grande violência. As tropas otomanas cometeram grandes atrocidades e massacraram dezenas de milhar de pessoas. As notícias desta repressão indignaram a opinião pública europeia que exerceu pressão sobre os seus governos para intervirem por forma a porem fim aos «horrores búlgaros». Este era o título de um folheto que foi publicado por William Ewart Gladstone em que denunciava a situação na Bulgária. Apesar da indignação pública, os governos não se apressaram a reagir. Só a Rússia, porque tinha interesses na região, agiu mais prontamente.

O Czar tornou pública a intenção de realizar uma intervenção militar se as outras potências não chegassem a acordo sobre uma acção comum junto do Governo otomano. A Áustria-Hungria não deu sinais de se opor a esta atitude da Rússia já que, desta forma ficava com as mãos livres para se apoderar da Bósnia e da Herzegovina. Andrássy e Gortchakov reuniram-se e chegaram a acordo sobre uma partilha de zonas de influência nos Balcãs, Bismarck limitou-se a estar atento aos acontecimentos para procurar evitar que os seus parceiros do Acordo dos Três Imperadores entrassem em confronto um com o outro, mas o Reino Unido continuou a opor-se ao desmembramento do Império Otomano porque, a acontecer, prejudicaria os interesses britânicos no Mediterrâneo Oriental. Para tratar a questão, os Britânicos propuseram a realização de uma conferência em Constantinopla.

 

A Conferência de Constantinopla (23 Dezembro 1876 - 20 Janeiro 1877)

Os Turcos, perante a desunião mostrada pelas Grandes Potências, recusaram pôr fim ao conflito. O Conselho Imperial russo, reunido em Livadia, a 15 de Outubro, decidiu uma mobilização parcial do exército. No dia 4 de Novembro, Frederick Arthur Stanley, Conde de Derby, Financial Secretary para o War Office, sugeriu uma conferência a realizar em Constantinopla com a finalidade de elaborar um novo esquema de reformas para o Império Otomano, o que mereceu o acordo das outras Potências. O Governo otomano aceitou com grande relutância a realização da conferência, depois de Lord Derby ter deixado claro que a alternativa seria uma guerra entre a Rússia e o Império Otomano, ficando este por sua conta. O Czar tinha tornado público que a Rússia agiria por sua conta se as Potências não chegassem a acordo em Constantinopla e não assegurassem garantias de que as reformas seriam realizadas.

A Conferência de Constantinopla foi realizada de 23 de Dezembro de 1876 a 20 de Janeiro de 1877. Participaram os representantes do Reino Unido, Alemanha, Áustria-Hungria, França, Rússia, Itália e Império Otomano. Nas primeiras semanas de Dezembro foram realizados encontros preparatórios para a Conferência dos quais os representantes turcos foram excluídos. As decisões tomadas nas reuniões preparatórias foram as seguintes [ANDERSON, The Eastern Question, 1978, p. 191]:

  • A Bósnia e a Herzegovina seriam unidas numa única província, sendo o governador nomeado pela Porta (designação do Governo Otomano), embora necessitando do consentimento das Grandes Potências;
  • A Sérvia e o Montenegro receberiam pequenos ganhos territoriais, mas este projecto não previa nenhuma saída para o mar; O sul da Herzegovina seria anexado ao Principado do Montenegro.
  • A Bulgária tornar-se-ia num Estado autónomo em que a fronteira sul deveria ser traçada entre Adrianópolis (actualmente Edirna, Turquia) e Monastir (actual Bitola, Macedónia), e o novo Estado deveria ser dividido em duas províncias: oriental, com capital em Tarnovo, e ocidental, com capital em Sofia. As Grandes Potências apresentaram uma proposta legislativa sobre a organização administrativa do território, impostos e supervisão internacional para a verificação da aplicação das medidas acordadas.

No dia 23 de Dezembro, na abertura da primeira sessão plenária, os delegados foram surpreendidos pelo anúncio de uma nova Constituição do Império Otomano, com um carácter liberal. As decisões que as Grandes Potências queriam impor pareciam agora desajustadas da realidade. No dia 18 de Janeiro de 1877, em Constantinopla, um "conselho de notáveis", que incluía os representantes das comunidades cristãs, votou quase unanimemente contra a aceitação das decisões das Grandes Potências. Estas, desunidas, não conseguiram levar o Governo turco a aceitar aquelas decisões. Os Franceses, por seu lado, aproveitaram a oportunidade para estreitarem as relações com a Rússia e o Reino Unido. Bismarck desenvolveu esforços para se manter perto da Áustria-Hungria e do Reino Unido. A primeira consequência desta desunião foi a de as Grandes Potências acabarem por alterar as suas propostas no sentido de atraírem o Governo turco, mas este continuou a opor-se às decisões tomadas na Conferência e, no dia 20 de Janeiro de 1877, esta deu os trabalhos por terminados sem ter atingido os seus objectivos. A situação ainda se agravou mais quando, a 5 de Fevereiro, foram feitas remodelações no Governo Otomano e este se tornou mais conservador e mostrou maior antagonismo às propostas das Grandes Potências.

A Rússia insistiu em obrigar a Turquia a desmobilizar e a aceitar um programa de reformas cuja execução seria controlada pelas Grandes Potências. Tanto a Áustria-Hungria como o Reino Unido insistiram na desmobilização das forças russas antes de ser assinado qualquer acordo. Por iniciativa da Rússia, as negociações continuaram apesar de encerrada a Conferência e as Grandes Potências chegaram a um acordo, de que resultou um protocolo assinado um protocolo a 31 de Março em que exigiam a desmobilização das forças turcas. No dia 9 de Abril, os termos do protocolo foram rejeitados pelo Sultão.

 

A Guerra Russo-Turca de 1877-1878

No dia 15 de Janeiro de 1877, a Rússia e a Áustria-Hungria assinaram uma convenção militar. De acordo com esta convenção, a Áustria-Hungria manteria uma posição de neutralidade benevolente no caso de uma guerra entre a Rússia e a Turquia. Em troca, a Áustria-Hungria poderia ocupar a Bósnia e a Herzegovina quando entendesse. A Sérvia, o Montenegro e o Sanjak de Novibazar constituiriam uma zona neutra que não seria invadida pelas forças de nenhuma das potências. As tropas austríacas não invadiriam a Roménia. No dia 18 de Março, a Rússia e a Áustria-Hungria assinaram uma convenção política que permitia à Áustria-Hungria não só ocupar a Bósnia e a Herzegovina, nos termos da convenção militar de 15 de Janeiro, como anexar aqueles territórios. A Rússia recuperaria o sul da Bessarábia e estes dois Estados apoiar-se-iam diplomaticamente se as alterações territoriais previstas fossem sujeitas à deliberação das Grandes Potências. Ficou acordado que nenhum grande Estado, eslavo ou outro, seria formado nos Balcãs. Se o Império Otomano se desintegrasse, uma parte dos seus territórios europeus seriam entregues à Grécia e Constantinopla tornar-se-ia uma cidade livre. Com este acordo, a Áustria-Hungria recebia a Bósnia e a Herzegovina e via aumentada a sua influência sobre os Eslavos do Sul e nos Balcãs Ocidentais. A Rússia ficou com as mãos livres para agir contra os Turcos. No dia 16 de Abril a Rússia e a Roménia assinaram duas convenções: uma permitia aos Russos atravessarem o território da Roménia para atacarem a Turquia; a outra colocava o controlo dos caminhos de ferro da Roménia nas mãos dos Russos.

A 24 de Abril de 1877, a Rússia declarou guerra à Turquia. As forças russas avançaram através da Roménia e invadiram o território da Bulgária. Neste avanço encontraram forte resistência turca em Pevna que resistiu até 10 de Dezembro. Vencida esta forte resistência, os Russos avançaram em direcção a Constantinopla. Nos dias 8 e 9 de Janeiro de 1878 foi travada a Batalha de Senova, os Turcos foram obrigados a retirar e, a 30 de Janeiro as forças russas encontravam-se frente às linhas de defesa da capital otomana. O rumo que a guerra estava a tomar obrigou a uma intervenção do Reino Unido. No dia 29 de Janeiro de 1878, Lord Salisbury, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, enviou uma nota ao Governo Russo, na qual deixava claro que não admitiria a ocupação de Constantinopla por uma potência estrangeira. Simultaneamente, enviou a esquadra do mediterrâneo para Constantinopla e tropas para Malta, numa clara demonstração da sua vontade de intervir. Os Russos, exaustos e sem capacidade para prolongar o conflito, menos ainda para o alargar a outra Potência, cederam à pressão britânica. No dia 31 de Janeiro, Russos e Turcos acordaram um armistício.

 

O Tratado de San Stefano e o Tratado de Berlim

Após o armistício de 31 de Janeiro de 1878, foram negociadas as condições da paz entre a Rússia e a Turquia. Essas condições ficaram expressas num tratado assinado a 3 de Março de 1878, em San Stefano (actualmente Yeşilköy), na margem europeia do Mar de Mármara. O Tratado de San Stefano foi, assim, um acordo bilateral entre o Império Russo e o Império Otomano, no qual se estabelecem uma série de decisões relativamente a territórios que se encontravam inteiramente sujeitos ou, no mínimo, sob suserania otomana, tanto nos Balcãs como na região do Cáucaso, Chipre, fronteira com a Pérsia e sobre os Estreitos do Bósforo e Dardanelos. [Texto completo do tratado (em Inglês) em «The Preliminary Treaty of Peace, signed at San Stefano», https://pages.uoregon.edu/kimball/1878mr17.SanStef.trt.htm]

Balcãs Tratado de San Stefano 1878

As decisões mais controversas do Tratado de San Stefano foram as que respeitavam à Bulgária. O tratado estipulava a criação do Principado da Bulgária, tributário do Império Otomano, com um governo cristão (artigo VI). Ficava também estabelecido que o Príncipe da Bulgária seria livremente eleito pelo povo e confirmado pelo Governo Otomano (artigo VII). O exército otomano não permaneceria na Bulgária já que o artigo VI previa também a criação de uma milícia (artigo VIII) para «preservar a ordem, segurança e tranquilidade.» O efectivo desta milícia e os recursos a atribuir-lhe seriam posteriormente negociados entre a Rússia e o Império Otomano. Enquanto essa milícia não estava criada previa-se a manutenção de uma força russa de ocupação com um efectivo não superior a 50.000 homens. Esta força, que deveria retirar num prazo de dois anos. A Bulgária pagaria um tributo ao Império Otomano (artigo IX) e a Turquia mantinha o direito de atravessar o território da Bulgária para manter a ligação e intervir nos seus territórios que ficavam para lá da Bulgária, já que este principado separava em duas partes os territórios otomanos na Península (artigo X).

As condições estabelecidas neste tratado eram, assim, muito favoráveis à Rússia. A criação de uma Grande Bulgária independente proporcionava à Rússia uma vasta zona em que faria sentir intensamente a sua influência nos Balcãs. Não podendo ocupar Constantinopla devido à intervenção britânica, os Russos tinham conseguido, neste tratado, posicionar-se vantajosamente para acederem ao Mar Egeu através da Bulgária. Esta solução não foi aceite pelos governos britânico e austríaco que exigiram a revisão do Tratado de San Stefano, a ser feita por um congresso internacional. Tanto o Reino Unido como o Império Austro-Húngaro tomaram decisões para a eventualidade de ser necessário entrar em guerra com a Rússia, caso esta não aceitasse a revisão do tratado. No dia 4 de Junho de 1878, o Reino Unido e a Turquia estabelecem uma aliança defensiva com o objectivo de assegurar, no futuro, os territórios turcos na Ásia. A Rússia, para não ficar isolada como tinha acontecido na Guerra da Crimeia (1853-1856), cedeu à pressão das outras Potências.

O local escolhido para a realização do congresso foi Berlim. Esta escolha mostra a importância que a Alemanha tinha adquirido na diplomacia internacional. Bismarck presidiu ao Congresso de Berlim com a principal preocupação de manter a paz entre os Impérios Russo e Austro-Húngaro. No final do Congresso, que decorreu de 13 de Junho a 13 de Julho de 1878, tinham sido aprovadas uma série de alterações às cláusulas do Tratado de San Stefano. O acordo entre as Potências ficou expresso no Tratado de Berlim que veio substituir o Tratado de San Stefano.

Balcãs Tratado de Berlim 1878

Os primeiros doze artigos do Tratado de Berlim (1878) eram dedicados à Bulgária que, tal como previsto no tratado anterior, passou a ser um principado autónomo e tributário sob suserania do Sultão. No entanto, o território da Bulgária tal como foi definido em Berlim era muito mais reduzido do que o que estava previsto anteriormente. A Macedónia ficou sob controlo directo do Sultão e a parte sul da Bulgária passou a formar uma nova província (artigo 13º): «Uma província é formada a sul dos Balcãs que será designada como “Rumélia Oriental”, e permanecerá sob a autoridade política e militar directa de Sua Majestade Imperial o Sultão, sob condições de autonomia administrativa. Terá um Governador-Geral cristão.» [Texto do Tratado de Berlim em HERTSLET, The Map of Europe by Treaty, Vol. IV, 1875 to 1891, 1891, pp. 2759-2799]

Nos artigos seguintes, tratava-se da administração de Creta (artigo XXIII) e definia-se a mediação, se necessário, para o acerto de fronteiras com a Grécia (artigo XXIV). «As Províncias da Bósnia e Herzegovina serão ocupadas e administradas pela Áustria-Hungria» (artigo XXV). A 28 de Julho foi publicada uma proclamação destinada aos habitantes da Bósnia e Herzegovina sobre a entrada das tropas austríacas no território, o que teve início no dia seguinte. «A independência do Montenegro é reconhecida pela Sublime Porta e por todas as Altas Partes Contratantes que ainda não o tinham admitido» (artigo XXVI). O Principado do Montenegro viu as suas fronteiras substancialmente alargadas, mas muito aquém do que tinha sido definido em San Stefano. Foi reconhecida a independência do Principado da Sérvia (artigo XXXIV) com alterações territoriais ao que tinha sido estabelecido no tratado anterior. A independência da Roménia também foi reconhecida (artigo XLIII). A Rússia ganhou parte da Bessarábia e alguns territórios na fronteira do Cáucaso, menos que o previsto em San Stefano.

O Tratado de Berlim não resolveu o problema dos Balcãs. Os novos Estados balcânicos não estavam satisfeitos com as decisões tomadas: a Roménia ressentiu-se da perda da Bessarábia do Sul a favor da Rússia; a Sérvia viu goradas as suas intenções de englobar os povos eslavos da Bósnia-Herzegovina que ficavam agora sob domínio austro-húngaro; a Bulgária porque perdeu a parte sul para a formação da Rumélia Oriental. Por outro lado, o Império Otomano sofreu uma humilhação por perder parte do seu território e também por ser obrigado a garantir a protecção das minorias cristãs, nomeadamente os Arménios, e a adoptar reformas internas por imposição externa. Ficou claro que a integridade do Império Otomano, tão cara aos Britânicos, tinha os dias contados. No entanto, foi a reacção da Rússia que mais inquietação causou a Bismarck. A Rússia teve de renunciar à criação de uma Grande Bulgária, onde exerceria uma forte influência, e a parte dos territórios conquistados na fronteira asiática com a Turquia. O Governo Russo acusou a Alemanha de favorecer a Áustria-Hungria. Apesar dos esforços desenvolvidos por Bismarck para manter o equilíbrio entre as duas Potências interessadas nos Balcãs, a Rússia rompeu os acordos de 1873 pondo fim ao primeiro sistema de alianças de Bismarck.

 

Bibliografia

ANDERSON, Matthew Smith, The Eastern Question, © 1966, The Macmillan Press, London, United Kingdom, 1978, ISBN 0-333-03781-2.

COOK, Chris & PAXTON, John, European Political Facts 1848-1918, © 1978, Macmillan Press, 1978, London, ISBN 0-333-15100-3.

COOK, Chris & STEVENSON, John, The Routledge Companion to European History since 1763, © 1987, Routledge, United Kingdom, 2005, 493 p., ISBN 0-415-34583-9.

DUPUY, Richard Ernest & DUPUY, Trevor Nevitt, The Encyclopedia of Military History, from 3500 B.C. to the present, © 1970, Harper & Row, New York, 1986, 1524 p., ISBN 0-06-181235-8.

HERTSLET, Sir Edward, The Map of Europe by Treaty, Vol. IV, 1875 to 1891, Harrison and sons, St. Martin Lane, London, 1891 [http://www.columbia.edu/cu/lweb/digital/collections/cul/texts/ldpd_7229668_000/index.html].

HINSLEY, Sir Francis Harry (Editor), The New Cambridge Modern History, XI. Material Progress and World-Wide Problems: 1870-1898, (c) 1962, Cambridge University Press, Great Britain, 1990, ISBN 0-521-04549-5.

KISSINGER, Henry Alfred, Diplomacy, © 1994, Simon & Schuster, New York, 1994, 912 p., ISBN 0-671-65991-X.

MILLER, Stuart T., Mastering Modern European History, © 1988, Palgrave, New York, 1997, ISBN 978-0-333-64081-4.

MILZA, Pierre, As Relações Internacionais de 1871 a 1914, © 1995, Edições 70, Lisboa, 2007, ISBN 978 972 44 1334 1.

MITCHELL, Brian R., European Historical Statistics 1750-1970, © 1975, The Macmillan Press Ltd, London, 1976, ISBN 0-231-03973-5.

PUGH, Martin (Editor), A Companion to Modern European History, 1871-1945, © 1997, Blackwell Publishers, USA, 2000, ISBN 0-631-19218-2.

TAYLOR, Alan John Percival, The Struggle for Mastery in Europe 1848-1918, © 1954, Oxford University Press, Great Britain, 2001, ISBN 0 19 881270 1.

 

Torres Vedras, 10 de Fevereiro de 2019

Manuel F. V. G. Mourão